Os Sete Princípios



O guarda suíço Joseph Lindermann olhava, com tédio, para frente, como fora orientado a sempre fazer. Permanecer imóvel, sendo observado pelas centenas de pessoas curiosas, era algo que não lhe trazia conforto.
“Pelo menos essa roupa é quente...” Pensou Joseph, sentindo as orelhas aquecidas sob o fofo e alto chapéu preto. Seus pés, já acostumados com os anos de serviço, não chegavam a gritar de cansaço, como no início de sua carreira.
—Ei, guarda, você pode pegar minha moeda que caiu ali? — Perguntou um garotinho gordo e baixo, cujo rosto era coberto de sardas e sustentava um nariz de corço que escorria. Seu sorriso, metalizado pelo aparelho, era o de alguém que possuía cáries demais e dentes de menos.
Joseph ignorou o pedido malicioso: Era sempre comum algum desocupado tentar forçá-lo a se mexer, pegá-lo desprevenido... Aquilo fazia parte do seu dia-a-dia, e era inútil reclamar com seus superiores: Fora assim com seu pai e com seu avô, e provavelmente seria assim com Lawrence, seu filho, se ele, como dizia em suas histórias infantis e extensas narrativas de sonhos, se tornasse um guarda suíço também.
“E aí vêm os turistas...” Falou mentalmente, ao ver o casal de orientais se aproximando. A mulher ordenou ao marido que ficasse ao lado de Joseph, ao que pareceu a ele, pois o chinês caminhou — xingando um pouco, em sua língua, a insistência da esposa — e parou ao lado do guarda. Então a mulher se dirigiu a Joseph, primeiro em chinês, mas então o marido a repreendeu, e ela tentou falar em inglês.
—Você poder andar mais pala dileita?— Perguntou ela. Joseph manteve-se imóvel, agora com um pouco de pena dos dois.
A mulher achou que o guarda não tinha entendido, porém não se deu ao trabalho de repetir, andando alguns passos para trás, a fim de focar o guarda e o marido sem perder o monumento atrás deles. Quando ela olhou na tela de plasma da moderna câmera digital, todavia, não pode ver o mais baixo dos dois homens.
—Lang? — Perguntou, baixando a câmera. Joseph sentiu algo golpear sua perna com força, e espiou com o canto do olho o turista, mas ele não estava do seu lado, quando olhou para baixo, então, sentiu um frio na barriga ao ver o que ocorria com o homem.
Lang Shay estava caído no chão, os olhos abertos como se tivesse sido eletrocutado, o corpo se debatendo horrivelmente. Sua esposa tentou ajudá-lo, segurando seus braços, mas a violência dos movimentos tornava-o quase incontrolável.
—Ajude! — Ela suplicou a Joseph, mas ele nada poderia fazer. O Sr. Shay deu uma investida forte contra o solo, e ficou suspenso no ar, a uns cinqüenta centímetros do chão.— Por favor!
Ele não soube o que fazer; O chinês ficou se debatendo ali, sem salvação, seu rosto já ralado e sangrando de tanto raspar na calçada... Joseph vislumbrou em sua consciência a figura de seu filho, Lawrence, contando-lhe como queria pegar ladrões, salvar inocentes...
—Segure deste lado, Senhora, eu vou segurar aqui. — Ele respondeu, decidido, sem tentar imaginar as conseqüências de seus atos para sua carreira. — Se puder ligar para sua embaixada...
—Obligada— Ela falou, pegando o celular enquanto se debruçava sobre o corpo do marido, que ainda lutava, fazendo movimentos bruscos, pesados e violentos, num incessante ataque epilético....


[b]HARRY, M.D.
05. OS SETE PRINCÍPIOS[/B]



Harry Potter caminhava rápido pelos corredores do St. Mungus, a bengala lustrosa emitia sons abafados enquanto ele andava, batendo-a com força conforme dava seus passos longos pelos corredores.
Abriu a porta de seu escritório distraído, fingindo que não via sua equipe parada na sala ao lado, onde aguardavam-no sentados.
—O que você acha que ele tem? — Sussurrou Jéssica Spencer para Daniel Park. — Parece meio alegre... Há dias que está assim.
—Não sei... Ele pendurou a jaqueta e guardou a vassoura. — O loiro narrou.
—Que vassoura, hein? — Ela falou, atraída pela Nimbus S300. Park a olhou com um sorriso malicioso na face. — O quê? Ah... Eu sou uma viciada em quadribol...e é uma vassoura muito bem-cuidada.... Pelo jeito ele fez alguns aperfeiçoamentos nela... O revestimento em ouro das cerdas deve ter sido caro...
—Ih, ele pegou um envelope!— Park sussurrou. Jason Curts, o Cardiologista negro e musculoso, riu da tentativa falha dos dois de entenderem os atos do médico.
—É o salário dele. Aqui no St. Mungus eles estão pagando em papel para que possamos trocar em dinheiro trouxa e bruxo, conforme nossa necessidade... Essa mistura de moedas nunca me agradou... Deixa qualquer um confuso. —Falou, estragando com a “investigação” deles.
—Xi... Pela cara dele não ficou muito satisfeito...— Park continuou, ignorando a explicação de Curts.
