Um encontro inesperado



CAPÍTULO 27 - Um encontro inesperado




*


 


Ela não conseguia abrir os olhos. Temeu o que poderia encontrar por detrás daquela escuridão pouco acolhedora, mas que parecia mais segura. Seus braços estavam amortecidos, mais do que ela poderia julgar saudável. Tentou movimentar os dedos das mãos, porém, se um dia ela os teve, não sabia onde estavam, não os sentia, e isso poderia ser aterrorizante se não houvesse algo mais perturbador lhe incomodando: sua cabeça, que estava uma confusão deplorável. Sob as pálpebras fechadas, uma sucessão de imagens confusas e desconexas lhe engolfaram com a força de uma onda batendo sobre as rochas, assim que despertou daquele vazio. Por um momento achou que estava tendo pesadelos, mas a pontada de dor que latejava desde então em suas têmporas, informava que já estava desperta. No entanto, recusava-se a abrir os olhos. Não quando não tinha domínio da própria mente, ou mesmo do próprio corpo, não enquanto não entendesse porque seu corpo doía tanto, ou pelo menos as partes dele que conseguia sentir. Não enquanto não se lembrasse do próprio nome.


Sua garganta estava seca, a língua grudando desconfortavelmente no céu da boca. Um zumbido fino e irritante parecia ecoar de dentro do seu crânio até seus ouvidos e isso só atrapalhava ainda mais sua concentração. Sentia-se fraca. Tão fraca...


 


 


*****


 


Aquele foi o dia em que tudo mudou.


O sol estava forte naquela tarde anormalmente quente de primavera. A garotinha de cabelos negros se balançava alto no balanço do parquinho, deliciando-se com a brisa que refrescava sua pele e com as cócegas que borbulhavam em seu estômago conforme subia para frente e para trás. Seus olhos estavam fechados e em seus lábios um sorriso inocente de criança. Deu um impulso mais forte com seus pés na areia fofa e uma lufada mais intensa de vento embaraçou seus cabelos. A menina jogou a cabeça para trás e abriu os olhos azuis, observando o céu e as nuvens enquanto se balançava, por um momento sentindo como se estivesse voando. Uma gargalhada leve arranhou sua garganta. Se algo a havia chateado naquele dia, ela nem se lembrava. Ela mal sabia há quanto tempo já estava ali.


- Kah! - a voz estridente de Justine a assustou. Imediatamente a menina foi diminuindo a velocidade do balanço até pará-lo completamente - Oh, céus! Veja seu estado! O que faz com os pés descalços nessa areia imunda? Quer que sua mãe lhe chame a atenção mais uma vez, ou pior, que chame a minha atenção mais uma vez? Escute bem, senhorita Katheryn, eu me recuso a ouvir qualquer bronca por sua causa novamente. E juro que se você sair mais uma vez sem me avisar, irei...


Mas a menina Katheryn não estava mais escutando. O sotaque de Justine era tão carregado que ficava quase impossível entender o que ela dizia, principalmente quando ela estava com raiva e falava tão rápido. Katheryn levantou do balanço, alisou o vestido com as mãos e juntou seus sapatos do chão, sacudindo-os para limpar a areia que havia grudado no solado. E com os pés descalços rumou na direção de sua casa.


- Menina, estou falando com você!


- Por favor, Justine. Não estamos em casa. Você pode falar francês comigo. - Katheryn disse balançando a mão displicentemente no ar - Sua voz não fica atraente nesse inglês precário. Me deu dor de cabeça.


O queixo de Justine tremeu levemente. Faíscas saltaram de seus olhos.


- Você bem sabe que são ordens de seu pai. Ele lhe ensina português pessoalmente, mas o inglês deve ser estimulado por todos. Ordenou que treinemos seu inglês sempre que possível. Então, faça um favor a todos nós e não seja tão atrevida! - a mulher respondeu em francês, mas o tom de voz cortante soou como um aviso – Eu entendo todo seu estresse e sei que você anda mal humorada, mas não desconte em mim.


Katheryn suspirou.


- Desculpe-me. Não quis ser grosseira. - a menina viu pelo canto dos olhos a ama erguer o queixo, parecendo satisfeita - O problema é que às vezes é difícil para mim esconder o que penso.


Justine levou três segundos para entender e bufar.


- Se quer um conselho, talvez você devesse usar toda essa sinceridade em uma conversa séria com sua mãe.


Katheryn engoliu em seco, de repente sentindo-se tão desanimada quanto no momento em que havia chegado naquele parque.


 




*****


 


 


Uma sensação física.


Frio.


Frio em suas bochechas, nos dedos de seus pés.


E um nome: Katheryn.


E então, escuridão.






****


 


Katheryn jogava suas coisas de qualquer jeito dentro da mochila, mantendo os ouvidos atentos a qualquer ruído vindo do corredor. Tudo que não precisava agora era ser surpreendida por alguém. Devido à pressa, não selecionava nada em especial, somente pegava as peças que estavam à vista e que acreditava que fosse precisar, ou o que sua mente, de uma criança de dez anos, julgava essencial; como um par de calças, algumas camisetas, um álbum de figurinhas mágico e vários pacotes de doces.


Sentindo sua mochila pesada o suficiente, Katheryn escondeu-a debaixo da cama, depois sentou-se sobre seu cobertor macio. Observou cada canto de seu quarto em silêncio, evitando pensar em qualquer coisa. Seus olhos encontraram o requintado malão de madeira que estava ao lado de sua penteadeira e, imediatamente, seus pensamentos inflamaram, voando para o dia anterior, onde passara horas arrumando-o com seus materiais, seu uniforme e suas melhores roupas. Sua varinha nova estava guardada ali e Katheryn lutou contra a vontade de segurá-la novamente. Lembrou-se do arrepio que percorreu seu braço e espalhou-se por seu corpo assim que a empunhou pela primeira vez. Havia sido, também, a primeira vez que sentiu sangue mágico correr verdadeiramente em suas veias. Um momento de sincera esperança, que cresceu em seu coração quando viu o sorriso orgulhoso de Miranda, que a acompanhava.


O sorriso de sua mãe era algo que Katheryn amava, que sempre a confortava e lhe dava segurança. Miranda tinha uma série de sorrisos diferentes, mas o que exibira no dia anterior, enquanto a ajudava a arrumar seu malão, era de empolgação, como se fosse ela quem estivesse de partida, e não sua filha. A lembrança fez um nó apertar-lhe a garganta, seus olhos arderam.


- Kah! - a voz de Justine a sobressaltou, com aquele sotaque horrível sempre que ela falava em inglês - Desça para o jantar! Seu grand-père já chegou.


Katheryn limpou os olhos com força, levantando da cama e verificando se sua mochila estava bem escondida. Correu até o espelho na penteadeira, ignorando o malão logo ao lado e conferiu sua imagem.


- Katheryn. Está tudo bem aí? - Justine estava na sua porta, mas não entrou - Está acordada?


- Sim, já estou descendo. - Katheryn respondeu num inglês bem menos carregado que o da ama.


Katheryn fitou seus olhos no espelho amaldiçoando-os por estarem vermelhos, mas, principalmente, por transparecerem exatamente como estava se sentindo no momento, e ela detestava isso. Odiava demonstrar fraqueza e covardia. Ela era forte e corajosa, acreditava nisso, mas, naquele momento, a garota no espelho dizia o contrário.


Deu mais uma olhada para o malão. Seu nome brilhava em dourado na pequena placa de bronze sobre ele. As linhas cuidadosamente desenhadas a ouro.


