Clínica



“E agora, as notícias da comunidade com Bob Fox!”.
“Ok Jimmy, estamos aqui no centro da vila, onde ocorrerá o maior evento religioso do ano. Todos os trouxas e bruxos aqui se reunirão para iniciar os preparativos das semanas do advento! Serão quase quarenta dias de comemoração, e, no dia 24, à meia noite, ocorrerá o tradicional baile natalino de Vila Duende, contando desta vez com uma banda surpresa que será anunciada hoje à noite...”.
O rádio foi desligado abruptamente. Patrícia Wolf olhou amargurada pela janela. A neve caía como sempre tinha caído. Os galhos longos do salgueiro sem folhas, no quintal, dançavam bobamente com a brisa, e a senhora sentia-se novamente sozinha, infeliz, abandonada.
A maldição que a consumia — pelo menos era assim que ela via seu problema — parecia separá-la do restante do mundo com uma imensa muralha de pedra. Ela sentia medo, sentia tristeza, queria apenas que encontrassem uma cura...
Mas os médicos já haviam tratado-na demasiado mal para que ela voltasse a procurá-los. Era sempre a expressão de desconfiança; Sempre achando que Patrícia estava mentindo... Quem lhe dera fosse mentira... Quem sabe quanto mais viveria? Lembrava-se tão fracamente do passado que este parecia nem existir.
Ergueu a varinha e apontou-a para a parede. Talvez ela devesse morrer agora, antes que aquilo se propagasse, antes que algo ocorresse...
—Você não pode morrer. — Sua consciência tentou impedi-la de fazer algo impensado. Ela abaixou a varinha de novo. Olhou mais um pouco para fora. Quando poderia se casar? Já estava velha, quase nos cem, e não tinha estado com um homem ainda. Sabia, é claro, que o seu marido morreria, e ela teria de enterrá-lo... E quantos ela enterraria? Quantos ela amaria e abandonaria?Quantos iriam amá-la e morreriam ao seu lado?
Ergueu a varinha novamente, mirando desta vez o teto. Era simples: Falar a fórmula certa antes de desistir. Dar fim à sua vida antes que seu problema se estendesse...
—Maelum Incendio! — Ela falou lentamente. A chama carmim-e-dourada irrompeu da ponta de sua varinha e atingiu o teto com demasiada delicadeza.
Ela imaginou se a morte doeria... Percebeu que talvez fosse doer um bocado nas chamas. Mas não se importava com a dor... Sofria mais em vida do que agora...
O fogo maldito abriu um buraco no teto acima dela, e então começou a se alastrar levemente até as paredes. O ar se tornava mais poluído, cinza e mortal. Patrícia começou a tossir, os olhos lacrimejavam de desespero, mas ela, ao contrário do que imaginara nas muitas vezes em que pensava na morte, não quis impedir que o fogo se espalhasse; Não desejou fugir da morte.
Uma longa língua da chama a envolveu, ardente, mortal. Ela sentiu o calor extremo no corpo, a pele em carne viva, os pulmões chamando pelo ar puro que ali não havia, os olhos obedecendo ao instinto natural de não se fechar e simplesmente morrer...
Patrícia viu uma figura próxima às chamas, que muito se assemelhava à de um humano com uma espécie de mangueira na mão. Um líquido roxo e viscoso foi liberado no fogo, e então tudo ficou escuro...


HARRY, M.D.
06. CLÍNICA




—Oi, Tchau. — Harry Potter falou bem rápido, entrando no escritório, pegando sua vassoura e seu casaco e saindo. A diretora Taylor, Wilson e sua equipe o olharam, abismados.
Alguns segundos depois ele já entrava no escritório novamente.
—Wilson, preciso daquilo. — Disse ele, tomando o último comprimido do frasco que carregava consigo, ainda possuindo mais dois frascos cheios, um que Wilson lhe receitara no mês anterior, outro que o paciente fanático lhe dera em troca de autógrafo.
—Ok, a carniça será entregue depois que o urubu decolar do local da chacina. — Wilson respondeu, e deu uma brevíssima olhada para Taylor, que só Harry pôde ver.
—O que? Estão falando em códigos por minha causa? — A diretora perguntou, pasma.
—Não, estamos treinado para o jogo de Detetive. “Coronel Mostarda na sala de estar com a pá” — Falou, sarcástico.
—Não tem Pá no jogo... Por que você não estava na clínica hoj...
—Mas vocês estão aqui por algum motivo — Harry sacou uma caneta e foi até a lousa — Paciente?
—Mulher, uns 60 anos. — Daniel Park, o neurologista loiro que fazia parte de sua equipe, começou.
—Tentou suicídio com Fogo Maldito, mas foi salva. — Jéssica Spencer, a única mulher da equipe de Harry, completou.
