Estrelas Cadentes

Estrelas Cadentes



Capítulo 4 - Estrelas Cadentes





Na manhã seguinte, Andrômeda estava bastante animada. Quem a visse não imaginaria sua situação na noite anterior. Apesar de curioso, Harry achou melhor não perguntar nada a respeito. Já vira como Andrômeda podia ser amarga quando queria.

- Harry, Ninfadora deixou uma carta para você em meu quarto.

O garoto recebeu o envelope curioso. Não tinha notícias de ninguém há alguns dias.

- É do Rony. Está dizendo que já voltou para a Toca e que Dumbledore está arrumando uma maneira para que eu passe a última semana de férias lá.

- Sorte deles saírem da mansão. Aquela casa me provoca arrepios.

- Você devia ir muito à Mansão quando era nova, não é? - ele tentou iniciar uma conversa.

- Você está perguntando se eu visitava o Largo Grimmauld com freqüência? Oh, Mérlin, como eu gostaria de ser apenas uma visita! - Andrômeda suspirou. - Morei lá até atingir a maioridade bruxa.

Harry se deu um tapa na testa. Era lógico que numa casa grande como aquela não viviam apenas quatro pessoas. Andrômeda continuou a contar:

- Morei naquela casa desde que nasci. Até então Bellatrix era a única criança da casa. Acho que era por isso que ela me detestava tanto... Vim roubar parte da atenção que antes estava voltada só para ela. Nesse tempo moravam ali minha avó, meus pais, os pais de Sirius, tia Elladora e a prima Araminta - Andrômeda cuspiu de lado ao falar o nome da mulher. - Nossa! Eu quase me esqueci da única pessoa decente que morava em Grimmauld! Tio Alphard! Eu vi uma foto dele aqui em algum lugar...

Andrômeda afundou dentro do armário cheio de teias de aranha, revirando os papéis desenfreadamente. O garoto deu um passo para trás para não ser atingido pelos objetos que volta e meia a bruxa jogava por sobre sua cabeça. Uma foto de um homem sorridente planava no meio da confusão de papéis voadores e foi alojar-se no espaço entre os óculos e as sobrancelhas de Harry. O menino pegou a foto e analisou-a por um instante. Um bruxo de meia idade acenava de dentro da foto e apontava para Andrômeda, como que pedindo para que Harry a chamasse.

- Você está procurando por isso, Andrômeda? - ele cutucou de leve o ombro da bruxa, que não deu importância.

- Tenho certeza de que a vi por aqui... - e deixou o armário para revirar o amontoado de papéis que havia atrás dela.

- Andrômeda... - Harry tentou novamente.

- Não era uma foto muito grande... - ela comentou enquanto franzia os olhos para um pedaço de pergaminho amarelado e infestado de traças. - Provavelmente foi tirada pouco antes de Sirius sair de casa.

Harry olhou mais uma vez para a foto, quase convencido de que aquele não devia ser o tio de Andrômeda. Estava prestes a jogá-la na pilha de papéis, quando a bruxa tomou a fotografia bruscamente de sua mão:

- Tio Alphard!

O garoto deu de ombros e se sentou no chão, desanimado.

- Eu não lembro de ter visto o nome dele... - Harry forçou a memória repassando todos os nomes estampados na árvore genealógica dos Black, guardada num dos quartos do Quartel General da Ordem da Fênix.

- Tio Alphard - ela deu um sorriso para o bruxo de ar abatido que acenava de dentro da foto. - Sabe, Harry, toda família tem uma ovelha negra... A minha teve três! Se bem que, se tratando da família Black, acho que ovelhas "brancas" seria um termo mais apropriado - e piscou para o garoto.








Eu estava prestes a completar 10 anos quando tio Alphard deixou o Largo Grimmauld. Lembro-me bem disso porque foi o primeiro ano de Bellatrix em Hogwarts e o primeiro ano de minha vida em que tive sossego, se é que alguém podia ter sossego vivendo naquela casa. Sirius acabara de fazer 9 anos, enquanto Regulus fazia contagem regressiva para chegar aos oito, a mesma idade de Narcisa. Nunca entendi a pressa que meu primo mais novo tinha em crescer.

Hoje, olhando para trás, imagino que tio Alphard se deixou ficar naquela casa por muito tempo. Talvez seja essa paciência infinita dos alunos da Lufa-lufa que o fez permanecer no Largo Grimmauld. Não faça essa cara de abismado. Meu tio realmente foi um aluno da Lufa-lufa. E nem gosto de imaginar como foram seus anos de escola, tendo os meus por experiência. Meu pai e meus tios definitivamente não deveriam ser menos terríveis com ele do que Bellatrix era comigo. Ou talvez tenham apenas ignorado-o. Porque era dessa forma que ele era tratado dentro de casa, e eu, como a garota invisível, era a única que se dava conta de sua existência.

Você deve estar pensando em Sirius. Bem... Ao contrário de mim e de tio Alphard, que sequer éramos notados, Sirius recebia atenção demais de toda a família, uma vez que era o primeiro neto homem de meu avô. Ele também tinha tudo para ser a mais perfeita tradução da família Black, ao menos até entrar em Hogwarts.

Eu e Narcisa tínhamos ido a King's Cross com mamãe para despedirmo-nos de Bellatrix. Não que alguma de nós duas se importasse com a entrada de minha irmã mais velha na escola, mas minha mãe fazia questão. Creio que era uma ótima forma de exibir a pureza do sangue dos Black ou de fazer conchavo contra os nascidos trouxas que embarcavam todo ano na estação.

Passei todo o tempo sentada sobre o malão de Bellatrix, que observava todos à distância, não encontrando alguém digno de sua companhia. Foram pouco mais de quinze minutos, mas que pareceram eternos. Ao menos até eu colocar os olhos em tio Alphard. Aproveitando que minha mãe estava numa conversa sem fim com a Sra. Malfoy e que Narcisa parecia concentrada demais no filho da mulher, saí dali rapidamente disposta a encontrar meu tio. Ele ajeitava a gravata borboleta de um garoto baixinho, de cara redonda e lábios finos.

- Tio? - eu me aproximei receosa.

- Andie? - ele franziu a testa e, logo após confirmar que era eu, seu olhar passou a procurar rostos conhecidos na multidão. Se eu estava ali, minha mãe também deveria estar.

Não demorou muito a encontrar as outras três mulheres da família Black. Então, virou-se para a mulher loira de pé ao lado do garoto.

