Prólogo



Prólogo.


Até mesmo a torta de filé com rins de Kreacher parecia como cinzas na boca de Harry enquanto tentava engolir seu jantar. O chá que ele tomou para tentar limpar a garganta parecia meio estragado. O Elfo tinha feito seu melhor, ele sempre fazia, especialmente em dias especiais, mas Harry estava fisicamente incapacitado de apreciar os esforços do Elfo. Nenhum gosto encontrou na comida, nem mesmo Ginny sua maior fonte de conforto conseguiu aliviar o pesar que se encontrava em sua alma, arrastando ele para uma depressão que não permitia que comesse, bebesse, ou fizesse amor, não hoje ao menos.

As três pessoas na sala de jantar não poderiam fingir, como geralmente tentavam, que a ferida no coração deles algum dia iria cicatrizar. Ginny brincava com a comida em seu prato, mexendo ela de um lado para o outro, porém sem levar ela até sua boca. Ela encarava a comida de cabeça baixa como se estivesse rezando. Ron Weasley nem tentava gerar uma ilusão de que estivesse comendo. Ele estava encostado na cadeira, seus braços cruzados em frente ao peito. Harry podia perceber os músculos da mandíbula dele se prensarem com a força que fazia ao cerrar seus dentes e suas narinas tremiam a cada instante como se ele estivesse a beira das lágrimas.

- Pego o whisky de fogo? – Perguntou Harry quietamente – Eu comprei o melhor para hoje.

- Faça como quiser – falou Ron sem ânimo. Ginny apenas concordou com um aceno de cabeça, sem abrir os olhos.

Harry ficou parado. Ele poderia ter usado magia para convocar a garrafa, mas pareceu sem sentido. Ele atravessou a sala que, apesar dos esforços de Monstro, parecia tão sombria e lúgubre quanto Grimmauld Place havia sido. Sua mente saiu deste pensamento, no entanto; apesar da melancolia da residência dos Black ele tinha tido ali bons momentos também. Relembrar dos bons momentos fez seu estômago revirar ainda mais do que lembrar dos maus.

Não havia fotos em nenhum local da casa, a não ser no álbum que Hagrid havia dado a Harry tantos anos atrás. Não havia acenos felizes das pessoas mortas para aliviar a tristeza. Harry havia guardado as fotos ele mesmo – parecia demais para Ron e Ginny aguentarem, ver a família sorrindo para eles.

- Harry? – a voz de Ginny cortou seus pensamentos e ele se voltou para ela.

- Sim?

- Você estava apenas parado aí… – ele viu entendimento nos olhos castanhos dela. Ele não sabia onde estaria ou o que seria dele sem ela. Provavelmente estaria morto. Eles estavam casados há três anos; se casaram logo após a batalha de Hogwarts, se apoiando um ao outro e apenas com Ron ao lado deles. Flitwick, o Diretor de Hogwarts e um dos poucos sobreviventes da batalha, tinha oficiado a cerimónia através de lágrimas.

- Eu sei, me desculpe.

Ele acabou convocando a garrafa de qualquer modo e três doses depois já se sentia quase entorpecido.

- Eles odiariam o que estamos fazendo. – Falou Ron inesperadamente. Harry tinha se perdido sobre quanto da garrafa ele tinha bebido, mas ele não estava no mesmo estado que seu melhor amigo. Ron apenas falava sobre eles quando estava bêbado.

- Eu sei – disse Ginny – mas a gente faz o que pode.

- Hermione, – A voz dele vacilou e ele esfregou seu queixou – Ela iria chutar os nossos traseiros.

- Ela iria, – Concordou Harry. Ele teria dado tudo para que a sua amiga morta chutasse o seu traseiro.

- Fred e George estariam… eles estariam terríveis – Ginny tentou sorrir, mas saiu apenas como um esgarçar de lábios e desapareceu tão rápido quanto havia aparecido.

- Os pais de vocês nos passariam sermões – com a mão livre Harry alcançou o ombro de Ron – principalmente a mãe de vocês.

- Papai estaria… ele estaria na cozinha, olhando os artefatos trouxas, enquanto a mamãe gritava com a gente.

- Percy estaria nos ditando sobre o que é um comportamento adequado, que nós não estamos sendo bons exemplos e estamos desgraçando o nome Weasley.

