# O começo do começo



“Oh, Remus, por favor, me desculpe, mas receio não talvez possa comparecer à reunião da Ordem hoje... sabe, estou bastante atarefada com alguns preparativos aqui n’A Toca, hoje Carlinhos virá nos visitar e preciso inteirá-lo sobre as informações das reuniões, e não serei tola de interromper a reunião com pontuações de indagação do meu filho. Além disso, ele está trazendo um dragão para morar conosco! Isso mesmo, um dragão, um tal de Brutus. Eu não consigo acreditar na cabeça dos jovens de hoje... enfim, farei o máximo para chegar à reunião, mas se não conseguir, ao menos já informei o motivo...



Mil desculpas, mais uma vez,



Molly Weasley”




Remus Lupin lia pela quarta vez a carta da sra. Weasley que chegara naquela manhã, e suspirou. Já era o quarto integrante da Ordem que não compareceria à reunião, e estava achando aquela situação bastante desanimadora. O sr. Weasley estava ocupadíssimo com o Ministério naquele momento, cheio de transições e mudanças, e uma promoção no cargo seria mais do que oportuno para se tornar uma pessoa influente no Ministério. Moody, por algum motivo, também desaparecera, e mal dava notícias de seu paradeiro, embora várias vezes mandasse cartas muito vagas, todas recheadas de palavras animadoras e, porém, pouco reveladoras. “Estou estudando algumas propostas”... “Ofertas realmente muito boas”... “Uma verdadeira maneira de crescermos na sociedade bruxa”. Era frustrante receber pergaminhos e mais pergaminhos só com essas palavras. “Um verdadeiro gasto de papel”, pensava Lupin, intimamente.



Minerva McGonagall também não poderia estar presente pois teria uma reunião de emergência com Dumbledore sobre a direção da escola. O diretor fora veemente em sua decisão de discutir o assunto, e Minerva realmente não via nenhum motivo suficientemente forte para discordar de Alvo, então justificou sua falta com um simples bilhete redigido às pressas, que chegara momentos antes da carta da sra. Weasley.



Suspirando mais uma vez, Lupin virou os olhos pela cozinha. A casa como um todo parecia mais deserta do que nunca, agora que Sirius se fora. Não conseguia digerir até agora a idéia de que o amigo se submetera à uma missão arriscada daquelas, mas também não podia se mostrar muito surpreso. Era exatamente o tipo de coisa que Sirius, um homem jovem e corajoso, faria, ao ver as pessoas que mais prezava correndo perigo.



Agora, sentado ali, na cadeira da cozinha, bebericando em pequenos goles uma xícara de chá quente e revigorante após uma noite de pouco sono e muitos pesadelos, Remus sentia-se um intruso, deslocado; alguém que aparecera em uma reunião de família sem pertencer à árvore genealógica. Sirius deixara bem claro que, se algo lhe acontecesse, a casa ficaria em suas mãos, mas Lupin realmente não se via responsável pela mansão. Não era só um pedaço da vida de Sirius que estava ali impregnado, era também um pedaço terrível da vida de Sirius que estava marcado nas paredes de pedra e nos archotes medievais. Não tinha direito, nem vontade, de sentir-se responsável por tudo aquilo, tudo o que aquilo representava. Sem ânimo algum de levantar-se, bebericou mais um gole de chá, pensando intimamente se teria o efeito que precisava, e se um bom e velho uísque de fogo não seria mais adequado para brindar seu estado de espírito.



– Madrugou, hoje? – Perguntou uma voz conhecida e feminina às suas costas, seguidas de barulho de passos. Lupin virou-se com um sorriso.



– Assim como você – Afirmou Lupin, com um sorriso, quando Tonks sentou-se ao seu lado, arrastando a cadeira, fazendo o mínimo de ruído possível. Ainda era 5:30 da manhã, e não tinha se dado conta disso.



Tonks riu.