—Que chato! Vocês tentaram usar um feitiço cicatrizante, ditamno, algo assim? — Perguntou, já se preparando para sair.
—Aí é que está: Não precisamos fazer isso. Ela chegou aqui sem nenhuma mísera cicatriz. Sem contar que os níveis de gás carbônico inalado foram equivalentes ao suficiente para se matar um elefante... Ela devia estar morta! — Jason Curts, o ex-pastor alto e negro completou.
—Auto-Regeneração. — Harry falou, já escrevendo o mesmo próximo à “CO2” e “Queimaduras”. Sublinhou esta palavra de vermelho. — O que pode ser?
—Você não está preocupado com a parte de que ela pegou fogo inesperadamente? Foi Fogo Maldito, conjurado... Ou ela tentou suicídio, ou quase foi assassinada! — Taylor exclamou, exasperada.
—Talvez, talvez isso seja interessante... Curts, você vai e descobre por que aquela casa pegou fogo, quero toda a informação possível sobre o andamento do caso no ministério. Se eles embaçarem, fala que é caso de vida ou morte.
—Por que a tarefa não-médica tem sempre de ser minha?
—Por que a tarefa mais legal tem sempre de ser dele? — Park interveio, ajudando na argumentação de Harry de tal modo que o outro médico nem mais quis continuar com o assunto.
—Poderia ser Celifórmio. É bruxa, ataca a pele e migra de fora para dentro, fazendo com que o corpo se regenere sozinho de todos os problemas... Pode ter chego ao estágio final, em que ela está 100% imune.— Jéssica informou.
—Não, o estágio final é quando ela está 100% morta, quando a doença começa a coagular o sangue.
—Que seja, que alternativas nós temos?
—Histórico familiar, talvez, mas é melhor irmos pelo Celifórmio. Faça uma cultura de sangue e destrinche-o para encontrar as proteínas.
—E eu? Devo fazer algo? — Park perguntou
—O que você quer fazer? — Harry respondeu com outra pergunta, já se preparando para sair.
—Eu realmente gostaria de ir para casa e dormir, ontem peguei plantão.
—Vá para casa e durma, deixe que os Nerds virem a noite.
—Sério? — Seus olhos brilharam.
—E eu lá sou de fazer piada?
—E você, Dr. Harry, o que estava indo fazer? — Taylor questionou.
—Indo para casa dormir. — Falou, esperançoso de que seu compadecimento seria refletido por Taylor.
—Ah, pena que você tem mais meia hora de clínica para cobrir...
—Ah, manhê! — Harry fez uma perfeita imitação de criança pequena — Por que você não é tão legal quanto eu?
—Pergunte ao Professor Black... Lembre-se de que a camareira saiu mais cedo naquela sexta-feira e nunca mais voltou...— Não houve risos da piada.
—Só quando eu falo tem graça. — Desta vez as risadas foram pouco mais intensas. Harry sorriu para ela e saiu, a bengala fazendo os habituais barulhos ao se chocar com o chão.
Quando chegou ao térreo, Harry pegou a ficha do topo da pilha e leu o nome do paciente, e, sem nem olhar quem da sala de espera se levantou, foi para o consultório Sete, que agora se tornara permanentemente seu, graças às exigências de Taylor a respeito da sua carga semanal de Clínica.
Sentou-se na cadeira e esperou o paciente entrar. Era um adolesce, de estatura média e cabelos pretos pintados. Uma franja exagerada cobria-lhe meia face, e Harry tinha certeza de que ele usava maquiagem.
O jovem ficou em pé, o olhando, e o médico olhando para a parede. Aquilo continuou como estava até o garoto falar, o que só aconteceu cinco minutos depois.
—Quero receita para laxante, estou com... Fezes ressecadas, no reto.
—Por que não se manteve em silêncio? Eu descansava do joelho e meu tempo restante de clínica diminuía... — Harry respondeu, voltando a encarar o nada com incomum interesse.
—Pensei que fosse médico — Desafiou o garoto.
—Você já se diagnosticou, por que continua aqui? E por que não se senta? — Perguntou, sabendo mais ou menos onde estava o problema do garoto.
—Quero que receite o laxante.
Harry esperou mais um longo período de tempo para responder.
—Não vai falar? Vejamos... Se não quer dizer, significa que é algo constrangedor ou perigoso, de alguma forma... Se você quer um laxante, quer dizer que está no seu reto. Como não quer sentar, significa que é comprido e dói. E como disse que são fezes, com certeza não são fezes. O que diabos você tem aí atrás, Rapaz?
Ele abriu a boca para falar e em seguida fechou-a várias vezes, indeciso.
—É uma... Varinha... — Ele enrubesceu na hora — É muito... Desconfortável.