- Nesse meio tempo ele estaria agendando entrevistas, depois de se livrar das garrafas de firewhisky que estão pela casa – Ron terminou quando a voz de Ginny falhou. O rosto dela estava tenso, a mandíbula apertada com força, enquanto apertava a mão de Harry.

- Fleur estaria tão brava com a gente que estaria gritando em francês, – Harry entornou o Firewhisky, que queimou em sua garganta tornando mais fácil de falar – E Bill ia nos azar de uma forma que só se reverteria quando já estivéssemos velhos e com cabelos grisalhos.

- Charlie soltariam dragões em nós, – ela tentou – vocês sabem que ele iria.

Mas eles tinham todos desaparecido, todos eles. Um Hall demolido e coberto de corpos e sangue. Harry sacudiu a cabeça impacientemente. Eles estavam dormindo em baixo da terra, sem saber da solitária e amarga vitória que tiveram, assim como da dor que a morte deles tinha causado. Se Harry soubesse que era uma Horcrux antes, se não tivesse esperado tanto para se entregar. ...

- Pára Harry – Falaram em uníssono – Nós sabemos o que você está fazendo – Ginny ainda falou – Não foi sua culpa.

- Eu, eu apenas…

- Eu sei – Falou gentilmente – Mas culpe quem se deve culpar. Voldemort matou eles, Bellatrix matou eles, Dolohov matou eles. E você matou quem roubou a nossa família.

- Apenas uma vez. – Harry falou com amargor.

Ron soltou um longo suspiro, tomou um grande gole com os olhos fechados.

- Eu vou sentir falta deles. Sempre e sempre.

- Sempre e sempre, – juntaram-se Harry e Ginny. Sempre e sempre, inicialmente era uma frase que pertencia apenas aos dois, foi como Harry propôs Ginny em casamento. Não havia sido romântico. O amor que ele sentia por ela foi a única coisa o manteve são, em um mês cheio de funerais e perdas.

- Ginny – ele sussurrou enquanto estavam abraçados um ao outro, deitados em sua cama. Eles tinham acabado de acordar. As manhãs eram difíceis após uma vitória que se parecia muito mais como uma derrota.

- Harry – ela murmurou contra o seu peito.

- Eu não consigo viver sem você – ele falou simplesmente – Eu não sobreviveria.

- Eu também não – ela concordou.

- Eu vou te amar para sempre – ele falou – Sempre e sempre. Você aceita se casar comigo? – Foi o máximo que ele pôde fazer. Ficaram juntos novamente após um ano de buscas pelas Horcruxes e o ataque à Toca. Harry havia percebido sobre os escombros que, mesmo estando longe, mesmo com todo o esforço por parte dele, Ginny e os Weasley sempre seriam alvos. Ele não podia perdê-la sem que ela soubesse que, apesar da distância e do tempo, ela sempre seria a melhor parte dele. Após um ano de fuga de Ginny com a sua família e das visitas feitas, ele havia decidido que, assim que derrotasse Voldemort, ele colocaria um anel no dedo dela e nunca deixaria ela ir embora. Ele havia sonhado em como iria propor. Quem sabe no salão comunal da Grifinória ou então no campo de quadribol. Queria que fosse algo romântico – pediria ajuda a Hermione.

Mas não era pra acontecer.


Havia se tornado uma frase simbólica, frase que trocaram nos votos em seu casamento, numa solitária colina, coberta de urze. Ron havia ficado atónito com o fato que fazia meses que não saíam de casa.

Era dia de Natal, mas pesar e raiva estavam presentes junto com a tempestade do lado de fora. Era para ser um dia feliz, mas, quando cada um havia perdido as pessoas que mais amava, isso se tornava impossível. Então encontraram o conforto num vinho.

- Eu sentirei falta deles, – disse Ron – Sempre e sempre – Ele não estava tão bêbado ao ponto de ficar alheio ao fato dele ter usurpado palavras tão significativas a Harry e Ginny, e a sua face delineou uma expressão culpada – Me desculpem, eu…

Não – Harry falou firmemente, trocando um olhar com Ginny – A frase se encaixa.

E foi o que realmente aconteceu. Sempre e sempre significava algo para Harry e Ginny, mas também para ele e Ron e para o passado que eles dividiam, assim como Ron e Ginny, os únicos sobreviventes de uma grande família, mais frágil do que tinham imaginado alguma vez. Significava as feridas que estariam sempre, sempre ali e o amor que eles iriam sempre, sempre sentir por aqueles que tinham perdido.