- Katheryn Louise Mouret Calmon. - pronunciou enquanto lia - Lamentável!


 


 


 


*****


 


 


De repente ela submergiu. Sentiu sua consciência enrendar-se aos poucos em seu domínio, mas aquela cortina negra ainda cobria sua visão. Estava acordada, sabia disso. Mas suas pálpebras continuavam pesadas, e abri-las exigia um esforço maior do que ela estava disposta a fazer.


Tão cansada…”, pensou, enquanto sentia-se carregada novamente para longe.






*****


 


Aqueles malditos olhos!


Katheryn praguejava enquanto corria. Corria o mais rápido que conseguia, a mochila batendo com força em suas costas a cada passada.


Corra mais rápido! Mais rápido!”


Mas Katheryn sabia que era inútil. Não importava o quanto corresse, ou quão longe fosse, seria encontrada. Porque ela não soubera planejar com inteligência, esquecera que pouca coisa escapava dos olhares daquela família. Aqueles olhos que sempre sabiam demais, que sempre entendiam demais. Aqueles olhares que ela estava aprendendo a interpretar. Então, no momento em que entrara naquela sala de jantar, ela percebeu que sua mãe e seu pai já sabiam que havia algo de errado, eles jamais seriam enganados tão facilmente. Porque no momento em que olhou para seu bisavô, foi como se tivesse sua alma invadida, seus planos descobertos. E tudo seria em vão, porque ela superestimou sua capacidade de mentir. Porque ela estava aprendendo a ler as verdades escritas nos olhos das pessoas, mas não tinha habilidade para esconder as suas próprias. Katheryn mal tocara na comida, ainda assim, eles não comentaram nada durante o jantar. E depois permitiram que ela saísse de casa furtivamente, no meio da madrugada, com nada mais do que uma mochila cheia de quinquilharias nas costas. Fingindo que não sabiam o que ela estava planejando. Talvez ignorantes do fato de que ela estava consciente de que eles já haviam entendido tudo.


E Katheryn se sentiu muito pior do que julgava possível. Toda a sensação de liberdade que achou que viria, não aconteceu, e tudo daria errado porque ela era somente uma criança assustada demais com a possibilidade de crescer, de não atender às expectativas deles e as suas próprias. Era apenas uma menina apavorada com a possibilidade de decepcionar sua família.


Então ela parou no meio da rua deserta. O choro irrompeu com uma força nauseante enquanto caía de joelhos no asfalto frio e áspero, o choro de uma criança perdida ecoando pela rua silenciosa e fria. Em poucos minutos, braços fortes a envolveram, carregando-a no colo. O cheiro de seu pai. Um outro par de mãos delicadas retirou a mochila de suas costas, depois afagou-lhe os cabelos. As mãos de sua mãe. Katheryn não fez resistência, sentindo-se mais cansada do que uma criança de sua idade deveria se sentir.


E ela foi levada de volta para casa.


 


 


*****


 


 


Dor.


Uma dor subia por toda a extensão de seus braços. Seus dedos. Ela conseguia senti-los agora. Estavam sendo movimentados e ela percebeu que esse era o motivo da dor. Alguém os abria e os fechava, um a um, e a vontade que tinha era de gritar, pedir que parassem.


-Ela está respondendo. - uma voz feminina e ansiosa. E desconhecida para ela - Está movimentando a cabeça.


- Sim! - dessa vez a voz era masculina, também desconhecida - Vou chamar a Sra. Calmon! Vá com cuidado, ela parece estar sentindo dor. Não vamos sobrecarregá-la.


- Certo! Vá rápido!


Um barulho de porta batendo, uma picada dolorida no braço, algo deslizando quente por sua veia e tudo apagou novamente.


 


 


 


 


*****


 


 


- O que nós fizemos para que você se sentisse assim?


Katheryn estava de cabeça baixa e já não chorava. No entanto, não respondeu a pergunta de sua mãe. Simplesmente porque, talvez agora, pensando sobre isso, a resposta que tinha soava ridícula, para não dizer injusta. Já havia contado para os três adultos presentes na sala toda a verdade sobre como vinha se sentindo, principalmente no último ano. Pressionada para fazer tudo certo, para ser a bruxa talentosa que todos esperavam. Nervosa por ter de ir para uma escola de magia sem conhecer ninguém, aprender sobre coisas que a assustavam, para desenvolver habilidades sobre a qual ela não sabia o que esperar. Para fazer jus a seu sobrenome. Katheryn sempre amou a magia, e ansiava pela possibilidade de fazer as coisas incríveis que seus pais e seu bisavô faziam. Achava fascinante o poder que um pedaço de madeira, aparentemente inofensivo, poderia ter, mas já havia visto, também, o estrago que poderia causar. A lembrança da facilidade com que as pessoas poderiam se ferir, ou até morrer, com uso da magia, lhe causava um medo que ela só admitia para si mesma.


Jean Jacques Mouret, seu bisavô, levantou de seu assento com uma rapidez assustadora para sua idade - na opinião de Katheryn - e agachou-se à frente de onde ela estava sentada, segurando suas mãos pequeninas entre as dele - grandes, calejadas e envelhecidas. E Katheryn concentrou sua atenção ali, ainda se recusando a encarar qualquer um deles.


- Você pode se chatear conosco por uma série de motivos diferentes, querida. Eu mesmo consigo pensar em vários agora. – ele apertou suas mãos levemente, solicitando seu olhar, mas ela ainda se recusava a ceder esse gosto. Sua voz tão cheia de sabedoria e verdade, como sempre fora – Só lhe peço que jamais nos culpe por amá-la e que não nos julgue por demonstrarmos isso. Ainda que esse amor seja tão grande que a sufoque. Se, de alguma forma, seja assim que você se sinta, converse conosco sobre isso que daremos um jeito de sermos mais discretos, mas não cometa atos que nos induza a acreditar que estejamos fazendo tudo errado com relação a você.


Katheryn sempre amou a voz de seu bisavô, tanto quanto amava o sorriso de sua mãe. Aquela era a voz que mais lhe acalmava e a que tinha o maior poder de lhe atingir em suas camadas mais profundas. Em sua opinião, o idioma francês soava ainda mais charmoso quando pronunciado por ele. Sempre tão polido e educado, Katheryn o considerava um sábio. Talvez por esse motivo as palavras dele tenham lhe acertado em cheio e ela sentiu como se tivesse acabado de levar a pior bronca de sua vida. Suas bochechas esquentaram, seus olhos arderam, mas ela não se esforçou muito para segurar as lágrimas que vieram. A vergonha e o remorso eram tamanhos que ela tinha certeza que seria impossível segurar. E tudo ficou ainda pior quando ela se deu conta de algo que ainda não tinha se dado o prazer de pensar: de que, possivelmente, toda essa pressão que vinha sentindo não estivesse sendo imposta por ninguém de sua família, mas por ela mesma. Por seu medo de decepcioná-los e, assim, de decepcionar a si mesma.


- Grand-père. – Katheryn disse com a voz embargada, finalmente encarando os olhos profundos de Jean Jacques. Ela quase sorriu aliviada por não encontrar mágoa nos olhos dele, somente uma profunda preocupação – Quero aprender oclumência com o senhor. – Seu bisavô ergueu as grossas sobrancelhas grisalhas, enrugando ainda mais sua testa – É um pouco desconcertante que alguém consiga nos ler assim tão profundamente, sem que possamos nos defender.


