A cicatriz ardente



Harry sentia como se todo o pesadelo tivesse recomeçado. A cicatriz, que fora a muito deixada quieta, apareceu como se alguém estivesse com um aro fervente fazendo-o sofrer. Não agüentaria mais uma vez, já estava velho e não sabia ao certo o que acontecia. Ele via apenas um homem, puxando a varinha e uma luz muito verde e muito desconhecida para fazer qualquer de seus neurônios processarem a visão. Dessa vez, ele não era nada, ele era uma sombra olhando de muito perto a cena.  Abriu seus olhos, estava ofegante e estava mais uma vez em sua cama muito salva e muito confortável. Gina estava ao seu lado, seu nariz quase colado do seu; Seus olhos ávidos e seus lábios muito rápidos colando-se nos dele, desesperados. Ele sabia que não era um simples carinho, afinal, ele sentia as lágrimas que antes, desciam seu rosto.


Quando um espaço foi dado entre eles, ele pode respirar. Olhando no relógio trouxa ao lado da cama, reparara que era pouco depois de meia noite, e pouco depois de tudo mudar. Levantou-se sem se preocupar com o estado de Gina, que estava em choque, se esquecera que a esposa nunca o vira daquele jeito antes.


— A conexão... — disse Harry, ofegante — Foi refeita.


Gina ficou imóvel e só então Harry percebeu o pavor em seus olhos. Sentou-se na cama ao seu lado e descansou a cabeça nas mãos enquanto massageava a cicatriz de raio na testa; Ela ainda ardia, mas não podia significar o que pensavam. Há dezenove anos atrás, ele lembrava de explodir Lorde Voldemort e agora, lembrava de sentir a dor dilacerante que sentia a esses exatos anos.


Era o final das férias de Natal de seus filhos. A meia noite, Alvo, Tiago e Lily dormiam em seus quartos muito quietos e Teddy dormia no sofá da sala abaixo deles. Harry imaginava se Hermione e Rony tivessem sentido como ele que alguma coisa acontecera... Mesmo que não tivessem cicatrizes ou sequer visões, eles aprenderam a sentir como Harry aprendera a usar a dor.


 


 


 —É im-po-ssí-vel, Harry. — disse uma Mione mais velha e com poucos fios grisalhos no cabelo, mas o rosto ainda como antes: jovem e preocupado.


— É sim, quer dizer... Vimo-lo explodir, nós vimos... — concordou Rony, uma das mãos acariciando o ombro de Hermione, já se tornara tão normal com o passar dos tempos, que a reação jovem de olhá-lo nos olhos, surpresa, já estava perdida há tempos.


— É claro que viram e eu fiz, mas não sei o que houve, ele só... Voltou. Não sei dizer, dezenove anos depois e forte o bastante para fazer minha cicatriz doer daquela forma... — Hermione estremeceu, sentada no sofá a sua frente. Gina cuidava para que as crianças ficassem fora de casa, brincando de pique-pega no jardim (Hermione ensinara para eles) ou jogando quadribol, Harry não sabia ao certo. Ele encarou o vazio, imaginando as possibilidades impossíveis passarem ligeiras por sua mente ocupada. E então... — Só se... Se tivesse mais uma Horcrux.


Hermione e Rony ficaram imóveis e Harry observou a cor saindo de seus rostos assustados lentamente, enquanto processavam a informação.


— Mais uma? Então como ele... — começou Hermione.


— Não sobreviveu? — Harry cortou-a — Não sei, mas parece que existe uma coisa sobre Horcruxes que nem Dumbledore, nem ele, nem nós sabíamos.


— Dumbledore não avisou nada para gente quando mandou-nos procurar as horcruxes, do jeito que era, era bem capaz de saber. — comentou Rony.


—Não, dessa vez eu sinto que ele não sabia — disse Harry, levantando-se e se colocando de costas para eles, a cabeça baixa e as mãos apoiadas no parapeito da janela.


— E o que vamos fazer¿ Os membros da Ordem da Fênix já estão velhos demais e muitos deles mortos. — disse Hermione, a voz fraca. Harry enxergou pelo canto dos olhos Rony pegar a mão dela quando se aproximaram.


Um minuto de silencio e eles continuaram imóveis — A Armada de Dumbledore — Harry disse depois de um longo suspiro — é o único jeito.


Rony empalideceu com a idéia de uma nova guerra, mas logo o medo se afastou de sua mente e a coragem invadiu seu corpo e alma, com um longo suspiro seguido do de Harry, ele concordou com a cabeça.


— E Gina? — perguntou Rony, baixando os olhos.