Ficaram em silêncio por um bom tempo e Harry tinha certeza que não estava sozinho em seus pensamentos Ginny aproximou a cadeira dele; seus ombros se tocaram. Ele queria abraçá-la, queria se enterrar e perder-se nela, mas era o aniversário de tudo o que tinham perdido e ele duvidada que conseguisse fazer amor com a mulher que amava se tentasse.

- Eu queria que nós tivéssemos o vira-tempo de Hermione aqui. – falou Ron com a voz embargada – Eu queria que pudéssemos voltar no tempo, eu não teria ficado incapacitado com o efeito daquela maldição, poderia protegê-los, quem sabe .....

- Isto é um Vira-tempo, Harry – A voz de Hermione ecoou do passado e Harry paralisou com um pensamento, tão selvagem e insano que só podia significar que estava ainda mais bêbado do que imaginara. Ele tentou interromper, tentou fingir que não lhe tinha ocorrido, mas essa ideia absurda já havia tomado conta de si fortemente. Ele abriu a boca, mas nenhuma palavra saiu.

- Harry? - Ele conseguia sentir o tom preocupado que Ginny usava. Ele devia parecer louco: ele se sentia louco. Começou a sentir uma necessidade urgente de rir.

-E se nós pudéssemos? – Perguntou ele – E se nós pudéssemos?

- Pudéssemos o que? – Perguntou Ron. Não era de surpreender que Harry não se conseguisse lembrar de quando se sentira tão guiado pela última vez. Não desde que tinham perdido tudo, a não ser eles mesmos, no campo de batalha.

- E se nós pudéssemos voltar no tempo?

- Harry – murmurou Ginny – Isso não é possível. Não é. O vira-tempo volta apenas algumas horas, você sabe isso. Você está bêbado, devíamos ir para a cama.

- Não – Harry falou vigorosamente – Nós deveríamos pensar acerca disso, nós temos de tentar.

- Você está louco, amigo, – falou Ron – Louco. Não devia sequer pensar nisso, não é saudável.

A risada de Harry pareceu sinistra até aos seus ouvidos.

– A forma como vivemos não é saudável, Ron. Já passaram três anos e nós não fizemos droga nenhuma desde que aconteceu. Somos velhos e mal temos 24 anos. Nós mal respiramos, nenhum de nós. Se vocês não estivessem aqui, provavelmente já teria cometido suicídio há anos atrás.

Lágrimas brotaram nos olhos de Ginny.

- Mas Harry… é impossível o que você está pensando, Harry.

- Como você sabe? – perguntou ele corajosamente – Talvez pessoas o tenham já feito, mas nunca tenham falado a respeito.

- O quê? Nós vamos construir um super gigante vira-tempo? – perguntou Ron - Voltar no tempo e salvar todos enquanto permanecemos escondidos? O que poderíamos possivelmente mudar?

- Tudo, – disse Harry – Tudo. Nós temos que tentar, droga.

- Harry, nós temos todas essas lembranças a viver sem eles. – falou Ginny – Três anos cheios de memórias. Se nós realmente fossemos voltar no tempo, já o saberíamos. Eles estariam vivos.

- A menos que a gente mude o Destino – Harry disse – Nós teríamos memórias diferentes, estaríamos agora na Toca celebrando a nossa vitória, não remoendo o preço que pagámos para a conseguir.

Ron e Ginny trocaram olhares.

- Escutem – falou Harry, começando a ficar frustrado – Ron, você não quereria a sua esposa de volta? Ginny, você não gostaria de viver num mundo onde a tua família continua-se a respirar?

- Isso é cruel – falou Ginny, suavemente, mas Harry podia dizer que ela estava pensando a respeito.

- Me desculpe – falou, apesar de não se sentir arrependido. Ele se sentia quase vivo novamente; se sentia como quando fazia amor com Ginny ou como quando voou com Ron através dos campos. Se sentiu como se tivesse um propósito, poderia até não dar certo. Podia não ser possível, mas sabia que tinha ao menos que tentar.