– Não tive uma noite muito boa – Disse, lacônicamente, encarando as primeiras luzes da manhã. Seus cabelos estavam ruivos e batendo nos ombros. Lupin encarou-a enquanto a moça bocejava gostosamente, alongando os braços.



– Somos dois. – Disse Lupin. Ainda tinha alguns fragmentos do seu sonho vívidos na memória, como se fossem seqüências reluzentes de imagens congeladas no passado; desviou o olhar para o horizonte claro na janela, e percebeu que Tonks o encarava.



– Você precisa é de umas férias. Um descanso, sair dessa casa horrível, tomar um pouco de sol – Disse Tonks, animada. – Olha só, de tanto conviver com o mofo vai acabar com a mesma cor e odor de um! Aí vamos ter que nos afastar de você – Riu a bruxa – Não estou dizendo para abandonar a Ordem – Explicou Tonks, ao ver a expressão no rosto de Lupin –, mas pelo menos sair um pouco mais daqui... posso apostar que a Ordem vai sobreviver sem você por três ou quatro dias – Sorriu Tonks, as mechas ruivas caindo no rosto enquanto falava.



Lupin não conseguiu evitar um sorriso, mas não respondeu à idéia de Tonks. Não podia mentir para si mesmo que não queria, por um simples momento, “desligar-se” de todas as responsabilidades que lhe prendiam à casa e à Ordem como um todo, mas sabia que, por enquanto, isso era simplesmente inviável. Voldemort estava recrutando mais aliados, tornando-se mais poderoso, enquanto o patético Ministério da Magia tentava reunir forças para se reestabilizar e reciclar-se. Desde junho, quando as notícias sobre Voldemort vazaram e o próprio deixou-se ser visto perambulando no Salão do prédio, a sociedade mágica fazia uma forte pressão para retirar-se Cornélio Fudge do poder e escolher alguma pessoa mais estabilizada e sensata para ocupar um cargo tão elevado, que Fudge, com certeza, já tinha mostrado não ter neurônios suficientes para ocupar.



– Talvez – respondeu Lupin, ocultando seus últimos pensamentos. O bruxo levantou-se e deixou a xícara na pia, e reparou que Tonks continuava encarando-o. – Aceita um chá?



– Ah, sabe, seria ótimo – Riu a bruxa. Tonks procurou uma xícara no armário de madeira e foi andando a passos cautelosos, afim de não fazer barulho; claro que seu plano teria dado muito mais certo se a xícara não tivesse se espatifado segundos depois, por distração da moça, que corou.



– Ai, droga, acordei a casa inteira – A metamorfomaga recolheu os cacos com um gesto nervoso de varinha, e olhou para Lupin com uma expressão culpada; ao ver o rosto do bruxo, sério e atento, a moça não se conteve e soltou uma gargalhada sonora.



– Que é isso agora? – Riu Lupin, espantado com a mudança de humor.



– Olhe a sua cara, você tão sério e preocupado por causa de uma xícara! Você está mesmo precisando de umas férias – Tonks continuou a rir, deixando Lupin aparvalhado e confuso. Tonks levitou a xícara até seus dedos e sentou-se ao lado do lobisomem, decidida. – Agora me conte o seu sonho.



– Hm? – Perguntou Remus, ainda ligeiramente atordoado.



– Não se faça de bobo. Sei que você teve algum pesadelo para ter acordado tão cedo. Se quiser me contar... digo... – Lupin não saberia dizer o que fizera Tonks corar em suas palavras, mas obviamente as faces da moça pareciam bem coradas agora, e não era por causa de xícara alguma – Somos amigos, e...



– Ah, certo – Disse Lupin, gostando de encarar a superfície da mesa. Deveria contar o que tinha lhe acordado? – Foi.. uma série de pensamentos que me ocorreu.



– Algum em particular? – Perguntou Tonks, os olhos faiscando. Não, ela não era boba. Talvez tivesse pouca idade e dificuldade em escolher cores de cabelo, mas Tonks não era nada burra.