—Por quê? A menos que seu estômago ronque fórmulas mágicas, deve ser uma experiência bem interessante... Você colocou pelo cabo ou pela ponta? — Harry perguntou, sem nenhum interesse médico, apenas pelo prazer de constranger o paciente.
—Por que quer saber?
—Só para saber o quão Gay você é. — O garoto virou o rosto, irritado — Procure as cirurgias de emergência, eles podem fazer uma operação de remoção. Pode demorar, mas a sala de espera tem umas cadeiras ótimas para a coluna, bem duras...
O garoto não disse nada, apanhou o encaminhamento cirúrgico que harry anotara e saiu. Para a sorte do médico, aquela consulta completamente inútil lhe tomara vinte minutos, o que significava que seu próximo atendimento poderia ultrapassar os dez minutos que faltavam para vencer a meia hora que Taylor estipulara.
—O que significa... Cama — Falou a si mesmo, desesperado por dormir. Talvez o novo frasco do remédio, que acabara de abrir, estivesse mais forte, por que o antigo não lhe dava tanto sono...


Estava percorrendo os corredores iluminados e quentes de uma casa em chamas: Ouvia gritos, queria salvar quem gritava... Viu os contornos de Gina atrás das chamas da sala de estar... Ela tentava atravessar a imensa parede de fogo para salvar Lily, que gritava, presa em seu quarto.
Harry tentava desviar do fogo, mas parecia só encontrar obstáculos. Ouviu o craque que mais temera quando o teto de madeira rachou.
—Gina! — Gritou, mas as tábuas em chamas caíram sobre ela como grossos e longos pingos de chuva em uma tempestade. Ele viu ela pegar fogo, gritava desesperadamente, mas então se lembrou...
Ela não podia morrer... Estava com Celifórmio, era como se fosse um elefante... Ia sobreviver... Mas depois ela ia sangrar por todos os orifícios enquanto o corpo coagulava o próprio sangue...
—Harry! Harry! — Ela chamou de sob as tábuas — Dr. Harry!
Como ela sabia que ele era médico?
—Você não sabe que eu sou médico, pois eu sou médico por que você morreu, e se você tem Celifórmio eu... Quanto tempo levei para perceber que isso é um sonho?
Ele abriu os olhos. Viu a parede branca de seu quarto, os diversos pôsteres de bandas de rock trouxas e bruxas, alguns cartazes da seleção do quadribol da Inglaterra, e a figura esbelta da Dra. Jéssica Spencer parada à porta.
—O que você está fazendo no meu quarto? Imagine se eu dormisse pelado!
—Curts deve ter imaginado, por isso me mandou. Você não atendeu ap telefone nem à campainha... Pelo jeito você estava sonhando, não parava de murmurar coisas m línguas estranhas, tipo... — Ela fez um som com a boca que fez Harry rir.
—Mas, o que há de tão grave?
—São onze da manhã. — Ela falou, mas obviamente não era este o motivo. — Patrícia está vomitando sangue, o que não se relaciona com Celifórmio ou com outros sintomas do quadro...
—Você veio como?
—Aparatando, você vai voando?
—Vou, quer uma carona?
—Ta de brincadeira, com aquela vassoura? Não tem como recusar... Mas vai rápido, não temos muito tempo... — Ele a olhou com um sorriso de quem a condenava por não conhecê-lo direito.
—Não vou levar nem dez minutos.
A outra sorriu com uma expressão de desafio.
--Eu aposto que faço em seis, se me deixar pilotar. -- Estendeu então a mão para ele, que a apertou sem hesitar.
--Quem fizer o pior tempo paga o jantar. Pode pilotar na ida, que eu volto no controle. -- Disse ele, já com n intenções sobre ela. Ficou surpreso, quando a médica saía do quarto, que sua perspectiva posterior perdia por bem pouco para a de Taylor.
Trocou de roupa, vestindo uma camisa de abotoar que o deixava atraente, e saiu do quarto. A médica já lhe aguardava montada na vassoura, mas, quando ele chegou na metade da sala, seu joelho deu uma fisgada terrível, que só podia significar que o remédio tinha perdido um pouco do efeito.
--Joelho? -- Perguntou ela, preocupada.
--Não, dormi de mau-jeito. -- Respondeu, montando atrás dela na vassoura, a mão esquerda já segurando na cintura dela, enquanto a direita mantinha a bengala firme, paralela ao cabo da sua Nimbus S300.
O ar gélido o atingiu carinhosamente quando Jéssica decolou, e ele teve de segurar-se ainda mais nela, não com arrependimento por não ter se agasalhado antes de partir, porém com a quase-certeza de que um resfriado viria já no dia seguinte.
A Polióloga era, de fato, muito boa pilota. Conseguiu atingir uma ótima velocidade, e desviava das nuvens e aves com maestria. Harry surpreendeu-se ao ver que ela chegara quase no mesmo tempo que ele usava chegar.