- Maddelyn, tenho que ir ou teremos problemas. Mande notícias de Hogwarts, está bem?

O garotinho parecia decepcionado.

- Você não vem junto comigo? - ele perguntou, e meus olhos devem ter se arregalado, pois em vez de responder ao menino, meu tio se virou para mim.

- Nem um pio sobre esse assunto, Andie. Em casa eu lhe explicarei...

- Explicará o quê, tio Alphard?

Bellatrix. Eu havia fugido de minha mãe e de Narcisa, mas tinha me esquecido de Bellatrix. Mas ela nunca se esquecia de mim. Era a única pessoa daquela casa, fora meu tio, que falava comigo com freqüência e não posso dizer que isso fosse bom.

É engraçado como eu sempre achei que todos tinham medo de Bellatrix, mesmo os adultos. Talvez não fosse bem um medo, mas uma submissão total às vontades de minha irmã mais velha. A única pessoa invulnerável ao poder de Bella era tio Alphard.

Ele não se dignou a responder. Voltou-se novamente para o garoto, mexendo mais uma vez na gravata borboleta enquanto o rosto de minha irmã se avermelhava. Aquilo me preocupava: Bella podia tolerar ordens, broncas e respostas evasivas, mas nunca a indiferença.

- Tio Alphard estava me apresentando a eles - eu tomei as rédeas da situação, tentando evitar algum escândalo.

Bella me olhou com interesse, quando tio Alphard congelou ao ouvir minhas palavras. Encarava o garoto apreensivo. Por fim, coçou a nuca e olhou para a provável mãe do garoto.

- Por que não? - e deu um sorriso tranqüilo. - Muito bem, Bellatrix, você iria conhecer meu afilhado em Hogwarts. Podemos antecipar as apresentações.

- Afilhado? - minha irmã mediu o garoto, que parecia constrangido com as duas esferas de vidro que o vistoriavam. - Nunca o vi em nossa casa... - desdenhou.

- Eu... eu acho que já o vi, sim, Bella.

Tinha certeza de que meu tio estava inventando aquela história. Nunca vira garoto mais gordo, mas precisava ajudar meu tio a tecer aquela mentira. Quanto menos Bella suspeitasse, maiores as chances de ela não se referir àquele incidente perto de minha mãe.

- Não. Tenho certeza de que não, Andie - meu tio me desmascarou.

Ele recusara minha ajuda.

- Maddelyn era esposa de um grande amigo meu, meninas. Benjamin - ele se abaixou e passou o braço esquerdo por sobre os ombros do garoto -, estas são Andrômeda e Bellatrix, minhas sobrinhas.

Eu ofereci a mão direita, procurando cumprimentá-lo timidamente.

- Benjamin o quê? - Bellatrix não deu um passo.

- Covington. Ben Covington - a bruxa mais velha frisou em tom ríspido, apertando a mão que o garoto deixara estendida no ar esperando pela de Bellatrix.

- Covington? - Bella deu um largo sorriso. – Por que não disse antes?

Antes que Bella se arriscasse a dar um abraço comedido no garotinho - ela ainda não o aprovara totalmente apesar do nome tradicional -, minha mãe, Narcisa, a Sra. Malfoy e seu filho nos avistaram e vieram tomar satisfações.

- Bellatrix! O que pensa que está fazendo?

Minha mãe a puxou antes que pudesse tocar Benjamin. Foi a primeira vez que vi minha irmã tomar uma reprimenda. A Sra. Malfoy evitava trocar olhares com a mãe do garoto, parecendo extremamente incomodada de estar ali; minha mãe estava furiosa.

- Foi Andie quem me trouxe aqui, mamãe - como sempre, a culpa era jogada sobre meus ombros.

Acho que você já deve ter visto Narcisa e seus olhos de gelo. O azul claro como o céu oprimindo nossas cabeças num dia sem nuvens. Assim também era o olhar de minha mãe: impiedoso e onipotente. Ela nunca me olhou com fúria; ao contrário, era sempre gélida e distante, como se entre nós não houvesse qualquer laço de parentesco. Os olhos pousaram sobre mim apenas um minuto, em que não tive forças suficientes para mover os lábios e me retratar. Baixei a cabeça e senti uma lágrima descer queimando meu rosto.

- Andrômeda não a trouxe, Diadem. Não perca seu tempo apavorando a menina. Foram os pés curiosos de Bellatrix que a trouxeram aqui. E não vejo o problema nisso.

Minha mãe evitara trocar qualquer palavra com meu tio até aquele momento. Certamente, estava tentando tirar suas filhas dali sem que precisasse violar o pacto velado da família Black de ignorar a ovelha branca da família.

- Não vê problema nisso... - ela repetiu para si mesma, sem olhá-lo nos olhos.








- Pegue a foto, Harry - Andrômeda devolveu a fotografia para o garoto. - Ele sorri com os olhos, não acha? Meu pai dizia que tio Alphard estava sempre fazendo gozações mentais dos membros de nossa família.

- Parecem os seus... - Harry fitou a face cansada de Andrômeda.

Ela sorriu.

- Isso para mim é um elogio, querido, mas sempre achei que pareciam os olhos de Sirius.

- Me desculpe, Andrômeda, mas... Não... Sirius... Sirius... era triste - o garoto foi diminuindo o volume da voz.

- Bem, eu não vi meu primo depois de Azkaban e nem gosto de imaginar o que aquele lugar pode ter feito com ele. Mas será que você nunca o viu num momento feliz? Por Mérlin, os olhos de Sirius eram tão vivos... Tão negros e vivos quanto os de tio Alphard.








- Bem, Alphard, você nunca teve muito bom senso mesmo.

- Reafirmo, eles vão freqüentar a mesma escola, não há por que...

- Uma pena, na minha opinião, porque a menina parece uma cópia da mãe - a mulher tinha agüentado calada até o momento. - Como se um sobrenome valesse alguma coisa.

- Vale muito - minha mãe a encarou ofendida. - O nome e o sangue. Coisa de que este bastardo não pode se orgulhar.

Todas as crianças voltaram-se de imediato para o garotinho, que correu a se esconder detrás da capa da mãe.

- Ele não é um bastardo.

O rosto de Maddelyn Covington avermelhara-se de fúria, igualando-se ao tom da capa. Estranhamente, meus olhos estavam presos na figura de tio Alphard, que estava calmo e sereno. Em vez de se prender à discussão entre as mulheres, procurava passar segurança ao garotinho, que tremia agarrado a sua mão.