- Acho que a Hermione pode ter mencionado algo, uma vez. – tentou Ron, com os seus olhos a se tornarem distantes – Foi na manhã após vocês terem salvo Sirius. Ela falou que o vira-tempo é a maneira mais confiável de viajar através do tempo.

- E se o vira-tempo é a mais confiável, tem que ter os não confiáveis – falou Harry – Nós podemos ver isso amanhã, depois falamos com o quadro de Dumbledore.

- Vamos para Hogwarts? – Perguntou Ginny. Harry sabia o que ela estava pensando. Eles não haviam retornado desde a manhã após a batalha; os escombros ainda não haviam sido limpos e os corpos ainda estavam no Salão Principal.

- Sim – falou Harry

- Dumbledore saberá se houver algo que possamos fazer – proferiu Ron.

Harry se sentiu estranho, para dizer a verdade. Por três anos, dor o tinha consumido por dentro, a todos eles. Era estranho ter um propósito novamente.

- Eu acho… eu realmente acho que existe um jeito.



– –



Harry acordou cedo na manhã seguinte e tinha dormido de maneira profunda; não tinha tido um único pesadelo. Quando acordou, atirou fora uma das garrafas de poção anti-ressaca da Tia Jigg que Monstro havia posto ali na cabeceira, em algum momento da noite e pulou da cama. Quando ele saiu do banho, Ginny já estava acordada e aparentando estar do mesmo jeito que ele se sentia: atordoada e com um propósito. Porque é que não tinham pensado nisso antes? Eles podiam ter mudado tudo!

Nem 10 minutos depois, Ron os encontrou na sala, com os cabelos ainda molhados do seu próprio banho. Ele não se movia mais como um Inferius, até parecia o antigo Ron, aquele que tinha sido colega de Harry em Hogwarts. A morte da sua esposa, pais e irmãos o tinha transformado numa concha vazia.

Harry arregalou os olhos. Ron parecia apavorado.

- Nós vamos mesmo fazer isso? – perguntou Ron – Nós vamos tentar?

- Sim – falou Ginny de maneira firme. – Nós vamos.

Saíram juntos da casa e Harry estava novamente surpreso com o quão bem se sentia por ter motivo para viver além das poucas necessidades que Monstro não lhes poderia fornecer. Se tinham tornado estranhamente reclusos, Harry pensou intrigado.

Eles seguiram em frente com um propósito, atravessaram as defesas e com uma alto crack eles desaparataram juntos.

Hogsmead estava como ele se lembrava do seu quarto ano, sem dementadores, sem medo. As pessoas andavam sem medo ao longo das ruas estreitas e retorcidas e Harry sentiu uma pequena pontada de ressentimento pelas pessoas que viviam e riam num mundo sem Voldemort. Elas não tinham tido que pagar o preço que Harry, Ron e Ginny tinham pago. Mas eles mudariam isso, Harry pensou firmemente. Ginny apertou sua mão tão forte que Harry sentiu as suas articulações estalarem. Quando olhou para ela, viu o seu ar resplandecente, desta vez sem estar diminuído pelo pesar. Eles iriam fazer isso.

O caminho até Hogwarts tinha a mesma distância de sempre, mas pareceu durar apenas alguns minutos. Ninguém reconheceu eles, graças a Merlin; ele supôs que ninguém mais tinha a esperança de ver eles, já que haviam se trancando há tanto tempo.

Os portões erguiam-se acima deles fortes e inabaláveis. Harry se lembrava de quando eles estavam tortos e destruídos, após o ataque dos gigantes de Voldemort.

- Harry?

Eles se viraram e viram Hagrid com a sua boca aberta em descrença. Ele continuava tão alto como sempre e seu cabelo tão selvagem quanto da última vez que o tinham visto, mais de dois anos antes.

- Ron? Ginny? – Hagrid estava demasiado chocado para se mover.

- Olá Hagrid – Harry disse. Ron e Ginny seguiram o seu exemplo.

- O que - o que vocês três estão fazendo aqui?

- Nós viemos ver o Diretor – explicou Harry – Você poderia nos deixar passar pelos portões?

Hagrid abriu o portão com uma mão e depois alcançou-os, envolvendo os três num abraço quebra costelas. Harry deu batidinhas nas costas dele. Quando se afastou, viu que escorriam lágrimas de seus olhos, em direção à sua barba.

- Eu pensei que nunca mais veria vocês outra vez!

