Detenção
No quarto ano, nosso professor de poções, o Slughorn, criou o 'Clube do Slug', e eu fui convidada. Fiquei tão feliz! Quero dizer, eu nunca sou convidada para nada, e, nas escolas trouxas, eu nunca era escolhida para os times, e isso sempre foi meio que um trauma, então esse convite foi realmente uma surpresa. Iria ter uma reunião 'inaugural' na sala dele, nas masmorras, então me arrumei e fui, toda animadinha.
- Olá, Lancaster! Fico feliz que você tenha vindo, broto! A decoração ficou bem bacana, não?
Broto. Ah meu Deus. Broto.
- Ahm, sim, Professor! Os balões com a sua cara deram realmente um, ãh, charme.
Ele sorriu orgulhoso e foi cumprimentar outra pessoa que chegava.
- Boa noite, meu caro Tom! Devo dizer que sua presença é muito importante! E aí, o que achou dos balões?
Vi Riddle olhar para um balão que tinha se soltado do teto, fazendo com que a cara gorda e sorridente do Slug ficasse pulando por aí, e dar um sorrisinho.
- Fantásticos.
Revirei os olhos e fui pegar um copo de suco de abóbora, que estava sendo servido em uma mesinha redonda no canto da sala. Uns vinte minutos depois, a sala já estava com todos os convidados, que conversavam alegres uns com os outros. Riddle conversava com o garoto Cujo-Nome-Nunca-Lembro e Arnold Jerkins, que também tinha sido convidado. Nem sei como, porque, vou te contar, esse garoto é de uma estupidez cavalar.
Mas, se eu estou aqui, então nada faz sentido mesmo.
Os garotos conversavam com Riddle, e ao mesmo tempo tentavam abrir um sanduíche de mortadela que estava sendo servido para tirar o queijo e deixar só a mortadela.
Não sei como alguém consegue aturar eles, sério. Parecem animais.
E não daqueles fofinhos.
De todo modo, eu estava sozinha, ainda me embebedando de suco de abóbora, até que um garoto, moreno, desajeitadamente alto e que usava um óculos engraçado, veio falar comigo.
- Oi. Você é Claire Lancaster, né? Da Grifinória.
Fiquei uns segundos sem responder. Caramba, o tanto de líquido que o garoto expeliu ao falar o 'cas' de Lancaster não foi brincadeira. Assenti com a cabeça, tentando pensar em como limpar o cuspe desagradável que estava em minha bochecha.
- Eu sou Leigh Marquezini, da Corvinal. Fazemos algumas aulas juntos.
Eu não estava prestando muita atenção no que ele falava. Minha atenção estava toda voltada em me desvencilhar dos muitos cuspes que não paravam de sair da boca dele. Sério, eu mereço. Ele continuou falando coisas que não me interessavam nem um pouquinho, e eu só ficava desejando que ele parasse de falar qualquer palavra que tivesse a letra "S".
- Você não fala muito, né? Não se preocupe, eu curto garotas tímidas.
Certo, esse foi o cúmulo. Dei o meu melhor sorriso e falei:
- Puxa, acertou na mosca. Bem, o papo estava realmente legal, mas infelizmente, hm... minhas amigas marcaram uma reuniãozinha e, é.., eu tenho que ir, porque se eu não for na reunião eu vou... hã, perder a reunião. Tchau!
E dei o fora dali.
Quero dizer, puxa, a festa nem tava tão boa assim, e eu certamente não gosto muito que cuspam na minha cara. Já estava no meio de um corredor escuro quando tive a sensação de estar sendo seguida. Gelei. Não seria muito fantástico ficar sozinha num corredor com o Menino-Que-Cospe, não mesmo. Me virei, mas não foi ele que vi, sorrindo marotamente pra mim.
Não, não. Era Riddle.
Revirei os olhos com irritação e perguntei:
- O que é? Por que você tá me seguindo?
- Não estou seguindo você, porque seguiria?
- Não sei, me diga você, é você que tá aí atrás de mim desde a sala do Slughorn.
Ele sorriu ainda mais. Que droga.
- Estava querendo te encontrar sozinha - Disse ele, em um tom mais baixo, que me arrepiou toda. Ele deu um passo à frente.
Ah meu Deus, o que ele está fazendo?
Dois passos à frente.
Ele vai me beijar?
Três passos à frente.
Com certeza, ele vai me beijar.
Quatro passos à frente.
Ah meu Deus. Semicerrei os olhos, meio que me preparando para o que estava por vir. Vi ele abrir a boca, mas, ao invés de me agarrar e me beijar apaixonadamente, ele disse, tirando a varinha do bolso:
- Temos que terminar aquela conversinha do ano passado.