- Não? - a Sra. Malfoy retrucou em tom cínico, querendo provocar a bruxa ainda mais.- Mas então...

- O trem está para sair, Sra. Malfoy. Creio que as crianças ainda não acabaram de colocar sua bagagem no devido compartimento...

- Eu não vou entrar no mesmo trem que um bastardo - minha irmã mais velha deu um passo para trás, puxando sem sucesso o malão arrebatado de pertences.

Minha mãe sorriu. Aquela era sua filha Bellatrix.

- Não quer ir para a escola, querida? - a fúria da mulher não havia se abrandado. - Certamente não pode se misturar com meu filho... Meu filho que é tão puro sangue quanto a senhorita! - e cuspiu de lado ao terminar a fase.

- Maddelyn, vamos terminar de embarcar Benjamin, depois... - meu tio tentou trazê-la à razão. Era o único que sabia do grande segredo que ela traria à tona em instantes.

- Estou cansada dos seus depois, Alphard - ela lançou a ele um olhar de desprezo. - Estou cansada de ver você esconder seu próprio filho!

O garoto olhou para meu tio assombrado, largando a mão que há pouco era sinônimo de proteção. Saiu numa corrida desabalada. Meu primeiro impulso foi sair atrás do garoto, mas senti a mão gelada de Narcisa apertando a minha, avisando que era melhor eu não me mover.

Meu tio respirou fundo e, sem perder a calma, mandou a mulher atrás dele.

- Temos que embarcá-lo, Maddelyn. Eu estarei em Hogwarts ainda esta noite. Você pode vir comigo se quiser. Apenas embarque-o!

Relutante e nervosa, Maddelyn Covington obedeceu a meu tio. Meu tio tinha um filho? O choque era geral. Mas se ele era filho de meu tio, devia ser um Black. Devia morar conosco na mansão. Devia ser o queridinho da família em lugar de Sirius, afinal, ele era o primeiro neto homem; tinha certamente a mesma idade de Bellatrix.

- O bastardo...

- Ele não é um bastardo, Diadem, achei que Maddelyn tivesse deixado isso claro.

- Você teve um filho com ela? Por Mérlin, todos sabiam que você era...

- Que eu era o quê, Sophia?

A mãe de Lucius Malfoy pareceu desconcertada. Meu tio era mal-visto por toda a alta sociedade bruxa, mas, por respeito ao resto da família, evitava-se comentar sobre ele. Ao menos em frente a membros da família Black.

- Maddelyn Covington? Ela… ela é uma amante de sangue ruins e trouxas, Alphard - minha mãe deu o veredicto final. - Você jamais poderia se envolver com alguém da espécie dela.

Desta vez não eram apenas os olhos de meu tio que demonstravam deboche. Seu rosto inteiro contorcia-se, prestes a explodir numa gargalhada.

- Quem é você para dizer com quem eu posso me envolver, Diadem?

Disse isso num berro tão alto que o primeiro apito avisando que os últimos alunos deveriam embarcar passou despercebido. Mas se minha mãe não tinha o sangue dos Black circulando em seu corpo, ela tinha a alma de um e Diadem Amy Black não se deixava vencer facilmente.

- Você diz que não se importa, não é mesmo, Alphard? Mas não a assumiu. Se essa criança é realmente sua, você está escondendo seu relacionamento há pelo menos 11 anos! Seus instintos de macho não foram suficientemente fortes para recusar os apelos dessa enjeitada, mas sua consciência não permite que você a assuma, não é mesmo, Alphard Black? Teve um filho e tem vergonha dele.

Meu tio não conseguira reagir.

Ela triunfara. Mãe e garoto estavam voltando, resignados, quando as últimas frases foram pronunciadas. Eu pude ver os dois se abraçando e chorando, lágrimas doloridas da rejeição. No fundo, minha mãe tornara públicos os pensamentos mais secretos de Maddelyn Covington. Odiei minha mãe naquele momento, mais do que em qualquer outro. Como ela podia não se importar? Meu tio, de costas, não os via. E eu fui complacente ao vê-los deixando a estação. Tio Alphard jamais tornaria a rever o filho.








- Como assim, nunca mais? Ele não procurou o filho? - o nervosismo gerado por aquele final inesperado impulsionara Harry a levar a mão à boca, tentando aplacar nas unhas a revolta que sentia.

- Procurou... Mas... bem... infelizmente acharam Maddelyn e Benjamin antes dele.

- Você... você está dizendo...

- Não... Não foram vítimas da fobia de Voldemort. Não há provas, mas eu e Sirius sempre achamos que o clã dos Black providenciou o silêncio absoluto de meu primo bastardo.

- Mas... mas... e ele não fez nada?

- Tio Alphard reagiu sim, Harry. De modo para lá de inesperado por toda a família. E a primeira atitude dele foi deixar a casa onde vivia desde que nascera.








Tio Alphard havia sido esquecido tão logo Bellatrix adentrara o Expresso e minha mãe, que normalmente aproveitaria para fazer compras no Beco Diagonal, começara a jornada frenética de volta à Mansão dos Black. Lembro de senti-la apertando mais a minha mão do que de costume, enquanto nos levava de volta para casa. Os passos rápidos de adulto faziam com que eu e Narcisa tivéssemos que correr devagar para acompanhá-la. A Sra. Malfoy seguia conosco assombrada; ao que tudo indicava, não costumava circular entre trouxas, como minha mãe fazia naquele exato instante.

Assim que pisamos no jardim de nossa casa, as mãos se soltaram. Ela olhou para mim e minha irmã caçula, fitando-nos de forma conhecida e ameaçadora. Não eram preciso palavras para traduzir o que ordenava. Nenhuma palavra sobre o que acontecera devia ser mencionada. Narcisa e eu baixamos as faces assentindo que cumpriríamos nossa parte do acordo.

Minha irmã assimilara o pedido mais rápido do que eu e, para meu espanto, suas primeiras palavras nada tinham a ver com tio Alphard.

- Você viu o herdeiro dos Malfoy? Bastante bonito... Bella deve cair na mesma casa que ele. Que sortuda! Queria eu ser a primogênita!

- Malfoy? De quem você está falando? Eu...

