O Último Pôr-do-Sol



“ A onda ainda quebra na praia,
espumas se misturam com o vento.
No dia em que você foi embora eu fiquei...”



Corpos, ou o que restou de alguns deles, uns poucos comensais ainda tentando investir alguma infeliz azaração contra os aurores remanescentes, urros de felicidade eclodindo pelos ares e um Harry Potter desacordado nos braços do gigante Hagrid, que pouco ou nada tinha de ameaçador, com os olhos marejados cantando vivas aos céus, a vitória e ao garoto-que-sobreviveu e que agora liquidara definitivamente você-sabe-quem. Mas, aquela cisma, apesar das dores, mas...Alguma coisa não se encaixava...
Enquanto, caído de joelhos, ele, já exaurido, contemplava o seu redor sem participar de toda aquela euforia...Por mil demendadores, onde ela estaria? Viu, enfim, algo reconfortante, a imagem de sua irmã, inteira, correndo em sua direção e o que se procedeu ele não saberia dizer. Um abraço e um sussurro:
_ Acabou, Rony! – Dizia ela sem segurar as lágrimas e largar o irmão.
Era o que precisava ouvir para desabar por completo...


“...No dia em que você foi embora eu fiquei...”


A luz do sol não saberia se para o mal ou para o bem feriam seus olhos, obrigando-o a acordar de uma vez por todas. A esse despertar uma sessão incontável de abraços e palavras indecifráveis se passaram em segundos que para ele não existiram, manifestações essas deixadas de lado não por falta de consideração, e sim por alivio em exagero ao distinguir seu melhor amigo deitado na cama ao lado e ao que tudo indicava VIVO! Entretanto, aquele aperto...Por que de novo essa sensação de vazio?
_ Graças a Merlin, meu filho acordou! – Falou a Sra. Weasley quase sufocando Rony com um daqueles conhecidos e dramáticos abraços.
_ Mamãe...Por favor! MÃE! – Gritava Rony – Me deixa respirar! – Tentava inutilmente se desvencilhar dos braços da matriarca de sua casa. – Como ta o Harry? A Gina? A Mione? Mãe, quanto tempo eu dormi? – Falava sem parar o caçula dos Weasley.
_ Quem precisar de ar sou eu, Ron! Uma coisa de cada vez sim? – Pedia carinhosamente Molly. – Você ficou dez dias inconsciente, filhinho. – Quantos aos outros...
Rony conhecia muito bem sua mãe e quando ela falava naquele tom, quase que um fiapo de voz, era que havia alguma coisa errada, alguma coisa muito errada.
_ Sua irmã está ótima, bastaram dois dias aqui no St. Mungus para ter alta. Bem, bem... – Molly parecia não saber como continuar – Quanto ao Harry...Oh Merlin! Ninguém sabe o que dizer...Pobrezinho, foi trazido para cá as pressas quase não resistiu...E desde então, não apresenta sinais de melhora... – Com o fim da declaração ela não se contém e cai no choro.
Os pensamentos do ruivo estavam desordenados, completamente desordenados! “Como assim ele não apresenta melhora? Não, não é possível. Hei, o que estão me escondendo? Há coisas mais horríveis que isso?”.
_ Você precisa ser forte, meu filho... – Abraçava e chorava compulsivamente a Sra. Weasley – A Hermione... – E lágrimas maternas molhavam o rosto do garoto – A Mione...
_ MÃE, ME DIZ AGORA! ONDE. TA. A MIONE? – Berrava num vermelho mais explosivo que os próprios cabelos.
_ Vocês eram tão pequenos, tão inocentes para se envolverem em algo tão, tão sinistro e terrível como essa guerra, essa maldita guerra!
_ NÃO, NÃO, NÃO! Não me diga...Que, que...NÃO, A MIONE NÃO!!! – Com a face lavada de lágrimas, ele esmurrava o ar até ser instintivamente envolto pelo abraço da mãe.
_ MÃE...Por favor, FALA...FALA PARA MIM QUE É MENTIRA...FALA MÃE!!!
_ Eu queria muito poder fazer isso, meu filho. Merlin! Oh Merlin, sabe como!