Certo. Isso não era um beijo. Não sei o que passou pela minha cabeça, admito. Beijar Tom Riddle? Nunca, nunquinha. Ele não passa de um sonserino malvado e manipulador. Tirei minha varinha do bolso também. Ele começou a dizer algum feitiço qualquer, mas eu fui mais rápida e o joguei contra a parede, com um feixe de luz vermelho. Go, Lancaster! Ele se levantou mais rápido do que eu esperava, atirando feitiços contra mim. A poeira do corredor subia, o que tornava bem difícil de enchergar alguma coisa, mas continuávamos lançando azarações um contra o outro. Minha varinha voou de minha mão. Droga, ele não poderia ter me desarmado. Eu não poderia aceitar isso nunca e..
- Acho que agora já chega, não? - Ouvimos a voz serena de Dumbledore dizer. O encaramos. Ele parecia quase divertido. Segurava minha varinha em uma das mãos e a de Riddle na outra. - O que exatamente aconteceu aqui?
Eu comecei a gritar: "Foi ele professor, sério! Ele que começou a me atacar!", enquanto Riddle retrucava: "Não acredite nisso, professor! Ela que me atacou primeiro!"
Parecíamos duas crianças de cinco anos.
- Silêncio! Muito bem, como nenhum dos senhores parece disposto a assumir a culpa, terei que lhes dar uma detenção. Para os dois.
- Mas professor... - Começou Riddle, tentando se explicar, mas Dumbledore o cortou, coisa que fez com que eu desse um sorrisinho discreto. Quem era o superior agora, hein?, era o que eu queria falar. Mas achei que não seria uma idéia muito fantástica naquela hora.
- Não quero saber de 'mas', sr. Riddle. Voltem para seus salões comunais, e amanhã quero os dois me esperando no Saguão de Entrada, depois do jantar. Irei decidir o que os senhores farão. Enquanto isso, tentem se comportar, sim?
Assentimos com a cabeça. Ele devolveu-nos as varinhas, deu um simpático 'boa noite' e foi embora.
- Viu só o que você fez? - Sibilou Tom, parecendo muito contrariado. Abri a boca para retrucar, mas ele se mandou, me deixando falando sozinha.
Acabei o jantar e fui para o Saguão de Entrada, onde Riddle já estava, esperando. O Professor Dumbledore chegou pouco depois, e pediu para o seguirmos. Fomos andando em silêncio. Subimos umas trezentas escadas, e, quando eu já estava muito próxima da morte (certo, eu precisava mesmo me exercitar com mais frequência), paramos em frente à uma porta velha e empoeirada que eu nunca havia visto antes. Ele abriu a porta e mandou que entrássemos.
- Filho da m... - Comecei, mas Riddle me deu uma cotovelada para que eu não terminasse. Um gesto muito simpático da parte dele, achei.
O único também, creio.
De todo modo, a sala era simplesmente enorme, com um armário gigantesco no fundo, praticamente vazio. As coisas que deveriam estar neste armário estavam todas espalhadas pela sala. Vassouras, potes, livros, tudo. Uma nojentisse.
- Vocês tem cerca de duas horas e meia para arrumar esta sala. A menos, claro, que não dê tempo, e então vocês ficarão até terminarem o trabalho. Entreguem-me as varinhas, por favor - Pediu Dumbledore, estendendo as mãos. Demos as varinhas, completamente contrariados - Não tentem fugir, sim? Vocês dois... sim, melhor trancar, por precaução.
- Professor? - Chamou Riddle. Dumbledore se virou para encará-lo - e se terminarmos antes?
Olhei pra ele como se tivesse pirado. Arrumar aquilo tudo, em menos de duas horas e meia? Sem magia? Qual é! Eu mal consigo arrumar meu quarto nesse tempo.
- Não importa, ficarão aqui duas horas e meia, que é quando virei destrancar vocês. Boa sorte!
E ele se retirou, e a última coisa que ouvi foi o barulho triste da chave mandando ver na fechadura.
- É, isso aqui tá uma bagunça - Eu disse.
- Não será por isso que nos mandaram arrumá-lo? - Ele perguntou, sarcástico. Achei melhor nem responder - Olha, você arruma esse lado que eu arrumo este.
- Porque é você que escolhe?
- Tem alguma idéia melhor?
Engoli em seco. Aquele olhar dele sempre me fazia... ai meu Deus.
- Certo - Disse, com mau humor - Mas vamos organizar por objetos. Tipo, você fica com os artigos de Quadribol e eu tomo conta dos livros e pergaminhos e afins.
Ele me ignorou, pegou uns livros, subiu em cima de uma caixa que havia ali e colocou-os na estante mais alta do armário. Cheguei perto e dei um empurrão na caixa, fazendo com que ela saísse de debaixo dos pés dele, quase derrubando-o.
Toquei o terror.
- Eu falei com você, sabia? Idiota.
Ele se virou irritado pra mim. Dei um sorrisinho vitorioso e voltei ao trabalho, enquanto ele resmungava um 'ok' rabugento e ia em direção às vassouras.