Ouvi um estardalhaço dentro da casa. Inconfundivelmente, tratava-se da voz de minha tia, mãe de Sirius. A história já começara a se espalhar e muitas outras reações exageradas se seguiriam àquela. Meu coração acelerou; eu queria fazer alguma coisa. Gostava tanto de tio Alphard... Mas fazer o quê? Bem, certamente ficar no jardim ouvindo Narcisa falar dos olhos enevoados de Lúcio Malfoy não me ajudaria em absolutamente nada. Decidi entrar e tentar pensar em alguma coisa, mas encontrei meu primo mais velho pondo em prática a idéia que não me ocorreu.

- Sirius!

A orelha direita grudada à porta da biblioteca, meu primo tentava ouvir cada palavra silenciosa da reunião de meus tios. As vozes agora pareciam sibilar, tal era o silêncio em nossa enorme sala de estar. Deviam estar confabulando sobre a melhor forma de punir tio Alphard por tão grave delito.

Sirius pediu para que eu me calasse e deslizou o rosto pela porta, deitando-se no chão. Com um potente canivete, tirava lascas de madeira de forma a abrir um buraco por onde o som passaria melhor. Eu continuei observando-o da entrada de casa, olhando para trás vez ou outra para ter certeza de que minha irmã continuava a sonhar acordada entre lírios e jasmins perfumados.

Talvez meus tios tivessem ouvidos aguçados ou simplesmente tenham estranhado tanto silêncio numa casa povoada por crianças barulhentas. A verdade é que Sirius mal tinha concluído seu trabalho quando meu pai abriu a porta bruscamente. Primeiro seus olhos foram de encontro a mim, mas eu estava a uma distancia suficiente para não levar uma bronca sem motivo. Ao menos daquela vez.

Então sentiu o respirar ofegante de meu primo a embaçar seus sapatos, olhou para dentro da biblioteca e em pouco meu tio surgira na sala.

- O que você pensou que estava fazendo, rapazinho? - a voz dura de seu pai deixara Sirius levemente desconcertado. Desde que não envolvesse Regulus, seus pais estavam sempre prontos a lhe perdoar por qualquer travessura que cometesse. Mas parecia haver exceções, como tentar ouvir reuniões secretas.

Sem saída ele arriscou:

- Pensei ter ouvido mamãe chamar meu nome, mas a sala estava trancada. Tentei ouvir se havia alguém aí dentro e...

Vendo que o coração de meu tio começava a abrandar, meu pai, o mais velho daquele grupo de irmãos, replicou:

- Vocês são condescendentes demais com esse pirralho, Mirach. Vão acabar por estragá-lo - e lançou um olhar de desprezo a Sirius.

Ele quase suspirou aliviado. Sempre conseguia amansar os pais. Ao menos até aquele dia, porque meu tio endurecera novamente após as palavras de meu pai. E, sem dizer mais nada, disparou um feitiço contra o próprio filho. Mirach Black não olhou para o menino enquanto este era jogado três metros longe, de encontro a um grande sofá de madeira negra. O baque ensurdecedor da porta se fechando não me arrancou do estado inerte em que eu estava. Sirius tinha sido castigado? E na minha frente?



- Você não viu isso, certo, Andie? - Sirius resmungou enquanto massageava a maçã do rosto logo abaixo do olho direito. Tinha batido-a na quina do sofá.

- Ela pode ficar quieta, mas eu não. Que pena que Bellatrix não estava aqui para me ajudar a infernizá-lo pelo resto da vida por isso!

Do alto da escada, Regulus ria do irmão com puro ar de deboche e superioridade. Sirius bufou e fechou os olhos por alguns segundos tentando recuperar as rédeas da situação.

- Não foi nada... Uma batidinha qualquer. Só os fracos se deixariam abater por uma bobeira dessas.

- Deixe de ser bobo - eu perdi a paciência com os dois e andei até Sirius.

A área em volta dos olhos estava quente e começava a inchar

- Estúpido! Quis ser sincero uma vez na vida, Sirius? - eu ralhei, irritada com os dois enquanto puxava o rosto de meu primo procurando por algum hematoma mais sério. - Monstro, traga gelo, rápido! - gritei ao elfo que nos olhava escondido atrás da mobília.

Eu não gostava muito de Sirius naquele tempo, mas a reação de meu tio me deixara assustada. Meu primo era o queridinho de toda a família. Mesmo quando lhe davam broncas e castigos, faziam-no longe das outras crianças. Para desgosto de Bellatrix, era ele quem estava sendo preparado para assumir a liderança daquela família quando os adultos morressem. Era o filho pródigo, aquele que levaria os Black por mais um centenário como uma das famílias mais honradas e prestigiosas do mundo mágico.

- Sincero? Nunca vi desculpa mais estapafúrdia. Não me admira papai lhe punir... Desaprendeu a mentir com convicção, foi? - Regulus desceu metade dos degraus e se sentou, fitando-nos do alto.

- Mamãe gritou o meu nome, seu idiota. Mas logo quando eu ia entrar eles selaram a porta com um feitiço - Sirius replicou, fazendo uma careta de dor quando o gelo lhe queimou o rosto fervendo. - Me dá isso aqui, Andrômeda.

Sirius tomou o lenço cheio de gelo da minha mão e se levantou, deitando-se em seguida no sofá imponente que lhe causara o hematoma. Eu afastei algumas almofadas da poltrona mais próxima e me sentei, abraçada a meus joelhos. Um estava ralado de um tombo no percurso para casa. Estávamos os três mudos, aguardando a abertura da porta. Não sabia o que teria ouvido, mas imaginava o que estavam discutindo ali dentro. Logicamente tinham tocado no nome dele e finalmente entendi porque meu tio o tinha destratado. Sirius não era mais o primogênito daquela geração de Blacks; o filho de tio Alphard era. Agora Sirius era apenas mais um imprestável, como qualquer uma das outras quatro crianças daquela casa. Estavam descontando a raiva e amargura em cima de meu primo que sequer entendia o porquê daquilo tudo.

- Monstro, traga penas de açúcar! Estou com fome! - Regulus ordenou, quebrando o cristal de silêncio que nos envolvia.

A voz do irmão pareceu aumentar a dor de Sirius, que deu um gemido. Estávamos próximos o suficiente para que eu notasse uma lágrima nascendo no canto do olho de meu primo, que ele de pronto secou com a mão livre.

- É a convenção mirim dos Black? - Narcisa finalmente entrara.

