A Pousada e o Espelho



Assim que chegou à sala mal iluminada a que a chave de portal a levou, Hermione sentiu um peso sob o coração. Ficou com vontade de chorar, mas não o faria mais. Respirou fundo e engoliu a seco o choro, olhando ao redor.

O cômodo a que a chave a havia levado era um lugar vazio, cheirava levemente a mofo e era muito desaconchegante. Uma luz se acendeu e Hermione reparou algo que não havia visto no escuro: em um canto afastado do quarto, alguém estava sentado na única poltrona que havia ali. Um homem de cabelos negros, olhos azuis, o rosto levemente vermelho, parecendo queimado de sol e bastante forte sorriu para Hermione. Ela respondeu com um sorriso tímido; ele se levantou e estendeu a mão, dizendo:

_Você deve ser Hermione Granger, certo?

_S-sim. Sou eu. – ela disse apertando a mão dele.

_Minerva me pediu um quarto para você aqui na pousada. – ele sorriu novamente. – Sou Michael Rowl, um velho conhecido. Espero poder ajudá-la. Sabe quanto tempo ficará?

_Não. Mas provavelmente só até encontrar meus pais.

_Hm... Está bem. Sinta-se a vontade para fazer o que quiser. Aqui é uma pousada para bruxos, portanto não há problemas com magia. Se precisar de alguma coisa é só falar comigo.

_Obrigada, Sr. Rowl.

_Pode me chamar de Michael. Meu filho está lá fora, ele lhe mostrará o seu quarto. Eu preciso terminar alguns afazeres.

_Está bem. Obrigada mais uma vez.

_Uma pessoa que lutou tanto na guerra merece o melhor. – ele sorriu – Havia me esquecido: Parabéns pela vitória.

_Obrigada. – ela corou. – Não foi minha a vitória, mas obrigada mesmo assim.

_Tenho certeza que a senhorita teve uma grande participação em toda essa história. Estamos em outro continente, mas as notícias chegam aqui mais rápido que aparatação. Aqui a maioria conhece seu nome, Hermione Granger. E a notícia do fim da guerra também já está espalhada. Está havendo uma festa nos fundos da pousada, caso a senhorita se interesse a ir. Todos estamos comemorando a vitória sobre um dos maiores bruxos das trevas de todos os tempos. – ele sorriu de novo – Agora vá... Philip está na porta aguardando.

Ela agradeceu mais uma vez e foi em direção à porta, respirando profundamente. Estava cansada, mas tinha que ser forte. Ainda teria que achar seus pais e então depois pensaria em que fazer em relação à Ron. A morte de tantos amigos também estava abalando demais a garota. Apesar de Michael ter avisado que Philip estaria lá fora, ela saiu sem dar muita atenção a isso e deu de cara com o garoto... Ela trombou com ele, na realidade. Ele estava de costas, e se virou de uma vez com o susto.

Philip era um pouco maior que Hermione, tinha cabelos curtos e arrepiados, loiros, mas que davam a impressão de serem dourados, provavelmente pelo efeito do sol. Os olhos eram azuis como os do pai, e ele tinha o rosto cheio de sardas - provavelmente provocadas pela exposição ao sol -, fato que Hermione preferiu ignorar. Sardas a lembravam outra pessoa, alguém que no momento ela precisava afastar dos pensamentos. O garoto a encarou de cima a baixo e abriu um sorriso. Ela sorriu de volta e disse:

_Você... Deve ser Philip, certo?

_Certo. – ele disse, ainda sorrindo. – E você com certeza é Hermione Granger, certo?

_Certo. – ela sorriu também.

_Onde estão suas malas? – ele perguntou, olhando ao redor. Ela apontou a bolsinha de contas.

_Quando se é bruxa não precisa muito. – ela sorriu.

_Brilhante. – ele disse sorrindo também. Estendeu uma mão pra ela e continuou. – Vamos, venha... Vou levá-la até seu quarto.

Ela hesitou em pegar a mão dele por alguns segundos. Ele levantou a mão que estava no ar e a levou até os cabelos, sorrindo sem graça. Murmurou “Me siga” e virou de costas, começando a caminhar. Foi até o fim do corredor e lá virou a esquerda, seguindo em frente por cerca de três portas.

_É magicamente aumentado aqui dentro, como a sua bolsa. – ele explicou.

_Imaginei... Tem feitiço de afastamento de trouxas também, eu suponho...

_Tem. Meu pai lançou alguns porque tem muitos bruxos nojentos que vêm pra cá, e eles querem afastamento máximo... Eles vivem dizendo: “Imagine... Tirar férias para não poder usar magia por causa daqueles sangues-ruins!”... São uns idiotas, mas enfim... Este é seu quarto. – ele disse quando chegaram ao quarto de número 25.