– Digamos que seja algo corriqueiro para mim. – Foi tudo o que Lupin quis dizer naquele momento; Tonks sorriu com condescendência.



– Não tem sido fácil, realmente. Mas acho que para você têm sido pior... por isso lhe digo... Remus, se precisar de... qualquer coisa... eu, eu vou estar sempre aqui, sabe! e.. e me importo com o que você pensa, e com o que lhe aflige. – Um sentimento quente ocupou o esôfago de Lupin como se fosse algo sólido e reconfortante descendo até o estômago. – Sei que não posso sentir o que você está sentindo em relação ao Sirius, mas... eu estou disposta a ajudar no que você precisar.



– Há quem diga que os jovens são insensíveis – Filosofou Lupin –, mas acho que quem inventou isso não conhecia você, Tonks.



– Sabe, eu não sou tão jovem assim como vocês dizem. – Riu Tonks. Havia algo a mais naquele sorriso, que Lupin, até aquele momento, não sabia decifrar. Agora, o bruxo estava até formulando umas teorias.



– É sim, para uma auror formada. – Disse Lupin, também sorrindo.



– Então eu sou um prodígio – Disse a metamorfomaga, sorrindo. Estavam mais próximos? A cadeira de Tonks parecia ter rangido. Não, não. Devia ser só impressão mesmo.



– Acho que acredito nisso. – Comentou Lupin, e os dois riram.



A conversa se prolongou até o dia realmente amanhecer, o que por sinal não demorou tanto assim, e mais alguns habitantes da mansão dos Black também despertaram. O primeiro a descer foi Quim, que parecia agitado e feliz.



– Boas novas, Shacklebolt? – Perguntou Tonks, subitamente animada, virando-se para o Auror. O sorriso e a alegria eram realmente coisas contagiantes no mundo da Ordem da Fênix, já que não havia muitas oportunidades de ver animação no lugar.



– Oh, sim... vocês não vão acreditar... mas eu não posso contar, esperem uma hora e verão! Quase não consigo acreditar no que fizeram! Bem, tenho que ir - o Ministério está fervendo agora! – Sem maiores explicações, o bruxo aparatou inesperadamente e deixou uma breve fumaça em seu rastro. Assim que a pequena nuvem se dissipou, Tonks levantou-se da cadeira, descontente.



– Acho que eu devia ir trabalhar também... Tenho que terminar uns relatórios que o vice-ministro me pediu. – Ela parecia brava – Cara folgado, me mandou fazer uma pilha de documentos do tamanho de um trasgo! Graças a Merlin que esse traste está no Ministério por pouco tempo, ou eu me demitia. Idiota. – O vice-primeiro ministro, Edgard Jonesburg, era um pilantra bastante familiarizado com as garrafas de Uísque de Fogo, que fora nomeado vice de Fudge por mero parentesco com o antigo Ministro. Tinha o mau hábito de distribuir suas tarefas para outros, sempre prometendo gordos aumentos de salário para os pobres funcionários, que eram ludibriados pelo brilho atraente dos galeões e a melodia doce de nuques batendo-se uns contra os outros. Pobres coitados! O aumento prometido não pagava uma cerveja amanteigada. Tonks caminhou até o cabideiro, colocou seu sobretudo preto e ajustou sua bolsa, colocando-a transpassada pelo tórax.



– Certo, então... nos vemos na reunião? – Perguntou Lupin, vagamente.



– Oh, claro! – Respondeu a moça, ajeitando a pesada bolsa. – Vê se melhora! – A metamorfomaga beijou a testa do amigo e aparatou em seguida. E neste exato momento Lupin se deu conta de que não sabia o que tinha acordado Tonks naquela manhã.