- Afinal, o que aconteceu na estação? - Sirius a ignorou, os olhos interrogativos me pressionando para responder.

Narcisa me fitou surpresa e repressoramente.

- Sabe que não podemos falar nada sobre isso.

Regulus desceu quase rolando as escadas de tão rápido que o fez. Sirius levantara-se de uma vez, sorrindo com malícia e vontade. Apenas uma fisgada que aparecia periodicamente nos lábios denunciava que a dor ainda não o abandonara.

- E eu não disse nada, sua tonta! Para variar, Sirius estava jogando verde! Mas agora eles já sabem que aconteceu alguma coisa.

- Ora, mas isso é óbvio - Sirius se intrometeu. - Eles estão trancados ali desde que sua mãe voltou de King's Cross. Sei que tem algo a ver comigo e acho que ouvi o nome de tio Alphard. A palavra trouxas...

- Trouxas? O que Sirius, tio Alphard e trouxas estariam fazendo na mesma conversa, seu bobo? - eu tentei disfarçar.

- Andrômeda tem razão - Regulus já estava quase desinteressado.

- O fato de tio Alphard ter tido um filho com uma trouxa antes de eu nascer? - Sirius retrucou mal-humorado.

Eu e Narcisa nos olhamos atônitas. Nunca duvidamos da inteligência de Sirius, mas aquela dedução estava próxima demais da real.

- Não é bem isso... - Narcisa não sabia se esclarecia os enganos ou negava-se a comentar o ocorrido terminantemente. Eu tomei a decisão por ela.

- Ela é puro sangue, assim como o garoto. Mas parece que, bem, foi expulsa da própria família. Uma Covington.

- Eu acho que vou subir. Essa conversa está muito comprometedora. Não quero que mamãe e papai se zanguem comigo - e Narcisa saiu correndo pelas escadas para refugiar-se em nosso quarto.

- Então, ele é mais velho que nós? - Regulus arregalou os olhos sobre mim enquanto Sirius parecia digerir as últimas informações. - Por que tio Alphard nunca o trouxe aqui? Deve ser um palerma.

Os três ficaram mudos de repente. Alguém mexia na porta de entrada e este alguém era justamente o centro de nossa conversa atual: tio Alphard.

Não parecia os tio que nós três conhecíamos. Parecia bravo, e tio Alphard nunca estava bravo. Passou por nós três sem nos olhar e então arrombou a porta da biblioteca. Com medo de levar uma bronca, Regulus subiu as escadas em disparada, deixando eu e Sirius a sós a presenciar a primeira e única grande revolta de Alphard Black perante sua família.

- Vem - Sirius me puxou para dentro da biblioteca e ambos nos escondemos debaixo de uma escrivaninha.

Eu sabia o que me esperava quando me descobrissem ali, mas queria ficar. E Sirius me dava confiança - tinha um ar de determinação no rosto que eu jamais vira nele a não ser quando acompanhado de Bellatrix; talvez porque eu só prestasse verdadeira atenção a ele quando estava com minha irmã, sua aliada potencial em crueldades para com todos os outros naquela casa.

A confusão de vozes, os gritos... Era difícil saber quem dizia o quê. Quadros saíram arranhados e traumatizados, livros se desfizeram em chuva de papel. Tio Alphard estava descontrolado. Derrubara meu pai com um feitiço e calara minhas tias com mordaças isolantes. Minha mãe, minha avó e tio Mirach eram os únicos intocados naquele salão.

- Você não tinha o direito - ele apontou a varinha para minha mãe e meu tio se colocou a postos para defendê-la.

- Abaixe a varinha, Alphard - minha avó ordenou com voz gélida, quase sem mover os lábios.

Meu tio não obedeceu, mas nós podíamos notar seus dedos tremendo e o choro sufocado prestes a saltar garganta afora.

- Não disse nada além da verdade. Você se envergonha de sua própria escolha, Alphard, admita - minha mãe provocou.

Uma rajada vermelha disparou da varinha comprida e atingiu o quadro logo acima de minha mãe. Tio Mirach agilmente contra-atacou, acertando tio Alphard no braço esquerdo e fazendo-o perder a varinha - ele era canhoto.

- Parem com essa algazarra! - minha avó fuzilou os filhos com o olhar. - Mais um arranhão nessas paredes e ambos terão que deixar minha casa.

- Não é preciso se preocupar com isso. Estou de saída! Vim apenas pegar objetos pessoais, antes que alguém nessa casa resolva se utilizar deles para fazer algum mal a minha família.

Minha mãe e meu tio se entreolharam, perplexos. Não acreditavam que tio Alphard pudesse...

- Esta é sua família, Alphard Black - minha avó reagiu, rancorosa. - Mas se não se considera mais um Black, bem, podemos dar um jeito nisso.

Uma rajada verde voou por sobre a cabeça de meu tio indo atingir a tapeçaria que você já conhece. O nome de meu tio nunca mais viria a figurar entre os descendentes de nossa família.

- Espero que saiba que, junto com seu nome, também está negando o nosso dinheiro - minha avó continuou num tom ainda mais amargo.

- Eu não me importo com o dinheiro. E não vou provocar mais tormento a vocês.

Ele andou até sua varinha e guardou-a no bolso, pronto para deixar a biblioteca. Mas minha avó não se daria por vencida. Alphard Black não seria um renegado. Não queria que a alta sociedade bruxa desconfiasse que sua própria família se corrompera.

- Você diz isso agora, meu filho - a voz se tornou um pouco mais adocicada. - Mas você tem um filho, não é mesmo. Tem certeza de que ele é seu filho, certo?

- Não ouse duvidar disso, minha mãe - ele se virou ríspido para encarar a mãe com desprezo.

- Não estou duvidando, Alphie.

Era estranho vê-la chamando-o dessa forma. Carinhoso demais para Úrsula Black, a grande líder daquele clã desde a morte de meu avô.

- Apenas acho que, como pai, você deveria se preocupar com o futuro de seu filho e dinheiro é e única forma de garantir que ele terá todas as oportunidades de que precisar.

Minha mãe e meus tios - mesmo os amordaçados - pareciam atordoados. Ninguém entendia realmente aonde minha avó pretendia chegar. Para Diadem Black, aliás, era um despropósito retroceder na expulsão do cunhado. Ele havia insultado o clã da maneira mais grave possível.

- Ele não... - ela parecia tê-lo atingido.

