Expresso Vermelho



O dia ameno de setembro nasceu prometendo uma manhã barulhenta para qualquer família bruxa. O dia 1° de setembro vinha acompanhado de expectativa, esperança ou saudade por parte dos alunos que embarcavam no expresso de Hogwarts na plataforma 9 e ½ em Londres. Na casa da família Weasley não seria diferente.


A última casa da rua calma estava mais do que acostumada a acordar com conversas altas, discussões por parte dos filhos e por parte da mãe e da filha. Rose Weasley abriu os olhos com o segundo grito que sua mãe dava na porta de seu quarto. Estava trancada, mas a mãe não hesitaria em usar a varinha, caso tivesse que berrar pela filha numa terceira vez.


- Estou acordada! – Rose gritou, sentando de um pulo.


Afastou os cabelos bagunçados para longe do rosto, ainda mantendo os olhos fechados para a janela aberta. Não gostava de dormir com a janela fechada; mesmo que confiasse no despertador, era mais intenso acordar com a luz do sol batendo no rosto. Ela esticou os braços ao teto, torcendo as feições ao espreguiçar-se.


- Não demore! – Hermione alertou na porta, dando uma última batida leve.


A garota pousou os pés descalços de meias no chão coberto de carpetes, jogando a coberta para longe. O cobertor bateu na parede e voltou a cair na cama, enquanto ela se colocava em pé, um pouco zonza. Bocejou, involuntariamente. Ainda se espreguiçando, ela tirou as roupas, já separadas, para fora do armário e as jogou sobre a cama.


Girou a chave na porta e abriu com dificuldade os olhos para o corredor mais iluminado que seu quarto. Hugo ouvia o cd que a avó materna lhe dera em seu aniversário, uma irritante mistura de Rock e Rap que apenas resultara em um barulho que dava dor de cabeça em todos que o ouviam. Ele fazia questão de ouvi-lo em voz alta.


- Abaixe isso! – Rose gritou, batendo com uma certa força na porta entreaberta do quarto do irmão. – Se isso ao menos prestasse...! - ela reclamou, se fechando no banheiro.


Baixou o rosto na pia de cerâmica, lavando-o com toda a água que conseguiu jogar. A água estava gelada, o que a ajudava a acordar. Devia ter desligado o computador mais cedo na noite anterior. Ergueu o rosto para o espelho, enquanto escovava os dentes, distraindo-se facilmente ao encarar seu rosto fino no espelho. As sardas quase translúcidas ganhavam seu nariz arrebitado e parte das maças nada avantajadas do rosto.


Os olhos castanhos muito claros eram grandes comparados ao resto do rosto, dando a impressão de que suas sobrancelhas eram grossas demais, mas elas apenas seguiam a linha oblíqua de seus olhos, dando a impressão de que Rose sempre estava preocupada com alguma coisa. Não era uma expressão que ela achasse bonita.


Limpou a boca, sorrindo ironicamente para seu reflexo sonolento no espelho arredondado. Entrou debaixo do chuveiro de água morna, sentindo um arrepio correr sua espinha. Estava ansiosa. Ansiosa com mais um ano que começaria na escola. Ansiosa por voltar a ver seus amigos. Passou a mão no pescoço, arregalando os olhos ao notar que estava usando o colar que seu melhor amigo lhe dera.


Assustada, retirou a corrente de prata, de onde pendia uma rosa prateada, do pescoço. Se sua mãe visse o presente, provavelmente começariam uma segunda guerra bruxa em casa, atingindo até mesmo quem não deveria atingir. Rose esquecera completamente de tirar a corrente na noite anterior, onde a colocara apenas para manter uma conversa por vídeo com o tal amigo através do computador.


Scorpius Malfoy nunca fora visto com bons olhos pela família Weasley, era mais como um catalisador das relações e responsabilidades que sua família mantivera. Seu avô fora um grande partidário de Lord Voldemort na grande guerra bruxa de vinte anos atrás. O pai de Scorpius fora um Comensal da Morte durante alguns poucos anos, um garoto sem nada na cabeça que se aliou ao Lord com péssimas intenções.