*




As horas se passaram lentamente para Lupin na Ordem da Fênix. Impressionante como uma associação que tentava salvar a comunidade bruxa das garras de Voldemort podia estar tão vazia e entediante em tempos turbulentos como aquele, pensava Lupin indignado. Ninguém se importava; dragões e propostas misteriosas do Ministério da Magia eram muito mais importantes do que as reuniões que Lupin combinava. Já era a terceira vez naquele mês que ninguém poderia comparecer; a situação estava ficando ridícula.



O bruxo resolveu dar uma volta pela velha mansão abandonada, procurando alguma coisa para fazer, algo que o fizesse pensar e esquecer aquele sonho terrível de tivera de madrugada. Ah, as lembranças... se pudesse livrar-se delas, de maneira rápida e indolor... mas não, elas continuavam lá, presas em sua mente, responsáveis por uma grande parcela de introversão do bruxo... se alguém descobrisse...



– Andar corcunda faz mal para as costelas! – Ralhou um quadro de um velho rabujento, pendurado na parede em que Lupin estava prestes a se encostar, pensativo. O susto fez o lobisomem xingar o velho do quadro, coisa que não fazia há tempos. Pediu desculpas à moldura, mas o velhote já estava sacudindo sua bengala no quadro ao lado, absurdamente ofendido, e conversava com uma mulher sisuda, que olhava para Remus chocada.



– Danem-se vocês – Explodiu Remus, dando meia-volta pela pequena sala; suas pernas o haviam levado até lá, nem percebera aonde fora, tão pensativo e irritado que estava. Encontrava-se em um ambiente cavernoso, quase medieval, com archotes nas paredes de pedra dura e rústica. Tateou a maçaneta da primeira porta que encontrou, sentindo-se ligeiramente sufocado, e o velhote voltou a implicar, falando por suas costas.



– Vá, entre aí. Vou gostar de vê-lo ser engolido por uma quimera.



– Quimera? Aqui?



– Grande e faminta – Riu o velho com uma expressão maligna. – Vai, entra. Eu e Juille vamos apreciar o show – disse ele, apontando a mulher do outro quadro, que encarava Remus com uma expressão repreendedora.



Lupin largou a maçaneta e procurou uma solução alternativa para sair dali, mal ouvindo as palavras debochadas do velho no quadro:



– Fracote. Medrosão. Filhinho de papai. Chorão. Boboca.



– Pare, Killus! – Resmungou a mulher, irritada. – Você – chamou ela, olhando Lupin com um olhar penetrante. –, siga o corredor à direita, ande em frente e, ao chegar no fim do corredor, abra a porta à esquerda. Acho que você vai chegar no lugar que realmente deseja estar. – A mulher olhou para Lupin e nem de longe parecia ser tão ranzinza quanto seu novo colega de quadro; a pintura feminina até sorriu para Lupin quando este o agradeceu.



– Não tem de quê, querido. – O bruxo ranzinza pareceu piorar seu estado de humor, pois bufou como um cachorro mau-humorado e voltou à contragosto para seu quadro.



Lupin seguiu as instruções da bruxa, imaginando como Sirius tinha se enganado ao dizer que toda a família Black era podre até a alma. Mesmo sem conhecer Lupin, a bruxa o ajudara de maneira muito simpática.



Encontrando a porta mencionada, Remus não hesitou em abrí-la, e imediatamente reconsiderou o que Sirius lhe falara; estava dentro de algum quarto muito velho, cuja visão interior era bloqueada inteiramente pelo quadro da velha matriarca da família,a gentil mãe de Sirius. Ao encarar o estranho, a velha nem ao menos tomou fôlego: gritou como uma desvairada, xingando toda a geração dos Lupin e mais algumas.



