Laranja



Capítulo 2 - Laranja

NA MANHÃ SEGUINTE, HARRY ACORDOU muito bem humorado, vestiu-se rapidamente, colocando um pulôver cor de laranja que havia ganhado da senhora Weasley no último Natal e desceu para o café da manhã, deixando o anfitrião e colega de quarto, Rony, ainda roncando em sua cama. Desceu com destreza os degraus que levavam até a cozinha, pulando-os de dois em dois, enquanto cantarolava baixinho o Hino de Hogwarts.

— Ora, ora! Parece que acordamos de bom humor, hein? – ironizou a matriarca Weasley, dando um sorriso de satisfação ao ver que o garoto, que praticamente adotara como um sétimo filho já há alguns anos, se encontrava em estado de graça.

— Bom dia, senhora Weasley! – cumprimentou-a o jovem, educadamente, enquanto olhava ao redor para ver se alguém mais, como ele, havia acordado bem disposto e descido para o desjejum.

— Bom dia, meu querido! Sente-se que vou lhe preparar uns ovos! – respondeu-lhe a bondosa bruxa – Arthur, Gui, Fleur e os gêmeos já foram para o trabalho logo cedinho... é bom aproveitar uma manhã tão bonita, após o temporal que desabou ontem à noite.

Realmente, fazia um dia maravilhoso lá fora, o rapaz avançou até a porta dos fundos, que dava para um acanhado jardim, e espreguiçou-se vigorosamente, inalando com gosto aquele delicioso ar da manhã.

Ao longe, as andorinhas festejavam pelo céu, esvoaçando em meio a um exagerado alarido e, ocasionalmente, se atirando quase que em queda livre até o solo e executando uma ousada curva pouco antes de tocá-lo: não era verão, ainda, mas mesmo as aves sabem que um bonito dia como aquele não deve ser desperdiçado com atividades comuns, e sim absorvido com toda a intensidade que for possível.

O jardim estava composto, naquela ocasião, quase que totalmente de girassóis, que apontavam enfileirados, como um pelotão militar, para o astro rei, que ainda se erguia preguiçoso no horizonte mais além, como uma enorme esfera alaranjada, e que tingia de tons laranja toda a extensão ao seu redor, e que os olhos conseguiam alcançar.

O jovem bruxo caminhou com disposição até o meio do tapete florido, que executava seu heliotropismo com perfeição e, encampado por aquela imensidão de cor laranja, começou a sentir uma disposição enérgica incomum, sentia uma excitação além do normal: a euforia gratuita tomava conta de cada um de seus poros e dominava sua alma.

— Harry! – a voz de Molly o trouxe de volta à realidade – Venha tomar seu café, meu filho!

O rapaz voltou-se para a direção do chamado e deixou escapar um gostoso sorriso, como uma criança quando é surpreendida entretida com seu brinquedo preferido. A senhora Weasley, ao vê-lo tão satisfeito em meio ao mar de flores, teve uma idéia repentina e não se conteve em pedir gentilmente ao outro:

— Traga algumas dessas, querido! Estão tão bonitas! Vamos encher um vaso com elas!

O bruxinho não pôde evitar em sentir-se um pouco tolo ao realizar aquela tarefa, mas a fez com satisfação, enchendo os braços com um enorme e encorpado buquê, que lhe tapava parcialmente a visão, e encaminhou-se numa pequena carreira, em direção à porta aberta da cozinha.

O barulho de passos saltitantes, na madeira do piso do pavimento superior, se fez ouvir no ambiente, e logo Hermione também descia lépida pela escadaria que levava à cozinha: a euforia, a exemplo do menino da cicatriz, igualmente a dominava, havia demorado a dormir na noite anterior, perdida em meio a pensamentos que jamais imaginara que povoariam sua mente um dia, mas o período em que se entregou ao mundo dos sonhos foi altamente compensador, uma figura que habitara seus pensamentos até que o sono a dominasse, permaneceu em seu subconsciente durante toda a noite, proporcionando-lhe sonhos que a fizeram relaxar e acordar no dia seguinte em pleno estado de êxtase.

O último degrau deixado para trás pela menina coincidiu com a transposição do rapaz pela soleira da porta e, ela por não conseguir desafiar a lei da inércia e, ele por não conseguir enxergar muito bem o caminho por onde avançava, não conseguiram impedir o choque violento de seus corpos, tendo ela se segurado ao pescoço do outro para não ser arremessada pra trás, ficando os dois com seus rostos muito próximos, e só estando separados pelas enormes flores cor de laranja.

— Harry! – ela exclamou assustada, enquanto sentia seu coração acelerar-se além do normal e dar a impressão de que se esforçava em saltar de seu peito.

— Mione! – respondeu ele, involuntariamente, sentindo sua respiração tornar-se descompassada a ponto de chegar a lhe faltar o ar.

— Cuidado, crianças! – interveio Molly Weasley, preocupada que os dois se machucassem – Dê elas aqui pra mim, Harry! – completou, se aproximando dele e tomando, um a um, os girassóis de suas mãos.

Hermione recuou um passo e pôs-se a admirar seus próprios pés, esperando que o compasso em seu peito retornasse ao normal, mas isso não aconteceu.

Harry ajeitou os óculos que haviam ficado tortos em seu rosto, enquanto olhava para o teto, respirando fundo em busca da cadência de entrada de ar em seus pulmões, chegando a respirar com a boca aberta a fim de conseguir se estabilizar com a maior brevidade, mas não obteve êxito.

