# Indiretas Francesas



Tonks colocou o cabelo atrás da orelha. Isso não era nada bom.



-- Não desculpo não -- A moça encarou-o. -- Você cometeu um grave erro, Remus.



Lupin arregalou os olhos. Mal chegaram, e já tinha estragado a viagem. Já se via brigando furiosamente com a amiga; ela gritaria, choraria, sairia batendo a porta, não sem antes enviar-lhe um olhar fulminante e gelado.



A metamorfomaga aproximou-se dele, ainda mais. Oh não, será que ela se livraria de Remus a tapas? Que deixasse um mínimo de dignidade restante nele, porque ele não iria revidar de maneira alguma... As passadas dela eram lânguidas, ela não parecia ter pressa em chegar perto dele... mas... veio sorrindo.



-- Você acha que depois disso eu não pararia de pensar em você um instante sequer, e iria remoer meus sentimentos, angustiada pelas suas "desculpas", não é? Pensou que eu choraria tardes inteiras, e descobriria um novo e iluminado sentimento agora, não foi? Enganou-se, lobinho... eu já fiz isso muitas vezes antes... Não faria agora, ainda mais na sua frente -- E continuou rindo, simpatica e estranhamente.



Sim, os olhos de Remus iriam cair, definitivamente. Não tinha ouvido bem. Aquilo, aquelas palavras - não eram coisa da Tonks. Ou será que eram?



Abraçou-o. Ele, atônito, envolveu a bruxa em seus braços caídos com muita lentidão.



-- Isso não vai mudar em nada a nossa amizade... se você não quiser.



-- Você está cogit...?



Tonks piscou. Parecia ter acordado, de um sono pesado e profundo, pois ficou vários segundos com a mesma expressão lenta. Como se tivesse pego a si mesma em flagrante, cometendo um ato criminoso, como assaltar a geladeira da Ordem à noite. Ora, a geladeira não costumava ser muito cheia!



-- Tonks?



-- Eu... vou descer. Ar fresco. Bom. Tchau. -- E praticamente saiu correndo do quarto, vermelha, deixando Lupin mais confuso ainda. Como se fosse possível.



Ela tinha acabado de se declarar para ele, e ele não tinha entendido?



-- Seeeeeeu idiota! Uma voz típica e familiar falou em seus ouvidos, o que não surpreendeu Remus nem um pouco.



-- Sirius, você vai atuar como minha consciência amorosa, agora?



-- A chance! A GRANDE CHANCE nas suas mãos! Ela..! E você...! ARGH! Como você pode ser tão lento? A GRANDE CHANCE!



-- Não costumo tratar garotas como se as tivesse comprado no açougue, ao contrário de você, Sirius. Ainda mais se houvesse chance de... bem... quem sabe...



-- Ela não é sua namorada, ela não é NADA SUA, lembra-se?! Se havia alguma oportunidade... por Merlin, você costumava ser inteligente, seu grande, grandessíssimo... lobo!



-- Inteligência é diferente de esperteza.



-- Realmente! Achou a palavra certa! Ahh... eu deveria falar com ela...



Lupin ignorou a voz brava de Sirius, e concentrou-se em sua situação. Quem sabe, se corresse... a alcançasse, e diria... o que diria?



-- Que a ama! Que quer que todos os seus quinze filhotinhos, digo, filhinhos, sejam filhos dela também! -- Soprou Sirius, animado.



-- Sai! -- E fez um gesto violento com as mãos, como se quisesse espanar a voz do amigo. E quase conseguiu conter o sorriso.



Saiu em disparada pela porta, descendo as escadas aos tropeços e saindo ainda mais rapidamente porta do hotel afora. Nem sinal da amiga. Já estava muito escuro.



-- Tonks? -- Gritou Lupin, mas um grito tão contido que parecia um engasgo. Arriscou alguns passos fora do ambiente do hotel, mas não havia ninguém ali. Espiou os cantos, e só viu uma figura sombreada, parada, encarando-o também. Deveria ser algum guarda noturno; tratou de voltar para o hotel. Ela teria que voltar, alguma hora, e esperaria a noite toda acordado, se fosse preciso. Resolveu subir as escadas, já arrependido de ter descido - eram tão longos e numerosos os degraus...



-- Remus! -- Chamou a amiga, de volta. Lupin virou tão rapidamente que o pescoço fez CLAC. E doeu. Muito. Mesmo.