– RALÉ, ESCÓRIA DA RAÇA HUMANA! SUMA DA MINHA FRENTE, SEU FEDIDO IDIOTA, CACHORRO IMBECIL, VIL LADRÃO DOS PERTENCES DOS BLACK! SEU MISERÁVEL, DESTRUIDOR DE VID...– Remus praticamente arremessou a porta na cara do quadro, por mais incrível que possa parecer (e, convenhamos, parece) e tornou o caminho que fizera, até a salinha medieval, pisando forte e furioso como nunca. Ambos os retratados nos quadros morriam de rir, pendurados em suas molduras. As lágrimas de riso escorriam pela barba branca do bruxo rabujento, enquanto os cabelos negros da mulher, ajeitados em um coque disforme, se soltavam cada vez mais do penteado, à medida que ela se balançava rindo e falando esganiçada.



– Hahaha... acho que ele já encontrou nossa querida filha, não, Killus? Eu sempre gostei da transfiguração de segurança que ela pôs no quarto, uma verdadeira réplica do quadro original. Lindo – Gargalhou a mulher.



– Hoho, eu espero que sim! Aquele idiota vai ter a lição qu... E AINDA TEM A OUSADIA DE VOLTAR! – Grunhiu por fim o bruxo do quadro, ao ver Lupin pegar um archote do suporte e iluminar ameaçadoramente o rosto dos dois bruxos.



– Estou tendo um dia absolutamente péssimo – Disse Lupin, com cordialidade na voz –, e quero sair daqui. Nada mais sensato da parte de vocês me dar uma ajuda, afinal – ele manuseou o archote incandecente de maneira ameaçadora –, eu tenho maneiras de pedir auxílio caso aconteça algo comigo, mas vocês... acho difícil – ele ficou sério, e não parecia nem um pouco com o seu eu natural. A mulher abriu a boca, sem emitir qualquer som, e o barbudo apontou um dedo trêmulo para a parede oposta.



– Oh, passagem secreta? Conveniente – Sorriu Lupin com sua simpatia habitual, olhando para os quadros. Em seguida, dirigiu-se até a parede de pedra; encostou a ponta dos dedos com cuidado desnecessário, e sentiu sua mão desaparecer completamente dentro do sólido. Ainda sorrindo, impulsionou-se contra a parede, e achando tudo muito fácil, atravessou completamente os tilojos antiquados. Antes de atravessá-los, no entanto, prendeu firmemente a tocha em fogo ao archote, enviando mais um sorriso simpático aos quadros assustados.



Acabou por cair em uma sala grande e ligeiramente empoeirada. Não era exatamente uma sala; parecia-se mais com um quarto, porém era tão grande que lá caberia uma sala de jantar majestosa, para no mínimo trinta pessoas, com folga. Um ruído esquisito ao lado da cama informou imediatamente a Lupin aonde tinha caído.



Bicuço se sacudiu contra as correntes que o atavam fortemente à cama; pressentiu, certamente, a presença de alguém no quarto. Lupin se aproximou devagarinho do animal e curvou-se em sinal de respeito; o hipogrifo, então, permitiu que o bruxo se aproximasse o bastante para acariciar seu bico; gesto que Lupin, muito sensatamente, não fez, pois tinha plena consciência de que Bicuço não comia bem há dias.



Era o quarto da mãe de Sirius, que até pouco tempo havia sido ocupado pelo próprio bruxo. Lupin queria entrar ali há dias; só não reunira coragem suficiente. Parecia até que seu próprio inconsciente o carregara até ali, já sabendo que, se fosse pelas próprias pernas, Lupin nunca teria conseguido entrar ali. Se a mansão Black tinha em si uma atmosfera que lembrava Sirius, o quarto do bruxo praticamente gritava, a plenos pulmões, que Sirius havia morrido.



Remus sentou-se na cama majestosa, pensativo: era, efetivamente, o último Maroto. Rabicho era um traidor; Tiago e Sirius estavam mortos, era óbvio... quando chegaria a sua vez? Temia que estivesse próxima demais; não por vaidade, mas por tudo o que o cercava... tinha que, ao menos, ver Voldemort cair. E, principalmente, precisaria ajudar na derrota do Lord das Trevas...