- Sabe que não pode contar com a ajuda da família de sua... hã... companheira. Aliás, meu querido, não consigo entender por que não a assumiu desde o começo. É certo que ela cometeu erros no passado, mas, bem, só de estar com você ela prova que está arrependida.

- Maddelyn não tem nada do que se arrepender, minha mãe. Ela é uma mulher de princípios admiráveis.

Mas minha avó não deixaria que ele continuasse a defendê-la. Encerraria aquela história ali e garantiria o prestígio dado pelo nome que recebera quando se casara.

- Assuma-a, meu filho. Traga-a para viver aqui. Ela é uma Covington, apesar de tudo. E seu filho, bem, é seu filho que vai conduzir nossa família. Ele é mais velho do que Sirius, não é?

- Mãe! - meu outro tio reagiu e eu senti que, ao meu lado, Sirius parecia abalado. - Ele não... Não podemos confiar o futuro da família a uma criança bastarda! Ele foi covarde o suficiente para não assumi-los antes. – E, voltando-se para o irmão: - Você assinou um pacto com o Diabo, Alphard. Maddelyn Convington fugiu de casa para casar-se com um trouxa e agora você refestela-se nas migalhas que um ser imundo deixou. Ela não é digna dessa casa, nem de nosso sobrenome.

- Cale-se, Mirach! - minha avó não precisou de um feitiço para emudecer meu tio. - Alphard, você tem a liberdade para trazê-la para cá quando quiser. A casa é minha e eu...

- Então nós a deixaremos - minha mãe tentou afrontá-la na irresponsabilidade de noras mimadas pelos maridos.

- Ninguém vai deixar essa casa, Diadem. E não se atreva a tentar me chantagear. Sua família não seria nada se não fosse nossa ajuda nos dias difíceis. Sabe que podemos tornar as coisas complicadas para seus irmãos, não sabe?

- Por que faz tanta questão, minha mãe? - meu tio estava intrigado e eu também. - Nunca fui seu filho favorito - ele fitou Mirach -, também não sou o primogênito, que irá sucedê-la. Não vi você hesitar antes de riscar meu nome daquela tapeçaria imunda que vocês parecem adorar. Tudo isso é medo de um escândalo?

- Não, meu filho, e muito me espanta que pense isso. Você certamente nunca atendeu às expectativas minhas ou de seu pai, mas nunca deixou de ser um Black! Você pode tentar negar isso, querido, mas o sangue que corre em suas veias é mais forte. E esse mesmo sangue corre nas veias de seu filho. Eu só quero honrar seu pai e as tradições dessa família e elas me dizem que devemos ficar unidos, não importa o que houver. Talvez eu não esteja fazendo isso por você, mas por seu pai e você deve respeitar as vontades do espírito dele.

- Eu não posso trazê-los para cá - meu tio finalmente se rendeu, para o espanto de todos.

Embaixo da escrivaninha, Sirius se arriscou a me perguntar: "ele acreditou nesse papo-furado?". Que podia eu dizer? Eu também acreditava que, uma única vez na vida, minha avó estava expondo seus sentimentos mais profundos.

- Muito bem. Não quero ouvir falar em rompimentos. Se quer deixar a casa para construir sua família, não há problemas. Mas quero que assuma um compromisso comigo de visitar essa casa religiosamente uma vez por mês para não ser deserdado. E não quero mais me aborrecer com este assunto. Traga o menino no Natal. Quero conhecer meu neto. E agora, saiam todos daqui!

Eu e Sirius aproveitamos a nova confusão criada quando as mordaças foram tiradas das bocas de meus tios para sairmos despercebidos, mas meu primo parecia menos confiante do que quando entrara na sala. Devia estar sendo inundado por mil pensamentos sobre seu futuro agora que havia um novo primogênito.

Subimos as escadas juntos, mas no segundo andar, percebi que Sirius não estava tomando o rumo do quarto que dividia com Regulus. Ia em direção ao quarto de tio Alphard. Logo em seguida vi que meu tio subia as escadas. Me escondi para que ele passasse e então fiquei imaginando onde aquele encontro poderia dar.

- Pensando na morte do hipogrifo, Andie? - Regulus me encontrou pensativa atrás de uma armadura. - Onde está Sirius?

- Não sei.

- Você não sabe mentir, Andie. Está escondida aqui desde aquela hora, aposto. Deve ter visto ele passar. Quero saber o que houve na reunião. Ouvi gritos de meu pai...

- Eu estava tampando os ouvidos - menti novamente, desta vez num tom mais convincente. - Quanto menos eu souber, melhor para mim.

- Você definitivamente não serve para nada.

Meu primo me deixou sozinha justo a tempo de eu ter uma ótima idéia. Subi correndo, porém silenciosamente, até o sótão. Lá estavam guardados alguns artefatos não usuais, mas que poderiam me ajudar a curar minha curiosidade insana. Já viu espelhos de transparência alguma vez, Harry? Parecem espelhos comuns, mas quando colocados numa parede parecem transformar o retângulo de contado numa resistente placa de vidro, como uma janela. Meus pais costumavam usá-los para cuidar de nós quando bebês, assim tinham a privacidade de enxergar nosso quarto, sem que nosso choro viesse a incomodá-los quando não quisessem.

Bem, eu podia ver através daquilo, mas não poderia ouvir a conversa. A não ser... o brilho de uma faca ligeiramente enferrujada me chamou a atenção. O teto de nossos quartos e, portanto, o chão do sótão eram de madeira. Não seria difícil abrir um buraco sob meus pés.

O espelho me permitiu localizar o quarto de tio Alphard e, mesmo sem abrir meu rústico canal de comunicação, eu já podia ouvir vozes baixinhas se intercalando. A cada lasca que a faca tirava o som saía mais puro e em pouco tempo eu conseguia acompanhar a conversa perfeitamente

- O senhor devia trazê-lo para cá. Seria mais um amigo...

- Sirius, sejamos francos. Você sequer consegue ser amigo do seu irmão. Seria amigo do meu filho? - meu tio sorriu com um ar cansado.

- Sou amigo da Bella, ué? E não odeio a Andie ou...

- Mas nenhuma delas roubou seu lugar, não é mesmo? Se Benjamin viesse para cá...

- Então, o nome dele é Benjamin? - Sirius o cortou antes que meu tio concluísse a idéia. - Estranho. O senhor não...