“...No dia em que você foi embora,
eu fiquei sentindo saudades do que não foi
lembrando até do que não vivi,
pensando em nós dois...”



Aquela dor, aquele aperto, aquele vazio...Eram com toda a certeza de seus recém-feitos 18 anos, a pior coisa que sentira em sua vida! O que o tempo provou ser mais um erro, mais um erro dos tantos que Ronald Weasley cometera...Não, com o passar dos dias o que se tornou insuportável foi à saudade. A saudade, e o tormento que lhe causava trazendo átona todo e qualquer tipo de lembrança dela...Os dias eram automáticos, ele realmente não queria e não apresentava nenhuma melhora. As noites nem eram sentidas, eram todas passadas em claro. Como se fosse possível adormecer com a maré de lágrimas que sempre inundava o mar dos seus olhos, e o amanhecer...O amanhecer não era mais do que outra tortura, a confirmação de que viria mais um dia sem ela, mais um dia sem a garota que ele amava, mais um dia sem Hermione...


“...Eu lembro a concha em seu ouvido,
trazendo o barulho do mar na areia...”



Viver, ou para sermos mais justos, sobreviver para Rony já era um esforço quase sobre-humano, contudo, aquele quarto com todos olhando-o penalizados, lamentando pelo estado inalterado de seu melhor amigo, os consolos intermináveis, aquela atmosfera cada vez mais pesada para ele era irrespirável!
_ Mãe, me leva pra casa? Eu quero ir embora daqui...To cansado... – Implorava o ruivo.
Molly não teve coragem para responder ao pedido, um pedido quase infantil para um jovem de dezoito anos, no entanto, um pedido que refletia o que ela queria poder proporcionar a ele: um pouco, nem que fosse o mínimo, de paz.
Dois dias e muitas conversas com medibruxos depois, foi permitido ao jovem Weasley completar seu tratamento em casa. Mesmo o fato de sair do lado de Harry, não fez com que Rony mudasse a sua decisão. Como muitos diziam, agora se iniciava a verdadeira guerra para o garoto-que-derrotou Voldemort, uma batalha que ele deveria enfrentar sozinho, uma batalha interna que teria como troféu à continuação de sua existência. E por tais motivos, ele achou que para o amigo, no momento, pouco importava onde estivesse...E com certeza, ele o entenderia.
Com recomendações extremas de repouso que fizeram até Arthur e Molly Weasley perderem a paciência, eles abandonaram o hospital e levaram o filho, atualmente famoso pela grande atuação na guerra, finalmente para a casa. A mudança pouco ou nada representou para o estado de espírito do garoto, que se antes, era obrigado a permanecer deitado, agora, o fazia em tempo integral por vontade, ou em verdade, por falta de vontade própria.
“Fui ao único lugar que, hoje, pode me fazer algum bem. Mãe, pai... Por favor, não se preocupem comigo... Eu volto, prometo!”.
Eram os dizeres de um pergaminho deixado por Rony e a única pista de um possível paradeiro seu. E apesar do rogo, nenhum efeito se viu em concreto, contando que poucos segundos depois de lido o recado, a Toca ficou de pernas para o ar com todos, sem exceções, saindo a procura do mais jovem dos homens Weasley. Contudo, alguém suspeitava de onde seria o esconderijo do fujão...Gina tinha quase certeza de que o irmão iria procurar um porto seguro, literalmente. Ela se recordava com, um triste saudosismo, de um acolhedor lugarejo a beira-mar, de um caís, no qual, um pouco mais de um ano antes, o irmão havia reunido coragem suficiente para se declarar a uma emocionada e chocada Hermione. O que ficara comicamente registrado como ninho de amor dos pombinhos, descrição essa que nunca os agradou, mas que serviu de inspiração, já que passara a ser o refugio dos dois, refugio dos tempos negros de guerra, refugio de tudo aquilo que poderia um dia ameaçar a felicidade infinita que ambos demonstravam naquele tempo. Também, ela e Harry usufruíram uma ou outra vez da sensação acolhedora de falsa paz que aquela paisagem trazia...Como era bom sentir o acalento dessas lembranças! Pois era basicamente disso que viviam os dois caçulas da família Weasley...De lembranças!