-- Tonks -- Disse ele, sorrindo tortamente. Droga de pescoço. Estava aliviado; a amiga só estivera tomando café no andar debaixo. Ela ainda trazia a xícara. -- Oi, eu...



-- Quer um gole? -- Disse a moça, desviando tão bruscamente de assunto que fez Lupin calar-se de imediato. -- Café é tão bom. Eu deveria beber mais desses.



-- Não, obrigado... -- Respondeu o lobisomem, vagamente.



-- A lareira está ótima. -- Confirmou a moça, apontando para um longo sofá, perto do bar. O fogo crepitava e alastrava-se alegremente sobre as toras da madeira, parecendo convidativo.



-- Deve estar. Posso fa...?



-- Claro que pode subir, eu vou me demorar mais um pouco aqui embaixo. Obrigada -- E ela sorriu, deixando claro que não queria mais vê-lo no momento. Remus apressou-se em subir as escadas, tomar banho e vestir o pijama, mas não deitou-se ou dormiu. Permaneceu sentado na cama, o olhar fixo na porta. Tinha que esclarecer tudo, naquela noite. Mesmo que não soubesse o veredicto daquela conversa.



Tonks subiu ao quarto, já tarde. Seu andar não mostrava sono, ela parecia disposta. Lupin levantou-se num salto, sonolento, não pode-se negar.



-- Ah, Remus, olhe.. -- Tonks começou, com ar cansado.



-- Chega.



-- Quê?



-- Chega. -- Seria o impulso outra vez? Se tivesse provas de que Sirius estava metido nisso... mas não, foi Lupin, sozinho, que abraçou Tonks fortemente. A bruxa não falou nada, já esperando o pedido de desculpas dessa vez, mas o que escutou, mais uma vez, foi inesperado. De outro modo, claro.



-- Tonks, eu lhe adoro. E me sinto idiota em falar isso na sua frente, agora, sabe, mas...



-- Hoje não. -- Sorriu Tonks.



-- Quê? -- Perguntou Remus, abismado. Ah, não! Ele era impulsivo uma vez na vida, ou melhor, duas!, e a garota o cortava justamente agora?



-- Você me faz ficar irritada e feliz com você, em um dia só, Remus. Eu sou completamente inconstante com você ao meu lado; me sinto aflita e contente quando estou com você. Mas não quero manter isso. Não quero ouvir mais nada hoje, e amanhã também não quero saber disso. Quero continuar a viagem como se nada tivesse acontecido. E eu tenho que dividir essa cama!



Com um gesto nervoso, Tonks arrancou a varinha do bolso com dificuldade e, com mais um gesto, dessa vez rápido, cortou a cama toda - dossel, cortinas, colchão e estrado - em duas metades, idênticas. Afastou-as uma da outra, escolheu a mais próxima dela e enfiou-se na meia-cama, fechando o olho e fingindo estar alheia ao mundo em segundos. Sono pesado.



Lupin deitou-se na outra metade da cama, ranzinza, e não disse mais nada. Coisa complicada. Forçou-se a dormir. Obviamente que não conseguiu.



*

Assim que acordou, Remus, imediatamente, olhou para o lado. Tonks, ele já imaginava, não estava lá. No mesmo instante, o barulho do chuveiro informou-o que a bruxa não havia fugido à noite. E a cama já voltara ao seu estado original.



Remus apanhou a mala de roupas e escolheu uma camiseta, aleatoriamente. Vestiu as mesmas calças do dia anterior, porém sem ao menos observar o que estava usando, e sentou-se na cama, com a simples e única vontade de ficar calado. Então, lembrou-se vagamente do casaco onde guardara a carta de Sirius para Harry, e vestiu-o sem delongas - era arriscado deixar qualquer coisa que se envolvesse com a Ordem ali.



Tonks saiu do banheiro já vestida, com um vestido vermelho até os joelhos, cheio de estampas. Deu um sorriso animado.



-- Hora de conhecer a cidade! Vamos, Remus! -- Adulou a moça, cheia de agitação, enquanto procurava na sua mala uma máquina fotográfica. -- Fotos para o pessoal. Todos pediram! -- E saiu do quarto, carregando consigo um Lupin tonto. Ele não fazia as coisas desse jeito; mas talvez a amiga quisesse apenas deixá-lo menos tenso e preocupado. Resolveu aproveitar o passeio, então. E lá restara outra alternativa?