Rose pouco se importava com o passado da família de Scorpius, porque sabia quem ele era e como ele se comportaria caso existisse outra situação como a que seus pais viveram no passado. A garota pousou a corrente no piso de cerâmica seco do lado de fora do boxe e começou a lavar os cabelos castanhos iluminados por mexas naturais de um vermelho escuro. Herança da família Weasley. Ela cerrou os olhos, deixando que os pensamentos corressem soltos. O que nunca a deixavam com as coisas certas a pensar.


Seus pensamentos sempre a levavam aos vários momentos que conseguia se lembrar de estar com o amigo ressentido com sua aparência. Scorpius nunca gostara de se parecer tanto com o pai quanto se parecia. Ele tinha os mesmos olhos cinzentos, com a grande diferença de que os olhos do pai eram de um frio covarde, enquanto os do filho eram amenos e felizes.


- Rose! – seu pai chamou, na porta do banheiro.


- Quase saindo – ela anunciou, fechando o registro do chuveiro.


Ela tinha a imagem de Scorpius muito viva em sua memória. Os cabelos lisos eram tão claros que beiravam o branco. Ele os usava acompridados, lhe chegando abaixo das orelhas. Enrolou-se na toalha grande e atravessou o corredor até seu quarto com o colar seguramente preso em sua mão direita. O rosto bondoso não saíra de sua mente ainda.


Ela fechou a cortina da janela e jogou a toalha por sobre a cama, vestindo as roupas que tinha separado. Era dona de uma estatura abaixo da média. Não sabia ao certo, mas beirava os 1.50 cm. Seu corpo era pequeno, frágil, sem os atributos físicos que tanto desejava ter. O busto era pequeno e os quadris nada desenvolvidos.


- Rose, eu não vou chamar novamente! – Hermione disse, empurrando a porta do quarto da filha, enquanto a mesma penteava os cabelos compridos. – Ah, você já levantou.


- Já tomei banho, me vesti e estava descendo com meu malão.


A garota completou, fechando a janela e passando a bolsa a tiracolo pelo ombro por sobre a blusa branca de mangas curtas e estampa luminosa na frente. Os jeans escuros completavam o visual, juntamente com os tênis escuros e informais. Ela jogou o colar dentro do bolso discretamente, enquanto a mãe puxava a varinha e fazia com que sua mala descesse as escadas.


Hugo desligara o som e matinha uma discussão fervorosa com o pai sobre quadribol. Hugo era batedor do time da grifinória. Fazia dupla com a prima Lílian, filha de Harry e Gina Potter. O time ainda era reforçado por Tiago, filho mais velho de Harry e Gina, como goleiro. Alvo, o filho do meio do casal, era o único da família que não se envolvia com jogos.


- Você demorou, corvina – disse o pai, com um sorriso no rosto coberto pela barba rala e ruiva. – Até cogitamos a ideia de deixá-la em casa. – ele apontou para si e para Hugo. Rose era o único membro da família que não pertencia à Grifinória.


- Aposto que a ideia de me esquecer aqui não partiu de você, pai – ela atiçou, encarando o irmão, que mais parecia uma miniatura do pai. Esguio, de cabelos cor de fogo, coberto de sardas fortes e de expressão arteira no rosto.


- Vocês não vão começar, vão? – Hermione vinha descendo as escadas, com a mão sobre a testa e trazendo o casaco de moletom da filha no braço. – Você esqueceu, Rose. Onde estava a sua cabeça, hein?


Você quer mesmo saber? A menina pensou, sorrindo ruidosamente.


- O que foi?


- Não repare, mãe. – Hugo começou. – A Rose é louca mesmo.


- Tão louca que meu próximo ato de loucura é apertar seu pescoço até ver seu lindo rostinho sardento ficar roxo. – a menina estrangulou o ar, mostrando os olhos arregalados e uma expressão perturbada no rosto. Rony Weasley explodiu em uma gargalhada.


- Scorpius não vai mais querer namorar você se mostrar essa face para ele. – Hugo provocou. Essa não era apenas uma provocação à Rose.


- Do que ele está falando? – Hermione se postou em frente à filha.


- Sei lá, mãe. – Rose vacilou, evitando os olhos da mãe.


- Você sabe a minha opinião, não sabe?


- Eu sei, mãe.