_Obrigada. – ela disse, estendendo a mão e pegando a chave que o rapaz estava entregando. – Tem mais alguma coisa que eu deva saber? Alguma regra?

_Bom, tem uma coisa, mas não é exatamente uma regra... – ele sorriu pra ela.

_E o que é?

_Bom, uma convidada como você devia aceitar o convite de um anfitrião como eu para ir a festa de comemoração pelo fim da guerra contra um bruxo das trevas como aquele...

Hermione sentiu o rosto corar e deu uma risada pela forma como ele havia dito aquilo.

_Não sei... Eu... Estou um pouco...

_Cansada. – ele completou por ela. – Não seja por isso... Você não precisa fazer nada... Nós podemos ficar apenas conversando e quando você enjoar da minha companhia você volta e dorme... Imagino que a sua cabeça deve estar a mil, mas você precisa se distrair...

Hermione sorriu. Ele era extremamente gentil. Pensou um pouco, e ele continuou:

_Vamos! Você não conhece ninguém por aqui, eu aposto! – ela confirmou com a cabeça. – E passar as férias na Austrália sem conhecer ninguém não vai ser como passar com algum amigo! Vamos... A gente conversa um pouco, se você quiser nadar, a piscina está aberta também... E comemoramos o fim da guerra! Você me conta como foi lutar e me fala das aventuras, que aposto que são maravilhosas... E depois eu te falo um pouco daqui, se você quiser, claro!

_Ah... Eu não... Não acho que eu esteja muito bem pra isso... Desculpe, Philip. – ela sorriu fraco pra ele. – Estou muito abalada com as mortes de alguns amigos meus – ela sentiu os olhos se enxerem de água ao lembrar de todos os mortos. – Eu vou apenas tomar um banho e me deitar... Amanhã acho que estarei melhor... Que acha de nos encontramos no café e sairmos pra conversar? Você pode me ajudar a encontrar os meus pais e desenfeitiçá-los... Pode ser?

_Claro! Sem problema algum... Amanhã nós nos encontramos então! Se você não aparecer para tomar café eu vou me sentir ofendido hein! – e ele sorriu mais uma vez, pegando a mão da garota e depositando um beijo nela.

_Ok... Boa noite! – ela disse, baixando a mão com o rosto corado. Virou e entrou no quarto, não sem que Philip antes murmurasse “Boa Noite” de volta.

O quarto era espaçoso. Tinha uma cama de casal no centro e um guarda roupas pequeno no canto direito. Do lado esquerdo, encostada à cama, havia uma mesinha de cabeceira com uma luminária e uma cadeira. Ao pé da cama havia um baú grande. A porta para o banheiro era à esquerda. Hermione jogou a bolsinha em cima da cama, colocou o pedaço de espelho de Harry sobre a mesa e foi até o banheiro. Começou a se despir e jogou as roupas no chão mesmo para arrumar depois com um feitiço. Entrou no chuveiro... A água tinha um efeito impressionante, e ela perdeu a noção de quanto tempo estava embaixo dela, até ouvir algumas batidas na porta.

_Um minuto! – ela gritou. Saiu correndo do Box, se secou e vestiu um roupão branco que estava atrás da porta. Correu e abriu a porta de qualquer jeito, sem reparar que no espelho um olho azul-profundo estava refletido. Philip estava parado do outro lado e sorria para ela, uma xícara fumegante em suas mãos.

_Vim te trazer esse chá e alguns biscoitos... Aposto que você está morrendo de fome... Uma luta assim não deve ter sido fácil, e você não deve ter tido tempo de comer, com certeza.

_Ah, Philip... – ela sorriu enquanto pegava a xícara e os biscoitos da mão dele e levava até a mesa, ainda sem reparar no espelho. Voltou para a porta e continuou: – Nem sei como agradecer... Você está sendo tão gentil e...

_Você foi uma das pessoas que ajudou a derrubar Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado! Ele não era um terror apenas onde você mora... Ele era temido acho que em quase todo o mundo... Você merece tratamento VIP! Merece toda a minha gentileza e mais! – ele sorria. – Mas, além disso, nós temos o costume de tratar bem as mulheres... Ainda mais as mulheres especiais como você! – ela sentiu, mais uma vez, que as bochechas haviam corado. – De onde você veio não é assim?

_De vez em quando... Acho que são mais gentis quando tem algum interesse envolvido... – Ela abraçou os próprios braços e encarou o chão, lembrando de como Ron havia sido cavalheiro o ano inteiro e como quando após terem se beijado ele a tratou mal. – Mas isso não importa. Acho que eu já me acostumei a ser tratada como um garoto...