- Acho até que você demorou um pouco a tocar nesse assunto. Depois que você estiver no seu segundo ano de estudos, torne a me lembrar disso. – Jean Jacques sorriu, limpando a bochecha molhada da bisneta – Só me deixe esclarecer que em momento algum fiz uso da legilimência para chegar a todas essas conclusões, se foi isso que você tentou insinuar. Seus pais nem mesmo são legilimentes e perceberam exatamente as mesmas coisas que eu. – Ele levou as mãos pequeninas dela até os lábios, beijando-as carinhosamente – Conhecer muito bem as pessoas que mais amamos na vida é um tipo de habilidade que não há como ser ensinada.


Katheryn sentiu seus olhos encherem d’água novamente, mas sorriu ternamente para seu bisavô.


- Katarina. – Katheryn ouviu a voz e o sotaque de seu pai, Sérgio. Vez ou outra ele lhe chamava daquela forma, pois dizia que era como lhe chamariam no Brasil, seu país de origem. Seu pai e sua mãe estavam sentados lado a lado, de mãos dadas – Você vai começar a frequentar uma escola de magia justamente para deixar florescer todo o talento que há dentro de você e que tenho certeza que você sente, pois está aí dentro pedindo para sair. Lá, você aprenderá sobre isso, aprenderá a dominá-lo de maneira segura e conhecerá pessoas que compartilham dos mesmos anseios e medos que você.


- Você está crescendo tão rápido, filha. – Miranda, sua mãe, sorriu para ela – E se quer passar por tudo isso sem sofrer tanto, não tente parecer tão forte o tempo todo. Faça amigos e, quando se sentir insegura sobre algo, converse com eles. Desabafe. E caso não se sinta melhor, lembre-se de sua família que está sempre pronta a lhe amparar.


Katheryn assentiu. Dessa vez, com o coração batendo mais tranquilo.


- Eu não prometo que me tornarei a melhor bruxa que já existiu, nem mesmo que serei a mais habilidosa da família. Mas posso prometer que, de hoje em diante, vou me esforçar para a ser a melhor bruxa que eu puder e uma pessoa da qual vocês possam se orgulhar sempre.


Jean Jacques riu levemente.


- Em situações como essa, sempre me pergunto como você consegue parecer tão madura tendo tão pouca idade.


Katheryn não achou necessário comentar nada sobre isso, até porque, os atos infantis que cometia sempre que podia compensavam essa maturidade da qual seu bisavô vez ou outra fazia questão de comentar. Mas um sino tocou em sua cabeça, fazendo-a se lembrar de uma coisa que a havia deixado curiosa.


- Por que vocês me deixaram ir? – perguntou, olhando um a um os adultos que ali estavam.


- Porque era necessário. – disse seu pai e lhe sorriu bondosamente.


- Sabe, pequena, o que você fez foi errado – começou Jean Jacques – e erros são, muitas vezes, melhores professores do que os conselhos.


Katheryn ficou sem palavras por um momento, refletindo sobre aquelas verdades e pensando que ela pertencia à melhor família do mundo.


- Eu sempre faço tudo tentando não decepcioná-los. E vejam só no que deu. – Katheryn suspirou – Desculpem-me por hoje.


- Não se desculpe ainda, Katarina. – Katheryn achou estranho ouvir aquele apelido carinhoso sair dos lábios de seu bisavô, mas gostou – Você de forma alguma nos decepcionou. Apenas continue fazendo o que você faz, sendo quem você é. Siga se esforçando, se dedicando, persistindo, assumindo seus erros, lutando para corrigi-los e sendo honesta com você mesma. Enquanto você fizer isso, nunca nos decepcionará.


E então, Jean Jacques Mouret encostou o polegar na testa de Katheryn, deslizando suavemente o dedo ali como se desenhasse um coração. Isso era algo que ele fazia desde que ela podia se lembrar, quase todos os dias, quando ia desejar-lhe boa noite.


Katheryn passou os braços ao redor do pescoço dele, abraçando-o forte. E por sobre o ombro dele, viu seus pais lhe sorrirem.


 


 




*****


 


 


 


A imagem da menina de cabelos longos e olhos azuis olhava para ela sob suas pálpebras fechadas, ela sorria. Dessa vez reconhecia-a.


Reconheceu a si mesma na força daquele olhar, naquele sorriso infantil. E agora queria encontrá-la, senti-la novamente. Ela estendeu a mão em sua direção, mas ainda estava longe demais.


 


 


*****



Estava na escadaria do Palácio de Beauxbatons. Observava o lugar com atenção e admiração, impressionada com sua imponência. Meninos e meninas de diversas idades passavam por Katheryn. Os mais novos tão impressionados quanto ela, os mais velhos rindo e conversando distraidamente. O uniforme azul claro realçava ainda mais o intenso tom de seus olhos, que brilharam quando um sorriso inclinado despontou de seus lábios.


 


*


Katheryn suava enquanto Jean Jacques forçava sua mente exausta. Contraía o rosto, como se isso de alguma forma pudesse ajudá-la na tarefa de impedir que ele invadisse seus pensamentos. Já estava com treze anos e somente agora seu bisavô achou que ela estava preparada para começar a aprender oclumência.


- Concentre-se! – ele ordenou – Não esqueça que você controla sua mente, não é ela que controla você.


Ela tentou mais uma vez, mas suas têmporas latejaram dolorosamente, fazendo-a arfar.


Jean Jacques se aproximou dela, segurando em seus ombros.


- Não seja tão ansiosa. Comece pelo começo. Para conseguir correr, é necessário primeiro aprender a andar. Para conseguir multiplicar, é necessário primeiro aprender a somar. Você não vai conseguir dar conta de mim antes de aprender a lidar com você mesma. Controle sua mente antes de tentar me bloquear.


Katheryn escutou atentamente. Limpou o suor da testa, e encarou o bisavô com uma nova onda de determinação.


 


*


O coração da jovem batia descompassado enquanto lia a manchete do jornal. Seus olhos atentos a cada palavra.


- Você se lembra dos rumores que surgiram com o retorno de Madame Maxime e Fleur Delacour após o Torneio Tribruxo em Hogwarts no ano passado? – perguntou Margot, que estava sentada em frente a Katheryn no Grande Salão – A morte daquele garoto, Cedrico Diggory, sempre foi muito misteriosa. E Fleur nunca mais foi a mesma depois disso.


Katheryn baixou o jornal e olhou para a melhor amiga, mas não parecendo enxergá-la. Seus pensamentos fervilhavam.


- Não vamos nos esquecer da marca negra no céu, no dia da final da copa mundial de quadribol. – Margot continuou, uma espécie de aflição contida em sua voz – Kah, se esses rumores forem verdadeiros... – ela hesitou – Sua tia. Talvez vocês devessem buscá-la para morar com vocês na França. A Inglaterra pode ser um lugar muito perigoso para se viver no momento.


 Katheryn piscou e dessa vez focalizou os olhos da amiga com um olhar grave.


- Se as coisas continuarem dessa forma, Margot, não haverá lugar no mundo seguro o suficiente para nenhum de nós. – disse Katheryn. Ela voltou a olhar para o jornal, onde o rosto de um jovem, que parecia carregar o peso do mundo nas costas, estampava a primeira página. A cicatriz em forma de raio marcando seu rosto como uma maldição. O nome famoso em letras garrafais, anunciando o recomeço de uma história que parecia nunca ter se encerrado.


 


*


Katheryn se sentia feliz enquanto caminhava pelo corredor estreito. Parou em frente à última porta, ajeitando rapidamente os cabelos – enrolando-os e prendendo-os com a própria varinha. Segurou a maçaneta fria, girando-a devagar. Empurrou a porta pesada de madeira, torcendo para que não rangesse em suas dobradiças e vibrando internamente por ter seu pedido atendido.