—Droga, está vindo para cá. — falou Jéssica, abrindo o envelope com a ficha do paciente e fingindo que lia.
—Bom dia garotos! Que bom que passaram o café. O que mandam? — Falou, visivelmente insatisfeito, porém bem calmo.
—Trinta e cinco anos. — Jason Curts começou.
—Ótimo. Sete vezes cinco dá trinta e cinco... Algo mais? — Perguntou, escrevendo a conta no quadro branco.
—É um turista chinês, veio com a esposa passar alguns dias aqui.
—Turista, sete letras, algo mais?
—Ele estava com um guarda suíço, tirando fotos, quando teve um ataque epilético fortíssimo.
—E-pi-le...—Ele contou as letras — Tá, esquece. Administraram carbamazepina?
—Sim, até agora não teve novos ataques.
—Mas ele tem histórico de epilepsia na família?— Perguntou, com tédio. — Aliás, por que me mandam um idiota, quer dizer, um imbecil, é melhor por que se encaixa no quadro de sintomas pelo número de letras. Mas o caso é: Para que a Taylor foi me mandar um epilético? Já cumpro clínica demais... Aliás, falando nela, seus salários chegaram certos?
—A embaixada chinesa fez questão de que ele fosse curado antes de voltar ao país, então a Taylor o mandou para você... E os salários não chegaram ainda... — Curts falou, e os outros assentiram — Faltam dois dias para fazer um mês que fomos contratados, deve sar daqui a uma semana, um pouco mais eu acho... Por quê?
—Curiosidade. Então, vou falar com a Taylor... —Ele saiu, com a bengala ainda fazendo barulho no piso do hospital.
Os três se entreolharam atônitos.
—O que ele espera que façamos com o paciente? — Park perguntou, e os outros dois deram de ombros.
—Ah, a propósito... — Harry acabara de voltar pelo corredor. — Procurem por Traumatismo, Tumor, infecções, meningite, cisticercose, Heinns... E Histórico familiar. Pronto, deu Sete. Até mais... — Completou, e saiu exatamente do mesmo jeito com que saíra na última vez.
—Isso é estranho. — Jéssica afirmou, meio assustada.


—E você, se sente qualificada para o cargo?— Catherine Taylor perguntou a uma jovem ruiva muito bonita. — Creio que precisaremos de muita eficiência no serviço de advocacia do hospital... Principalmente graças ao...
A porta se abriu de súbito.
—Você está vestida? — Perguntou a voz do Dr. Harry, escorrendo sarcasmo. Ele tapava infantilmente os olhos, espiando por uma fresta enorme entre o dedo anelar e o médio.
—Não, estou completamente nua. — Taylor falou, e ele tirou a mão de imediato.
—Ah, você quase me enganou. — Ele caçoou — Em todo o caso, quem seria a nossa visitante?
—Cassandra Gordon. — A moça apressou-se em apertar a mão do médico.
—Harry — falou, olhando diretamente para o decote dela — Harry Gordon. Será que não somos parentes? Primos, talvez...
—Ah, pode ser...— Ela hesitou, sorridente.
—Então, srta. Gordon, era exatamente ao Dr. Harry que eu me referia... Necessitamos de um bom advogado, que possa defender o St. Mungus se algum médico cometer alguns erros de conduta, usar técnicas ilegais, ingerir drogas, chantagear médicos, etc...
—Ou se Wilson matar algum paciente, também. — Ele comentou — Mas não aceite o emprego antes que ela assine algum papel... Seu salário pode aparecer pela metade do combinado sem explicação nenhuma...
Taylor ficou vermelha. A garota, por sua vez, empalideceu de leve, um tanto assustada.
—Já está na hora de eu ir, Dra. Taylor... Mas volto a ligar para saber como eu me saí...
—Não se preocupe, eu ligo...— A loira ficou sem jeito. Esperou a garota sair para falar novamente com Harry. — Que diabos foi isso? Há semanas procuro um advogado, e quando vem um você o espanta assim?
—Desculpe. Nome feio, seios fartos... Fiquei indeciso. Se me der o telefone dela posso tentar fazê-la mudar de idéia... Se ela mudar de nome antes, é claro.
—Claro, já vou te passar... – Ela falou, sem ameaçar pegar numero algum.
—Que foi que você fez com o meu salário? Cortou de malvada? Ou pagou a outra metade diretamente ao meu Alter-Ego?
—Você tem três lacaios, vinte e cinco por cento do salário de cada um é você quem paga, já desconta um bom tanto... Sem contar as despesas dos dois que você dispensou, e os buracos na clínica...
—Não vou pagar vinte e cinco por cento de ninguém. E não matei clínica alguma; Você fumou erva ou algo assim?
—Você vai pagar o quanto for necessário para eles... Eles trabalham pra você, eu é que não vou pagar tudo sozinha”. — Ela riu: Parecia algum tipo de vingança.
—E a clínica?— Ele indagou indignado
—Quem cobriu suas horas quando cuidava dos seus casos separados? Só no último paciente foram dois dias inteiros!
—Eu estava trabalhando! É igualmente justo que eu ganhe horas extras por isso!
