Capítulo cinco









Capítulo cinco

Anteriormente, em Sonhos e Ilusões:

- Espero que esteja... eu estou ligando para... eu nem sei porque eu estou ligando. A verdade é que eu precisava falar com alguém e você me veio à mente... muito forte. Estou com saudades - Odiava ter que admitir. -, mas espero que você esteja se divertindo aí. Bom, eu briguei com a minha mãe, o que não é uma grande novidade, mas eu não vou mais passar o natal com ela. E talvez nem o ano novo. Vou para Hogwarts amanhã mesmo, talvez. Não quero mais ficar em Nova Iorque, essa cidade de cimento e pedra. Não quero mais ter que encarar minha mãe - As lágrimas agora saíam em excesso. - nem tão cedo. Tudo está tão complicado... é isso. Feliz natal... e ano novo. Beijos.


*-*

-... e então, ele começou a dançar loucamente pela mesa! - exclamou Anna, rindo muito enquanto se olhava no espelho. - Como acha que estou?
- Ótima. - respondeu Kaitlin, sorrindo calmamente e rabiscando mais umas letras no caderno de palavras cruzadas.
- Então... ele estava EM CIMA da mesa. Dançando... - continuou Anna. -, meu primo é completamente louco... bom... mas eu tive que voltar mais cedo para Hogwarts. A verdade é que eu vejo isso aqui meio como... meu lar. Sabe? Do que ter que aturar aquele clima de luto.
Anna desistiu de se fitar pelo reflexo do espelho e então sentou na cama defronte a Kaitlin, segurando as mãos da amiga e erguendo o rosto para que se encarassem.
- E como foi o seu natal? Conseguiu resolver aquilo?
- Claro - respondeu Kaitlin, com a voz engrolada. - eu sempre consigo resolver meus problemas, não consigo? E foi normal, afinal. Briga com a mãe, aborto. E depois acabei completamente bêbada em um quarto de hotel. Acordei com muita dor de cabeça, e uma poça de sangue no lençol...
- Bom... então deu tudo certo. Eu acho.
- É... - murmurou a garota, calmamente. Teoricamente, dera tudo certo afinal. Ela conseguira o aborto e até comprara algumas novas drogas, por um ótimo preço. Mas não estava muito certa se queria tornar a usar aquilo.
- Então... por que está triste? - perguntou Anna.
- Não estou.
- Está. - disse ela. - Eu conheço você e dá para perceber que está triste.
- Bom... eu não sei ao certo... eu consegui o que eu queria. Mas... briguei com a minha mãe. E... - Ela hesitou. Baixou a voz ao máximo, até fazer com que ela não passasse de um silvo rouco. - Ruben não me ligou mais... não retornou a ligação. Acho que ele é mais um... idiota.
- Ruben?! - exclamou Anna, incrédula. - O cara da festa?
- Esse mesmo...
- Você gosta dele!
- Não gosto...
- Ai meu Deus, você gosta realmente dele!
- Ai meu Deus, não gosto!
- Você o acha um idiota bonito.
- Pára com isso!
- Você quer que ele te envolva com os braços idiotas dele e te dê ótimos beijos idiotas.
- Não delira, Anna! - começou Kaitlin, levantando-se com ar irritado. - Nós só dançamos uma noite. Talvez eu tenha apostado demais nele. Talvez eu estivesse tão carente que depositei esperanças sobre ele...
- Kaitlin, desde que você terminou com o Ulysses e o Doug e começou a andar com aquele grupo de piranhas, você transou com pelo menos metade dos garotos do colégio e esse é o primeiro com o qual você realmente se importa. Para mim, ele não é apenas mais um idiota.