O quarto continuava exatamente como se lembrava. Simples e aconchegante. Na parede esquerda, uma grande porta de vidro dava para uma sacada retangular e, dali, uma bruxa loira observava a rua, de costas para Katheryn.


- Você definitivamente deveria repensar seu sistema de segurança. - Katheryn falou em voz alta, vendo a mulher retesar o corpo. Sentiu o sorriso da tia, mesmo sem poder ver o rosto dela – Consegui burlar seus feitiços de proteção sem nenhum problema. – ela caminhou para mais perto – Mais uma vez. – pontuou.


A mulher virou de frente para Katheryn devagar, revelando seu sorriso e suas sobrancelhas arqueadas, enrugando levemente o rosto bonito. Ela cruzou os braços sobre o peito, não parecendo nem remotamente impressionada ou irritada.


- Acho que a única ameaça à minha segurança deve ser uma certa bruxa sorrateira que consegue ser habilidosa demais para seu próprio bem.


Katheryn estreitou os olhos, e andou até a mulher, envolvendo-a em um abraço apertado e saudoso.


- Essa bruxa ainda vai violar muitas vezes sua segurança agora que virá morar por perto. – Katheryn disse baixinho.


- Então é melhor mesmo que eu repense meu sistema de segurança. – respondeu a mulher, afagando os cabelos escuros de Katheryn, quase desfazendo seu penteado.


Katheryn riu, curtindo aquele abraço acolhedor.


- Senti sua falta, Nina.


- Eu também senti a sua, Kathy.


 


*


Katheryn estava perdida.


Aquele lugar era enorme e fora fácil se atrapalhar pelos corredores abarrotados de gente andando para todo lugar e lugar nenhum. Bruxos em geral nunca foram reconhecidos por seu senso de organização e ali não era diferente. Katheryn não sabia exatamente o que esperar quando chegasse ao Ministério da Magia britânico. Havia aceitado o desafio por um motivo muito pessoal de amadurecimento e também para testar suas habilidades, sua capacidade. No entanto, estava há apenas alguns minutos ali e poderia ter previsto uma série de acontecimentos diferentes, mas a cena que se desenrolava era totalmente inesperada, pois ninguém menos que Harry Potter estava na sua frente, juntando os pergaminhos que haviam voado de seus braços quando, há alguns segundos atrás, tombara com ele sem querer. Obviamente, Katheryn o reconheceu no instante em que o viu - com seus óculos redondos, a cicatriz em formato de raio - marcada em uma linha pálida em sua testa - e olhos surpreendentemente verdes. Ela se agachou, ajudando-o na tarefa, confusa por ter ficado tão atordoada com um simples contratempo como esse.


Não era segredo que Harry Potter havia decidido seguir a carreira de auror, mas Katheryn nunca havia pensado de verdade sobre isso. Obviamente fora avisada que, possivelmente, viria a orientá-lo no treinamento. Entretanto, não chegou a refletir o fato, até porque ela não fazia o tipo que servia regalias, independente da influência que a pessoa possuísse.


Pessoas passavam para um lado e outro, dificultando sua tarefa. Algumas paravam para olhar os dois jovens agachados, catando papéis, mas a generosa maioria os ignorava solenemente. Ainda bem.


Katheryn achou ter ouvido Harry dizer alguma coisa. E para não parecer grosseira, resolveu se desculpar.


- Je suis si desole. Je suis un desástreux. - Katheryn se amaldiçoou assim que proferiu essas palavras.


Quando não havia mais nada seu no chão, Katheryn se levantou. E Harry estava bem à sua frente, encarando-a com aqueles olhos profundos, mas só o que ela viu ali foi uma curiosidade pura. Achou por bem se recompor.


- Me desculpe. Você não deve ter entendide uma palavrra do que eu disse, não? - Katheryn não entendia porque estava agindo dessa forma, soltando uma frase carregada de um sotaque que não tinha, pois falava bem o inglês. As palavras simplesmente pularam de sua boca daquela forma, antes que conseguisse pensar sobre elas. Seja o que fosse que estivesse acontecendo, ela se recusou a parecer ainda mais patética - Acontece que quando eu fico nervosa sempre acabo utilizando minha língua de origem.


- Tudo bem. Eu que te devo desculpas, pois estava distraído e não te vi passar.


- Ah, obrigada Harry!


Katheryn não imaginava que a voz dele fosse tão grave. Harry lhe estendeu os pergaminhos que havia recolhido. Ela os pegou, observando, fascinada, um brilho de surpresa nos olhos dele. E ela soube que a surpresa não fora por ela conhecer seu nome, mas sim por sua falta de formalidade. “Ingleses”, pensou. Katheryn o observou mais atentamente. Tão semelhante ao Harry que via nos jornais e noticiários, contudo, também tão diferente. Mais alto do que parecia, mais maduro do que se lembrava e com certeza mais bonito. Muito mais bonito sem aquele semblante de quem carrega o mundo nas costas. Com certo sobressalto, Katheryn entendera a agitação das pessoas sempre que falavam sobre ele. Entendera agora que estava diante de uma pessoa que havia salvado o mundo. Uma responsabilidade tão grande sobre ombros tão jovens. Feitos tão admiráveis escondidos atrás de olhos tão doces e gentis. Procurou algum traço de arrogância, algo que remetesse seu nome famoso guardado em algum lugar ali. Não encontrou. Isso, mais do que qualquer coisa, surpreendeu Katheryn.


E Harry Potter corou. Katheryn quase teve vontade de rir quando percebeu que o deixara envergonhado por encará-lo daquela forma. Mas ela não riu, porque entendia que estava sendo invasiva e totalmente inapropriada.


- Se preferir posso chamá-lo de Potter, mas eu particularmente acho formal demais chamar as pessoas pelo sobrenome. - Katheryn ficou aliviada por ter conseguido pronunciar um inglês perfeito.


- Ahn, não, tudo bem. - Harry disse, meio atordoado.


- Ótimo! - Katheryn sorriu - Agora eu preciso ir. Nos vemos mais tarde. - ela lhe deu as costas para ir embora, mas antes de sumir da vista dele, lembrou-se de algo - Ah, só pra constar, me chamo Katheryn, já que você não perguntou. - deu uma piscadela para ele antes de se jogar no meio daquela bagunça de pessoas.


Seguiu em direção ao elevador, uma parte sua alerta, subitamente consciente do local para onde deveria seguir. Porém, uma outra parte sua estava totalmente perdida em meio a um caos de sentimentos estranhos que fazia algo gelado descer por seu peito e se contorcer em seu estômago, um friozinho agradável, que lhe impedia de parar de sorrir. Algo novo que ela nunca havia sentido, não daquela forma.


Katheryn não ousou aprofundar suas divagações sobre seus sentimentos, pois sabia que qualquer que fosse a conclusão que viesse a chegar, não soaria menos que ridícula. Sacudiu a cabeça assim que entrou no elevador. Sabia para onde deveria ir, mas não sabia como chegar lá. Com um suspiro frustrado, admitiu: estava perdida!


 


*


Harry Potter estava bem ao seu lado, e ela ainda se recusava a admitir que pudesse estar apaixonada por ele. Tão típico se apaixonar pelo herói. Mas a grande questão era que Katheryn não se apaixonara por aquele Harry Potter dos jornais, o salvador do mundo mágico. Katheryn se apaixonara por esse Harry que estava ao seu lado, que vestia roupas comuns, sorria timidamente, que era comunicativo, sincero e habilidoso.