“...No dia em que você foi embora,
eu fiquei sozinho olhando o sol morrer
por entre as ruínas lembrando nós dois...”



O entardecer era quase um ritual entre os dois, um recordar do momento mais feliz de suas vidas, como sempre gostavam de frisar. Tinha sido exatamente ali, onde um ano antes um ruivo com as mãos tremulas e embaralhando palavras quase desconexas conseguiu finalmente dizer que sempre, sempre amou aquela adorável mandona, que Rony Weasley sempre amou e que para sempre amaria Hermione Granger. E para sua surpresa, ela reagiu melhor do que qualquer previsão prematura que ele pudesse ter feito. Estava um Ron, estarrecido e completamente bobo, a levantar pela cintura uma Mione que repetia incessantemente um “eu também!” E o que veio a seguir então...É, pode ser dito, que o espetáculo não ficou apenas por conta do sol, que especialmente naquela tarde lhes presenteou com um pôr-do-sol magnífico, mas também aqueles dois jovens entre beijos, abraços e juras de amor planejavam um futuro próximo onde Harry derrotaria Voldemort, e os quatro amigos, ou para contrariedade de Rony, os dois casais pudessem realmente viver como os bobos apaixonados que eram, e por Merlin, como eram...
E agora? Ver o mesmo Sol se esconder, contemplando sozinho aquilo que ela adorava, aquilo que ela lhe ensinou a apreciar também. Por que, por que...Era o que ele se perguntava a todo instante que se seguiu após sua indesejada volta à consciência. E enquanto o sol morria no horizonte, podia sentir que as lágrimas eram as únicas testemunhas reais de um martírio que aos poucos também o matava...


“...Os edifícios abandonados,
as estradas sem ninguém,
sonhos queimados, as lágrimas na areia,
a lua nascendo por entre os fios dos teus cabelos,
por entre os dedos da minha mão passaram certezas e dúvidas..”.