- Talvez não seja... - disse Kaitlin, deixando o caderno de palavras cruzadas de lado e se levantando para olhar pela janela. Lá fora, a luminosidade dourada do sol começava a penetrar por fachos de luz pelas nuvens, tentando inutilmente derreter o imenso toldo de neve que cobria o terreno. Kaitlin encarou seu reflexo fosco no vidro do espelho e viu uma garota com uma expressão apreensiva nos olhos. - Mas no fim, ele acabou agindo como todos os outros. Me abandonou, não foi?
- É ano novo, Kaitlin. - disse Anna. - E apesar de grande parte dos alunos ter voltado magicamente depois do natal, o Ruben pode ter preferido passar o reveillon com a família. O celular dele pode ter descarregado, ou podem ter roubado. Nossa... muitas coisas podem ter acontecido e não é motivo para você se preocupar. Eu só... fico feliz que você se centre de novo em alguém e pare de sair com meio mundo.
- Nas duas vezes que eu me centrei em alguém, eu acabei me ferrando. - exclamou Kaitlin, irritada. - Então eu prefiro sim, agir como mais uma piranha e sair dando para meio mundo ao invés de me apaixonar e me decepcionar de novo.
- Nós duas sabemos que isso tudo que você fez foi apenas por uma espécie de status entre aquele grupinho de patricinhas. Kait, eu te conheço há quatro anos e sei que você não é assim... eu sei que isso tudo foi apenas uma forma de reagir contra tudo o que aconteceu. E, por favor - frisou as palavras. -, não brigue comigo, porque fui eu quem ficou do seu lado em muita coisa, mesmo não concordando com a maioria.
Kaitlin caminhou pelo dormitório com os braços cruzados sobre o corpo. Era verdade, por mais que detestasse concordar. Fora apenas a sua maneira idiota de tentar se defender contra tudo e contra todos. E não escutara Anna quando ela lhe aconselhara a se acalmar antes de tomar decisões precipitadas, quando fora a uma festa e bebera até cair e ser carregada pelos corredores do castelo.
- Você tem razão. - disse ela, calmamente. - Você sempre tem razão, não é? Desculpe. Não estou brigando com você. Só... queria que fosse diferente... dessa vez. Sabe? Não queria começar a me envolver com uma pessoa e acabar me decepcionando. De novo. E que droga, - Pegou a bolsa sob a cama e começou a procurar pelo celular. Quando o achou, abriu o flip e viu que havia uma mensagem em letras garrafais: APARELHO TROUXA EM TERRITÓRIO PROIBIDO. SEM SINAL. - Por que isso não podia funcionar aqui?! - Fechou o flip e sentou de novo na cama. - Sabe... não gosto de brigar com a minha mãe.
Deixou escapar um sorriso triste e sem vontade e piscou diversas veze, tentando afastar a umidade de lágrimas que se formava.
- Ela deve achar que eu sou um monstro! - E não sou?, pensou. - E eu faço por merecer... eu simplesmente, quando a vejo, sinto vontade de berrar, de reclamar. De fazer com que ela entenda o ódio que eu sinto por ela ter estragado a vida da nossa família. Mas... eu a amo. É apenas...
- ... uma forma diferente de amor. - completou Anna, pousando uma mão sobre as da amiga e envolvendo-a com um braço esguio. - Eu entendo, Kaitlin. Ou, pelo menos, tento. Agora, o que eu sei é que... - A garota baixou a cabeça e balançou-a negativamente. - se eu tivesse oportunidade de falar com a minha mãe agora... eu pediria desculpas por todos os meus erros e perguntaria se ela sente orgulho de mim... você sabe. Ela morreu em um acidente de carro há um ano. - Kaitlin sabia; inclusive, na época, fora no enterro para tentar consolar a amiga. Anna chorara muito sobre o caixão e as lágrimas permaneceram em seus olhos por uma semana. Então, a garota fizera uma re-decoração em seu quarto e voltara para Hogwarts tentando colocar a sua mente em qualquer outra coisa que não fosse a mãe. - Meu pai até hoje sente falta dela... quem não sente? Mas... nós tentamos, não é? Todos tentam.
