Capitulo Um.
Eu mal podia acreditar que finalmente o dia dos meus quinze anos havia chegado. À medida que os últimos dias iam passando, eu ia ficando cada vez mais ansiosa. A chegada iminente desse “grande dia”, que era como papai costumava defini-lo sempre que tinha uma oportunidade, estava começando a me deixar apavorada. Meu pai havia decidido fazer uma grande festa, e usou o fato de que a filhinha caçula dele estava fazendo anos como desculpa para isso. Porém, em casa, nós sabíamos bem que não era só isso. Papai sempre dizia que na minha idade a maioria das garotas geralmente já tinha um namorado, previamente aprovado (em outras palavras, escolhido.) pelos pais, e com quem elas provavelmente iriam possivelmente acabar se casando. Como eu me desagradara de todos os nomes que papai “ocasionalmente” mencionara, por razões que só eu conhecia, ele disse que uma festa seria a oportunidade perfeita para que eu visse e fosse vista, por todos os jovens interessantes e disponíveis da alta-sociedade Londrina. Interessantes sob o seu ponto de vista, é preciso deixar bem claro. O Sr. Pollux sempre repetia insistentemente que a única razão para se casar com alguém era se a família dessa pessoa tivesse uma posição social tão elevada quanto a sua, ou então que tivesse tanto ou mais dinheiro que você. Amor? Duvido muito que meu pai tenha a mínima noção do significado dessa palavra, uma vez que o seu casamento não passou de pura fachada, durante todos os vinte e tantos que existiu. A farsa era tão grande que quando a minha mãe morreu, há quase um ano, ele mal “curtiu o luto”. Não demorou quase nada, e ele já estava de volta à sua vidinha normal. Enquanto isso, eu ficava em casa com os meus irmãos, me sentindo completamente perdida. Não tinha nem vinte dias que eu havia completado os meus quatorze anos, quando mamãe morreu. Exceto pelo fato de que ele agora passara a atender à todos os meus pedidos sem nem discutir, ele parecia não se importar muito comigo. Meus irmãos Alphard e Cygnus, cinco e quatro anos mais velhos, ocasionalmente se irritavam com isso. Cerca de oito meses após à morte de nossa mãe, Alphard, que já era maior de idade há algum tempo, decidiu que não suportava mais aquela vida e aquela casa. Eu ainda lembro claramente daquela tarde em que ele deixou a nossa casa, e a nossa família...
- Você não pode fazer isso com a gente, Al! O que é que eu e o Cyg vamos fazer aqui nessa casa sem você, hein? Quem é que vai levar à mim e ao Cyg para sair, ou para fazer qualquer outra coisa que não seja visitar as dependências do London Group, ham? O ilustríssimo e ocupadíssimo Sr. Pollux Black, por um acaso?
O deboche e o sarcasmo eram claramente perceptíveis no meu tom de voz. A verdade era que o meu pai não se preocupava com nada, à não ser a sua empresa e com a quantidade de ouro que esta poderia lhe render. O grupo era especializado em construir e proteger magicamente quase todos os prédios da cidade. O novo prédio do Ministério, todos os reparos recentemente feitos no St. Mungus, a maioria das casas da cidade, dentre outras tantas construções. Tudo isso havia sido erguido e magicamente protegido pela empresa do meu pai, que levava o original nome de London Group. Ou seja, nós já tínhamos uma das maiores fortunas de que se tem noticia até hoje, e mesmo assim o meu pai trabalhava incansavelmente para aumentar mais e mais o saldo de Ouro da nossa conta no Gringotes.
- A Wall tem razão, Al. O que é que nós vamos fazer se ficarmos sozinhos com o papai em casa, hein? Nossa vida vai se resumir praticamente às visitas absurdamente entediantes ao prédio da empresa. Quando não, os clientes do velho viram até em casa para um daqueles jantares, onde ele sempre nos obriga a recepcioná-los muitíssimo bem e felizes, ainda que seja tudo puro fingimento. Mais tudo bem, porque ele já está mesmo acostumado à viver de aparências, não é? À essa altura os meus olhos já estavam marejados, e eu já havia começado a soluçar. Nem bem eu estava me recuperando da morte da minha mãe, e eu teria de ver o meu irmão sair de casa assim, pra nunca mais voltar? Porque faz parte da mágica daquela tapeçaria velha que a imagem e a história das pessoas que deixassem o nosso convívio, da maneira como o Al estava prestes a fazer, sejam imediatamente queimadas dali, como se elas não mais existissem. Como se tivesse lido meus pensamentos, Alphard me puxou para um abraço apertado, afagando meus cabelos muito loiros.
- Venha cá, Kiki, você precisa entender que...
Eu o interrompi bruscamente e o cortei, e depois me arrependi disso. Eu não queria brigar com ele, não agora. Mais foi mais forte do que eu, o impulso de simplesmente responder ao que ele havia acabado de dizer.
- Não me chame de Kiki! Eu odeio que me chamem assim, você sabe. Só o papai ainda pode me chamar assim, porque eu ainda não consegui fazê-lo parar.
Alphard me olhou, claramente irritado. Até Cygnus me olhava meio torto, pois também parecia descontente com aquela interrupção totalmente dispensável.
- Desculpe, eu não consegui segurar. Não vou mais interromper, juro!
Eu sorri para os dois, completamente sem graça, e me envolvi de novo no abraço do meu irmão mais velho. Eu tinha a impressão de que aquele seria o ultimo abraço que ele me daria, e essa sensação estava me deixando mais angustiada ainda.
- Pois bem, se a princesinha concordar em parar de tagarelar, eu ainda tenho mais uma coisa a dizer antes de sair. E que de preferência isso seja logo, rápido, porque o tempo está quase acabando.
Porque sempre esse tom de ironia ao me chamar de princesinha, hein? Só porque eu havia sido a primeira garota a nascer algumas gerações da família Black, e com isso ser extremamente mimada por quase todos à minha volta? Quanta injustiça, a desses meus irmãos.
- Vocês não estão sozinhos, de maneira nenhuma. As nossas tias, todas, tem vindo aqui diariamente desde que mamãe morreu. Pessoalmente, eu acho que elas também não confiam muito no papai sozinho para continuar criando nos três, se vocês querem saber. E ainda tem o Orion, nosso primo, também. Ele pode perfeitamente levar vocês dois daqui de vez em quando, já que ele é bem mais velho e papai confia nele, e tudo mais. Agora deixem eu ir, porque o velho deve estar para chegar. Se cuidem, vocês dois!
Dito isto, ele beijou minha testa uma última vez e saiu afora. Esta foi, a propósito, a ultima vez que nós nos vimos.
Frequentemente eu me lembro dos acontecimentos daquele dia, e com uma clareza surpreendente. Quando isso acontece, eu costumo me dirigir à uma certa salinha no primeiro andar da casa, e fico simplesmente observando as marcas dos rostos de mamãe e de Alphard. Hoje, como era de se esperar, eu estava aqui sentada no chão frio e pouco confortável dessa sala. As minhas costas estavam encostadas na parede exatamente opostas à tapeçaria, as minhas pernas encostadas ao longo da minha barriga, e havia usado meus braços para “abraçar” meus joelhos. Eu não sabia que horas eram, mais sabia que já deveria estar me arrumando para o baile. Ninguém nunca ia até aquela sala, exceto eu, então eu fiquei completamente surpresa quando ouvi a porta ser lentamente aberta, e a sala invadida pela presença de mais alguém. Levantei a cabeça para ver quem era, e imediatamente reconheci aqueles cabelos muito escuros, e aqueles olhos e aquele sorriso tão familiares para mim.
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