—Você já não tem dinheiro o suficiente?— Perguntou, e ele não respondeu por saber que era verdade. — Se está me importunando apenas por importunar, acho que fazia melhor quando pedia o remédio para dor... Já desistiu desse?
Ele se levantou com um sorriso enviesado no rosto, segurando-se para não contar.
—Talvez... —Ele mancou, sentindo o frasco do Oxycontin chacoalhar, próximo à sua coxa esquerda — Mas se faz questão, eu continuo te enchendo... Agora por um e pelo outro... — Ele riu, e caminhou para fora.
O escritório de Wilson ficava pouco mais além, próximo aos elevadores das emergências, que, para o azar de Harry, eram trancados por chaves que ele não possuía.
O médico não bateu na porta do escritório, não falou nada a Wilson quando entrou, e tampouco cumprimentou o pequeno paciente ou sua mãe, que se sentavam à frente do oncologista. Deitou no sofá de camurça muito confortável, ao lado das poltronas, e ficou a observar o escritório com mais atenção: Tudo lá era marrom ou de madeira, dando a impressão de ser um local rústico e antigo.
As paredes apresentavam alguns quadros bem-humorados, nada que se movesse, e diversos diplomas e certificados.
—Doutor, por favor, acabei de me lembrar... Ele anda sentindo muita, muita dor de cabeça... O senhor teria algo a receitar para que eu pudesse dar para ele? — A mãe pediu; Sua voz tremia de tristeza. Harry entendeu o por quê assim que viu alguns dos exames, sobre a escrivaninha de Wilson: O garoto possuía um tumor no coração, que ia comprimindo boa parte do órgão. A mulher tornou a olhar Harry, com desconfiança.
—Quem é ele? — Perguntou ela a Wilson.
O oncologista pensou por um tempo.
—Ah, é ele quem vai solucionar o meu problema com a receita do seu filho... Brian não vai mais sentir dor.— Wilson falou, olhando para o garoto adormecido nos braços da mãe. — Vou receitar um analgésico, e algo mais para facilitar o sono dele também... E então, quando fizermos a biópsia e os testes, veremos se é... Operável. — Completou, com pesar. A mulher chorou muito, como era comum ocorrer nesses casos. Wilson ditou os remédios para Harry, entregou as receitas para ela e abraçou-a.
A mulher foi e abraçou Harry também, desesperada e triste. Harry tentou dizer que não tinha feito Ada demais, mas Wilson o calou com o olhar. Ela saiu, ainda triste, do escritório, levando o filho no colo e todos os papéis de exames na mão livre.
—Ela não tinha a menor esperança... Esse tumor, não há como operar, é impossível... São Sete chances em Sete milhões. — Harry falou para Wilson.
—As pessoas precisam de fé... É o que as faz querer lutar... — Ele falou, intrigado. — Você percebeu que quando não abre a boca para dar sua opinião os pacientes gostam de você?— Wilson perguntou, ainda pensativo.
—Ela estava desesperada...
—Você não aprecia a idéia de ser apreciado...
—Gosto de remédio para dor em troca das minhas benfeitorias.
—Me dá o bloco. — Pediu Wilson
—Já ouviu falar em Arcoxia? — Perguntou Harry, distraído.
—Ah, por favor! — Wilson falou — Cada hora você chega com uma nova! Vai querer que eu injete morfina em você, daqui a pouco... Oxycontin, 10 mg. Mas se controla nas doses...— O oncologista alertou, sem nem saber que Harry já possuía um estoque do mesmo comprimido no bolso da calça, graças ao “suborno” pago ao rapaz que consultara na semana anterior.
—Obrigado, Wilson... Aliás, me diga uma coisa... Para onde dá essa sacada aqui? — Ele perguntou, ao ver que a área ao ar livre do amigo mostrava quase a mesma paisagem que a parte lateral da sacada de seu próprio escritório.
—Até onde eu sei é ar...— Respondeu, pasmo. Harry, porém, já saíra lá fora, levantara um pequeno objeto da mesa de Wilson com a varinha (uma espécie de sapo de cristal muito feio) e deslizou-o por um largo parapeito que levava até o fim da construção do St. Mungus. — Que é que você...?
—Volto já. — Falou, correndo de modo torto para fora do escritório do amigo. O Dr. Wilson teve de esperar poucos minutos antes de voltar a ouvir a voz de Harry, que vinha, porém, de um local muito longe da porta.
—É seguro! — Falou o médico mais velho, que se esgueirava pelo parapeito da janela trazendo de volta o sapo deformado de Wilson na mão — Não há perigo algu... — E então ele caiu, tão leve quanto uma pedra.
O oncologista congelou no local por um momento, e então correu até a porta da sacada, desesperado com a queda do amigo. Ouviu o sapo chocar-se com o chão e estilhaçar em mil pedaços, mas então, antes dele chegar até a beira da laje, levou outro susto, pois Harry acabara de surgir em sua frente, flutuando no ar.
—Aquele sapo era muito feio. — Falou o médico mais velho, que acabara de aterrissar com segurança no escritório de um Wilson de peito arfante.
—Vá- para- o- inferno! — o oncologista ofegou.
—Precisava destruir aquele negócio... Por que guardava aquilo, presente da sogra?