--Onde você estava, hein? -- Curts perguntou, já esvaziando sua xícara de café-com-leite.
--Estava...-- Ele hesitou, mas não conseguiu pensar em nada engraçado ou humilhante para falar – Dormindo. O que houve com a paciente?
--Vomitou sangue.-- Jéssica respondeu, depois de guardar a vassoura dele no escritório, ao lado da salinha com a lousa em cuja sacada eles haviam acabado de aterrissar.-- Já te disse isso, não?
--Ah, é. -- Lembrou-se ele, sentando-se no sofá de couro, os olhos percorrendo tolamente a mesa de vidro, de onde há muito Taylor removera um crucifixo de cristal. -- Do que vocês acham que é o sangue?
--Eu ia dizer que o Celifórmio estava agindo de modo variado quando chegou em seu estágio final, mas deu negativo para os esporos do fungo...-- Park falou; De todos era, com toda a certeza, o mais bem-disposto.
--Então, voltamos ao problema da auto-regeneração. Aliás, o que deu lá no ministério?
Curts o mirou com um pouco de satisfação: Mesmo que Harry não gostasse muito dele, era evidente que necessitava das suas informações.
--Sem chances de ter sido criminoso. A confirmação do prior incantato saiu hoje de manhã, e foi a varinha dela mesma que produziu o fogo.
Harry ouviu, e seus pensamentos o levaram longe... Depois de um tempo, lembrou-se de que devia dar as ordens.
--Uma velha infeliz tenta se matar, mas, como não sabia, possuía uma herança genérica que a impedia de morrer.
--Talvez ela soubesse e quisesse testar se o fogo maldito funcionava. Ela não respondeu nada sobre a regeneração celular quando perguntamos, mas não pareceu surpresa à menção do problema.
--E agora temos o sangue no vômito, que não tem nada a ver com Celifórmio, que deu negativo.-- Harry comentou.-- Então, temos um problema. Acho que o que está acontecendo é que ela possuía algo dentro dela que impedia que ela morresse, mas, ao que tudo indica, era algo do ambiente, já que perdeu esta capacidade de se curar assim que se mudou para o hospital.
--Duas doenças separadas de novo? -- Curts implicou
--Quem mencionou duas doenças? Só ouvi uma, a outra seria mais uma dádiva.-- O chefe riu.
--Tirando o fato dela ter perdido a dádiva quando deixou a casa, parece-me mais uma desgraça... Nem ela gostava.-- Retrucou o negro.
--Então, como está tão interessado, talvez pudesse dar uma boa pesquisada no histórico da paciente... Park pode te ajudar, esta é uma tarefa divertida, bancar o detetive.
Os dois assentiram.
--Procurem tudo que relacione a família dela com outras espécies de animais mágicos ou que mencione feitiços experimentais executados nela, pais ou avós. Jéssica, teste para as tradicionais doenças relacionadas com o vômito no sangue, sangue no vômito, qualquer coisa que não passe deste nível de abstração. Tenho que ir para aquele inferno da clínica...



—Um minuto da atenção de todos, por favor. — Harry pediu, já em pé sobre uma cadeira, no meio de todos os pacientes que aguardavam sua consulta na Clínica do hospital. — Gostaria de lembrá-los que o Saint Mungus preza ao máximo a opinião dos pacientes em relação a seus médicos. Como valorizamos o contato pessoal, qualquer reclamação, exortação ou crítica deve ser feita diretamente no segundo andar, na direção. — Ele viu um vulto alto e loiro se aproximar da porta automática de vidro que conduzia ao recinto donde estava. — Lembrem-se disso, a doutora Taylor terá extremo prazer em ouvi-los, não importa quão longas sejam suas reclamações, tampouco a quem — ele apontou para si mesmo — se referem. Obrigado, e agora, saboreiem esta maravilhosa e acalorada discussão que iniciará em três, dois, um...
—Em que diabos está pensando? — A diretora do hospital falou em voz alta, com um tom de bronca.
—Ah manhê! Não faz perguntas difíceis! — Reclamou, ainda com sarcasmo — Só estava lembrando-os do direito que têm de expressar-se.
—Acho que está mais para o direito que você tem de me atormentar.
—Não, o direito que eu tenho de receber um salário justo. O direito que meus pacientes de verdade têm de ter-me sobre seu caso vinte e quatro horas por dia.
—Você quis dizer quatro horas por dia, eu acho... Esqueceu de descontar o tempo em que dorme, come e toma remédios aleatórios.
—Ha-há! Você me pegou nessa. Vou consultar minha velha amiga, a senhora... — Ele espiou o nome da primeira paciente na capa da ficha médica. — Young, mas depois que voltar da consulta eu prometo que vou retrucar à altura.