Harry não conseguia pensar em algo para dizer. Ron e Ginny estavam quietos atrás dele. Hagrid não pareceu ofendido por isso e tagarelou até chegarem ao castelo. Aparentemente Grawp tinha achado uma amiga gigante e os centauros aceitaram mais três em seu bando. Simas Finnigan, apesar do braço que perdera na guerra, conseguiu o cargo de professor de Defesas Contra as Artes das Trevas.

Eles rodaram as estufas e se depararam com uma cena que não esperam ver outra vez. Harry sentiu toda sua mágoa contorcer por dentro ao analisando o castelo reparado. A Torre de Astronomia tinha sido reconstruída e Hogwarts estava tão majestosa quanto sempre fora. Não havia manchas de sangue nas escadas. Era como se não tivesse acontecido. Mas aconteceu. Bill e Fleur tinham morrido logo ali; Harry ainda podia ouvir os gritos dela, em cima do corpo de Bill, enquanto abatia três Comensais da Morte, antes de ser morta por Dolohov.

Sua boca torceu numa careta e Ginny apertou suas mãos.

A Entrada Principal era ainda pior. Na sua mente, Harry ainda podia ver Hermione queimando e ouvir o seu choro de angústia, podia ver Jorge caindo e quebrando o seu corpo todo, podia ver Artur Weasley ser atingido nas costas com um Avada Kedavra enquanto tentava vingar a morte de Bill. Carlinhos tinha sido mutilado por Fenrir Greyback bem ali, perto das escadas. Foi bem onde a acromântula dilacerou Percy.

Os olhos de Ginny apresentavam um brilho insano de puro terror. Ela tinha visto grande parte da sua família morrer; estava lutando com Comensais da Morte juntamente com Lilá Brown e Parvati Patil; mas ela tinha visto onde os corpos estavam caídos. Harry tinha achado que ela havia morrido, tinha achado que a maldição havia matado Ron. E a cinquenta metros e três anos de distância de onde ele estava parado agora, prostrou-se na frente de Voldemort e não se defendeu, assistiu a morte vir para ele na forma de um jato de luz verde, porque ele queria morrer. Mas ao invés disso matou a Horcrux e Harry retornou para matá-lo, sem saber que Ron e Ginny haviam sobrevivido também.

Ele suspirou profundamente. Ron mantinha os olhos fortemente fechados, com os lábios movendo-se, falando algo que Harry não conseguia ouvir. Ginny tremia atrás dele.

- Vocês… – suspirou Hagrid – Eu sei porque vocês não queriam voltar.

Harry concordou, retesando.

- Mas nós ainda precisamos ver Flitwick.

Eles deixaram para trás suas lembranças e Hagrid e subiram as escadas com um propósito. Ainda era cedo, não havia estudantes deambulando pelos corredores; ainda deveriam estar dormindo em seus dormitórios.

A gárgula que guardava a sala do diretor ainda era a mesma. Harry percebeu que não tinha nenhuma ideia de qual era a senha, nem imaginava por onde começar.

Ron a chutou com o seu pé.

- Abra!

- Não – proferiu a gárgula, firmemente – Você não sabe a senha!

Harry se preparava para mandar uma mensagem via Patronus, quando escutou passos rápidos vindo em sua direção.

- Pelas barbas de Melin – Simas exclamou ofegante ainda a uns dez metros deles. Ele se escorou contra a parede e falou – Eu nem sabia que vocês três ainda estavam vivos.

- Olá Simas – Falou Ginny de forma polida. Harry e Ron apenas o cumprimentaram com a cabeça – Você sabe a senha de Flitwick? Nós temos que falar com ele.

- Er, – Simas ainda estava visivelmente tentando se recompor. Era estranho ver ele com apenas um braço; ao menos não foi o braço com o qual ele usava a varinha que foi severamente cortado fora. – É Caliadoc.

A Gárgula pulou para o lado e escadas começaram a se mover atrás dela – O que é Caliadoc – sussurrou Harry. Ginny se encolheu.

- A gente se vê Simas – falou Ron – Falamos com você… mais tarde.

- Er, sim. – Eles deixaram ele ainda parado, com a boca meio aberta – Sim, a gente se por ai então.

Harry bateu firmemente na porta três vezes. Demorou vários minutos até que Flitwick abrisse a porta e os recebesse com a mesma expressão surpresa com que Hagrid e Simas tinham os recebido.