Katheryn gostava da companhia dele, por isso aceitara o convite para acompanhá-lo até seu apartamento. Estavam ajoelhados no chão da sala de estar, olhando para um embrulho caprichado que estava sobre a mesa de centro, e que haviam encontrado na porta do apartamento dele assim que chegaram. Harry esticou a mão até o laço no topo do embrulho. Katheryn piscou lentamente, enfeitiçada pelo movimento dos cabelos dele, que voavam para um lado e outro, mesmo que não houvesse vento ali. Ela inclinou levemente a cabeça para o lado, analisando a cena, sentindo certa estranheza. Não deveria ser normal ver as coisas em câmera lenta, deveria? E desde quando um presente se desembrulhava sozinho? Não era possível, a menos que alguém estivesse apontando uma varinha para ele, o que não era o caso. Mas bem lá no fundo de sua mente, uma luz vermelha piscava, emitindo um alerta mudo. E a energia que vinha dali arrepiava sua nuca. Poderia ser algo perigoso. Uma armadilha. E Harry estava perto demais daquela coisa.


- Droga! – gritou, se arrastando para mais longe – Harry! Harry, se afasta disso!


Seu braço começou a pesar, o braço que segurava a varinha, e ela mal soube em que momento havia pego a varinha, mas conseguiu lançar feitiços de proteção na sala. Tentou afastar o pacote com feitiços, nada surtiu efeito. Uma pressão terrível comprimiu seu peito, como se garras afiadas tivessem se enterrado por entre suas costelas, forçando-a para longe. Doía, mas Katheryn tentou ignorar, tentou resistir. Não queria tirar os olhos de Harry, queria ajudá-lo, afastá-lo daquela coisa, tirá-lo dali. Mas a pressão em seu peito aumentou, roubando seu ar, puxando-a com mais violência.


- Droga, Harry! Pelo amor de Deus, saia daí! – ela tentou, num fio renovado de esperança, que ele se virasse de repente e começasse a correr dali. Mas nada aconteceu.


Tudo ficou confuso demais. Katheryn lembrou de ter ido de encontro à Harry, mas então um choque colossal percorreu seu corpo, uma energia jogou-a com força para longe de Harry, suas costas bateram contra algo duro. E nesse momento ela só conseguia pensar em Harry, e na possibilidade terrível de perdê-lo. Usou suas últimas forças, negligenciando sua própria segurança, desafiando o perigo desconhecido que se desembrulhava aos poucos.


- Harry... por favor! – pediu mais uma vez, com a voz fraca e suplicante, mas Harry não deu sinal nenhum de que a escutara.


Então ela não pensou mais e correu até o objeto, segurando-o, e instantaneamente sentindo lavas vulcânicas subirem por seus braços, por dentro, por fora, cobrindo sua pele, preenchendo seus ossos. Lançou o objeto para longe, e este explodiu em seguida, ainda no ar, mas Katheryn mal sentiu o efeito. Protegeu o rosto com os braços em chamas, mas não tinha forças para mais nada. Somente um fio delicado ligava sua consciência ao momento, fortalecida por um nome... alguém importante. Alguém. E suas pernas cederam. Um assovio alto enfeitiçou seus sentidos. E uma queimação em sua garganta somou-se às suas outras dores, e ela registrou vagamente o fato de que estava gritando. Não ouvia. Mas sabia que gritava. Sabia que chorava, mas não conseguia fazer nada sobre isso.


Katheryn soube que estava a ponto de perder a consciência e se desesperou. Mas dessa vez, o desespero foi para que acabasse logo. E acabou.


 


*****


 


Seus olhos se abriram lentamente. Quase imediatamente eles foram maltratados pela luz, e ela tornou a fechá-los. Nem mesmo teve tempo de analisar onde estava. Tentou abrir a boca, mas sentiu a pele delicada de seus lábios, secos demais, se partirem. Um ardor incômodo persistiu ali. O instinto a fez querer passar a língua sobre eles, mas esta estava grudada no céu de sua boca. Então, se deu conta do tamanho de sua sede. Muita sede.


Um ar morno deslizava por sua garganta áspera enquanto respirava, tentando manter a calma. Precisava pedir ajuda.


Arriscou abrir os olhos novamente, dando piscadelas rápidas, deixando que seus olhos se acostumassem com a luz, e em pouco tempo conseguiu mantê-los abertos. Observando o teto imaculadamente branco, pensava qual seria o próximo passo a dar, quando o barulho da porta a assustou. Ela não arriscou movimentar o pescoço, uma vez que seu corpo parecia um bloco rígido de pedra.


Alguns segundos de silêncio, e um soluço irrompeu vindo de lá. Um ruído feminino, de uma voz que ela conhecia.


- Oh Mérlin! Katheryn!


Antes mesmo de ver o rosto dela, Katheryn já tinha lágrimas deslizando de seus olhos. Lágrimas de alívio. Lágrimas de agradecimento. E o rosto de sua mãe surgiu no alto, também já molhado por lágrimas, e contorcido, cheio de algo que Katheryn nunca tinha visto ali e que não soube identificar.


        - Filha… - Miranda Calmon segurou o rosto de Katheryn entre as mãos. - Ah, filha.


Elas não falaram mais nada. Apenas olharam uma para a outra, muito sendo dito ali, em silêncio.






************




Rony estava estranho, usando os padrões dele como referência. Hermione olhava para ele sem saber muito bem como abordá-lo, uma vez que não lembrava de já tê-lo visto tão sério e reflexivo por tanto tempo. Estavam no quarto dele na Toca, Hermione sentada sobre a cama, com as pernas cruzadas, e Rony no chão, ao lado da porta. Por vezes ele encostava a cabeça na parede e ficava observando o teto, outras cruzava os braços sobre os joelhos e escondia o rosto ali, mas, desde que entraram naquele quarto, ele não havia dirigido uma única palavra à Hermione, ou sequer um olhar. Estava compenetrado demais. Agora, ele estava com as pernas esticadas e os braços ao lado do corpo, seus dedos tamborilando no chão.


Hermione teria se incomodado um pouco mais com o comportamento de Rony se não estivesse envolvida em suas próprias divagações. Queria conversar com ele, mas não sabia o que dizer. Não fazia ideia de quem poderia ter atentado contra a vida do seu melhor amigo, uma vez que, sendo ele quem era, a lista de possíveis interessados em vê-lo morto poderia ser muito curta, como poderia ser muito longa. Dependia do ponto de vista. Hermione suspirou, esfregando os olhos cansados.


- É melhor você ir descansar na casa dos seus pais. - Rony disse de onde estava, a voz um pouco rouca pelo desuso.


Hermione olhou para ele. Rony, no entanto, não lhe devolveu o olhar.


- Teria algum problema se eu ficasse por aqui? - ela perguntou, tentando soar despreocupada.


Rony demorou alguns segundos para responder.


- É claro que não. Sei que você está tão cansada quanto eu. Só achei que seria melhor que seus pais soubessem que você está por aqui. Você sabe que eles sempre dão um jeito de saber sobre as coisas que acontecem no mundo bruxo e uma hora dessas já devem ter lido sobre o que houve com o Harry. Talvez você devesse explicar pessoalmente. É bem provável que estejam tentando entrar em contato com você no Canadá. Eles devem estar preocupados.


Hermione tentou argumentar. Rony estava certo, mas a forma como ele havia falado não lhe soou muito bem. Seu instinto lhe dizia que alguma coisa estava errada.


- Você tem razão. Mas eu preferiria não ter de fazer isso sozinha. Você poderia ir comigo.


