Quando os erros começaram



O castelo não mudara com o tempo. Reconhecia cada canto, reconhecia cada pedra da minha camarata. Por sorte, estava vazia ou eu poder-me-ia ter visto obrigada a modificar a memória de alguém. Ouvia-a as vozes de alunos animados na sala comum e suspirei. Lançei um feitiço de camuflar sobre mim mesma e reconheci alguns dos Gryffindor da época de Tom Riddle. James Potter acabara de entrar para o seu primeiro ano e já jogava xadrez a um canto com Sirius Black.  
Eu sabia que Armando Dippet tinha sido despedido no ano anterior, como consequência dos ataques provocados pelo Herdeiro de Slytherin e que Dumbledore era agora director. 
Saí discretamente pelo retrato da Dama Gorda e terminei o feitiço, que já me começava a cansar. Conhecia aquele castelo, mas o ambiente que predominava era diferente, mais leve. A minha geração de professores fora marcada pela guerra, pelo medo. Os meus colegas eram os filhos daqueles que haviam sobrevivido a Voldemort, eram uma geração cautelosa, preocupada, dura. Na época de Tom Riddle, vivia-se um ambiente descontraído de paz duradoura, Hogwarts vivia de uma liberdade que eu nunca experimentara, sem que ninguém sonhasse que o mais negro feitiçeiro de todos os tempos estava ali a ser criado.
Era noite de céu estrelado e havia casais por todo o lado, nenhum sinal de Filtch ou de Mrs Norris, ninguém interessado em mandar os alunos para a cama. Eu estava boquiaberta. Vi Lily Potter e Severus Snape a caminhar nos jardins sob a lua cheia, compreendi muito antes de Harry os ter visto no pensatório um ano depois, a relação que existia entre ambos. 
Os calabouços eram frios e gelados, como sempre haviam sido. Pedra negra, luz esverdeada graças às águas do lago, caminhava sem fazer barulho, mas sentia a minha respiração acelarada e o coração palpitante no meu peito. Aproximava-me da sala de Slytherin, mas mesmo antes de chegar ouvi duas vozes e arrisquei espreitar. 
Um rapaz sussurrava palavras que não conseguia compreender, os olhos cinzentos cintilavam na escuridão e um sorriso pairava nas feições pontiagudas. Apesar de cinquenta anos mais novo e de cabelo curto, eu reconheci Lucius Malfoy sem dificuldade. Draco era igual a ele, para lá de qualquer duvida.
Foi o outro rapaz que me assustou. Era mais alto do que o Malfoy, um manto negro pendia nos seus ombros largos, o corpo era musculado e bem definido. O emblema de prefeito destacava-se no seu peito. Não sorria, sério e austero fitava Lucius com os seus olhos verdes. Não eram o mesmo verde dos de Harry, eram um verde escuro e imponente, eram o verde de Slytherin. Canudos negros, perfeitos caíam sobre o pescoço, sensualmente. As feições eram ligeiramente pontiagudas, os lábios finos e autoritários e a pele pálida cintilava na escuridão, parecia quase divino, irrealmente belo, tinha algo de irresistivel. Demorei algum tempo a reconhecer Lord Voldemort, que eu vira no Ministério de rosto queimado, sem nariz e olhos vermelhos cor de sangue, demasiado magro e esquelético. 
- Calma, Lucius. Podemos ter falhado o ano passado, mas alguém conseguirá terminar o nosso trabalho, o trabalho de Slytherin. - Quando falou reconheci o tom, autoritário e frio, mas másculo e poderoso. O tom era sexy, simplesmente, sedutor. 
- Como quiseres, Tom. - Lucius encolheu os ombros. - A Narcisa está à minha espera, por isso se não te importas eu vou andando. 
- Faz o que tens a fazer. - E eu atónita ouvi uma gargalhada de Lord Voldemort e um sorriso nos seus lábios, era um sorriso branco e alinhado, uma gargalhada harmoniosa. Como podia alguém tão maléovolo ser tão perfeito?
Lucius afastou-se na direcção oposta à minha, suspirei de alivio. Não queria acreditar na minha sorte. Tom Riddle sozinho no meio do castelo. Eu precisava de pôr o meu plano em prática. Tirei a minha varinha do bolso e apontei-a ao coração dele, "Avada Kedavra" era tudo o que eu teria de murmurar. Era tudo o que tinha planeado murmurar. Causaria mudanças no futuro, sem dúvida...mas seriam essas mudanças erradas de se causar? Se Lord Voldemort nunca chegasse a existir, quantos inocentes estariam vivos? Não teria o meu melhor amigo pais e padrinho? Não haveria paz em vez de guerra? Tudo o que tinha de fazer era pronunciar a maldição...
E então ele olhou para mim. O seu olhar encontrou o meu no meio da escuridão do corredor. Observou espantado a minha varinha erguida e franziu as sobrancelhas e moldou o rosto num meio sorriso. 