Ela virou os olhos para cima, impaciente, enquanto ele repetia o nome da paciente em voz alta e entrava no consultório. Logo atrás dele entrou uma mulher morena, extremamente malcuidada. Sobre sua calça de cintura baixa, manchada em vários pontos, dobravam-se algumas camadas de tecido adiposo abdominal acumulado. Seu rosto apresentava sinais de cansaço muito nítidos, e seu buço há muito não passava por uma depilação.
—Oi.— Ela falou, já sentada na maca.
—Oi.—Harry respondeu, sem interesse.
—Estou aqui para resolver um problema.
—Acho que todos estão. —Comentou, alheio a tudo ali.
—Sabe, é que eu Flauto muito.
A palavra arranhou os ouvidos de Harry, que percebeu a falha tentativa de utilizar termos técnicos.
—Desculpe, o que disse?
—Aquela coisa dos... Ah, como é mesmo a palavra? — Ela perguntou, o rosto agora suando.
—Gases? — Ele falou, entediado.
—Sim! É isso aí! Meu problema é que tenho muitos gases.
—E por que veio aqui? — Harry questionou, absorto com algo no teto do consultório.
—É meu marido, ele foi internado por causa disso.
Harry baixou os olhos para ela então.
—Ah, isso é interessante... Não sei se pelo fato de você ter um marido ou pelo fato dele ter sido internado pelo seu peido... Mas me conte, como foi que aconteceu... De ele ser internado.
—Ah, nós dois dormimos juntos, sabe, e ele teve uma crise séria durante a noite. Acho que meus... Como é mesmo?
—Gases.— Ele se irritou.
—Meus gases, acho que são venenosos.
Harry passou da irritação ao divertimento, mas este último não demonstrou.
—Acho que não são venenosos. Mas quais os sintomas do seu marido?
—Ah... O médico disse que ele vomitou as tripas... — Ela respondeu, nitidamente com uma imagem banhada de sangue e carne moída se formando em sua cabeça.
—Tem certeza de que ele não usava apenas uma força de expressão? — Harry perguntou, agora nem sabendo se ria ou chorava. A mulher demorou tempo demais para respondê-lo, o que o deixou com a forte impressão de que ela não conseguira processar a pergunta.
—Vou encaminhar você para nossa nutricionista... E acho que você deveria procurar por uma psicóloga, também... O Estado está promovendo um curso de alfabetização de adultos, talvez fosse bom você freqüentá-lo... — Falou, levantando e saindo sem mais rodeios. Entregou a ficha com encaminhamento à enfermeira japonesa e idosa e procurou uma nova pasta para pegar, mas alguém o chamou. Taylor estava ali ainda, desta vez acompanhada por Curts e Park.
—Você não vai acreditar... Descobrimos uma coisa incrível sobre o caso, a Patrícia na verdade...
—Não aqui. — Ele repreendeu, mas a frase soou exatamente como o “Não na frente dela” que ele tencionava dizer, principalmente por que ele a indicou disfarçadamente com o olhar. — Então, adorada chefa, você pode permitir que minha humilde pessoa vaze da clínica?
—Ah, vai. — Ela desistiu.— A propósito, você não tinha uma resposta a me dar? Algo para abafar minhas acusações a respeito de você ser um egoísta preguiçoso?
Ele olhou-a, sério desta vez.
—Acho que posso fazer algo melhor do que isso.— E ele indicou a mulher obesa que saía do hospital. Como se tivessem combinado o que se seguiu para impressionar Taylor, a mulher demorou trinta segundos para cruzar a porta automática, receosa de algum novo derramamento de sangue e tripas.
—Ajudar pessoas, o que pode ser melhor para um médico? — Ela indagou, os olhos verde-acinzentados encarando-o.
—Ajudar pessoas que não precisam de ajuda — só de atenção—, o que pode ser pior para um médico? Um terço desse povo pode encontrar a própria cura sozinho. Outro terço pode muito bem simplesmente procurar um analista... Por que eu?
—Por que não você? — Ela devolveu com outra pergunta. Ele deu meia-volta, girou a bengala e foi na direção das escadas.
—Por que não me dar as chaves do elevador? — Perguntou, sem esperar para ouvir a resposta. — Onde está a Jéssica? — Indagou aos outros dois.
—Fazendo os últimos exames, mas acho que não vai encontrar nada: Já descartou a doenças mais comuns, agora só sobraram as exóticas.
—E vocês, o que acharam de tão especial? Uma varinha enfiada no...
—Ah, espere e verá.
Eles entraram no escritório e pegaram alguns documentos recém-impressos. Jéssica chegou alguns segundos depois.
—Esse é o primeiro certificado de compra da casa dela, pela empresa FNT Limitada.
—O que tem isso? — Harry falou o que Jéssica já estava pensando.
—Outro terreno em Vila Duende foi comprado para ser sede da NFT. Este, por um acaso, era do marido de Patrícia, Newton Wolf.