- Minha mãe está lá embaixo, Hermione. E você viu o estado de nervos que ela está. Ela não pode impedir você de ir e, acredite, ainda assim ela vai tentar. Mas a mim ela não vai deixar sair antes de me alimentar e dar um sermão sobre segurança e tal. Está paranoica. - Rony encostou a cabeça na parede e fechou os olhos - Tudo que eu preciso agora é de um banho e algumas horas de sono para colocar a cabeça em ordem.


Hermione se arrastou para fora da cama, se aproximando de Rony. Ajoelhou-se à sua frente e afagou seus cabelos ruivos. Ele suspirou com seu carinho, mas permaneceu como estava, sem ao menos piscar os olhos na direção dela. Rony queria ficar sozinho, era evidente, mas Hermione sentiu que, mais do que isso, era como se ele estivesse tentando se livrar dela.


- Eu posso voltar mais tarde? - Hermione perguntou. Rony deu um sorriso inclinado.


- Não. Fique em casa e descanse! Eu passo pra te buscar amanhã para irmos juntos ao hospital.


O alarme dentro dela começou a apitar, o tipo de alarme que dificilmente cometia erros.


- Rony? - ela chamou, ainda afagando os cabelos dele.


- Hum…


- Rony. - Hermione sussurrou - Olhe para mim!


Rony abriu os olhos e o cansaço que Hermione encontrou ali lhe causou um aperto no peito.


- Você está bem? - era uma pergunta boba, ela sabia, mas queria entender melhor o que se passava com Rony.


- Na medida do possível. - seus olhos estavam sérios - Acho que só vamos melhorar de verdade quando Harry estiver aqui com a gente, quando descobrirmos quem fez isso com ele. E ainda tem a Katheryn. Estou tão preocupado quanto você.


Hermione pôde sentir a verdade naquelas palavras. Rony havia sido sincero, mas não dissera tudo. Ele ainda escondia alguma coisa. No entanto, ela resolveu não prolongar a conversa.


Rony puxou-a pela nuca, dando-lhe um beijo, e encostou a testa na dela.


- Amanhã passo para lhe buscar, certo?


Hermione sacudiu a cabeça e se levantou. Ainda deu mais uma olhada para o namorado no chão antes de deixá-lo sozinho, levando consigo suas dúvidas, seus medos, seu cansaço e sua intuição, que no momento gritava para que voltasse para junto de Rony.





*****


 


Rony ouviu os passos de Hermione nas escadas. Tentou não se sentir muito culpado por tê-la tratado de maneira tão fria, e ter deixado tão abertamente claro que queria ficar sozinho, mas era exatamente isso que precisava. Sabia que deveria fazer aquilo sozinho. Aos poucos sua mente começou a trabalhar ao melhor estilo “Hermione”.


Algum tempo depois todo o plano já estava arquitetado. Ele levantou, pegou um pedaço de pergaminho velho que encontrou e escreveu algumas poucas palavras. Em questão de minutos, Pichi já sumia no céu carregando o recado de Rony ao destinatário mais improvável possível. Rony observava o céu do entardecer, se preparando para enfrentar a segunda barreira em forma de mulher naquele dia. Sacudiu a cabeça para um lado e outro, pensando no quanto as mulheres da sua vida tinham poder sobre ele. Fosse sua mãe, sua namorada, ou até mesmo sua irmã. Com um suspiro alto, ele saiu do quarto.


 


*****


 


- O que aconteceu com vocês dois para a Hermione ter saído de casa daquela forma? - antes mesmo de ter chego a cozinha, a matriarca da família Weasley o repreendeu com a pergunta.


Rony sentou-se na primeira cadeira que viu e olhou para a mãe. Naquele momento percebeu o quão abatida a senhora se encontrava. Esta era a primeira vez que ela voltava para casa depois do atentado a Harry.


- Eu falei a ela que seria melhor passar a noite com os pais, eles estão com saudades dela.


A mãe olhou para ele desconfiada.


- Isso não me parece ser motivo para ela ter ficado tão chateada.


-  Talvez eu não tenha sido tão sutil ao pedir isso pra ela - disse ele num tom um pouco melancólico e abaixando a cabeça.


A Sra. Weasley suspirou. Ela se sentou ao lado dele, amassando um pano de prato entre as mãos.


- Eu sei que você está preocupado com tudo o que aconteceu, mas você não pode tratar a Hermione assim. Ela estava a tanto tempo longe e também está preocupada com o Harry.


A senhora afagou os cabelos do filho e se levantou voltando ao fogão. Em seguida se virou e colocou na mesa um prato cheio de salsichas e ovos em frente ao rapaz.


- Coma um pouco, você passou três dias no hospital sem se alimentar direito.


- Estou sem apetite. - Rony disse, se levantando e vestindo seu sobretudo que estava num suporte ao lado da porta. Pegou também uma capa grossa com capuz e vestiu.


- Aonde você pensa que vai? Você nem ao menos tomou um banho, ou se alimentou. Além do mais, não sabemos o que aconteceu, o quanto pode ser perigoso andar sozinho por aí.


Rony interrompeu a mãe com um beijo na testa.


- Não precisa se preocupar. Vou visitar o Jorge, verificar como andam as coisas na loja e dar notícias do Harry. Prometo que vou tomar cuidado.


Rony tentou não se afetar pelo olhar preocupado nos olhos da mãe antes de dar-lhe as costas e sair da casa. A escuridão da noite avançava enquanto os últimos raios de sol iluminavam as montanhas que ficavam atrás dele, lutando contra as grossas nuvens escuras que ameaçavam tomar o céu. Rony caminhou até o limite do quintal, ignorando o vento úmido que soprava as folhas no quintal, e aparatou.


 


*****


 


A fina chuva havia umedecido os cabelos e a capa de Rony quando ele chegou na frente do prédio onde Harry morava. Não teve trabalho para passar pelo porteiro. Ao sair do elevador, no andar onde ficava o apartamento do amigo, se permitiu algum momento de admiração pelo fato dos corredores e a porta parecerem intactos, apesar de todo o abalo que ocorrera ali.


Graças ao treinamento que vinha recebendo, Rony sabia exatamente qual feitiço tinha sido usado pelo corpo de aurores do ministério para lacrar a porta do apartamento, por isso não teve dificuldades em destravá-la e entrar, fechando-a atras de si em seguida. Baixou o capuz da capa e deu uma olhada no lugar. Não era a primeira vez que entrava ali após o ataque que o amigo e Katheryn sofreram, ainda assim, não conseguiu evitar o desconforto ao sentir o cheiro de madeira queimada e ferrugem. Bastou uma olhada rápida para Rony saber que quase nada havia sido mexido do lugar desde a ultima vez que estivera ali, o que fazia com que a sala do apartamento continuasse o mesmo caos de vidros estilhaçados, madeira lascada, pedaços de tecidos e almofadas rasgados, poeira e sangue. Rony reprimiu um calafrio.


Preferindo evitar pensar demais no que realmente ocorrera naquele lugar, por hora, aproximou-se da janela que dava para a pequena sacada, observando a chuva que ficava mais densa do lado de fora. As grossas gotas batendo no vidro da janela eram o único ruído no local. Rony estava se perguntando o motivo daquela janela não ter se destruído junto com todo o resto da sala quando duas batidas fortes na porta o fizeram virar naquela direção. Rony apertou as mãos ao lado do corpo, estalando os dedos, e suspirou. Tomando cuidado para não chutar nada do lugar nem tropeçar pelo caminho, Rony chegou até a porta e a abriu de uma vez.