- Você... superou isso muito bem. - murmurou Kaitlin, abraçando-a. - Tenho certeza que ela tem muito orgulho de você.
- É... ela sempre me ensinou a lutar pelo o que eu queria, nunca desistir e nunca ficar choramingando minhas dores pelos cantos. Ela era uma mulher muito forte.
- E você puxou a ela, sem dúvida.
- Eu acho que sim...
- ...
- Mas agora vamos parar de falar isso tudo - começou Anna, enxugando as lágrimas do rosto e tentando ampliar um sorriso aparentemente feliz. -, o que importa agora é que você está apaixonada e precisa investir nessa nova relação.
- Eu não estou apaixonada e não existe relação alguma.
- Ok, continue negando até a morte.
Elas foram interrompidas quando a porta do dormitório se abriu com selvageria e uma garota loira platinada irrompeu. O vestíbulo todo pareceu se iluminar excessivamente, fosse pela roupa cheia de pontos brilhantes que a garota ostentava, fosse pelas jóias que irradiavam em seus braços e pescoço. A presença dela dava uma elegância e classe excessiva ao cômodo.
Kelly Pierce era a líder das patricinhas, a garota mais rica do colégio e conseqüentemente, a mais puta. Vendo agora, Kaitlin se perguntara como pudera se juntar a ela e à suas amiguinhas fúteis. Todas se preocupando quem beijou quem ou que vestido cada uma ia usar na próxima festa.
Kelly estacou na frente de Kaitlin e abriu um sorriso idiota, jogando dois beijos no ar e dando gritinhos excessivos.
- E aí, cadelas? - ela exclamou, com sua voz aguda. - É claro que vocês vão à festa de final de ano, não é?
- Festa? - perguntou Anna. - Não falaram nada com a gente.
- É uma daquelas festas! - respondeu Kelly, soltando um sorriso malicioso. - Vocês sabem né? - Voltou-se para Kaitlin. - Mark vai estar lá e eu recebi informações dizendo que ele tem uma queda por você. Kaitlin, não pode deixá-lo escapar. - Baixou o tom da voz, sussurrando: - Ele é gostoso... e Sara disse que é dotado.
- Eu não vou - disse Anna, erguendo-se e girando sobre si. -, bom... eu vou tomar algum café e fazer meu dever de História da Magia que é logo para a primeira semana de janeiro. - Pegou sua bolsa e jogou-a sobre o ombro. - Tchau, garotas.
- Até logo, piranha - disse Kelly e sentou defronte a Kaitlin. - É claro que você vai, não é? O colégio inteiro parece ter voltado depois do Natal... e nós temos que aproveitar! A última festa do ano, para fechar com chave de ouro.
- Kelly, eu... não sei se quero ir numa dessas festas de novo. Sei lá. Cansei...
- Você cansou de transar? - retorquiu a garota, contraindo o rosto em uma expressão de contragosto. - Ótimo... você quem sabe. Mas vai perder uma festa e tanto. Eu tenho que ir... me arrumar para tudo! E convidar mais uns gatinhos, você sabe. - Jogou dois beijos no ar e balançou afetadamente as mãos. - Mais uma coisa... você tem aí alguma erva? As minhas acabaram... e as meninas estavam querendo também.
Kaitlin buscou o malão que sua mãe enviara alguns dias antes com um pedido de desculpas anexo e puxou o saco cheio de maconha.
- Toma - disse. -, pode ficar com tudo. Não quero mais.
- Ok. Você quem sabe.
Kelly levantou-se e contornou a cama, indo em direção a saída.
- Mas pense antes de faltar à festa, ok?
- Tudo bem...
Kelly saiu, deixando-a ali, sozinha. Odiava ter que enfrentar os silêncios que estacionavam quando ficava sozinha. Fechou os olhos e deixou que seu corpo repousasse no colchão macio. Festa, hum! Uma daquelas festas. Aquelas em que todo mundo ia com um único objetivo - caçar e ter sua presa. Ela, decididamente, não estava com vontade de ir. Queria poder descansar ali para sempre, sem ser incomodada. Lá fora, o vento fustivaga a janela, embalando-a em seus devaneios.