A França era magnífica. Imediatamente rumaram para o centro de Paris, onde Tonks quis tirar fotos de todos, todos os ângulos da Catedral de Notre Dame e do Jardim de Luxemburgo. Porém, o ponto alto do passeio para Lupin foi a visita à Torre Eiffel; não que apenas admirasse as luzes e a construção do lugar, mas lá em cima, Tonks abraçou-o, com medo de olhar para baixo. Aquilo o animou - pelo menos ela percebia que ele ainda estava lá!



Pararam então em um grande restaurante, a fim de almoçarem, afinal, Tonks realmente se demorara na Catedral.



-- Eu estou começando a acreditar que... como isso chama, mesmo? -- Perguntou Tonks animada, apontando o prato --, bom, seja lá o que for, deveria ser incorporado ao almoço da nossa casa -- Sorriu Tonks, bem-alimentada, mas não mais abertamente que Lupin. Mesmo que "nossa casa" fosse um código para referir-se à Ordem, saber que Tonks falara aquilo em voz alta era certamente animador.



-- Que fofinho, um apaixonado -- Disse uma voz ao pé do ouvido de Lupin.



-- Eu não consigo acreditar nisso. Você não tem nada melhor pra fazer no...? -- Perguntou Lupin, irritado, ao Sirius invisível ao seu lado, porém ainda sorrindo, bobamente.



-- ... além? Você só pode estar brincando, não?



-- Rem...? -- Tonks chamou-o de volta à realidade. -- Tudo bem aí?



-- Ahn.. tudo... depois.. Sirius... aaah..



Tonks ergueu as sobrancelhas. Remus entendeu completamente.



-- Ele costuma fazer contato de vez enquando -- Explicou Lupin, ainda atordoado.



-- QUÊ? E VOCÊ NÃO CONTA NADA? -- Tonks gritou, mas fechou a boca em seguida, quando um senhor bigodudo começou a se agitar na cadeira, olhando indignado para a moça. -- O que ele conta? Onde ele tá? O que acont...?



-- Pelo jeito, ele está muito bem. Vamos pagar logo a conta, aquela mulher vai jogar um tomate em mim se continuarmos aqui. -- Pediu Remus, apontando discretamente para uma mulher que observava a salada ameaçadoramente, transferindo sua atenção por vezes para o tomate, outras para o cabelo de Lupin. Tonks, segurando o riso, chamou o garçom com alguma aflição no tom de voz, e não se demoraram cinco minutos a mais no lugar - para a felicidade dos outros clientes do restaurante.



-- Mas... o que ele tem feito? Como... Remus, isso é muito interessante!



-- O que ele tem feito? -- Repetiu Remus, um sorriso fino nos lábios -- Na verdade, ele gasta boa parte do seu tempo me aconselhando. Não que seus conselhos valham alguma coisa, mas... Olha só, o Arco do Triunfo! -- E como se mais nada no mundo fosse mais interessante que o Arco do Triunfo, Lupin dirigiu-se ao monumento atento, fazendo Tonks seguí-lo apressada e irritada.



-- Que conselhos?



-- Sirius era tão interessante assim? -- Perguntou Remus, sorrindo enquanto observava a estrutura do Arco, mas não conseguindo evitar uma pontadinha de raiva no seu âmago. E outra pontadinha de raiva logo se seguiu, quando o lobisomem percebeu porque sentia a bendita pontadinha de raiva inicial. E o pior de tudo, Tonks entendera também. E sorriu. Mas, felizmente, não fez qualquer comentário, nem sobre a pergunta, nem sobre o porquê da pergunta.



-- Vamos voltar para o hotel -- Anunciou Tonks, o que deu a certeza a Lupin que era a amiga quem trilhava os rumos da viagem, o que só acrescentou mais lenha na fogueira de dúvidas que dançavam na mente do bruxo.



Caminharam durante horas e horas no mais profundo silêncio, ambos parecendo extremamente pensativos. Quando chegaram ao hotel, Jean Louis fez questão de recepcionar Tonks excelentemente bem, sorridente e animado; para Lupin, reservou apenas um frio meneio de cabeça, quando os dois bruxos rumaram às escadas até o andar desejado.