Uma figura encapuzada estava parada ali. Algumas gotas de água pingavam da ponta do grosso capuz que lhe cobria o rosto. Rony não cumprimentou o visitante, apenas se afastou da porta, dando-lhe passagem.






************





Hermione fechou seu livro com um baque surdo e sentou-se na cama, não conseguindo mais ignorar o desconforto que não passava desde que saíra da Toca mais cedo. Desistindo de tentar se distrair, deixou o pesado volume de lado e saiu do quarto carregando consigo sua capa de chuva e sua varinha. Enquanto descia as escadas, seus pensamentos não saíam de Rony, da maneira na qual ele deu um jeito de afastá-la. Ela conhecia o namorado muito bem, sabia que ele queria ficar sozinho, e poderia ter feito isso por ele, dando-lhe o tempo de que necessitasse para pôr os pensamentos em ordem. O que não entendia era a urgência dele para que ela saísse de perto, e isso não estava cheirando bem, nada bem. Já estava abrindo a porta da sala quando teve a impressão de ouvir a voz da mãe lhe chamando, gritando algo como ‘chuva forte’, ‘tarde’ e ‘perigoso’.


- Volto logo! - Hermione ainda teve tempo de gritar antes de sair e jogar a grossa capa sobre a cabeça.






************





Rony deixou que a figura encapuzada entrasse e o visitante, assim que o fez, baixou o capuz, revelando cabelos loiros platinados. Rony já havia fechado a porta quando Draco Malfoy girou nos calcanhares e o encarou com um sorriso zombeteiro nos lábios.


- Que péssimo local para um encontro. Mas me deixe logo adiantar que, não importa o que você tenha para me dizer, você não faz o meu tipo, Weasley.


- Me poupe dos seus comentários sarcásticos, Malfoy!


Draco estreitou os olhos, então começou a examinar o ambiente, andando por entre os destroços.


-  Você é bem bagunceiro, hein. Mas dá pra perceber que é um local requintado. Qual dos seus irmãos você precisou vender para comprá-lo?


- Você sabe muito bem a quem pertence esse lugar. - Rony disse entredentes, sua testa ganhando um tom ameaçador de vermelho.


Draco torceu o nariz, numa típica careta de desgosto.


- É claro. Só mesmo o Potter para querer viver no meio de trouxas.


Rony tornou a se aproximar da janela, dessa vez ignorando a chuva torrencial que desabava do lado de fora. Observava a calma estudada com a qual Draco tomava nota da bagunça do lugar, mas sentia claramente o desconforto dele. Rony já convivera com Draco tempo suficiente para perceber os tipos de máscaras que ele usava para se esconder, ou esconder suas intenções. Apesar da postura arrogante, ficou difícil para Rony ignorar as manchas escura que ele tinha sob os olhos.


- Em que momento você vai resolver me dizer o motivo de ter me chamado aqui? - Draco perguntou enquanto olhava para a enorme mancha de sangue seco na parede.


- Tenho certeza que você sabe o motivo.


Draco enfiou as mãos nos bolsos, parando no meio da sala e encarando Rony.


- Podemos dizer que sim, uma vez que eu sei o quanto a mentalidade de vocês é limitada. De quem mais vocês desconfiariam, não é verdade?


Rony deu um sorriso inclinado.


- Eu não desconfio de você, ou de alguém da sua família.


Pela primeira vez Rony viu a postura de Draco vacilar. Por um momento, Draco pareceu quase ofendido.


- Eu não acredito em você, Weasley! Na verdade, estou me perguntando pra que tipo de armadilha você está tentando me arrastar.


- Se pensa dessa forma, por que atendeu meu chamado? Por que viria até aqui se achasse que eu poderia estar tramando alguma coisa?


Draco não respondeu. Apenas permaneceu encarando Rony duramente, procurando entender quais os verdadeiros objetivos daquela pequena reunião inesperada.


- Você nem mesmo tinha como saber se eu viria.


- Eu arrisquei. - disse Rony, nem se dando o trabalho de explicar sobre o atentado de Harry, pois, a julgar pelo modo como Draco estudava a sala destruída sem parecer muito surpreso, tinha certeza que ele estava muito bem informado dos acontecimentos - E aqui está você. Isso só confirma as minhas suspeitas, de que vocês não tem envolvimento no ataque que Harry sofreu. Você nunca viria se fosse culpado, não correria esse risco.


- Talvez eu tenha vindo justamente com a intenção de despistar.


Rony descruzou os braços e deu dois passos firmes na direção de Draco. Por um momento pareceu que Draco ia recuar, mas, para crédito dele, permaneceu no lugar.


- Você veio até aqui porque sabe que sua família será uma das principais suspeitas disso. Você veio até aqui porque sabe que, não importa o que vocês digam, nada vai impedir que seja aberta uma investigação sobre vocês, piorando ainda mais a já denegrida reputação da sua família. Você veio até aqui na esperança de poder evitar isso, porque depois do que o Harry fez por vocês, já deu pra sacar que ele pode ser justo, ou até bonzinho demais na minha opinião. Negue! - Rony o desafiou - Negue que veio tentar salvar o que restou de prestígio do sobrenome Malfoy!


Pela cara de Draco, ele parecia prestes a pular no pescoço de Rony a qualquer momento. Um músculo tencionou em seu maxilar antes de dizer:


- O que você quer de mim, Weasley?


Rony pareceu relaxar um pouco.


- Quero que você nos ajude a descobrir quem fez isso.


- E o que te faz supor que eu possa ajudar nisso?


- Ironicamente, você ser um Malfoy é o seu maior trunfo. - Rony pareceu pensar um pouco - Precisamos saber se esse ataque partiu de algum ex-comensal que esteja a solta, ou de algum grupo de simpatizantes de Voldemort.


Draco se afastou, sacudindo a cabeça.


- Mesmo que eu tivesse como me infiltrar no meio dessa corja, não faço ideia de onde achá-los. Os foragidos nunca foram encontrados pelo corpo de aurores.


- Então é bom que você descubra o esconderijo deles e comece a investigar, Malfoy. A chance que estou te oferecendo aqui, ninguém mais vai oferecer. Não sei se você percebeu, mas eu vim sozinho. Estou fazendo tudo às escondidas, por enquanto, porque no momento eu sou o único que descarta completamente o envolvimento dos Malfoy nesse ataque.


- O que comprova o quão idiota você é. - Draco resmungou. Mas, ao ver que Rony não reagiu ao comentário, ele retorceu o rosto numa careta de desgosto, dando um suspiro impaciente - Isso é mesmo inacreditável! Acho que se o Potter pegar um resfriado, vão suspeitar que minha família seja culpada. Parece que estamos, de alguma forma, eternamente ligados a ele. Ou pelo menos a todas as desgraças que vierem a acontecer a ele. E agora tenho de me submeter a ter encontros às escondidas com um Weasley - Draco se jogou na única cadeira que parecia inteira, próximo da cozinha, enfiando as mãos nos cabelos - É um pesadelo!


Rony se permitiu um pequeno momento de compaixão  - tanto por Draco quanto por Harry - pela verdade contida naquele comentário frustrado, mas passou rapidamente, pelo menos no que correspondia ao Malfoy. Ele lamentou ter de admitir.


- É um fardo, com certeza. E não só para vocês, acredite. Hermione diria que é a lei da ação e reação. Todo ato gera uma consequência. E, exatamente por isso, talvez, as coisas mudem se você colaborar. - Rony ficou satisfeito ao ganhar a atenção de Draco novamente - Nos ajude e quem sabe vocês possam finalmente se livrar desse estigma que, vamos concordar, vocês mesmo construíram. O que eu estou te oferecendo aqui é uma troca de favores, Malfoy. Quando tudo isso terminar, ninguém deve mais nada a ninguém.