- Maddelyn escolheu. Talvez eu tivesse continuado a tradição e chamado meu filho pelo nome de alguma galáxia ou estrela, mas, bem, isso poderia evidenciar um fato que queríamos esconder.

Sirius se deitou na cama, amassando algumas das roupas que tio Alphard tinha colocado sobre ela. O malão estava aberto, demonstrando que ele não abandonara a decisão de deixar a casa.

- De qualquer forma, eu sempre soube que nunca poderia trazê-lo para esta casa. Antes porque eu sabia do tratamento que os adultos dessa casa dariam a ele, e agora... Bem, agora eu sequer sei o paradeiro dele.

Vi meu tio fechar os olhos e finalmente derramar as lágrimas que estava segurando.

Eu apertei as minhas próprias pálpebras com força, chateada por não ter feito nada para impedir.

- Mas então...

- Recebi esta carta de Maddelyn pouco antes de chegar aqui. É por isso que vou embora, Sirius. Porque tenho que encontrá-la... A ela e a...

- Andie?

- Não, não a Andie. Por que...

- É a Andie, ali em cima... Ah, mas ela não vai escapar!

Sirius me descobrira. Como eu disse, espelhos de transparência são como vidro e se um pode ver de um lado, outro pode ver do outro. Me levantei rapidamente, pronta para fugir dali - era a única coisa que eu sabia fazer com perfeição, mas meu primo foi mais rápido. Pegou a varinha de meu tio que estava sobre a cômoda e em pouco eu sentia o chão se abrir sob meus pés.

- Auuuu! Sirius! Ficou doido? Se eu não tivesse caído em cima da... - e então eu vi que os olhos de meu tio Alphard não pareciam contentes com a minha visita. - De-desculpe! Eu não queria...

- Por que simplesmente não bateu na porta, como seu primo? - ele me repreendeu. - E você, mocinho, nunca mais pegue minha varinha sem autorização, está entendendo? - e tomou o objeto bruscamente das mãos de meu primo.

Nada disso abalou Sirius. Exibia um sorriso contente por ter me pegado em flagrante, provavelmente imaginando o castigo que eu receberia por isso. Entretanto, tio Alphard não parecia preocupado em me punir.

- Ela não o embarcou no trem... - eu me arriscava a falar sobre o incidente daquela manhã pela primeira vez.

- Eu sei disso, querida - ele respondeu espontaneamente, enquanto procurava algo no armário. - Maddelyn escreveu isso também. Que arranjaria outra escola para Benjamin. Não quer que ele conviva com vocês.

- Conosco? - Sirius se indignou. - Qual o problema conosco?

- Bem, Bellatrix não passou a melhor das impressões esta manhã.

- Ele pode ter ido para Beauxbatons - tentei animar meu tio. - Dizem que é uma escola linda!

- Uma escola não tem que ser linda, Andie! Tem que ser legal! - Sirius deitou-se novamente na cama do meu tio, olhando com satisfação o estrago que provocara no teto do quarto.

- É uma boa escola, com certeza, e é nessa possibilidade que estou me agarrando para ir para a França ainda hoje.

- Você... Você não sabe onde ela está, tio?

- Não tenho a menor idéia. E sei como Maddelyn escolhe bem seus esconderijos. Acredito que eu vá demorar...

Ele mal pronunciara tais palavras e ouvimos um baque na porta do quarto.

- Para debaixo da cama, os dois - meu tio murmurou e nós obedecemos prontamente. Podíamos levar um castigo por estarmos ali falando sobre um assunto proibido.

Tio Alphard abriu a porta devagar, mas não havia ninguém, exceto uma coruja caída no chão. Ele a recolheu e então notou uma pequena carta vermelha amarrada a pata da ave.

- Um berrador? - Sirius reconheceu de imediato e deixou nosso esconderijo.

Tio Alphard abriu-o com uma expressão de desgosto no rosto. O pergaminho encarnado flutuou e uma voz áspera berrou a plenos pulmões:

- NÃO ME PROCURE NUNCA MAIS!!!!

Quando finalmente achei que tinha recuperado a minha capacidade de ouvir, tio Alphard confirmou com o olhar o que havia comentado a pouco. Seria quase impossível encontrar a mãe de seu filho.

- Sei que ela não se subordinará ao que sua avó está pedindo, mas ainda assim preciso encontrá-la. Preciso esclarecer tudo - ele voltou a arrumar a mala.

- Tio, não me leve a mal - Sirius resolveu perguntar algo que vinha segurando até o momento -, mas, bem, será que tia Diadem e meu pai, bem, eles não estão certos?

Eu abri a boca indignada. Como Sirius tinha coragem de perguntar aquilo. Mesmo que eu não entendesse muito bem, sabia que tio Alphard só estava tentando protegê-los. Só podia ser isso. Tio Alphard, entretanto, não estava furioso. Ao contrário, estava considerando uma resposta.

- Bem, eu tive meus motivos. Alguns deles certamente não são os mais louváveis, outros até são. Talvez antes fosse melhor vocês entenderem quem é Maddelyn e porque todos nessa casa a odeiam mesmo sendo uma puro sangue.

- Ouvimos lá embaixo. Ela se casou com um trouxa, não foi?

- Mas deve ter se arrependido, ou não estaria com tio Alphard - eu comentei sem pensar no que dizia.

A idéia sobre nascidos trouxas, mestiços e puro sangues não era muito clara na minha cabeça desde aquela manhã. Sempre pensei que os reconheceria imediatamente, mas enquanto estive em King's Cross não consegui encontrar uma viva alma que não se parecesse com um bruxo. Aquilo me causara certa confusão, mas meus pais sempre tinham dito...

- Bem, Andie, seus pais, meus pais, nossa família toda sempre pensou que trouxas, nascidos trouxas, mestiços, enfim, qualquer bruxo que não pertencesse a uma boa linhagem mágica, não era digno de confiança ou respeito. E, bem, eu sempre compartilhei dessa idéias, assim como vocês, mas... Bem, um dia eu conheci Maddelyn Covington.

- Ela também é puro sangue - eu não entendia aonde ele queria chegar.

- Ah, sim, certamente, e de uma das famílias mais tradicionais do mundo mágico. Donos da cadeia de lojas da Floreios e Borrões, caso não saibam. E Maddelyn... ah, Maddelyn era como uma fada em tamanho de bruxa. Linda, engraçada, amável. E aquela criatura angelical se tornou minha namorada.

Sirius bocejou. Histórias de amor não eram seu forte.