- Ora, – empertigou-se na sua altura total, cerca de 3 pés – Ora.

- Diretor – falou Harry respeitosamente – Nós estávamos a imaginar se seria possível falar com o retrato de Dumbledore.

- Eu… sim, claro que sim. – Flitwick deixou os três entrarem. A sala era similar, no entanto diferente da época de Dumbledore. Os pequenos e delicados instrumentos (aqueles que haviam sobrevivido à ira de Harry, de qualquer forma) tinham desaparecido e foram substituídos por pilhas de livros. Os quadros eram os mesmos. O ocupante do maior, pendurado logo atrás da mesa, olhava Harry com um olhar inquisitor.

- Harry, – disse o quadro de Alvo Dumbledore – E a Sra Potter e o Sr Weasley.

- Dumbledore, – os três murmuraram

- Deveria eu…? – Flitwick fez um movimento com o braço em direção à porta. Harry sentiu um pingo de culpa forçando o diminuto homem a deixar a sua própria sala.

- Se você não se importar.

A porta se fechou e os três foram deixados sozinhos.

De repente, Harry não conseguia pensar em o que dizer. Se sentia desconfortável e o olhar penetrante de Dumbledore e o murmúrio dos outros quadros não ajudavam.

Ginny o acariciou e Harry percebeu que tinha estado encarando o quadro por mais tempo que esperara.

- O preço foi muito alto. – Harry falou pesadamente. Sentia lágrimas se formarem em seus olhos. Dumbledore tinha que saber se era possível. Ele tinha que saber.

- Oh, Harry… – A pintura se escorou novamente na cadeira.

- Existe alguma maneira… você sabe… – Harry respirou fundo – Nós queremos mudar.

Dumbledore permaneceu quieto por um longo tempo.

- Nós sabemos que o vira-tempo não funcionaria. – disse Ron com pesar. Ginny começou a tremer novamente.

- Nós queremos voltar para batalha. – falou Harry firmemente.

- Porquê? – Perguntou Dumbledore, entrelaçando suas mãos e encarando os três com seu olhar.

A boca de Harry se abriu como resposta. Isso não era óbvio?

- Nós queremos salvá-los, Dumbledore. Nós não estamos… nos não podemos… nos temos de tentar! Existe....

Mas Dumbledore o interrompeu.

- Você não entendeu minha pergunta. Porquê voltar para a batalha? Vocês poderiam fazer muito pouco. Só poderiam salvar um ou dois, mas haveriam ainda perdas grandes.

Ginny o encarou

- Tem uma maneira ou não? – perguntou Ron alto. Harry sentiu como se o houvessem o chutado; eles precisavam de Dumbledore ao lado deles.

- Sim – respondeu Dumbledore.

Harry se virou e passou as mãos pelos seus cabelos. Ginny soltou um choro sem som e tapou a boca com as mãos. Ron respirava pesadamente, como se tivesse acabado de correr por quilômetros.

- Há uma maneira. – continuou Dumbledore – Na verdade várias, mas apenas uma que se ajusta a essa necessidade. Não é instantâneo, claro; vocês vão precisar de muitas preparações, inclusive uma complexa poção e um feitiço muito complicado. Vocês têm sorte que são três. Seria impossível para um único homem.

- Nós faremos. – Falou Harry instantaneamente – Faremos agora mesmo.

- Ah, mas não há nenhum “agora mesmo” se tratando disso. – Disse-lhes Dumbledore – Vocês precisam de se preparar. A poção sozinha leva três anos.

- Três anos?

- Para não mencionar as decisões que terão que tomar em relação a isso. O quão longe precisam de viajar, por exemplo. Isso deve ser decidido antes de começarem a preparar a poção. A quantidade de ingredientes varia de acordo com o tempo que pretendem voltar.

- Mas nós queremos voltar apenas três anos. – Disse Harry – Para a batalha.

- Eu não aconselharia isso. – Retorquiu Dumbledore – Não é nada parecido com o vira-tempo; não vai haver dois de vocês correndo por aí, vocês ficarão tão pressionados e desafiados quanto estavam naquela noite. A única coisa que será diferente é que a memória de vocês dessa linha de tempo irá continuar a mesma. Vocês saberão quando e onde as coisas que querem parar irão acontecer, mas não há garantia que o consigam

- Está… você está querendo dizer que não deveríamos fazer isso? – Perguntou Ginny timidamente – Porque nós já tomamos nossa decisão.