Draco sustentou o olhar de Rony por tempo suficiente para que ambos percebessem que haviam entrado em um acordo. Ou o mais próximo disso que pudessem conseguir devido as circunstâncias.




************





Andava rápido sobre a calçada deserta, e, assim que chegou na esquina, fechou os olhos, apertou a varinha dentro da capa e girou o corpo. Ao reabri-los, após recuperar-se do costumeiro desconforto pós-aparatação, não perdeu tempo e praticamente correu até a porta da Toca. Entrou sem nem mesmo bater, e encontrou Molly Weasley sentada à mesa, ouvindo algum programa em seu velho rádio.


- Ah, Molly! O Rony está no quarto dele? - perguntou Hermione.


- Não, minha querida, - Molly pareceu ligeiramente surpresa pela presença de Hermione aquela hora -   ele foi até o Beco Diagonal conversar com o Jorge sobre a loja. Já faz mais de uma hora que ele saiu.


- Ele saiu? Ele me disse que precisava ficar sozinho, por isso queria que eu fosse pra casa dos meus pais.


Hermione andou até uma cadeira e sentou-se. A senhora Weasley a olhava como se conseguisse sentir o mesmo que a garota sentia.


- Hermione, o que foi que o Ronald fez hoje a tarde?


- Nada de mais. Na verdade, ele estava agindo de uma forma fria e distante. Não sei muito bem o motivo, mas eu tenho algumas suspeitas.


- É claro que tem. - Molly lhe ofereceu um sorriso bondoso.


- Parecia que ele estava tentando se livrar de mim para poder fazer alguma coisa.


- E o que você pensa em fazer a respeito?


Hermione franziu a testa, observando Molly com um olhar desconfiado e cauteloso.


- Vou até o Beco Diagonal.


- É claro que vai.


- E você não vai tentar me impedir, vai?


Molly suspirou cansadamente.


- Está escuro, tarde e chovendo. E como eu sei que você não me dará ouvidos, é claro que não vou tentar impedi-la.


 


*****


 


Alguns minutos depois, Hermione olhava para a fachada da loja de logros numa mistura de ansiedade e hesitação. A chuva já havia deixado seus cabelos - normalmente volumosos - ensopados e pesados, grudados nas laterais do seu rosto. Sabia que Rony não ficaria feliz em vê-la ali, mas tentou não dar muita importância a isso, afinal, era ela quem tinha mais direito de estar chateada no momento. No entanto, era necessário que Rony estivesse ali, em primeiro lugar, e esse era o motivo de Hermione estar nervosa. Se Rony não estivesse na loja como dissera, ela não fazia ideia de onde ele poderia estar, ou onde procurá-lo. Sem contar o fato de que ele teria mentido, não só para ela, mas para Molly também. Hermione não saberia como lidar com isso.


Mesmo cercada pelo ruído da chuva, conseguiu ouvir o barulho de passos e um farfalhar de roupas pesadas vindos da rua lateral. Não querendo ser surpreendida sozinha no meio da rua, Hermione correu o mais silenciosamente que pôde para o lado oposto, escondendo-se na sombra da parede, e ficou esperando que o caminhante passasse, de preferência sem notar sua presença. Os passos foram se aproximando e aproximando e, de repente, pararam. Hermione apurou os ouvidos, apertando a varinha com mais força do que o necessário. Não querendo ser surpreendida, ela arriscou sair um pouco de seu esconderijo para espiar seja lá quem fosse. Viu uma figura encapuzada em frente a loja de logros. O sujeito estava parado ali, e pela posição dos braços, parecia estar com as mãos enfiadas nos bolsos. Total e completamente despreocupado.


Hermione observou por quase um minuto inteiro antes de sacudir levemente a cabeça, confusa, e sair das sombras, revelando-se.


O sujeito encapuzado a viu quase imediatamente e Hermione podia jurar que ele suspirou pesadamente, a julgar pelo movimento dos ombros que subiram e desceram lentamente, quando pousou os olhos nela.


Hermione parou a dois metros de distância dele, os braços esticados ao lado do corpo e a varinha pendendo frouxa em sua mão. Ela ainda não conseguia ver o rosto dele mas, de alguma maneira, sabia que ele sorria. Ela podia inexplicavelmente sentir o sorriso dele. Algo como uma faísca de raiva começou a crepitar dentro dela.


- Sabia que é perigoso andar sozinha por aí uma hora dessas? As ruas estão vazias e a chuva só torna tudo pior. - ele disse, sua voz se sobrepondo ao barulho da chuva.


Hermione ergueu uma sobrancelha, mas permaneceu calada.


- Eu poderia ser um criminoso ou um comensal da morte a caminho da Travessa do Tranco.


Hermione sentia o sorriso na voz dele.


- Eu deveria ter medo? - ela perguntou e cruzou os braços.


Ele riu. Riu. Hermione não conseguia acreditar na bizarrice de tudo aquilo.


- Acho que quem está com medo sou eu. - ele disse, e baixou o capuz, revelando seus cabelos molhados, parecendo quase negros naquelas circunstâncias, e aquele sorriso irritante que ela já sabia que veria - E é claro que eu continuo sendo o mesmo ingênuo de sempre achando que você não suspeitaria de nada, ou, quem sabe, simplesmente deixasse isso pra lá.


- É claro! - ela disse.


Mas dessa vez ele não riu. Um brilho de resignação tomou seus olhos quando ele juntou sua mão fria com a dela e apontou com o queixo na direção da loja.


- Já que estamos aqui, vamos entrar. Temos muito o que conversar, e eu espero fazer isso de frente para uma lareira e tomando uma xícara de chocolate quente.


Hermione se deixou conduzir, tentando não parecer aliviada ou preocupada ou irritada demais.






*





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Comentários (8)

  • Haryelle

    Olá! Vocês tinham dito que iriam continuar a Fanfic, mas já passaram meses que estou esperando. Vocês vão continuar ou não? Poxa na melhor parte vocês somem... E nem no grupo do Face vocês me aceitaram. Sacanagem isso #Chatiada

    2016-12-22
  • Vera Silva

    Eiiiiiiiiiiiiiiiiii Você escreve muito bem, só que nunca mais postou!! Quando você volta?? Escreve mais termina a fic

    2016-12-19
  • Carolina Trigo

    Eu não acredito que você voltou!!!! Estou muito feliz :)

    2016-07-28
  • Mimi Potter

    ei! qm eh vivo sempre aparece

    2016-07-26
  • Lore Weasley Potter

    Releia, Lali! Todos que quiserem reler, fiquem à vontade. Eu espero! Tenho por obrigação ter paciência de esperar por vocês, uma vez que vocês esperaram tempo demais por mim.   Mas assim, não demorem muuuuuito não, tá? *cara cínica*

    2016-07-24
  • Harry W. Potter

    Releia Lali hahahahaDesmarca as clientes do salão e leia! 

    2016-07-17
  • Lali Lanna

    Gente mas perai que eu tenho que reler tudo ainda.

    2016-07-17
  • Harry W. Potter

    Loreeeeeeeeeeee olha, vou comentar aqui pra ser o primeiro comentário, mas quero dizer que o comentário sobre o cap vai ser lá na página principal, ok?! Bjos gata :*P.s.: estou no celular e não consegui mudar a cor do comentário para o verde que é a minha marca registrada #Xatiado 

    2016-07-17
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