_Não acho que você tenha nada parecido com um garoto, Hermione.

Ela tinha certeza absoluta que tinha corado. Será que todos os australianos eram tão... Diretos... Daquela forma?

_Ah... Obrigada mais uma vez, Philip. Nosso café está de pé ainda?

_Com certeza! Estou aguardando ansiosamente pra ouvir as histórias!

_Então está bem... Vou entrar e tomar o chá... Muito obrigada de novo!

Entrou e fechou a porta, pegou o chá e as bolachas que estavam na cama e depositou na mesa. Ela não queria ser grosseira com Philip, que estava sendo tão gentil com ela, mas fome era a última coisa que estava sentindo naquele momento. Encarou o espelho e, pela primeira vez, reparou no olho que ele ainda refletia. Assim que os olhares se cruzaram, o olho desapareceu, e Hermione ficou sem ação. Sabia de quem era aquele olho, e, acima de tudo, sabia o que o dono daquele olho pensaria sobre a cena, se tivesse visto tudo.

Pegou o espelho da mesinha e sentou na cama, chamando alto:

_Ron! Ronald Weasley! Apareça! Ron! Ronald! – mas nada voltou a refletir ali. Ela tentou mais algumas vezes, mas não adiantou nada. Nem Ron e nem ninguém apareceu. Ela se deitou e ficou encarando o espelho por muito tempo, as lágrimas mais uma vez caindo pela face, as lágrimas mais uma vez vindo à tona. Ele havia entendido tudo errado! Ele com certeza havia entendido tudo errado.

De repente, outra coisa refletiu no espelho, mas não era mais um olho azul, e sim um castanho profundo.

_Mione? – a voz de Gina falava do espelho.

_Gina! Gina, por favor, chame o seu irmão! Gina, ele precisa saber que entendeu tudo errado!

_Mione...

_O Philip é só um rapaz aqui da pousada, mas...

_Mione...

_Eu não tenho nada com ele! Por favor, Gina, chame o Ron!

_MIONE! – a ruiva gritou quando reparou que ela não ficava quieta. Ela não disse mais nada, apenas desviou o olhar. Gina continuou: - O que aconteceu, Mione? Eu achei esse espelho aqui, jogado...

_On-Onde v-vocês est-tão?

_ Estamos na Toca. – Hermione viu que Gina tinha os olhos vermelhos e cheios d’água através do espelho. – Viemos pra cá enquanto mamãe e papai cuidam do... Ent... Ent-terro de Fred.

_E quan... Quando vai ser, Gin?

_Amanhã. Estão preparando tudo. Carlinhos foi até a casa de Andrômeda junto com Gui e Fleur pra ajudar com... As coisas de Lupin e Tonks. – os olhos da garota se encheram mais uma vez. – Mas o que aconteceu?

_Ah Gina! Me desculpe. – ela chorava mais agora. – Eu acho que estou sendo tão egoísta! Estou tão longe de você quando eu... Devia estar aí, te apoiando! Apoiando o Ron, apoiando o Harry! Mas Gina, agora o seu irmão viu uma coisa através desse espelho que ele deve ter entendido errado e eu preciso explicar antes que ele piore tudo... Cadê o Ron, Gin?

_O Ron? Não sei... Eu estava no banho até agora pouco... Harry está lá há alguns minutos e eu não faço idéia de onde Ron se meteu... Achei esse espelho ao acaso e eu vi você refletida nele...

_É o espelho de dois sentidos do Harry. O Ron estava com ele até agora pouco, e ele me viu conversando com um garoto da pousada, aposto que entendeu tudo errado. Eu não quero magoá-lo mais, Gina! Ainda mais agora, com... O Fred e tudo o mais... Eu queria apoiá-lo, Gina! Eu queria abraçá-lo e... – ela limpou as lágrimas do rosto – Dizer pra ele que tudo vai ficar bem. Eu queria ajudá-lo assim como ele me ajudou o ano inteiro, assim como ele me deu força!

_Mione, mas... O que eu posso fazer?

_Chama ele, Gina, por favor...

Hermione não podia mais ver Gina daquele pedaço de espelho; ela via as paredes da Toca e o espelho parou na frente da tão conhecida porta do quarto do garoto. Ela pôde ouvir Gina gritar enquanto batia na porta:

_Ron! ABRE ESSA PORTA! Ronald Weasley! Ron, por favor... Ela quer explicar pra você! Roooon! – mas as tentativas pareciam ser em vão, pois a garota apenas gritava. Até que se ouviu a voz do garoto em resposta, ainda sem abrir a porta:

_Manda a Hermione ir dormir, Gina! Amanhã cedo ela tem um café da manhã muito importante, enquanto eu vou até o enterro do meu irmão! Tudo bem, fala pra ela que ela não precisa explicar nada... Mesmo porque eu e ela não temos relação nenhuma!