- Sabe que eu não quero proximidade sua com esse menino, mesmo que ele seja seu colega de casa e vá às mesmas aulas que você, não sabe?


- Isso é retrógrado, mãe. – a menina pegou o casaco e abriu a porta de saída da casa. – Já tivemos essa conversa.


- E eu espero que você tenha absorvido tudo o que eu disse.


- Claro, mãe. Claro. – ela disse, já ao lado do carro da família.


Estava mais do que cansada de ouvir as mesmas recomendações sem nexo. Estava cansada de ouvir que o garoto com quem gostava de passar cada minuto livre em Hogwarts era malvado. Como se isso um dia pudesse ser verdade. Ninguém o conhecia como ela, não era justo haver aquele julgamento.


A distância entre a casa da família e a estação de King’s Cross era mínima, mas Hermione insistia que o marido se acostumasse com o carro popular que possuíam. Rony não era muito adepto a métodos trouxas de fazer as coisas, pois crescera em meio à magia, mas para a esposa, nascida trouxa, saber dirigir era essencial. Hermione já tinha sua licença.


- Estamos atrasados? – perguntou Hugo, encarando a janela.


- Não – a mãe respondeu sem olhar relógio algum.


Eles chegaram a tempo na plataforma. O grande relógio digital sóbrio mostrava que eles ainda tinham dez minutos antes da partida do expresso vermelho, às onze horas. O expresso partia exatamente às onze horas. Os alunos eram obrigados a passar praticamente o dia inteiro dentro do trem na estrada. O carrinho de doces e as esquisitices nos corredores ajudavam a fazer o tempo passar mais depressa.


Eles atravessaram o portal do mundo trouxa e se depararam com uma plataforma lotada de jovens usando as vestes de Hogwarts e outros ainda usando roupas trouxas, acompanhados por suas famílias e carregando grandes malões equilibrando gaiolas e cestos. Lírio, gato de Rose, estava muito bem acomodado em seu cesto de vime, por sobre a mala da jovem Weasley.


Ao longe era possível se ver uma família pouco maior que a sua andando em direção a eles. Harry guiava a mulher, Gina, pela mão. Gina exibia cabelos brilhantes e tão vermelhos quanto os do irmão. Seu rosto estava corado e arredondado. Eles se cumprimentaram. Rose permaneceu onde estava, enquanto Hugo e Lílian entravam no trem carregando seus malões. Alvo e Tiago chegaram até ela. Tiago estava exibindo o constante sorriso no rosto. Ou ele aprontara alguma ou estava com a ideia de aprontar.


- O que você aprontou ou vai aprontar? – ela soltou, abraçando os dois.


- Nós fizemos uma aposta – Alvo declarou.


- Não era para dizer, irmão. – Tiago brincou.


- Ah, a Rose pode saber, já que ela está envolvida.


- Estou envolvida em que? – perguntou, desconfiada.


- A aposta envolve você.


- Não entendi – ela soltou, franzindo as sobrancelhas.


- Você pode fingir que não entendeu, Rose – Tiago sibilou. – Eu apostei que você vai ficar vermelha e não vai conseguir dizer uma frase que saia em perfeita harmonia pela sua boca tremida quando o vir.


- Eu já acho que você vai se controlar quando o vir.


- Vir quem? – ela perguntou, ansiosa. Suas mãos se contorciam. Ela sabia de quem se tratava, apenas queria ouvir a confirmação ou ser corrigida.


- Ele – Tiago apontou para trás dela, virando o rosto da prima. Ela empurrou as mãos dele, se sentindo estremecer ao ver a presença alta se fazer visível por entre as crianças que corriam de um lado para o outro, brincando. Teve certeza que suas bochechas ficaram vermelhas, porque Tiago ria alto. Alvo perderia a aposta.


- Se controle – ele pediu, com o semblante franzido. – Eu apostei o que eu tinha.


- Desculpe – ela sibilou, se virando na hora em que Scorpius fora tocar seu ombro.


- Olá – ele cumprimentou, a abraçando. Pareceu durar horas. Rose cerrou os olhos, cheirando involuntariamente o aroma amadeirado que emanava do pescoço dele. Scorpius enrolou os braços na cintura dela, sorrindo ruidosamente no ouvido dela.