Ali, de olhos fechados, ela imaginou o rosto retangular e bonito de Ruben sorrindo para ela, com aqueles olhos tão brilhantes e cálidos. Precisava parar de pensar nele ou iria enlouquecer - ou pior, se apaixonar. Não podia e não queria se apaixonar, mas tudo estava se desenrolando rápido demais e sem a sua autorização. Abriu o flip do celular para fitar novamente a mensagem de que não era permitido o uso de eletrônicos trouxas naquele território... mas... e se escapasse do espaço dentro dos limites de Hogwarts apenas para tentar se comunicar com Ruben e perguntar o porquê de seu sumiço repentino?
Não. Era idiota e submisso demais; odiava ser submissa e dependente de alguém. Queria estar por cima, encarando sua vítima com superioridade. Não podia se deixar levar mais uma vez. Oh, meu Deus. Não podia se apaixonar. Não por um cara instável que um dia te liga ansiosamente e no outro, some.
Ótimo, estava decidido. Iria à festa e se divertiria com alguém para esquecer Ruben de vez. É, Kaitlin... eu acho que você é muito mais instável que qualquer pessoa nesse país. Com uma estocada de varinha, fez um copo com gelo até a borda aparecer e, então, pescou no malão a vodca e o conhaque. Que tal misturar?
Colocou um pouco das duas bebidas e sorveu o líquido com sofreguidão, sentindo os olhos lacrimejarem e girarem nas órbitas. Sua garganta escaldou e seu corpo oscilou com o poder do álcool bastante concentrado. Bebeu de novo e de novo, até que sentiu que sua pele começava a se anestesiar.
Parou. Fez com que o copo desaparecesse e guardou as bebidas, deitando-se novamente na cama.
Estava tão leve e calma. Pronta para tudo e todos. Inclusive para uma festa idiota de ano novo. Iria estrear o ano com o pé direito, sem dúvida.

*-*

Harry estacionou o seu Audi na esquina da rua e então, saiu deliberadamente, fechando a porta ao passar e acionando o alarme anti-roubo. O bipe soou ecoando pela rua vazia e ele continuou até entrar pela portaria de um dos vários prédiozinhos amontoados. Precisava falar com Rosean e explicar o seu sumiço por uma semana. Precisava explicar a verdade, lembrou-se Harry. Que ele nunca deixara de amar Hermione, mas sempre tentara se proteger desse amor se escondendo sob Rosean. Mas, agora, iria tentar novamente. Iria mergulhar na vida de casado.
Caminhou pelo hall amplo e austero, com algumas poucas esculturas de mau gosto e se encaminhou para as portas duplas do elevador, até que foi interceptado pelo porteiro.
- Está procurando pela srta. Miller? - ele perguntou, com seu sotaque escasso de muitas palavras.
Harry acenou afirmativamente com a cabeça.
- Ela foi embora. - retorquiu o porteiro, segurando suas calças azul-escuro e arrumando a camisa social azul que ostentava uma plaqueta com seu nome. - Deixou uma mensagem para o senhor.
- Que mensagem? - perguntou Harry, incrédulo.
O porteiro enfiou uma mão nodosa em um dos bolsos e entregou-lhe um papel muito amassado.
- Estava comigo há uma semana, desde que ela foi embora, - informou ele. - por isso está nesse estado. Ela também disse que te amava muito e que sente por ter que partir.
- Obrigado. - murmurou Harry, calmamente.
Já em seu carro, ele sentou na poltrona acolchoada, deixando que as costas descansassem no espaldar de couro. O papel amassado em sua mão parecia queimar a sua pele alva. Desdobrou-o várias vezes, até que pôde fitar a caligrafia fina e diagonal que ele sabia ser de Rosean. O texto começava com um "Sinto muito".