- Eu conheço-te? És uma das minhas antigas namoradas? - Ele riu-se. - Acho que não tive nenhuma de que não me lembre, mas nunca se sabe... e tu és bem jeitosa para eu não me lembrar...
- Jamais namoraria com um estupor como tu. - Respondi agressiva. Repugnava um elogio vindo dele.
- Estupor? Que foi que eu te fiz? - Ele ainda sorria. Obriguei-me a lembrar que naquela altura ele não era Voldemort, mas Tom Riddle, por todos admirado, por todos amado, menos talvez por Dumbledore. 
- Eu sei que desejas guerra e sangue. Eu sei que desejas matar muggles, só porque o teu pai era um muggle e abandonou a tua mãe. Sim, eu sei que és meio-sangue. Eu sei que és incapaz de amar. Sei que és mau e preverso. Sei que és Lord Voldemort e o Herdeiro de Slytherin. 
O sorriso dissipou-se do rosto dele. Fitou-me surpreso e franziu as sobrancelhas, ligeiramente preocupado.
- Como podes saber isso tudo? 
Eu não tinha nada a perder...Ele não me podia matar, porque eu não pertencia àquele tempo. Eu nasceria sempre no futuro, mesmo que morresse pela varinha dele naquele momento.
- Não alcançaste ainda, Tom Riddle? Disseram-me que eras grandiosamente inteligente. Eu sou do futuro, vim para te matar. Eu sei o que te vais tornar...vim impedi-lo.
Mostrei-lhe o vira-tempo. 
Ele acenou em reconhecimento. 
- Dizem que mudar o passado é uma perigosa arte...ninguém consegue prever todas as consequências...
- A coragem é o simbolo da minha casa. Todos os riscos são válidos, para livrar o mundo da dor que tu representas. - Eu esforçava-me para soar confiante, a verdade é que a beleza e a imponência dele eram desconcentrantes. Ele arrepiava-me só de me olhar. 
- E acreditas que me consegues matar? Matar a sangue frio, por algo que ainda não me tornei?
Eu olhei-o determinada...
- Ambos sabemos que nunca foste Tom Riddle. Lord Voldemort é quem tu és. Sempre o foste e sempre o serás. 
Ele pareceu satisfeito com a justificação, agia como se eu tivesse acabado de o elogiar. 
Passos no corredor. Pânico. Eu não queria alterar memórias, não queria magoar pessoas. Se me vissem seria perigoso.
- Queres que te vejam? 
Um calafrio percorreu-me antes de dizer que não. Então ele encostou-me à parede e tomou-me os lábios, ocultando o meu rosto de qualquer um que passasse no corredor. E eu compreendi que ele me desejava, era volúpia que o dominava. Não havia amor, carinho ou romance. Era um beijo frio, dominador, que o impunha sobre mim, que me fazia sentir insignificante, impotente, inútil.
Quando o grupo acabou de passar, ele não parou. As suas mãos pousaram na minha cintura, subiam e desciam perigosamente. Eu quase que cedi, afinal, aquilo era bom, intimo...não raciocinei logo, tenho uma vaga ideia que saboreei o momento, que o puxei ainda mais próximo, para o poder sentir, antes de o empurrar. 
- Deves-me um pequeno favor, por ter impedido que te vissem.
- Não te devo nada. Tu beijaste-me. 
Ele encolheu os ombros com uma expressão indiferente.
- Diz-me o teu nome...eu quero saber o nome da minha inimiga, daquela que me procura matar.
Hesitei. Revelar-lhe o meu nome, era saber que ele me reconheceria no futuro, como amiga daquele que se tornaria o seu pior inimigo, Harry Potter. Depois, percebi que já éramos inimigos declarados. 
- Hermione Granger. 
Ele ouviu o meu nome, como se o quisesse absorver por inteiro, como que para nunca mais o esquecer. 
- Tens determinação no teu olhar, Granger. Mas não tens poder para proferir o feitiço. Tu és fogo de Gryffindor...a morte exige frieza, cautela. Retirar uma vida não deve ser fácil, retirar a minha vida é destruir tudo o que conheces...eu sou parte do futuro. Não me consegues matar.
Ele achava-me incapaz...achava que estava numa posição de poder, achava que me poderia manipular. Mas eu não era qualquer uma e provar-lhe-ia isso. 
- Crucio - Ele despertara um lado sanguíneo em mim. Ele não me podia considerar fraca, não me podia achar submissa. Sei que aquelas palavras mudaram quem eu era. Reconheci que ele tinha razão, eu não estava preparada para o matar, mas naquele momento desejei estar. 
Ele encostou-se à parede, sentido a minha maldição. Não era um poder absoluto, mas era a chama de qualquer coisa negra, qualquer coisa que eu me poderia tornar. 
- Eu voltarei, Riddle. E voltarei mais forte. - Murmurei, antes de girar o vira-tempo e dar por mim na minha camarata vazia. Regressara à minha época, mas sentia-me vazia, perdida. Eu deveria pertencer ali, mas os breves minutos que passara com ele...haviam mudado quem eu era. 


 

Compartilhe!

anúncio

Comentários (1)

Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.