- Eu acho sim que vocês deveriam fazer isso, Sra Potter. – Os olhos de Dumbledore brilharam quase com loucura. – Mas se vão fazer isso, deveriam fazer da maneira correta. Fazê-lo por um knut, fazê-lo por um galeão, eu diria.

- O que diabos isso quer dizer? – Perguntou Ron rudemente.

- Espere aí. – A mente de Harry trabalhava freneticamente – Você acha… Você quer dizer que deveríamos voltar mais além?

- Excelente, Harry. – Dumbledore parecia tão satisfeito como se ele tivesse obtido a nota máxima numa prova muito difícil – Se vocês voltarem longe o suficiente, podem fazer com que a batalha nem aconteça.

Harry pensou, eles poderiam voltar a qualquer momento em que Harry, Ron e Hermione estivessem procurando pelas Horcrux. Ele sabia exactamente onde elas estavam, seria muito mais fácil e rápido encontrá-las e destruí-las. Voldemort não teria tanto tempo para juntar seu exército e as chances de quem ficasse ao lado de Harry não seriam tão desastrosas. Ele poderia até impedir Remus, Tonks e Teddy de serem assassinados em sua própria casa. Mas… e se ele pudesse voltar até antes de Dumbledore morrer? Ele poderia impedi-lo de colocar o anel; Snape não precisaria matá-lo e Harry poderia ter o brilhante bruxo ao seu lado. Ou se pudesse voltar ainda mais… Sirius. A batalha no Departamento de Mistérios poderia ser evitada, Harry sabia bem que era uma armadilha e não iria. E se ele voltasse para seu quarto ano, ele poderia assegurar que Voldemort não se reerguesse e Cedrico poderia sobreviver.

Ron e Ginny o olhavam com cautelosamente e Harry sabia que era o suporte deles.

- Eu acho que nós deveríamos voltar para o nosso primeiro ano. – Ele lhes contou – Nós poderíamos lidar com as Horcruxes, poderíamos evitar que muita coisa ruim ocorresse e teríamos anos e anos de preparação antes de voldemort regressar. Dumbledore, – falou Harry, e se virando para o quadro – Você acha que ainda terei uma Horcrux dentro de mim se nós voltarmos?

- Com certeza – ele disse – A única coisa que irão mudar são as memórias de vocês – A profecia vai continuar a existir, no entanto seria interessante ver se ela muda da alguma forma. É possível…

Harry pareceu alarmado, mas Dumbledore se apressou a sossegá-lo.

– Não mudaria a essência da profecia, não acho isso. Mas não ficaria surpreso se as palavras mudassem.

- Que método é esse, Dumbledore? – Perguntou Ginny.

- A poção se chama Lágrimas de Merlin. Foi ele que a criou e acredito que foi o único a usar. O feitiço é chamado a Teia ou a Realidade Dobrada. São necessários os dois para o fazer, eles estão claramente ligados um ano outro. – Dumbledore fez uma pausa – Eu aconselharia que vocês pensem com extremo cuidado o que desejam fazer. Anotem tudo, passo a passo, antes mesmo de começar. Será permitido a vocês algum espaço, mas os objetivos devem estar muito claros.

- Er, Porquê? – Perguntou Ron.

- O principal ingrediente para a poção são as suas memórias. – Falou Dumbledore calmamente – Vocês precisarão colocar todas as que conseguirem, tudo o que possam oferecer, quanto mais colocarem melhor. Eu aconselho a falar com outros sobre as memórias que eles possuem da guerra e colocá-las na poção igualmente. Quando mais conhecimento vocês tiverem, vos dará mais conhecimento para as vossas versões de 11 anos.

- Então a poção precisa das nossas memórias? – Perguntou Harry. – É igual a uma penseira?

- Sim – Dumbledore lhe respondeu – Exactamente. Mas uma vez colocadas na poção, não poderão ter acesso a elas, por isso é que devem planejar muito, muito cuidadosamente. Eu, claro, darei toda a ajuda que conseguir. A última memória que vocês irão colocar é a de estar fazendo a poção. A única que não levarão com vocês é a do encantamento.