-- De volta -- Comentou Tonks desnecessariamente. As seis horas da tarde já iam se completar, e o sol fugia lá fora. O céu, parcialmente estrelado porém multicolorido, nunca estivera tão bonito antes.



-- Olhe, se quer saber, eu acho um desperdício. -- Disse Lupin, gaguejando. Impulso cretino! Será que ele não iria aprender, de uma vez por todas? Que parasse de tentar, que simplesmente calasse a boca, mas tinha que evitar essas... obsessões sinceras que o assomavam de vez enquando!



-- O quê? -- Perguntou Tonks, olhando para o céu, esquecida do quarto.



-- Fingir... que nada... acont... -- Calou-se, como se percebesse somente agora o que estava falando. Tonks provavelmente já tinha esquecido tudo da noite anterior, por que cargas d'água ele voltara no tópico?



-- Você acha? -- Tonks ainda mantinha os olhos grudados na primeira estrela que surgira naquela noite. Aliás, já caminhava lentamente para fora do quarto, até a varanda, para observar melhor, como hipnotizada pelo simples ponto de luz. Quando Lupin percebeu que estava falando com alguém que quase não o ouvia, sentiu um misto de alívio e raiva, como se, mesmo que estivesse arrependido de suas palavras ao vento, fizesse questão de ser escutado. E dirigiu-se, lentamente, até a varanda, também.



-- Não. Falei por falar. -- Sorriu Lupin, cada vez mais próximo. Depois de alguns segundos, emparelhou com a garota, e disse, suavemente, agora que já tinha entregue todo o jogo:



-- Não sei porque essa fixação com estrelas, já que elas moram nos seus olhos.



Tonks virou-se para ele, séria. O que aconteceria? Eles estavam tão próximos...



Mas, não. Todo esse momento-mágico sumiu no ar quando as primeiras notas de riso agudo de Tonks escaparam dos lábios da bruxa.



-- Haha, que brega! -- Disse a moça, gargalhando abertamente. -- Mas, para uma primeira tentativa... não foi tão ruim...



E lentamente, como tudo que se fazia naquela relação, a jovem bruxa se aproximou de Remus e o beijou, sem pretensões de pedir desculpas depois, o que fez Remus sorrir. A varanda, a lua, a noite tão bela, a França, tudo conspirava para um início tão romântico de romance!



Mas o Avada Kedavra que passou raspando pela orelha de Tonks, vindo de algum ponto no andar térreo, realmente destoava do clima amoroso da cidade-luz.



*****




Enquanto estava elaborando o nome perfeito para o capítulo, me veio à cabeça a sutileza francesa, as indiretas educadas, porém sempre guardando uma segunda interpretação, um novo olhar, que pode parecer completamente diferente do seu sentido "original". =D É assim que eu imagino a relação Tonks/Lupin, como deu para perceber, muito mais de impressão do que de palavras, em si =D Os dois não sabem lidar exatamente com os sentimentos, e tem tantas outras "prioridades" que teimam em acreditar que são suficientes para não se envolverem, como justificativa de sua timidez, que então qualquer gesto, qualquer sussurro, é o suficiente para compreender os sentimentos de ambos ;D



Bem, bem... aí está ele, então! =D Capítulo 4, um pouquinho mais curto do que o natural, mas não menos envolvente, creio eu ;D A partir de agora, a história deixa de ter como foco principal o relacionamento dos dois, e subdivide-se em alguns muitos temas pequenininhos, porém intensos, como, por exemplo, a identidade da pessoa que disparou a maldição. Quem será, tchamtchaam? XD Já estou vendo algumas apostas bastante improváveis por aqui, desconfianças, teorias =D... o que me alegra demais XD Não é raro que as teorias sejam mais elaboradas e complexas do que o enredo em si =)~



Além disso, temos as questões não-explicadas dos capítulos anteriores: Quem é Hittlesburry? O que ele fez realmente, como saiu ileso de um ataque de Comensais? E aquela carta para o Harry, o que acham? E os entendimentos secretos de Molly e Tonks, hã? xD Vou deixar todos vocês aí, pensando, com as mentes afiadas para a chegada do nosso temível CAPÍTULO CINCO! =D



Beijos e, gente, muito obrigada pelos e-mails extremamente legais que eu vim recebendo esses dias XD Algumas declarações me deram medo xD, mas agora que eu postei, estou livre de ameças, por enquanto =D Né? ó_o



Té mais! =D

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