—Uma paciente... Eles costumam dar presentes, quer dizer, isso quando eles gostam dos médicos.
—Um sapo feio em troca de uma vida... Troca injusta.
—Ela morreu, se quer saber... Mas acho que há coisas que não foram feitas para que você entendesse, mesmo...
—Como o por quê da Taylor não descontar o salário dos seus lacaios do seu salário? Do meu ela descarta... — Falou ele, distraído.
—Não, acho que isso foi feito para que você soubesse. Eu não tenho lacaios. Diagnostico cânceres, acho adomas, faço biópsias, essas coisas.
—E pega clínica? — Harry tentou cavar alguma afirmação da injustiça de Taylor.
—Algumas horas.
—Você ganha separado como oncologista e na clínica? — Ele fechava o cerco.
—Sim, mas...
Então o celular recém comprado pelo hospital para ele, apitou alta e sonoramente. Ele leu a mensagem, nem um pouco preocupado.
—Desculpe, tenho que ir agora, os Elfos Domésticos me chamam... Mande lembranças à Taylor, e fale que meu salário aguarda a prometida correção.
—Eu transmito... — Ele riu, ainda meio assustado, vendo o amigo sair com velocidade do escritório.


—“Ele está molhado” ? — Harry citou, dramático; — Vocês não podiam mandar algo mais substancial, como “Ele se mijou”, algo assim? Seria mais objetivo.
Curts olhou com desdém para o médico.
—Ele não se mijou. — Jéssica interpôs-se à troca de olhares fulminantes entre chefe e empregado. — Teve uma disfunção nas glândulas sudoríparas; Aquilo tudo foi suor... Agora já cessou, mas eu acho que logo, logo, volta.
—Droga! Sabia que o tratamento de sauna não ia dar certo... — Harry reclamou, cômico.
—Sauna? Só se você conseguiu colocá-lo apenas pela metade na sauna, por que o lado esquerdo não derramou uma gota de suor sequer. — Park afirmou, agora pensando um pouco mais profundamente. — Isso restringe nossos palpites simplesmente às áreas do linfático, o que se dissocia muito da epilepsia.
—Acho que é mais correto dizer Ultra-Epilepsia. — Jéssica corrigiu — Segundo a esposa do sr. Shay, ele voou muito alto nos ataques...
—Isso... Ultra mais Epilepsia, fazendo uma média são sete letras por palavra... Concluíram algum teste?
—Negativo para Trauma, meningite e Heinns. Os outros a gente não fez ainda. — Curts anunciou.
—Depois vocês terminam. Suponhamos que, como Heinns seria o que chegava mais perto de explicar ambos os sintomas e deu negativo tenhamos duas doenças separadas: Uma ataca o cérebro, causa epilepsia e disfunção na simetria...
—Síndrome Morgânica. — Jéssica falou — Faz com que um lado do corpo fique superimune, enquanto o outro é atingido em dobro... Ele pode ter tido uma febre alta que fez o lado direito, prejudicado pela doença, levar toda a carga...
—Sem chances, o cérebro teria fritado se fosse isso — Daniel começou — E o china guy disse que não sentiu nada...
—Mas é bom checar para Síndrome Morgânica sim... Ela também explica a ultra-epilepsia. Acho que não foi uma febre mesmo, talvez alguma daquelas infecções que o Curts vai citar...
—Sarcoidose, Cutelose... —O negro mencionou uma doença trouxa e uma bruxa, e Harry escreveu na lousa, logo abaixo das palavras antigas.
—Síndrome Morgânica, Sarcoidose, Cutelose, Histórico Familiar, Cisticercose, Tumor, infecção... Sete de novo, que sorte! Vão, façam os exames e me liguem quando tiverem um diagnóstico, ou quando ele estiver morrendo. Vou para casa.
Os três concordaram, Curts meio a contragosto, e saíram. Harry, que só trabalhara pela manhã na clínica, até teria feito mais uma hora de atendimento, mas na guerra contra Taylor ele sabia como lutar. Trancou o escritório por dentro, pegou a vassoura, a bengala e as receitas de Wilson e partiu sacada afora, para não correr o risco de ser visto fugindo da diretora do hospital.
O ar da noite cortava seu rosto, o tom esverdeado do crepúsculo londrino inundava seus olhos e ele sentia-se livre, livre para fazer o que quisesse, livre enfim do passado que o corroia, livre o suficiente para afogar seus antigos valores, como ia fazer aquela noite; Como fazia, inclusive, com certa freqüência...
Quando chegou em casa, determinado a comer bem, sem ser atrapalhado, aproveitou para ligar o chuveiro, recolher algumas roupas que haviam secado (mesmo com o frio do inverno que chegava) e fritar dois hambúrgueres enquanto folheava a W.M. de novembro, que agora trazia uma série de notas e reportagens sobre Adomas, as perigosas evoluções mágicas do câncer. Não acreditou muito em um relato particularmente longo de um médico norueguês que afirmava ter encontrado um Adoma tipo alfa em um trouxa de meia-idade, mas mesmo assim considerou o tema importante, digno talvez de um pouco de aprofundamento.