— Ela vai ficar aqui, e cuidar das crianças... Aposto que pode cuidar de Hugo e Rosa também, caso queiram... — Harry tinha a voz cansada, como se a milhões de anos atrás, ele tivesse começado a falar e até agora não acabara. O franzir do seu cenho não deixava sua testa e o silencio de Hermione o preocupava mais do que tudo, afinal, Hermione era sempre falante. — Aposto também que ela vai ficar com Dominique, Victorie e Louis... Com certeza Gui vai querer lutar e Fleur não deixaria ir sem ela, vamos ver...  — a cabeça de Harry estava a mil fazendo os planejamentos. Desde que Lupin, Sirius e Dumbledore se foram, ele teria que pensar em tudo, e não imaginava como seria isso numa situação de guerra. —Também tem...


Harry, Harry, pare! — disse Hermione, pegando seus braços e virando-o para ela. Ela olhou-o nos olhos e ele viu o mesmo desespero de Gina, nos olhos da amiga. Diante disso, tentou relaxar um pouco, sem sucesso. — Foi apenas uma visão... Apenas uma e não vai acontecer novamente, certo¿ — Harry baixou os olhos, mas ela continuava a sustentar os dele — Certo? — Hermione finalmente largou seus braços e se dirigiu para o sofá, onde se largou e limpou as lágrimas que desciam seus olhos. Rony fechou os olhos ao passar e Harry suspirou quando percebeu o que passava na mente da garota.


— Hermione... — ele disse, se agachando em frente da garota — Não acabou. — as palavras frias saíram de sua boca mais facilmente do que imaginava, era como se ele tivesse esperado, ou talvez fosse apenas a prática. Rony massageou as têmporas se pondo ao lado da esposa e encaixando seu queixo entre as mãos. Os olhos deles se encontraram e os de Harry voavam de um para o outro. Depois de algum tempo, Rony falou:


— Você também vai ficar aqui.


Hermione imediatamente limpou as lágrimas, se pôs de pé e arregalou os olhos olhando apenas para Rony.


— Você está louco não é?! Com dois membros a menos da Armada de Dumbledore... E sabe-se lá se muitos outros acreditarão ou sequer vão querer lutar, Ronald?! E outra coisa, eu não vou deixar você ir sem mim, não vou, não vou... Não posso. — ela respondeu.


Eles escutaram passos silenciosos atrás deles, quando viraram, Harry fingiu um sorriso, mas Rony e Hermione sequer se deram ao trabalho. Com a expressão assustada e ao mesmo tempo, determinada, Tiago Sirius Potter observava-os quieto. O quanto ele teria ouvido da conversa¿ Nenhum deles sabiam, mas Harry sabia uma coisa que seus amigos não sabiam: Que era o suficiente.


— O que é exatamente a Armada de Dumbledore? — perguntou ele, a voz nem um pouco amedrontada.


Eles continuaram em silencio. Gina entrou correndo bem na hora, o olhar assustado ao encontrar o filho e sua família ali, e daquele jeito. — Vamos, Tiago, para o seu quarto, vamos! — ela disse, puxando ele pelo braço, mas os olhos dele não saíram dos três — VAMOS AGORA!


Ele finalmente deu atenção a ela. Virou-se e foi para o quarto, subindo as escadas com passos fortes.


— Gina, deixe ele ficar, é natal e daqui a pouco seus pais e irmãos estão chegando... E também Luna e Neville, com Hannah e Rolf. — disse Harry, calmamente.


—Tudo bem, mas então acabe logo com essa reunião. Já estou cansada e Alvo cisma de ficar correndo em volta de Lily, está deixando-a louca! — ela respondeu, sorrindo e aproximando-se de Harry, que também sorria.


Rony virou a cabeça para trás quando Gina deu um beijinho em Harry e eles escutaram Hermione sussurrando “Isso é ridículo, Ronald”.  Gina saiu da sala e deixou-os a sós para terminar, e lá de dentro, Harry sorriu quando escutou “Teddy, Alvo, deixem ela em paz!”.


— As moedas ainda funcionam? — perguntou Rony, se jogando no sofá.


— Acho que sim, eu guardei a minha na bolsa. — Hermione respondeu, pegando a bolsinha de contas pousada na mesa — Accio moeda! — uma única moedinha pulou na mão dela e ela examinou por um tempo. Rony riu ao lembrar-se do tempo em que aquilo pertencia, quando o problema maior que tinham era a cara de sapo com o enorme laço rosa na cabeçona.


Hermione sorriu — Sim, funciona. — ela se aproximou de Harry — Como vai chamar Cho Chang? — as estranhas de Harry se contraíram, Cho Chang era uma pessoa que ele não gostaria de ver com Gina por perto.


— Num dia normal, a menção do nome de Cho Chang faria Gina virar uma fera, e ficaria sem sequer tocá-la por um mês... Mas hoje ela está ocupada e acho que não vai se importar.


Sr. Potter, estou me esforçando para não ir até aí, mas controle-se. E Hermione, eu sei que a culpa foi sua! — ela gritou e eles escutaram as crianças dando risadinhas. 

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