- E onde nós podemos encontrar essa informação? – Ron perguntou e acrescentou de forma esperançosa – Você tem a informação decorada?

- Não, mas vocês podem encontrar na Secção Restrita, num livro fino intitulando Memórias Sem Limites. Tem um capítulo inteiro a respeito.

- Bem… – concluiu Harry – Me parece que nós temos bastante trabalho para fazer.

- Se tem alguém que o possa fazer corretamente, eu acredito que sejam vocês três. – Disse Dumbledore – Tenho apenas uma coisa a pedir. Por favor, contem para mim. Eu sei. – Ele fez uma pausa – Eu sei que você ficou aborrecido por ter escondido coisas de você, Harry. E eu me desculpo.

- É claro que nós contaremos a você. – Harry assegurou-lhe – Não iria querer deixar um dos meus melhores aliados de fora.

- É melhor nós começarmos. – Falou Ron – Três anos começam agora.



– –



No final, demorou quatro anos para eles prepararem tudo com muito cuidado. Apesar da impaciência que sentiam, sabiam que teriam que ser cuidadosos para dar certo. Tinham muito a perder.

Um homem de cabelos negros estava sentando ao lado de uma mulher ruiva que ele mal sabia quem era, mas sentia uma enorme compaixão por ela, mesmo sem entender o porquê desse sentimento. Teoricamente, ele sabia que ele, a mulher e o homem ruivo estavam trabalhando em algo desesperado. Algo que os fez continuarem embora não fizessem ideia o que era. Às vezes ele brincava com isso. Tinha a impressão que eles costumavam brincar mais vezes.

No dia anterior a estranha poção tinha cristalizado. Agora podiam se ver o que pareciam três cristais de vidro transparente e brilhante que permaneciam no caldeirão. O homem de cabelo preto queria tocá-los mesmo sabendo que era a última coisa que ele deveria fazer. Estragaria tudo! Mas o que era aquilo tudo, ele se perguntava. Ele sabia que as respostas estavam ali dentro, mas toda vez que pensava em tocar, seu coração apertava. Todos os dias, o homem ruivo perguntava se ele sabia porque eles não podiam tocar, mas o homem de cabelos pretos não conseguia se recordar.

- Nós temos que falar o feitiço. – Disse a linda mulher de cabelos vermelhos – Está pronta.

- Como você sabe? – Perguntou o homem de cabelos pretos com medo – E se não estiver?

- Está escrito aqui nas notas. – Ela respondeu – Eu escrevi isso: “Quando a poção cristalizar falem o feitiço. NÃO LHE TOQUEM.”

- Está certo então – falou o homem de cabelos vermelhos – Vamos dizer o feitiço. Ao menos isso eu sei. Mas nada mais.

- Não era isso mesmo que devia acontecer? – Falou o homem de cabelos pretos. Frustrava-o não saber o nome daquele homem. Ele sentia que devia saber, mas sua mente parecia um grande vazio.

- Sim, nós escrevemos tudo aqui – Falou o homem de cabelos vermelhos – Eu fico me perguntando o porquê de tomarmos notas para nós mesmos.

- Não sei se algum dia saberemos.

- Nós deveríamos dizê-lo – o homem de cabelos negros afirmou firmemente – Agora mesmo, antes que esqueçamos de mais alguma coisa.

Eles juntaram as mãos. A mulher de cabelos vermelhos começou um longo encantamento que soou como uma canção. Os dois se juntaram a ela. Mesmo quando as luzes apagaram e o quarto escureceu, eles não pararam. A única luz vinha do caldeirão.

O homem de cabelos pretos assistiu quando os pedaços de vidros subiram no ar, formando o que pareciam teias de aranha feitas por pequenas luzes. A luz começou a machucar seus olhos, então ele piscou. O quarto ficava cada vez mais escuro e as palmas das mãos da mulher estavam suadas. O outro homem estava tremendo.

Ele escutou um grito alto que lhe fez eriçar os pêlos da nuca. Nunca tinha ouvido nada assim. Parecia durar o tempo de uma vida e então tudo ficou completamente escuro. Um estranho pensamento ecoou em sua mente: sempre e sempre. Ainda com as mãos dadas, ele tombou para trás, num vazio.








N/T: Aqui esta o primeiro cap da tradução, espero que gostem :D

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