- Olá. – ela cumprimentou de volta, ao soltá-lo.


- Como estão? – Scorpius perguntou, esticando a mão para Tiago e Alvo.


- Melhor agora que ganhei uma aposta. – Tiago soltou, esticando a mão aberta para Alvo, que remexia nos bolsos.


- Espere! – Alvo recorreu. – Ela não falou nada ainda, aposto que vai ser coerente.


- Se você quiser aumentar a aposta...


- Alvo pode ganhar essa ainda – Rose disse, se remexendo estranhamente ao virar-se para Scorpius. Ele tinha um olhar de confusão. Era melhor que ele nem entendesse a aposta. – Então, como foram as férias?


- Tranquilidade seria a palavra exata. – ele respondeu. – E as suas?


- Idem. Tirando aquelas pequenas briguinhas de família que sempre acontecem... Hugo ganhou um CD que estava me deixando maluca, tenho que lhe falar dessa banda depois, para que você evite escutá-los...


- Você perdeu, irmão – Alvo sibilou, esticando a mão aberta, enquanto Rose continuava falando e Scorpius balançando a cabeça, prestando atenção no que ela dizia.


Os olhos dele não desgrudavam dela. Sua boca se abria em um meio sorriso que ganhava parte de sua boca. Ele parecia aliviado, tranquilo e muito mais alto e mais forte do que no semestre anterior. Os músculos definidos, mas não tão reforçados podiam ser facilmente vistos através das mangas da camiseta escura. Ele tinha as mãos enterradas nos bolsos e os cabelos bagunçados presos atrás das orelhas, eles cresceram no verão.


- Vamos perder o trem – Scorpius a lembrou, entortando o pescoço.


Rose não notara que os primos não estavam mais ali os vendo conversar. Depois da tagarelice sem nexo nenhum dela, era mais do que provável que Alvo ganhara a aposta. Scorpius encostou os lábios no rosto dela em um beijo rápido e acelerou em direção aos pais. Hermione gritava pela filha, que estava estagnada com a mão no rosto. Suas bochechas estavam quentes.


- Cuide do seu irmão – a mãe recomendou, além das básicas “Não desobedeça a um professor” e “Não se meta na floresta proibida”.


– Mãe, o Hugo tem treze anos, pode cuidar de si mesmo.


- Rose, não me desaponte, você está entrando no quinto ano, não é mais nenhuma criança – Hermione levou a mão à testa e cerrou os olhos. Ela gostava daquela expressão.


- O que não quer dizer nada.


- Quer dizer que eu você tem idade para cuidar de si mesma. Pode olhar o seu irmão de vez em quando.


- É desnecessário – Rose sibilou, mas vendo o expresso ligar os motores e começar a se mexer, ela abraçou os pais rapidamente. – Vejo vocês no natal.


- Voltem inteligentes! – Rony brincou.


- É bem possível – a menina gritou, já com os dois pés dentro do vagão.


Virou-se enquanto o expresso deixava a plataforma de Londres e se encontrava com a sobriedade da ferrovia e com as árvores e plantações que se podia enxergar pelas janelas. Rose ergueu o queixo e disparou pelo expresso procurando uma cabine vazia ou no máximo com alguns conhecidos, o que era um tanto difícil.

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Comentários (3)

  • Milorde

    Sensacional...eu até ri do Tiago e do Alvo. Dariam bons Gemios Wesley =DEu sempre tenho uma crítica a fazer, por favor, é quase uma segunda natureza. Enfim, só quanto ao computador. Ficou meio chato, tentando enfiar modernidade em algo que é perfeito antiquado como é. Mas isso não decresce em absolutamente nada na FIC, principalmente em qualidade. É a melhor FIC que li aqui e, temo dizer, é melhor até que a minha. Você é fantastica MarianaBortoletti, meus sinceros parabéns. 

    2012-12-17
  • tamires wesley

    gostei do capitulo..hermione dando uma d mae super protetora..naum fais muito o genero mais to gostando... parabens..\0/

    2012-07-25
  • Lana Silva

    Ótimo a Mione é um pouco autoritaria na fic...Tá muiiiiiiiiiiiiiito acho que ela  não vai gostar muiiito desse envolvemento todo da Rose e do Scorpion!

    2011-09-26
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