—Não vejo nada ainda...— Jéssica comentou desta vez.
—O local era utilizado para o centro de pesquisas de um bruxo, que utilizava Newton Wolf como pseudônimo... Patrícia é, na verdade, Perenelle. Perenelle Flamel.
—Flamel... — Jéssica repetiu, estupefata.
—Perenelle tem mais de setecentos anos...
—Sem chances! A pedra foi destruída há anos...
Harry não queria ter dito aquilo alto, mas saiu sem querer.
—Então é verdade? — Curts perguntou, interessado. — Todas aquelas histórias que eu ouvia quando criança... A Câmara dos Segredos, a Varinha Anciã...
—Na verdade, acredite em mim, metade do que contam foi mais entediante do que parece. Em todo o caso, vasculhem a casa dela, ou o que sobrou daquilo...Procurem por tudo, qualquer coisa interessante...
—Tipo a Pedra Filosofal?— Park perguntou, ansioso.
—Se você não achar nada mais interessante que ela, pode ser sim... Se bem que dinheiro infinito e vida eterna devem ser meio chatos...
Todos viraram as costas para sair.
—Curts, acho que você fica, desta vez. Procure envenenamento por Gel-Vivo, um dos componentes da substância usada para combater o Fogo Maldito... Ele foi proibido há anos, mas pelo jeito Vila Duende ainda não teve a iniciativa de começar a usar substâncias que não prejudicam a saúde...
Curts concordou, pensando no por que o Gel-Vivo não passara por sua cabeça. Harry também mantinha tais pensamentos, porém com muito mais preocupação. Quando o negro saiu, ele virou dois comprimidos de oxicodona de uma vez só, na esperança de que o joelho parasse de doer. Seu celular apitou, e ele irou-se ao ler a única palavra existente na mensagem de Taylor: “Clínica!”.


—Então, qual seria o problema com o seu filho? — Harry perguntou, com a expressão facial de quem estava começando a ficar de Mau-Humor. Seria o quinto paciente do dia, já... O quinto sem doença alguma, provavelmente.
—Ele está com uma pinta azul nas costas.
Harry abriu a boca, agora com o reflexo de um sorriso.
—Por favor, diga que você já se certificou de que não é uma mancha feita de caneta ou um pedaço de massinha...
—Claro, é uma pinta com certeza... Está prestes inclusive a criar um volume para fora, eu sinto o relevo...
—Muito... — Ele sorriu. — Muito obrigado. Estava precisando de um paciente realmente doente, ou ia ingressar em uma crise existencial nível três... Aquela que nem o traseiro da sua chefe ajuda a superar...
—Então, é grave? — Ela perguntou, com um tom de desespero.
—Não, não, não. É um adoma tipo Delta, não é grave.
—Ah, aqueles tumores de magia?
—Exato. Podem se manifestar como pintas de qualquer cor, e mais tarde tornam-se nevos ou verrugas. O tipo Delta só libera magia para o exterior, não para dentro do corpo, por isso não gera nenhum problema, exceto talvez por aí mais para frente ou pelo aspecto visual... A cirurgia de extração é bem simples, não há corte... Posso agendá-la para semana que vem.
Ele preencheu a ficha de encaminhamento de cirurgia.
—O senhor mesmo vai fazer, não é?
Ele parou, olhou para ela com curiosidade e pensou. Abriu a boca para dizer “Não”, mas um “Sim” lhe escapou, exatamente como o comentário sobre Flamel e a Pedra, exatamente como lhe escapara da mente o Gel-Vivo e o fato da paciente ter vomitado sangue.
Entregou a ficha para a mulher e correu para o banheiro, a ânsia de vômito aumentando... O que estava acontecendo com ele? O joelho o derrubou a meio metro da porta do sanitário masculino e ele vomitou ali mesmo. Sentiu um alívio imenso, seguido de uma ferroada drástica no interior do cérebro, a cabeça agora latejava com extrema intensidade.
Perdeu brevemente a noção de tempo e espaço, então seu cérebro pareceu ficar em ordem.
Harry levantou-se sobre a bengala, as pernas ainda meio frouxas. Executou um aceno com a varinha, que fez a sujeira desaparecer, e caminhou na direção do escritório, respirando ofegante e suando frio. Sentou-se no sofá de couro, as palavras na lousa pereciam manchas de óleo preto-e-vermelho num mar muito branco e luminoso. Aos poucos, as coisas foram se normalizando, as sensações básicas do corpo dando espaço às idéias mais avançadas. A pergunta não era outra se não o porquê dele estar daquele jeito. Veneno no café? Intoxicação no apartamento? Imaginou Taylor colocando algo no Ar Condicionado do consultório que gentilmente lhe cedera, mas logo jogou a idéia fora, rindo de sua insensatez.