Jogou-se na cama e ficou ali por horas, imóvel, esquecido do mundo, o olhar fixo no teto. Nem ao menos os barulhos esquisitos que Bicuço fazia com o bico o chamavam a atenção. Somente quando o hipogrifo parecia ter se engasgado com um abajur, Lupin acordou de seu estupor para ajudá-lo, e seus olhos viram, de relance... uma gaveta entreaberta. Não era de seu feitio inspecionar coisas dos outros, mas... algo ali chamara sua atenção de maneira estranha. Levantou-se e abriu o frágil compartimento, que caiu no seu colo em um baque.



O conteúdo da gaveta era composto praticamente de folhas amareladas pelo tempo, tão empoeiradas que fizeram até Bicuço engasgar. Só uma folha parecia um pouco mais nova, enrolada como se fosse um pergaminho pronto para ser enviado por alguma coruja-correio. Talvez fosse efeito da luz das janelas, o sol poente avermelhando o céu lá fora, mas o pergaminho parecia brilhar. Remus retirou-o da gaveta e colocou-a no devido lugar, e só depois de se certificar de que a gaveta não cairia no seu pé ao menor toque que virou-se para o pergaminho.



Era, de fato, uma carta. O coração de Lupin acelerou descompassado. Sabia o que era aquilo, ouvira os planos de Sirius... mas não acreditava que ele tinha realmente... Desenrolou o pergaminho e leu suas palavras, absorto.



Harry;



Não espero ver a reação que essa carta lhe causará, pois imagino que não estarei mais entre vocês agora, que você está com ela em mãos, e acredito fielmente que você já deva estar pensando nisso agora.



Mas não vá tirando conclusões precipitadas. Não é uma carta altamente esclarecedora, em que eu direi que na verdade sou seu pai ou então fui Comensal da Morte; deixemos isso para a ficção e para as histórias sem pé nem cabeça. Se bem que não podemos dizer que sua história tenha pé, ou muito menos cabeça, certo? Mas não posso negar que tenho assuntos para tratar com você. Por um instante, pensei se você seria muito novo para descobrí-las, mas nunca conheci alguém tão precoce quanto você. Mas acredite que eu não queria lhe deixar mais uma carga de responsabilidades. Só não houve opção.



Há muito que você não sabe. Detalhes do passado, sobre sua família, que deverão vir à tona agora. É com pesar, Harry, que lhe digo...




Lupin baixou a folha, já sabendo o que viria a seguir. Não queria ler aquelas palavras, mesmo sabendo exatamente o que significavam, ou qual impacto elas causariam em Harry. Mas não podia permitir que aquela carta fosse descoberta por acaso... eram informações preciosas demais, algo restrito aos Marotos que já não existiam mais... era o último Maroto, e tinha que cumprir seu dever; sem hesitar, guardou a carta dentro do bolso interno do casaco, escondendo-a bem a tempo de Tonks entrar pela porta com uma expressão preocupada no rosto.



– Sabia que ia lhe encontrar aqui – Disse Tonks, caminhando em sua direção com a expressão ainda ligeiramente apreensiva, e sentando-se ao seu lado na majestosa cama de casal que pertencera a sra. Black.



– Você realmente me conhce muito bem, então – Disse Lupin, sorrindo suavemente. Tonks riu.



– Na verdade, um quadro muito mau-humorado de um senhor barbudo me informou que você estava aqui. Sinceramente, o que você fez para ele, Remus? Parecia possesso – E deu mais uma risada verdadeiramente animada. Essa visão melhorou o estado de espírito de Lupin o suficiente para sorrir mais uma vez a amiga.