Sinto muito, Harry.
Eu não queria ir embora. Eu não queria deixar essa vida de Nova Iorque, mas foi preciso. Meu ex-noivo apareceu e me trouxe informações da minha família. Meu pai está morrendo, Harry. E se ele morrer, minha mãe irá precisar de mim. Sentirei sua falta. Demais.
Te amo.


Harry fez uma bola com o papel, amassando-o entre os dedos. Liberdade.
Jogou-o pela janela e então enfiou a chave na ranhura sob o volante, apreciando o simples ronronar do motor. Estava livre. Saindo da vaga entre alguns carros, começou a rodar pela cidade e dobrou a esquina. Voltaria para Hermione. Voltaria para o seu lar.

*-*


Luzes de diversas cores coriscavam o ar daquele ambiente relativamente largo. A luminosidade colorida refletia-se nas paredes pintadas de preto. Uma música meio lenta, com umas batidas suaves soava retumbante pela sala e alguns casais dançavam com o corpo muito colado na pista, se beijando e deixando que seus movimentos seguissem o ritmo da música.
Kaitlin bebericou seu gim tônico em uma taça e então a abaixou, girando-a e observando o líquido se mover, formando pequenas bolhas douradas em sua superfície. Ela estava sentada de pernas cruzadas em um dos poucos sofás espalhados pelo vestíbulo e usava uma meia-calça preta, uma saia muito curta e uma camisa branca que mergulhava bem entre seus seios, deixando-os quase totalmente à mostra. Ouvira os sermões incessantes de Anna falando que não era para ela ir àquele tipo de festa. Mas Kaitlin não estava comprometida com ninguém, não é? Podia fazer o que quisesse - com quem quisesse.
Até que o ambiente estava agradável; alguns casais começavam carícias um pouco mais quentes em alguns dos outros sofás e ela podia ver até duas garotas se beijando muito, sentadas no colo de um outro cara. O mundo do sexo fora muito interessante para ela nos últimos meses. Beijos quentes, deslizares de mão e línguas correndo por peles. Mas agora, por algum motivo, tudo aquilo, toda aquela promiscuidade por todos os lados parecia incomodá-la de alguma forma.
Lembrou do dia que conhecera Ruben. Estava sentada em um daqueles sofás e ele convidara-a para dançar. Aquele sorriso maravilhoso, aqueles músculos rijos sob o tecido fino. Ou mesmo aquele olhar. Tão simples, porém tão poderoso.
Meu Deus, como ficara dependente dele naquele curto espaço de tempo. Era tudo carência, apenas isso. Uma carência idiota e romântica que iria levá-la para o mesmo lugar que Ulysses e Doug a levaram - ao fundo do poço. Precisava parar de pensar nele. Precisava conseguir isso.
Sorveu mais um gole do gim tônico. A música com batidas lentas e ritmadas foi tomando a forma de uma eletrônica agitada e dançante, o que fez com que alguns estudantes se movessem para a pista no centro do vestíbulo e investissem em uma dança animada. Kaitlin descruzou as pernas e respirou fundo, erguendo-se em um salto.
Fizera aquilo diversas vezes nos últimos meses e tivera sucesso. Não iria ter problemas.
Abandonou a taça de gim em um canto e encaminhou-se lentamente, deslizando o olhar pelo grupo de rapazes que ainda não estava acompanhado e escolhendo um. Loiro, com cabelos relativamente grandes, caindo um pouco acima dos ombros. Tinha um porte atlético e sorria muito, os dentes brancos muito retos e bem feitos. Mesmo a alguns metros, ela notou poucos músculos visíveis sob o casaco. Ruben tem músculos mais bonitos, sem dúvida. E o rosto mais anguloso e bem desenhado... e daí? Ele não tem nada com você e muito menos você deve ter com ele, então, simplesmente, pare com isso e faça seu trabalho. Seja a mulher fatal que você sempre é.