—Está muito avançado, não dá para cessar o envenenamento, já chegou ao estômago, pulmão e cérebro, ela estava tossindo sangue agora a pouco... — Curts acabara de chegar.
—E o que ela disse sobre o elixir?
—Pelo jeito não sabe de nada mesmo. O Flamel fez o serviço bem, ela não se lembra de nada entre os trinta anos e o momento em que foi morar na casa... Para ela era tudo contínuo...
—E agora ela vai morrer também...
O negro teve uma idéia repentina.
—Eu estive pensando... O elixir da vida... Daria a vida eterna a quem o bebesse com constância, não? Mas é só isso, digo... Nunca ouvi falar em regeneração nem nada assim...
—Pensei muito nisso no passado, cheguei à conclusão, naquele tempo, de que a pedra faria um elixir exatamente como o que nós encontramos agora... Algo que não só impedisse “morte morrida”, mas também “morte matada”. Afinal, Flamel viveu seiscentos e tantos anos possuindo fonte infinita de dinheiro... Parecia-me impossível que ninguém tentasse roubar a pedra dele, o que levava à conclusão de que haviam tentado fazê-lo...
—A pedra foi destruída. — Falou Park, que recém entrara no escritório.— Flamel colocou-na na caixa d’água, toda a água da casa era puro elixir da vida... A caixa estava enfeitiçada para não abrir, e os documentos da casa proibiam sua venda... Era um aquário: Ela não podia sair, não podia morrer...
—Então ela morre.— Harry falou, sádico, já em pé e preparado para falar com a paciente.— Em qual enfermaria ela está?
— “M”. Vai sozinho? — Jéssica perguntou.
—Acho que desta vez vou. —Ele respondeu, já no corredor.— Sra. Wolf?— Chamou, então, assim que entrou na enfermaria fechada.
A velha senhora entreabriu os olhos.
—Você deve ser o Dr. Harry... — Comentou, os olhos piscando, refletindo sua fraqueza.
—Sim. — Ele concordou, sentando-se numa poltrona. — A senhora não tem parentes que a possam acompanhar, agora?
Perenelle Flamel o mirou com amargura.
—Você sabe quantos anos eu tenho, não? Sou filha única, não tenho filhos ou marido... O doutor já deve saber o porquê, a essa altura...
Ele associou a vida da mulher com a sua por um breve momento.
—Você se regenera. Não suporta a idéia de ter de enterrar seu marido, com toda a certeza. Nunca se perguntou Por Que? Nunca quis saber como adquirira tais características?
—Não só me perguntei isso como também me consultei com diversos médicos diferentes... Coisa estranha, era, pois horas depois, quando eu chegava no hospital da vila vizinha, os efeitos pareciam passar... Bem quando eu estava cara a cara com o médico... É como se a doença quisesse se esconder...
—Você se lembra de ter sofrido algum acidente nos trinta primeiros anos de sua vida? Algo que a tenha feito perder a memória, algo assim?
Ela abriu parcialmente a boca, pensativa.
—Ah, não sei, sinceramente. Meu cérebro não me ajuda nada, em termos de lembranças... Acho que já nasci assim...
Harry esboçou um sorriso.
—Você gostaria de ouvir uma história, agora? Uma história sobre magia, amor e segredos?
Ela sorriu afavelmente para ele, seus olhos eram de um azul quase tão branco quanto seus cabelos.
—Acho que já estou bem velhinha para histórias...
—Mas esta é uma história real...
“Muito, muito tempo atrás, um homem de nome Nicolau Flamel, já quase um coroa, conhece a bela Perenelle, por quem se apaixona. Perenelle se casa com ele, sem saber que ele escondia um grande segredo... Ele havia conseguido o que nunca nenhum bruxo conseguira: produzir a Pedra Filosofal. Com esta pedra, poderia transformar qualquer metal em ouro, além de conseguir produzir o elixir da vida.
“Anos se passam, Perenelle descobre o segredo de Nicolau, este constrói diversas firmas e empresas sob um pseudônimo, com o objetivo de seguir com a pesquisa mágica, em enormes escalas. Muitas décadas depois, porém, Flamel descobre que a Pedra precisa ser destruída, e que ele e Perenelle não têm outro destino que não a morte.
“Mas ele jamais consegue destruir a pedra. Considerando que sua morte seria prova cabal e incontestável da destruição de sua mais maravilhosa e terrível invenção, Flamel Toma todas as providências necessárias para que seu grande amor ao tenha de partir com ele. Dá a ela uma nova identidade, a de Senhora Wolf, assim como seu antigo pseudônimo o nome de uma bruxa qualquer...”.
Patrícia olhava com uma curiosa expressão para Harry
—Ele compra uma casa para Perenelle, que agora se chama Patrícia, coloca estrategicamente a pedra na caixa d’água, põe alguns empecilhos na venda da casa e parte desta vida logo depois de apagar completamente da memória da esposa a sua existência. Ela nada pode lembrar além do período de seu nascimento até o dia em que Perenelle e Nicolau se encontraram...