Estávamos indo muito bem, se quer mesmo saber. Já havíamos arrumado boa parte da sala, que estava ficando uma gracinha. Quem estava tendo certas dificuldades na verdade era... bem, eu. Quero dizer, além de todo o esforço físico, minha mente também estava ralando pra caramba. Ralando para que eu parasse de pensar nele, ou imaginar eu e ele... certo. Eu enlouqueci. Mas simplesmente não era minha culpa ele ter ido para a detenção lindo demais para a minha paz de espírito. Com aquela camisa da sonserina, cuja manga ficava levemente apertada nos músculos do braço dele, de um modo que tornava impossível não pensar como deve ser bom ser abraçada por aquele porta-músculos. Balancei a cabeça, para tentar extrair todos aqueles pensamentos insanos de minha cabeça e continuei meu trabalho. Quando percebi, já havíamos terminado, antes de Dumbledore vir nos chamar. Me encostei no armário, exausta, e ele fez o mesmo. Ele fitava os próprios sapatos, pensativo, e eu o fitava.
- Quanto falta para completar duas horas e meia? - Ele perguntou, sem se mover.
- Dez minutos.
Mais silêncio.
- Porque? Minha companhia é assim tão insuportável? - Perguntei.
- Ora, ora. Aprendeu a ler pensamentos?
Há, engraçado, Riddle.
- Não. Mas achei que devia sentir o mesmo que eu.
- Ai ai, Lancaster.
- Quê?
- Você não seria tão ruim se não andasse com aqueles sangue-ruins desprezíveis.
- Você não pode falar nada, Riddle. É metade trouxa.
Ele se sobressaltou. Olhou pra mim.
- Como sabe?
Opa. Certo, eu tinha pesquisado. Tinha perguntado à Audrey Cavallari, uma conhecida minha da Sonserina, se ela conhecia Tom Riddle, e ela simplesmente foi falando praticamente tudo sobre a vida dele. Mas, puxa, não ia deixar que ele soubesse disso. Eu ainda tinha um restinho de orgulho, qual é.
- Ãh... não interessa.
Ok, essa resposta não é das melhores. Pode me processar.
- Claro que interessa!
Resolvi apelar para estratégia Mude-O-Assunto.
- Puxa, quando será que Dumbledore vai chegar? Estou com sono, e você?
- Anda, Lancaster!
- Desde quando você manda em mim, Riddle? - Perguntei. Ok, este certamente não era o momento mais maduro de minha vida.
- Diga logo como descobriu que...
- Ai, não vou falar, que saco! Não devo explicações a você, qual é - Me desencostei do armário - Eu não preciso obedecer à alguém preconceituoso e manipulador e malvado e nojento como você.
Ele também se desencostou da parede.
- Ah, quer saber o que é nojento? - Perguntou ele, furioso, se aproximando de mim - É ter que passar duas horas e meia preso com uma Grifinória traidora do sangue, que ainda por cima é...!
Não cheguei a saber o que eu era, pois ele parou de falar. Eu estava tão, tão próxima dele que dava pra sentir seu peito subindo e descendo com a respiração, que estava acelerada. Dava pra sentir seu cheiro, tão bom, meio adocicado, que parecia vir do shampoo. Dava pra sentir a respiração dele em cima de mim. Meu Deus. Fechei os olhos, e só Deus sabe o quanto eu tive que me segurar para não agarrá-lo ali mesmo. Quero dizer, puxa, ele poderia entender errado e achar que eu gostava dele. Ou pior, eu poderia achar que gostava dele. O que nem era verdade. Ele levantou uma daquelas mãos enormes dele e colocou-a na minha nuca, e começou a me puxar mais para perto. Eu não o impedi, e nem queria. Nossos lábios estavam tão perto, quase se encostando... ouvimos um barulho de maçaneta. Ele se afastou tão rápido que eu fiquei até meio atordoada por alguns segundos. A porta se abriu e apareceu Dumbledore.
- Vejo que terminaram! Ótimo trabalho! Bem, podem sair! - Ele disse, alegremente.
Mas Tom já estava saindo da sala antes mesmo do cara terminar a frase.
- Tom? - Chamou Dumbledore, calmamente.
- O que foi? - Perguntou, ríspido.
- Sua varinha - Disse, estendendo-lhe a mão que segurava a varinha. Ele pegou-a e se mandou, rapidamente.
- Nossa, qual é o problema dele? - Perguntei, quando ele já havia sumido de vista.
- Ele não gosta de ser chamado de Tom.
É, essa foi boa.
- Porque não? Mas que idiota, é o nome dele.
- É um nome muito comum. Ele não gosta de ser como os outros, sabe. Ele quer ser... diferente - Explicou Dumbledore, dando um quase sorriso. Ele me desejou boa noite, entregou-me a varinha, e foi embora, me deixando sozinha e atordoada.
E, naquela hora, fiz uma anotação mental: Sempre chamá-lo de Tom.
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