A matrona deu as costas aos dois e se encaminhou para a mesa, iniciando o trabalho de arranjar as flores num grande jarro de barro que havia sobre a mesa do café. Os dois jovens permaneceram, ainda, por alguns momentos com aquela estranha e inusitada sensação, até que foram retirados daquele estado de transe pela voz distraída da dona da casa:

— Sente-se Harry, ou seu desjejum irá esfriar! Hermione, sente-se com ele e já lhe prepararei algo também!

Os dois deram graças pela intervenção mais que oportuna e sentaram-se à mesa, cada um de um dos lados da tábua, mas imediatamente à frente um do outro. Entre os dois havia uma enorme travessa, também de barro, repleta de laranjas maduras, que Molly havia colhido no pomar no dia anterior e colocado ali para que os integrantes da família e hóspedes se servissem à vontade.

— Assim que Rony e Gina acordarem e tomarem seu café, iremos até o Beco Diagonal... tem algumas coisinhas que preciso comprar para o casamento de Gui e Fleur... e vocês podem aproveitar para se distraírem um pouco.

— Claro, senhora Weasley! – respondeu Harry polidamente.

— Como quiser, senhora Weasley! – Hermione fez-lhe eco.

— Você viu que flores lindas o Harry apanhou pra mim, Mione? – conversou a bruxa, enquanto encantava uma frigideira com sua varinha e fazia alguns ovos se partirem sobre ela.

— Sim... são lindas... – limitou-se em responder a garota, seus olhos acabavam de ter se encontrado com os de Harry, por sobre a pilha de laranjas e, como um reflexo do gesto realizado por ele, seu olhar se desviou rapidamente e foi pousar no jarro de flores que a cozinheira mostrava orgulhosamente.

— E combinam com as laranjas que colhi ontem... vocês viram que beleza? – disse ela, apontando os frutos à frente deles com a própria boca, pois suas mãos estavam ocupadas.

— É impossível não notar uma presença tão bela! – disse Harry, olhando novamente por sobre a travessa e cruzando novamente seu olhar com a da garota de cabelos castanhos.

— É uma cor viva, muito usada para chamar a atenção. – considerou a velha bruxa, não percebendo que a jovem havia enrubescido – Vocês dois acordaram muito bem dispostos hoje – ela mudou de assunto –, devem ter sido contagiados por essas cores fortes!

— Estudos indicam que a cor laranja em um ambiente pode deixar as pessoas do recinto eufóricas! – respondeu Hermione, eclética.

Sim, aquela era a Hermione de sempre, a Hermione que Harry conhecia tão bem: por um momento ele pensara se tratar de uma outra pessoa, uma pessoa que estava chamando sua atenção de uma forma que nunca lhe ocorrera antes..

A extremamente cortês anfitriã, passou a servir-lhes os petiscos preparados, enquanto dava sua opinião sobre diversos assuntos que lhe vinham à cabeça, ao que os dois hóspedes respondiam educadamente:

— Sim, senhora Weasley!

— Claro, senhora Weasley!

Aquela voz começou a soar ao longe, eles a escutavam, mas já não a ouviam mais, aquele jogo involuntário de desviar o olhar foi sendo reduzido gradativamente, até que eles se miravam fixamente nos olhos, por cima da pilha cor de laranja. Agora, definitivamente, a euforia tomava conta deles, de seus corpos, de sua alma, de seu coração.

Vez ou outra, a voz ao longe terminava em forma de interrogação, então, como se houvesse sido anteriormente combinado, os dois respondiam:

— Sim, senhora Weasley!

— Claro, senhora Weasley!

E sorriam um para o outro, um sorriso de cumplicidade, um sorriso de satisfação e, porque não, um sorriso de desejo.

Logo, os quitutes que eram depositados sobre a mesa, ou já haviam sido consumidos, ou haviam sido colocados educadamente de lado. Até que ambos tiveram a iniciativa simultânea de apanhar uma laranja da travessa logo em frente. Seus dedos se tocaram levemente, mas o efeito causado foi imenso: um choque correu desde o local do toque e percorreu toda a extensão de seus corpos, deixando o local do contato levemente adormecido.

O sabor da laranja varia do doce ao levemente ácido. Freqüentemente, esta fruta é descascada e comida ao natural, ou espremida para obter sumo, mas eles a cortaram ao meio e passaram a chupar seu suco dessa forma simples.

O movimento da matrona de prole ruiva, recolhendo os objetos que se encontravam dispersos sobre a mesa e dando ordem ao lugar, fez com que os dois se levantassem e caminhassem em direções diferentes, Harry deixou uma das partes do fruto que partira a um canto da mesa e dirigiu-se até a janela, recostando-se sobre o batente enquanto admirava a paisagem lá fora e saboreava o sumo do fruto, enquanto percebia, às suas costas, o vulto da bruxinha de cabelos crespos passar próximo à mesa e alojar-se ao lado da lareira: ele sentiu o olhar dela arder em suas costas, como se fosse o ácido da laranja em sua boca.

Ao restar apenas o bagaço do fruto em suas mãos, ele o atirou ao longe no quintal, pela janela, e voltou-se até a mesa para apanhar a outra parte, mas ela não estava mais lá. Ele olhou, então, para aquela garota que havia despertado tantos sentimentos confusos nele, naquelas últimas horas, e a viu levando a metade de um dos frutos à boca, enquanto o admirava fixamente com o canto dos olhos, numa atitude provocante.

Ele, então, não conseguiu evitar deixar escapar um sorriso maroto de seus lábios, ao pensar consigo mesmo:

“Seria aquela, a outra metade da sua laranja?”

continua...


próximo capítulo: Amarelo

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