“Comparado ao fiasco do mês passado, até que essa foi aceitável” Pensou Harry, lembrando-se do grotesco erro médico no artigo sobre a Polial no mês anterior, abocanhando com neste meio-tempo o apetitoso sanduíche que montara.
Tomou banho rapidamente, não se preocupou em fazer a barba ou vestir uma roupa mais elegante para o que faria logo... Ele já se acostumara com aquela situação, sabia que suas condições eram o que menos importava.
Pegou o pequeno panfleto que já tinha guardado havia tempos e telefonou para o serviço de acompanhantes. Não falou muito com o homem que o atendera, foi direto e rápido, nem mesmo parando para reclamar do preço alto ou de qualquer outra coisa.
Ligou a TV no canal de luta livre, abriu uma garrafa de Coca-Cola, misturou com a oxicodona e um outro remédio que nem viu qual era e tomou, esperando que aquilo o deixasse mesmo um tanto aéreo.
Após uns três assaltos e um crânio quase esmagado, o telefone tocou. Ele já sabia que era a maldita confirmação de endereço quando atendeu, enraivecido com a ignorância das prostitutas daquela cidade, até mesmo a das que cobravam caro.
Não que esperasse mais do que aquilo. Obviamente conhecia o lugar delas, as desprezava intelectualmente. Mas o tema não era cabeças... A relação se tratava de corpos, de liberdade física, sentir-se fazendo algo bom, algo que realmente fizesse a vida valer à pena...
—Já pensaram em instalar GPS em si mesmas? Talvez ficasse mais fácil de localizar os clientes... — Falou, irado.
—Ele teve uma parada total em todos os músculos do corpo. Parece um feitiço do corpo-preso, o problema é que nem o coração está batendo... Não sabemos o que fazer! Ele não reanima... — Jéssica Spencer falou, rápido, sem levar em conta a frase, para ela desconexa, com que o chefe atendera ao telefone.
—Não façam nada, estou indo para ai — Respondeu, intrigado, vestindo-se rapidamente e pegando a vassoura.
Recém tinha trancado a porta quando um carro estacionou em frente à sua casa. Ele disfarçou, fingindo que varria o chão com a Nimbus S300.
—Está saindo? Não foi daqui que me chamaram? — Perguntou a mulher de dentro do carro, que usava um vestido vermelho muito decotado.
—Ah, não senhorita... Deve ter se confundido com o 122 A... É ali que normalmente chamam mulheres... Aquela Sra. Bigbee tem realmente uma compulsividade lésbica ou algo assim... — Ele respondeu, esperou a mulher descer do carro e virar de costas para então decolar com velocidade a bordo da vassoura, lamentando mais a cena que perderia ao ver a velhota abrindo a porta do que a falta do serviço em si. Voou muito rápido até o hospital, a vassoura de ponta atingindo o limite de velocidade permitido para encantamentos de vôo, de modo que se alguma ave da noite ousasse voar naquela altura e na direção de Harry, não sobrariam sequer penas do pássaro inteiras, sem contar que ele também sofreria grandes danos com a colisão.
A cidade parecia uma maquete escolar muito malfeita, os prédios de caixas de fósforos encavalando-se uns sobre os outros, retratando criticamente o avanço comercial-urbano excessivo que ocorria no planeta. Chegou no St. Mungus em metade do tempo que levara para voltar para casa, e assustou-se ao ver que sua equipe já o aguardava no escritório.
—Eu não deixei isto trancado? — Perguntou, lembrando-se do que tinha feito.
—Faxineiras gostam de gorjetas. — Park sorriu, com a cópia da chave na mão.
—E nós precisamos de cafeína.— Jéssica completou, bebericando educadamente em sua xícara de café.
—Conseguiram reanimá-lo? — Perguntou Harry, sem se servir de café: A mistura que preparara já o deixara mais alerta do que o esperado.
—Não precisamos, os ataques cessaram sozinhos. — Curts, que era o único que não bebia o café recém-passado, respondeu, sonolento.
—Você parece péssimo, vá para casa dormir.— Harry recomendou, mas ele não obedeceu.— Então, temos uma doença imigrante: Atacou o sistema nervoso e parou, atacou os nódulos linfáticos e parou; atacou os tecidos musculares e parou, uhn...
“Cérebro”, “Axilas”, “Coração”,... — Ele escrevia na lousa. Pensou um instante, depois pareceu iluminar-se com alguma idéia.
—Defina um ataque epilético. — Pediu para a Dra. Spencer.
—É um... Surto, em que os músculos reagem de forma violenta e brusca... Fazem movimentos sem sentido, sem motivo...
Ele olhou sério para ela.
—Seja mais generalizante. Pense como um leigo. Uma palavra.
—Movimento, violência...
—Movimento! Muito obrigado. Park, o que foi que aconteceu com o paciente depois que veio para cá? — Harry se divertia com o raciocínio coletivo.
—Ele suou... Suou muito, no lado direito do corpo...
—A propósito, não é Morgânica, o coração fica no lado esquerdo. — O chefe comentou — Mas, isso que você se disse se resumiria em uma só palavra...
—Suor?— Arriscou.
—Mais genérico ainda: Se eu te oferecesse um copo e dissesse que era suor você não iria tomar.
—Água.— Park concluiu.