- Quando eu estava no final do sexto ano, após um feriado de Natal em que ela voltara para casa e eu ficara em Hogwarts, ela voltou disposta a romper o namoro. Morri por dentro e passei a odiá-la, especialmente depois do dia em que meu irmão, seu pai, Mirach, me trouxe a grande revelação. Estávamos em férias e Mirach não pôde deixar de me tripudiar ao saber que minha namorada havia sido expulsa de casa por conversar com um trouxa. Um trouxa que, mais tarde eu viria saber, se tornaria seu marido.

- Ela te trocou por um trouxa? - Sirius se levantara subitamente. Eu também abrira a boca o mais que consegui.

- A minha reação foi semelhante à de vocês. Ela não podia fazer isso comigo. Não com um Black. Eu podia ser da Lufa-lufa, ser um pouco, hum... conformado demais, como ela dizia, mas nenhuma grifinória ia me passar para trás por causa de um trouxa. Eu decidira me vingar e minha vingança consistia num plano simples: eu a reconquistaria para depois abandoná-la.

- Plano esquisito... - Sirius comentou. - Eu não ia querer ver as fuças dessa fulana nunca mais em toda a minha vida.

- Coisas do coração. Você ainda vai planejar tolices como essa, Sirius.

- Eu? Está brincando, né? Eu nunca vou me apaixonar por ninguém!

- Bem, você tem um coração de pedra mesmo - eu me desforrei e ele riu da minha cara, sem se importar.

Tio Alphard continuou:

- Eu só coloquei meu plano em prática realmente um ano depois. Expulsa de casa, Maddy não voltou a Hogwarts e eu só tornei a reencontrá-la depois de formado. Meu plano estava dando certo. Me fiz de amigo e passei a freqüentar a casa do estranho casal, mas por uma dessas ironias do destino, simpatizei com o marido de Maddelyn. Era estranho como todos os trouxas, mas sua essência era como a de qualquer pessoa.

- Peraí, tio, você está falando de um trouxa - Sirius protestou.

- Estou falando de uma das pessoas mais íntegras que já conheci, Sirius. De costumes bastante estranhos, mas uma boa pessoa, que amava Maddy com uma intensidade que eu nunca poderia amar.

- Mas você atingiu o seu objetivo, não foi? Afinal, ela está com você - eu deduzi.

- Robert McFly morreu seis meses depois.

- Os Covington mandaram matá-lo? - Sirius indagou assombrado.

- Não. Morreu de uma doença trouxa. Chama-se câncer e é quase tão devastadora quanto um Avada Kedavra. Mata devagar e dolorosamente. Terminei com uma Maddelyn inconsolável em meus braços. Ela não tinha mais amigos, não tinha família. Era o momento perfeito para a minha vingança. Mas eu não consegui. Vê-la naquele estado só em lembrou do quanto eu precisava dela, do quanto queria que ela estivesse bem. No início ela resistiu aos meus planos de ficarmos juntos definitivamente. Pensava no que os outros pensariam se ela se casasse comigo. "Vão dizer que estou arrependida! Eu nunca vou me arrepender do que fiz, Alphie!”.

Assim, entramos num acordo. Ela viveria como uma trouxa e eu viveria minha vida normal, como se fosse apenas mais um bruxo solteiro. Viver sozinha e como uma trouxa só piorou sua reputação, o que tornava nossa relação ainda mais impossível perante minha família. E enfim, ela ficou grávida.

Todos, sem exceção, supunham que o bebê era um mestiço. Que bruxo de boa linhagem teria coragem suficiente para assumi-lo? Eu não tive.

Um silêncio apossou-se de nós três por alguns instantes e eu finalmente tentei arranjar uma saída.

- Você queria protegê-la, tio. Sabia que com todo esse histórico, iram maltratá-la aqui dentro. E ao garoto...

- Essa foi a história que eu contei a ela, Andie querida. Mas, bem, talvez não fosse esse o motivo real.

- Você se vingou! - Sirius chegou à conclusão enquanto fitava meu tio com o olhar atônito.

- Creio que sim, Sirius. Eu estava punindo-a por ter me trocado por outro. Eu podia ter tornado a vida dela muito mais fácil do que foi, mas preferi continuar a fingir. Ela também levava a farsa adiante, fazendo de conta que não se importava com nada daquilo. Só fui pensar no quanto isso afetaria meu filho quando chegou a carta de Hogwarts convocando-o.

À confissão se seguiram mais lágrimas. Lágrimas de dor, desespero, arrependimento. Eu e Sirius não sabíamos o que fazer, mas percebemos que o melhor era deixá-lo sozinho com sua própria amargura. Antes de sair, num gesto inocente que poucas vezes cabia a Sirius, apesar da idade, meu primo parou na porta e disse:

- Tio, prometo que peço à primeira estrela cadente que eu ver hoje à noite para fazer você encontrar seu filho! Elas nunca falham! E, bem, eu falei sério quando disse que eu e ele podíamos ser amigos. Não quero ser líder de clã nenhum... dá muito trabalho - deu de ombros e deixou o quarto.

Infelizmente, naquela noite nenhuma estrela cadente cruzou os céus de Londres.








- Tio Alphard retornou três meses depois sem nenhuma notícia de Maddelyn ou Benjamin. O garoto não estava em nenhuma escola bruxa conhecida e meu tio suspeitava de que estivesse tendo aulas particulares em casa. Fez ainda muitas outras viagens, onde aproveitava para negociar com bruxos estrangeiros. Aumentou em muito a fortuna da família naqueles anos, provavelmente com o ideal de ter uma boa herança para deixar a seu filho. Alguns anos mais tarde, recebeu uma carta vinda da Holanda que denunciava o paradeiro do garoto e da mãe. Porém, chegou tarde. Um incêndio inexplicável consumira a casa de madeira que habitavam desde que deixaram a Inglaterra.

- Você e Sirius acham que esse incêndio foi proposital?

- Não temos provas, Harry - Andrômeda fitou a foto do tio uma última vez e guardou dentro de um dos bolsos da veste. - Ele morreu apenas um ano depois. Creio que vítima da culpa que sentia. Deixou todo o seu dinheiro para Sirius, que tinha fugido de casa dois meses antes. Afff... essa história me deixou triste.

Harry não respondeu. Lembrou-se das palavras de Remo no dia anterior - realmente todos os Black eram um pouco parecidos.

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