_Gina, fala pra ele que o Philip é o filho do dono da pensão, que ele só estava sendo gentil comigo! Fala pra ele parar de ser cabeça dura, Gina! – Gina repetiu mais ou menos o que Hermione dissera, e ela ouviu a resposta:

_Não me importa! Porque eu me importaria?

_Ronald Weasley! – Hermione ouviu Gina gritar. – Eu não sou uma coruja, não sou um feletone e não sou um arreio pra você colar um selo em mim e me mandar pra Hermione! Venha falar com ela você mesmo e se entendam... Eu tenho mais o que fazer!

Hermione pôde ouvir do espelho a porta se abrir e Ron resmungar. Em seguida ela viu que o espelho se movimentava e passava de mãos em mãos. Ouviu a porta bater mais uma vez e então viu aqueles olhos azuis e profundos encarando-a mais uma vez. O que ela não gostou de ver foi a tristeza, a tristeza extrema, que aqueles olhos também expressavam.

_O que você quer, Hermione?

_Ron, por favor! Eu preciso explicar!

_Não tem mais nenhum empecilho, não é? Fale de uma vez.

_Ron... Eu não sei o que você viu, mas... Eu não quero que você entenda mal! Eu não...

_ “Você merece tratamento VIP, Hermione!” – ele dizia. – “Ah, Philip, nosso café da manhã está de pé, não está?” – ela começava a reparar lágrimas nos olhos dele – “Claro que sim, Hermione! Não vejo nada de garoto em você!”; “Ah! Obrigada, Philip!” – ele parecia estar furioso. – Eu não preciso de explicações, Hermione! Agora eu entendo porque você saiu correndo pra recuperar seus pais! Você já os tinha levado até aí, não é mesmo? Quem sabe você já não conhecia o Philipzinho? Quem sabe você não estava simplesmente me fazendo de idiota? – ele gritou.

_Ron, você está sendo injusto... Eu não...

_Eu não estou sendo injusto! Se a suposta mulher da minha vida vai embora no mesmo dia que meu irmão morreu e se ela já está flertando com outro e eu brigo por isso, não acho que esteja sendo injusto, ok? – ele berrava. – Agora não se importe, Hermione! Pode acreditar, essa suposição já não é mais a mesma! Eu já me decepcionei, obrigado!

_Ron, por favor, eu...

_Eu não preciso de explicações. Eu... – ele desviou os olhos. – Já vi o bastante.

_Ron, eu não tenho e nem vou ter nada com o Philip! Eu só vim rápido pra Austrália porque eu achei que você não me queria por perto, porque você me maltratou, você...

_É muito natural se agir estranho quando um parente morre, Hermione! Você talvez não saiba disso porque nenhum parente seu morreu na guerra!

_TALVEZ EU NÃO SAIBA DISSO PORQUE VOCÊ NÃO FEZ QUESTÃO NENHUMA DE DIVIDIR O SEU SENTIMENTO COMIGO!

_Ótimo. – ele disse simplesmente. – Espero que o Philip possa dividir os sentimentos dele com você. – e ela viu, mais uma vez, aqueles olhos desaparecerem pelo espelho.

Ela não queria discutir, e sabia que não teria forças para tanto. Soltou o pedaço de espelho que estava na mão e começou a chorar mais forte, agarrada ás próprias pernas, parecendo um bebê abandonado. Agora ela estava com mais medo de voltar que quando havia chegado. Pensou em Ron e em tudo que ele havia dito; pensou em Fred, em Lupin, em Tonks, em Colin e em todos os mortos.

Os sentimentos se misturaram na cabeça dela, e então ela chorou com mais intensidade. Além de tudo, naquele lugar isolado, ela já estava se sentindo completamente sozinha - mesmo que tivesse acabado de chegar. O sentimento de solidão se acentuava ao pensar que provavelmente tinha acabado de perder Ron pra sempre. “Se a suposta mulher da minha vida (...)” . – ela se lembrava do que Ron tinha dito e fechou os olhos, chorando mais. Olhou mais uma vez para o espelho e mais lágrimas caíram. Ela se virou nas cobertas, se sentindo desconfortável. As lágrimas ainda caiam e ela tentava controlá-las em vão. Entre incontáveis soluços, muito tempo depois de se deitar, adormeceu.

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