—Certo; Curts, o mais difícil sobrou para você.
—Músculo? Paralisação?
—Quase, mas isso seria outra coisa. Imagine algo inanimado, morto. — Ele dava pistas, como se jogassem uma partida de algum jogo de tabuleiro, algo assim.
—Pedra?
—Músculos têm fibras.
—Madeira? — O negro chutava, um tanto nervoso.
—No ponto. Os Sete Princípios da medicina, segundo os chineses de milênios atrás: Movimento; Repouso; Água; Madeira; Fogo; Metal e Terra. Sete estágios que nossos amigos de olho estreito achavam elementares em doenças, ou melhor, em uma doença específica, a qual eles não conheciam na época, mas que dizimou uma parcela da população bruxa daquela geração.
—O “Mal Sombrio”? Não há relatos dele há séculos...
—Ninguém deveria conhecer essa doença!— Harry brigou com Jéssica.— Você quebrou o clima! Eis o motivo: Há uma grande chance do “Repouso” chegar antes que doença possa ser detectada ou diagnosticada corretamente. E mesmo que isso aconteça, poucos conhecem a cura ou acreditam que ela exista.
—E existe? — Jéssica riu — O mal pode se mostrar como vírus, fungo, bactéria, protista, parasita, veneno, tudo... É impossível saber a forma que a doença está assumindo, como vai agir, que ordem vai seguir...
—É como tentar prever uma bala perdida, sim... Mas, há relatos...
—Inconsistentes! — Jéssica bradou — Acho que há um n-lhão de ocorrer o Mal Sombrio... Isso se ele existir!!
—Apenas precisamos de uma confirmação, em todo o caso... Há 24 combinações possíveis para todos os próximos sintomas, e para cada um, uma penca de ramificações diferentes, no sentido da manifestação dos mesmos. São 25% de chances do china morrer na próxima hora, já que são quatro os princípios restantes. Ei! Vinte e quatro mais vinte e cinco dá 49; Sete vezes sete, se encaixa com todos os sintomas.
—Claro, a doença possui aguçados dons matemá...—Jéssica tentou fazer piada, mas Curts foi bipado naquele exato momento.
—Temos que ir: Crise de febre, Quarenta e dois graus.
—Eis o fogo! — Harry bradou para a médica, escrevendo “Febre” ao lado de “Fogo”. Para ele, a doença fazia todo o sentido, era a única explicação viável para a seqüência de sintomas.
Jéssica lançou-lhe um olhar de desdém e seguiu os colegas até a enfermaria onde Lang Shay jazia, gemendo alto, cheio de refrigeradores e cobertores frios.
—A febre não baixa!— A enfermeira reclamou — Não há como refrigerá-lo!
A polióloga olhou para os dois colegas de equipe com desânimo.
—Não se preocupe, eu acho que baixa sozinha...— Concluiu Curts, assustado com a possibilidade da doença desconhecida atacar o paciente daquela maneira.


Foi necessária mais uma hora de observação e avaliação improdutivas até que Jéssica desistisse de vez da explicação positivista e técnica e aceitasse que talvez fosse verdade, talvez estivesse sendo como ela imaginara que o novo emprego com Harry seria: Repleto de casos estranhos, doenças diversificadas e malucas.
Entrou no escritório do médico, já disposta a aceitar que o Mal sombrio fazia total sentido.
Quando entrou, deparou-se surpreendentemente com um Harry Potter quase sorridente, jogando um jogo de tiro em primeira pessoa.
—Heeead Shoot!— Ele comemorou o tiro diretamente na cabeça do adversário. — Nossa! Aquele coquetel de sei-lá-o-quê e deixou legal! Trinta e cinco HS seguidos, meus sentidos ficaram muito mais aguçados.
—A febre baixou sozinha.— Park avisou. — Restam apenas três dos Princípios, 33% de chances dele morrer.
—Cale-se! — Harry falou — Sete é melhor que Três. Três me lembra... Deus... Ou será pudim de passas?
—De qualquer forma, temos que nos apressar para descobrir o foco dessa doença, e ajudaria se vocês dois explicassem-na melhor. — Curts reclamou.
Harry o olhou com interesse.
—Não há como descobrir, você precisa simplesmente “achar” o foco por acaso, fazendo testes, procurando, tentando de tudo... Mas acho que é tarde demais para isso.
—Há, porém, relatos de médicos que conseguiram localizar e prever a ação da doença... Mas seus diagnósticos nunca foram aprovados, para se tornarem públicos. Parece que acharam que os caras tinham perdido a sanidade para escrever aquelas bobagens...
—Mas, há um meio de descobrirmos.— Harry sorriu, ainda surpreso com a mudança de ceticismo para empolgação que ocorrera em Jéssica.
—Como, não há nada sobre essa doença nos livros. — Park afirmou, já descartando outro livro, que acabara de tirar da prateleira do escritório.— Eles parecem ignorar que essa doença exista...
–O Google não.
Harry acabara de mandar o portal de buscas encontrar “Mal Sombrio”
—Contos de Terror amadores, sites que prevêem a data da sua morte... Aqui tem um...