– Digamos que ele me provocou primeiro. – Riu Lupin, sem dar maiores explicações. Por um momento, ambos se entreolharam, e Tonks colocou a mão direita suavemente sobre a mesma mão de Lupin. Não falou palavra durante segundos; mas parecia estar se segurando com um esforço tremendo. Enfim, sussurrou, a voz um sopro:



– Ele faz muita falta para mim, imagine para você. – Contou, claramente se referindo a Sirius. Por alguma razão, Lupin não conseguiu encará-la nos olhos. Mirou seus joelhos com atenção, pensativo, e murmurou "Obrigado" com a voz quase quebrada. Mais alguns minutos se passaram em silêncio, até Tonks quebrar novamente o silêncio, falando com uma animação tão exaltada quanto forçada:



– Bem, tenho novidades incríveis! Venha, vamos descer! Você não vai acreditar! – Ainda segurando a mão de Lupin, Tonks conduziu o amigo até a porta do quarto, e ambos saíram lado a lado até o corredor. Desceram as escadas, chegando no andar térreo, e caminharam até a cozinha; o sorriso que Tonks mantinha no rosto não mostrava mais forçada animação; parecia tranqüilo e até mesmo ansioso.



A cozinha estava superlotada, de tal maneira que Lupin jamais imaginaria. Quase não conseguiria entrar se uma mulher baixinha, de costas para ele, não tivesse dado uma ligeira afastada para o lado. Lupin virou-se para agradecer, e deu de cara com a expressão risonha e sem graça da sra. Weasley, que lhe dissera, horas antes, que não ia poder comparecer à reunião que seria feita naquele dia.



– Oh, Remus, querido – disse a senhora ruiva, sorrindo amareladamente – Desculpe não ter dito que podia vir... mas...



– Está tudo bem, Molly... hm... por que toda essa agitação aqui? – Perguntou Lupin, curioso, olhando a multidão de bruxos e bruxas presentes.



– Você não sabe? Tonks, querida, você não contou a ele? – Perguntou a sra. Weasley, abismada porém sorridente.



– Ainda não – Tonks deu um sorriso misterioso para a ruiva original, acompanhado de uma piscadela. As duas pareciam mãe e filha, quando Tonks escolhia aquele tom de cabelo, pensou Remus. Tonks, mantendo sempre sua mão atada a do bruxo, conduziu o amigo até o interior da cozinha, mergulhando por entre a multidão. Era muita gente, a maioria das pessoas de rosto desconhecido para Lupin. Os trajes dos presentes também chamavam a atenção; eram douradas, aveludadas e espalhafatosas demais, como as de um fidalgo querendo mostrar sua importância. Depois de alguns minutos de caminhada difícil e sufocada, chegaram até a mesa que, horas atrás, haviam tomado chá.



Olho-Tonto Moody estava sentado em cima da mesa, um sorriso amarelo no rosto. As pessoas ali não paravam de cumprimentá-lo, igualmente sorridentes e satisfeitas, chacoalhando com firmeza as mãos, num gesto de agradecimento vigoroso. Pareciam revenciar o bruxo de olhos díspares...



– O que há? – Perguntou Remus, aproximando-se de Moody, que desceu da mesa para abraçá-lo.



– Meu velho! Não sabe a loucura que cometeram no Ministério da Magia, meu caro! – Moody mexeu-se incomodamente, no meio de toda aquela gente, e bateu no ombro de Lupin – Vamos, vamos conversar em um lugar sossegado, mal escuto minha voz no meio desse mercado de peixe!



Tonks ajudou o Auror a caminhar pelas pessoas, que ainda não paravam de fazer gestos positivos quando ele passava, o que deixava, por sinal, o bruxo muito aborrecido. Lupin riu; o mau-humor de Moody era tão escancarado que divertia.



– Graças a Merlin essa casa é grande – Bufou Olho-Tonto, chegando primeiro em uma das enormes alas dedicadas às esculturas da família Black. Alastor se encostou em uma figura particularmente mau encarada de um homem de queixo enorme, e disse, com toda a simplicidade, a expressão fechada:



– Sou o novo Ministro da Magia.



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