Aquela senhora derramou uma solitária lágrima cristalina. Harry viu um filete muito fino de sangue escorrendo de seu ouvido.
—Então, já fui amada desta maneira? — Questionou.
—Talvez até mais. — O médico assegurou-lhe.
—No início achei bom... Vi que não podia morrer, vi que era para sempre, vi que podia fazer o que quisesse... Ledo engano o meu... A vida se resume em muito mais do que viver... A morte também é uma fase... Uma fase que todos devemos enfrentar... — Isso fez os pêlos da nuca de Harry se arrepiarem. A imagem clara de seu Eu pré-adolescente deitado em uma cama de enfermaria se formou em sua mente, Alvo Dumbledore citando a afirmação que Flamel fizera sobre isso. A afirmação que Patrícia nunca se lembraria de ter ouvido, mas repetia com tamanha semelhança que era possível jurar que a memória não fora apagada totalmente.
—Não acha que poderia ter vivido mais?
—Ah, que imprudência a sua... Ainda nem me disse o que tenho, mas já faz claras insinuações de que estou com a morte atestada... — Ela riu, e seu nariz sangrou também. — Em todo o caso, viver sob determinadas condições pode não ser o sonho de algumas pessoas. Além disso, sessenta e dois é um tempo bom... Para mim já bastava. Agora descobri que na verdade tenho muito mais... Aliás, antes que eu me vá, quantos anos eu tenho?
Ele não pôde deixar de sorrir, um feito particularmente anormal.
—Mais de setecentos.
—É mais do que suficiente.— E então ela voltou a Flamel.— Pena que ao me lembro dele... Você poderia de dizer como ele, para encontrá-lo no paraíso...
—Não faço nem, idéia... Mas ele saberá como você é...
Ela pensou por um tempo, e seu sorriso murchou.
—Ele não virá me procurar...Não estará esperando por mim... Foi bastante precavido para que eu nunca...
Harry concordou, sem mais sorrir agora.
—Mais uma hora e você não agüentará... Seu cérebro está sendo corroído por um componente mágico da pasta que usaram para apagar o Fogo Maldito... Você terá espasmos quando o fim se aproximar... A doença está avançada demais para uma cura...
—Vai ter dor? — Ela perguntou, ignorando qualquer menção à uma possível cura, que, harry sabia, teria sido efetivada se não fosse o diagnóstico tardio.
—Não. — Ele mentiu, injetando uma alta dose de morfina no soro dela, obviamente letal. — Diga a Flamel que a pedra está destruída, quando encontrá-lo...
Falou intuitivamente, e, no segundo seguinte, lembrou-se de que não acreditava em nada daquilo.


—Então, você toca o violino? — Jéssica questionou, assim que Harry trouxe a pizza que recém chegara.
—E o baixo.— Acrescentou, indicando o com o olhar o outro instrumento sobre o armário. Ao lado dele, repousava o vidro fechado e vazio em que deveria haver um piolho infectado pelo Mal Sombrio. — A pizza saiu por doze pratas.
—Ah, eu ganhei, lembra? — Ela falou, lembrando-lhe (como se ele tivesse mesmo esquecido) da aposta feita sobre a corrida com a Nimbus.
—Não valeu! Eu estava passando mal na hora em que pilotei.— Ele falou sem querer. Novamente estava acontecendo: Ele falava sem pensar, por impulso.
—Sem desculpas, você perdeu.
—Ah, ta bom, eu perdi...
—Você não consegue ganhar nada, afinal... Nem da Taylor você ganha... O negócio da clínica vai continuar do jeito que está, não?
—Não, é só questão de tempo... Em todo o caso, eu ganhei sim...— Harry a olhou com uma expressão que ela ao conhecia.
—Talvez... — Ela tomou um gole de vinho. — Mas talvez uma batalha, mas não a guerra.
Ele riu e mordeu um pedaço de pizza de escarola. Seu estômago deu um solavanco, a cabeça girou, ele sentiu a mesma ânsia de vômito daquela manhã.
—Lá vou eu de novo... — Ele brincou, correndo para o banheiro. Vasculhou sua mente à procura de um diagnóstico plausível, enquanto se recompunha, fraco, da crise de vômito.
Num insight quase maníaco, ele vasculhou o armário sobre a pia, procurando algo que só suas mãos suadas sabiam o que era. Encontrou o vidro de Oxycontin que Wilson lhe receitara no mês passado, e despejou alguns comprimidos em sua mão esquerda. Tirou do bolso o frasco que estava tomando nos últimos dias, e despejou os comprimidos junto aos outros. Só então percebeu como fora estúpido.

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.