“O Mal Sombrio
“Estudos avançados baseados nos relatos negligenciados dos médicos competentes, revelam que a doença, negada vigorosamente pelos céticos e pelos de mente fechada, existe sim, e atinge o corpo bruxo através de sintomas baseados nos Sete Princípios da medicina oriental— Movimento, madeira, fogo, terra, metal, água e repouso.
“Segundo do Dr. Franklin Willy, a doença, que pode sofrer inúmeras mutações e se manifestar de milhares de modos diferentes, só pode ser tratada graças à sua tendência à ‘brincar’ com os sintomas e palavras, fazendo jogos inteligentes que fazem com que o médico que a descobrir e a curar seja realmente digno de fazê-lo. Em 1782 já houveram boatos sobre...”
—É... Isso sim é piração. — Curts caçoou — Uma doença que brinca com o médico, francamente, meu estetoscópio toca MP3...
—Alguma alternativa menos sonhadora? Nós teríamos prazer em ouvi-la— Harry respondeu.
Curts segurou sua raiva do chefe. Lembrou-se de Maya, sua irmã doente, do que ela poderia passar se ele perdesse o emprego...
—Vai acreditar mesmo na história do “brincar” então?–Park perguntou.
—Vou procurar metais pesados e examinar o sangue dele, tentar suprimir o “Metal”; a “Terra” não faço idéia do que possa ser, o que vocês acham? — Harry perguntou, finalmente se dirigindo ao quarto do paciente pela primeira vez, o joelho doendo de leve, mais graças à velocidade com que andava do que pelo osso problemático. Curts era o único que não tentava correr para acompanhar os passos do chefe.
A esposa de Lang Dormia na poltrona ao lado do marido, segurando a mão dele bobamente. O chinês, porém, mantinha-se acordado, os olhos fixos no nada, parecendo aceitar a situação.
Harry observou-o com o habitual interesse que tinha pelos pacientes com doenças raras.
—Vou ter que tirar seu sangue para fazer alguns exames... Se o senhor puder estender o braço...
—Zevulp, nan ‘nglês — Ele murmurou. O médico gesticulou para ele, mostrando que ele deveria esticar o braço.
Os três lacaios prepararam-no para tirar sangue, e Harry pegou uma seringa pequena, a fim de tirar apenas o necessário. Enfiou a agulha na veia com pressa, pois cada segundo da vida daquele homem poderia star sendo contado e calculado pelo mal que o corroia. Quando puxou o êmbolo, porém, sentiu que algo estava errado.
—O que está acontecendo?— Jéssica perguntou, assustada.
—Entupiu — Ele falou, explicitando preocupação. — Arranjem uma seringa mais grossa, rápido.
—Aqui. — Park conjurou uma em um segundo, e Curts o olhou boquiaberto com a precisão no tamanho e na forma da seringa. — Instrumentei cirurgias mágicas por mias de quatro anos; Com o tempo a gente consegue fazer sem nem pensar... — Justificou-se, mas logo em seguida percebeu como o assunto era idiota perto do que acontecia: O sangue que Harry extraíra era negro e pastoso, e, pouco depois do sangue ter sido retirado, o Sr. Shay começou a ofegar, o coração fazia força, mas não podia bombear um sangue com tanta densidade. Então ele desmaiou.
—Que merda é essa? — Curts perguntou, olhando a seringa cheia de sangue grosso.
—Háfnio. Essa foi, sem dúvidas, a mais literal. — Harry falou, os olhos fixos na mistura de sangue e partículas de háfnio, o metal presente nas Células Sangüíneas de Magia, que normalmente fica contido em um envelope celular, que o impede de fazer ligações com as outras células mágicas, condensar e destruir o organismo.
—Precisamos colocá-lo no deionizador sangüíneo. — Daniel falou, referindo-se à máquina que filtrava estas partículas ionizadas do metal no sangue para salvar o corpo da cristalização completa do háfnio.
—Não dá tempo, precisamos pensar... Ela gosta de brincar, não? Ela atingiu o tecido nervoso, depois o epitelial, muscular cardíaco, nervoso de novo, e agora sangüíneo... Para onde irá?
—Talvez ele vá para mais um qualquer e volte para o nervoso, algo como “Nervoso - X - Y – Nervoso - Z - N - Nervoso “. — Park sugeriu.
—Talvez... Mas mesmo assim vamos precisar saber se ele vai morrer antes ou depois da “Terra” — Jéssica raciocinou.
—Movimento, Água, Madeira, Fogo, Metal, X, Y — Harry entoava na ordem correta — M – A – M – F – M - ? - ?.
—Do A para o F, são 5 letras, tecnicamente viria o K — Park murmurou.
—A segunda lacuna seria “Morte” ?— Jéssica assustou-se
—Talvez tenha a ver com o tempo de intervalo entre os ataques... Park sugeriu.
Curts, que fora o único a não opinar até ali, pareceu ter uma idéia súbita. Desenhou um pequeno corpo humano num pedaço de papel sobre a mesa.
—Ei, gente, olha isso: Onde tudo começou? Cérebro. Ele marcou o local. — Foi para a axila direita. — Arrastou a caneta até lá— Depois coração, cérebro de novo, no hipotálamo, e na Polial, perto do fígado.
Os quatro observaram a flecha apontando para cima; Curts então passou a mão pelos cabelos escorridos do chinês e os levantou.