- Oi, tudo bem? - Sua voz soou da maneira que queria; doce e ligeiramente rouca. Aveludada. E ela logo levou os dedos ágeis aos cabelos loiros, livrando-se de uma mecha lisa dos olhos e batendo as pestanas longas, deixando que seu olhar penetrasse diretamente no dele.
- Oi - ele disse, envolvendo-a em um abraço e puxando-a para próximo de si. - Sozinha?
- Você é rápido, não é?
- Quando eu preciso, sem dúvida.
- Nome?
- Andy Matherson - Ele era bonito, sem dúvida. E sua pele estava muito quente, quase completamente colada à dela. - E o seu?
- Kaitlin Potter. - respondeu a garota, sorrindo e deixando que seus braços caíssem sobre os ombros dele.
- Bom, Kait, claro que não está planejando passar o reveillon sozinha, não é?
- Claro que não - disse ela. – e, inclusive, esperava que você resolvesse isso...
Andy abriu um enorme sorriso e então a puxou para mais perto de si, deixando que ela sentisse o volume no baixo ventre que parecia pulsar e crescer a cada segundo. Então, com um único movimento, ele comprimiu sua boca aos lábios dela, engolindo-a por inteiro e explorando-a com a língua.
Kaitlin deixou-se guiar e esvaziou a mente, os olhos fechados e o corpo oscilando. E então, aquele sorriso irreconhecível ofuscou sua memória. Os olhos azuis, lábios levemente rosados e o cabelo castanho baixo. Seu corpo todo implorou por Ruben. Ela queria que fosse ele ali, e não aquele desconhecido. Um desconhecido bonitinho, sem dúvida. Com um corpo bem feito e uma boa lábia. Mas não era aquilo que ela queria...
E o que ela queria afinal? Se apaixonar de novo? Cair naquela cilada? Ser motivo de risada para mais um cara que só queria foder com ela e depois jogá-la fora? A imagem de Doug veio-lhe à mente de novo. A voz grave, os olhos amendoados e o cabelo curto. Com um simples beijo, ele conseguia fazer com que ela se entregasse totalmente. E ele fora uma grande paixão, sem dúvida.
Nada mais, além disso. E Kaitlin odiava o fato de que a qualquer instante, em qualquer situação, ele entrava em sua mente e insistia em não sair, como para lembrá-la como ela fora idiota em abandonar Ulysses. E ao mesmo tempo, para inundá-la naquele mar de desejos, beijos longos e juras de amor eterno que duraram três meses.
Kaitlin ainda sentia as investidas de uma língua entre seus lábios e dedos quentes traçando uma trilha pelos seus seios e, então, simplesmente afastou-o com as mãos. Andrew - ou seja lá como fosse o nome dele (ela nem se lembrava mais) - retornou com um olhar perplexo e um meio sorriso se espalhou pelo seu rosto.
- Qual é, gatinha? - exclamou ele. - Agora que estava esquentando?
- Acho que prefiro passar o ano novo sozinha mesmo - respondeu Kaitlin, abotoando a camisa até o último botão e soltando um suspiro longo. -, sinto muito.
E andou o mais rápido que podia, sem dar-se ao luxo de correr no meio da festa. Viu de relance os cabelos platinados de Kelly Pierce cavalgando em algum estudante e, então, quando viu que já estava em um dos longos corredores vazios, deixou que seu corpo a guiasse à máxima velocidade para fora.
O lago estava congelado, porém a neve alva dava os primeiros sinais de que em breve o sol iria vencer a batalha contra o frio. O ar gélido e fresco inundou seus pulmões quando ela imergiu na noite completamente escura.
Kaitlin puxou a parte de cima da camisa para o pescoço, tentando proteger-se do frio, e prosseguiu sua caminhada, deixando-se parar a poucos metros do lago.