_ Ron!
Ele ouvia uma voz amena chamando-o e uma mão pousando suavemente em seu ombro, não precisou virar-se para perceber que ali estava sua irmã.
_ Gina, por favor! Eu quero ficar sozinho... – Disse afastando a mão da irmã.
_ Basta Rony! Chega dessa sua autopiedade...Chega! Dois meses já se passaram desde que você saiu do hospital e você não se importou e nem se importa sequer com o seu melhor amigo! – Já cuspindo as palavras aos berros Gina Weasley.
A voz da irmã o fez de uma vez acordar. Dois meses? Dois meses já haviam se passado? Realmente, ele estava perdido no tempo. Para ele o dia não amanhecia e a noite já não chegava, desde o amaldiçoado dia em que sua mãe lhe contou o tão doloroso desfecho da guerra...No entanto, como ela poderia imaginar ao menos que ele não se importava?
_ Nunca, nunca mais repita isso Ginevra Weasley! – Ele também levantara o tom de voz – Eu faria qualquer coisa para trocar de lugar com ele! Eu daria tudo...Eu queria poder estar agora no lugar do Harry! – as lágrimas já tomavam por completo a face do rapaz.
Gina olhava o espectro do que um dia fora seu irmão. Olhava a frente e já não reconhecia o jovem abobado, risonho e estabanado que atendia pelo nome de Ron. As olheiras profundas, os olhos marejados de um azul fúnebre, as roupas desleixadas e bastante largas mostravam o quanto ele havia definhado.
_ Não Rony! Se há alguém aqui que nunca mais deva repetir alguma coisa desse tipo é você. Onde você está com a cabeça? O que o Harry e a Hermione pensariam se ouvissem uma besteira dessa? – Afirmava Gina ao mesmo tempo em que abraçara o irmão.
_ Besteira? Talvez para você, que ainda pode sonhar e esperar pelo dia em que Harry vá acordar. Para mim, poderia ser um jeito...Uma forma qualquer de ainda estar com ela! Dói Gina, dói continuar sem ela...
Ainda abraçada a Rony, a ruiva deixou que as lágrimas rolassem também pelo seu rosto. Entretanto, algo pareceu soar erroneamente nas palavras do ruivo. Será que...Que ninguém contou a ele realmente o que ocorreu? Obvio que não! Depois que acordou, aquela era apenas a terceira vez que ouvia a voz de Ron. Ele havia falado somente com a mãe quando despertara e ao pedir para ir embora. Sempre impulsivo esse meu irmão! Nem agora, nem mesmo agora ele esperou para ouvir a história por inteiro.
_ Você é um completo idiota, Ronald Weasley! – Exclamara Gina soltando-o e enxugando algumas lágrimas que ainda cismavam em cair de seus olhos.
_ Ahn!?! O que... – Tentou argumentar o garoto.
_ CALADO! Mesmo depois de tudo você nem se deu ao trabalho de perguntar como foi, não é? – Falava agora mansamente a menina.
_ Pra que?! Como se eu não recordar-se essas malditas cenas todos os dias!
_ Shit! Me escuta, Ron...Você não viu tudo, ou melhor, ninguém viu! Lembra que ficamos para trás quando o Harry entrou na Fortaleza Negra?! – Narrava o fatídico episodio a ruiva sem esconder o quanto isso a emocionava.
_ Sim, claro que lembro! O Harry praticamente exigiu que o deixássemos sozinho com Voldemort! – Respondia mais sereno o caçula dos homens Weasley.
_ Exato! O que você não pode perceber é que a Mione de algum jeito o seguiu para dentro da Fortaleza...E, bem...A partir daí, não há ser vivo que saiba contar o que se passou. Só o Harry poderia fazer isso. – Um brilho discreto retornava ao olhar de Rony ao ouvir a irmã – Quando toda a Fortaleza Negra veio abaixo, foram encontrados os restos do corpo de...De Você-Sabe-Quem e Bellatrix Lestrange...Harry desacordado...E... – Falhou Gina, não encontrava meios de comunicar aquilo ao irmão.
_ E? Por Merlin, Gina diga tudo de uma vez! – Implorava Ron.
_ Oficialmente, Hermione Granger é dada como morta pelo Ministério. – Aquelas palavras foram como punhadas queimando em Rony – Só que, de fato o corpo...Er, quer dizer...A Mione, não foi encontrada!
Ela não pode mais resistir aquele sorriso, aquele pequeno sorriso que brotara dos lábios do garoto a sua frente, e abraçou-o fortemente antes de prosseguir o relato.
_ Absolutamente NADA! Nenhum rastro, nenhuma pista de um possível paradeiro dela. E como eu falei, somente o Harry poderia nos dar essas respostas.
_ Então...Então, a Mione...A MINHA MIONE pode estar VIVA?! – Gritava a plenos pulmões o rapaz, com um semblante num misto de alegria e alivio.
_ Ron, Ron...- Dizia amavelmente a irmã segurando entre as mãos o rosto dele - Há uma remota possibilidade. Mas acreditar nisso é pedir para sofrer tudo o que você já sofreu novamente, é praticamente criar esperanças perdidas...
_ Gina, entenda...Esperanças perdidas ou não, eu preciso delas para continuar...Para continuar vivendo!


“...Pois no dia em que você foi embora,
eu fiquei sozinho no mundo, sem ter ninguém,
O ultimo homem no dia em que o sol morreu...”


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