A pele estava em carne viva. Havia vários buracos no couro cabeludo, tão profundos e finos que poderiam ter sido feitos com agulhas muito estreitas.
—Que...?—Jéssica observou os furos quase microscópicos no crânio.
—Simples. João e Maria da china querem ir visitar as pessoas que produzem produtos de qualidade na cidade grande, quem sabe até abrir uma pastelaria e faturar um trocado. Pegam um avião na classe F ou inferior para Londres, e acabam sendo premiados com uma leva de piolhos pigmeus.
“O marido, pouco higiênico, não lava o cabelo como deveria, e o piolho se reproduz com rapidez. O raio, contrariando o ditado, cai novamente sobre ele, que, com sua extrema sorte, não só tem uma colônia de piolhos na cabeça, como um deles está infectado pelo Mal Sombrio, ou qualquer outro nome menos pejorativo que este...
“O animal, como é de sua natureza, vai aos poucos comendo a pele dele, tão lentamente que ele não percebe. Quando finalmente atinge o crânio, o piolho começa a investir pesado, mas João nada mais sente: O piolho entra no cérebro, e de lá controla tudo, caminhando calculadamente pelo órgão, gerando sintomas, distrações para confundir os médicos...”
—Mas afinal, somos mais espertos do que ele.— Curts comentou, feliz ao ver que haviam solucionado o caso.
—Administrem a Poção do Morto-Vivo. O Parasita que buscamos vai ser o único a sair, achando que João está morto e seu serviço está terminado. Prendam-no, isso vai fazer a Taylor aumentar meu salário. Se não o pegarem, isso vai fazer com quem eu diminuam os seus.
Os três concordaram, mesmo sem perceber que havia muito mais do que um fundo de verdade na brincadeira.
Harry deitou-se no divã vago do canto da enfermaria e tentou descansar um pouco, agora sentindo-se muito mais sonolento do que minutos atrás, quando a última coisa que queria era dormir.
—Sabe, eu ainda não entendi aonde entraria a Terra em tudo isso...— Jéssica falou baixo, objetivando não acordar Harry, que por sua vez ainda nem dormia. O médico não achou que aquela resposta afetasse em algo, por mais que possuísse teorias interessantes.
—“Do pó vieste, ao pó voltarás” — Curts sugeriu, sentindo a frase fluir como se ainda estivesse em um púlpito, na minúscula igreja escocesa. — Talvez a doença quisesse dar uma lição de humildade nele... Acho que conseguiu. — Comentou, já conectando o chinês ao Deionizador Sangüíneo, enquanto Jéssica raspava os cabelos do paciente e Park saía para buscar a poção que Harry pedira.
—Acho que não. — O chefe falou, sem abrir os olhos, e então dormiu tranqüilo.
Acordou com as vozes felizes e para ele ininteligíveis do casal de japoneses — Ou chineses, talvez coreanos, ele não sabia dizer, não conhecia nenhuma daquelas línguas, tampouco era etnólogo ou qualquer outra coisa igualmente bizarra.
—Conseguimos curá-lo totalmente. — Falou Jéssica, feliz. — Até os piolhos fugiram dele... Todos, menos este. — Ela mostrou um pequeno frasco esterilizado de coleta de urina. Dentro dele jazia um quase invisível inseto, com um milímetro de comprimento, no máximo. Tinha um brilho cromado meio surreal, meio mágico.
—Que horas são? — Perguntou ele.
—Onze e meia. — Park respondeu, e Harry avançou pelos corredores em direção à sala da diretora do hospital, o frasco com o piolho que lhe garantiria muitas coisas, que no momento ele tinha até medo de imaginar, repousava no bolso direito de sua jeans, enquanto no esquerdo a oxicodona aguardava seu uso, mas, ele julgou pela própria excitação, o remédio poderia esperar um pouco mais.
—Bom dia! — Ele falou, feliz por encontrar Taylor sozinha.
—Não e Não. — Ela adiantou as respostas para as perguntas que imaginava que ele faria. — Bom dia, tudo bem?
—Ótimo, adivinha o que acabei de diagnosticar?
—Ah, nem imagino — Ela falou, fazendo pouco caso da conversa.
—Mal Sombrio — Ele falou, aguardando a reação dela; Não se surpreendeu com o fato de a mesma ser de surpresa.
—Sério? Como... Ah é mentira. Está fazendo isso só para se livrar da clínica... Não adianta, com menos de 12 horas você não ganha aumento.
—Se fosse lorota, eu não ia te mostrar o inseto. — Ele falou, tirando o frasco transparente do bolso direito. — Aqui está...
Mas não estava. O piolho desaparecera, como fumaça no ar.
—Não, ele estava aqui...
—Acho melhor você ir para a clínica. Tempo é dinheiro...
Harry ainda olhava o frasco vazio com estupefação. Estava ali, ele vira. Ainda indignado, ele tirou o frasco laranja do bolso esquerdo da calça e tomou dois comprimidos e uma vez só, com um movimento exagerado ao virar os dois na boca e engolindo sem água, de uma só vez. Saiu mancando, deixando Taylor quase tão surpresa quanto ele mesmo estava.

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.