Olhou no relógio e viu que faltavam agora apenas dez minutos para a meia noite.
Dez minutos para um novo ano começar e ela trilhar uma nova história. Dez minutos para lembrar de como seu ano fora completamente diferente; quantas brigas esbravejara contra a mãe, quantos beijos dera, quantas coisas novas haviam acontecido.
Seus olhos se encheram de lágrimas e ela podia imaginar cada estudante em casa, com a família, ou mesmo na sala comunal comemorando alegremente com os amigos. O silêncio calmo da noite parecia deixá-la surda e, se pudesse, ela sumiria. Para mergulhar em um lago negro e sem vida.
Respirou fundo, sorvendo oxigênio frio para os pulmões e então, piscou os olhos, fechando as pálpebras para afastar as lágrimas. Ouviu um passo.
Um simples passo abafado na neve.
Ergueu a cabeça e sorriu.
- Eu procurei você por toda a parte! Toda parte e você simplesmente sumiu! - exclamou Ruben, com animação aparente na voz. - Anna me disse que você tinha ido a uma festa e eu inclusive fui até ela e você não estava. Acabei desistindo e vim passar o reveillon aqui sozinho, olhando as estrelas. Estava com saudades absurdas de você.
- Ruben? - Era impossível. Aquilo não podia estar acontecendo. Não agora. Não com ela.
- Eu trouxe um presente, se não se incomoda... - continuou ele, chapinhando pela neve em direção a ela e parando ao seu lado, os olhos penetrando nos dela. - Aqui. - Ele tirou um pequeno ponto reluzente do bolso do casaco e colocou na palma da mão dela. - Veja e me diga o que acha...
Kaitlin baixou os olhos para a mão, completamente entorpecida com o fato de ele estar ali, defronte a ela, sorrindo e com um presente. Sua visão ganhou nitidez e ela pôde ver que era um pequeno coração dourado, preso a um cordão de ouro. Deslizando o dedo pela jóia, viu que havia algo que o repartia em dois e abriu-o.
Dentro, dois rostos sorriam e acenavam e ela sentiu que as lágrimas subiam aos olhos quando viu um retrato seu em uma metade e um de Ruben na outra. Ambos sorriam muito e o Ruben da fotografia passava para a foto ao lado ocasionalmente e distribuía beijos longos na acompanhante.
Kaitlin sentiu que uma mão erguia sua cabeça e ficou face-a-face com Ruben, completamente entregue.
- Eu senti tanto a sua falta... - ele disse, em um sussurro rouco e cálido.
- O... o que nós estamos fazendo? - murmurou ela. - O que está acontecendo aqui?
- Eu estou te amando. - respondeu Ruben. - Simples e objetivo.
O relógio de Kaitlin soou baixinho e então, ela sentiu um toque úmido, doce e macio sobre os seus lábios. Sem conseguir se controlar, seus dedos emolduraram o rosto anguloso de Ruben e seus seios ficaram em contato direto com a pele quente dele. Seu corpo amoleceu e ela nem conseguia prestar atenção nos rojões coloridos que coriscavam o céu.
Eu te amo... tanto.
Beijou-o com sofreguidão; penetrou a língua toda sobre a dele e deixou que ele também ocupasse a sua boca. Desvencilharam os lábios e então, sentiu que ele começara a investir em deslizar por um caminho úmido e quente em seu pescoço, mordiscando-a e lambendo o pedaço de pele que escapava do tecido.
Beijou-o vezes seguidas, enfiou as unhas sobre a camisa dele, tentando arrancá-la e então, sentiu que ele segurava-a pelas costas, elevando-a alguns centímetros no ar e embalando-a sobre si.
E naquele momento, ela se sentiu amada e completa, como não se sentia há meses. Ulysses e Doug simplesmente desapareceram de sua memória e ela se entregou a ele. Ruben. O seu mais novo amor.
Feliz ano novo, Kaitlin.

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.