Sozinho no quarto




Era um belo dia de verão em Little Whining. A grama, outrora seca e amarelada pelo racionamento de água, agora estava verde. Na Rua dos Alfeneiros, na casa de número quatro, um garoto de agora desseseis anos de idade se encontrava parado na janela, contemplando o movimento. Ao longe, viu um coruja branca vindo em sua direção. Ele desobstruiu o passagem dela e a deixou entrar. Edwiges tinha um rato no bico, e Harry a deixou em paz para comê-lo em sua gaiola. Ele não estava com ânimo para cuidar da coruja. Se sentia triste. Pela primeira vez em seis anos, o dia 31 de Julho entardecia e ele ainda não tinha recebido nenhuma coruja. Aliás, não recebera corujas desde o dia em que chegara na casa dos tios. Além dos queridos amigos Rony, Hermione e Hagrid terem-no aparentemente esquecido, ele ainda se culpava pela morte de Sirius, tão recente. Ele, apoiado com os cotovelos no peitoril da janela e a cabeça enterrada nas mãos, estava tão absorto em culpa e em saudade, que não notou a coruja-das-torres que acabara de pousar ao seu lado. Quando ouviu o farfalhar de asas, e se perguntava se Edwiges já acabara de comer o rato, viu-a. A pegou com cuidado e levou-a até a gaiola de sua coruja, antes retirando o pergaminho atado a sua pata.

- Finalmente - resmungou ele - pensei que vocês tivessem me esquecido. Desenrolou o pergaminho e leu:


Querido Harry,


Em primeiro lugar, queria te pedir desculpas por não ter te mandado nenhuma coruja até agora. Tenho estado muito ocupada, você não imagina o quanto. Em segundo, queria te desejar feliz aniversário! O primeiro de nós três a ser maior de idade! Não deu para eu mandar seu presente por essa coruja, e ela foi a única que encontrei. Mas na primeira oportunidade eu mando pra você ou te entrego. Acho que você vai gostar. Me mande um resposta, estou com saudades.


Beijos, Mione.


Ela, pelo menos não esquecera. Mas e Ron e Hagrid? Mal acabou de pensar e Errol, a coruja da família Weasley, entrou pela janela e caiu no chão. Depois de colocar Errol na sua cama, já que a gaiola de Edwiges estava lotada, Harry desamarrou o embrulho e a carta que estavam atados a sua perna.


Harry,


O que houve que você não me escreve mais? Um mês sem uma mísera cartinha? Nossa, esquecimento total, hein? Mione contou que você também não manda nada para ela.

Mas, mudando de assunto, feliz aniversário! Dezesseis aninhos, maior de idade. Papai disse que você tem que fazer o exame de aparatação, que até hoje você não entrou com o pedido. Deve ser por falta de formulário, né? Então te mandei esse aí, e vê se preenche e manda logo pro Ministério.

Mamãe manda dizer que está com saudades e pergunta se você não gostaria de passar o resto do verão aqui. Venha, Gui e Carlinhos estão aqui também. A Mione deve vir também. Responda rápido, para podermos te apanhar amanhã.


Abraços,
Ron


P.S.: Não, não iremos te pegar de Ford Anglia voador nem com Pó de Flu (para a alegria de seus tios trouxas). Vamos de carro mesmo, o Ministério mandou um.



Harry, mais que rápido, levantou a tábua solta do soalho onde guardava seu material de escola, pegou uma pena, tinta e um pedaço de pergaminho e escreveu:


Rony,


Eu fiquei sem te mandar cartas? Você também, companheiro! E em relação à pergunta da sua mãe, é lógico que quero passar o resto do verão aí com vocês! Aqui com os Dursleys está sendo pior que o normal, principalmente agora que tia Petúnia e tio Válter estão brigando tanto.

Podem me pegar a hora que quiserem, quanto mais cedo melhor. Tio Válter não pode me impedir de mais nada (Ter dezesseis anos tem suas vantagens).


Abraços,
Harry




Harry se sentia muito mais feliz agora. Atou a carta a perna de Errol, que já estava melhor, e soltou-o na janela. Ficou olhando a coruja desaparecer na escuridão que aumentava cada vez mais. Ele saiu do parapeito da janela e foi acender a luz. Viu então o embrulho que Rony mandara em cima da cama. Foi até ele e com um pouco de dificuldade, abriu.

- Uau - exclamou ele.

Era um conjunto muito bonito de xadrez de bruxo, talhado em pedra e com detalhes de vidro. Ele sabia o quanto aquilo deveria ter custado, e pensou com pena na situação da família de Ron. Embaixo do presente, havia um bilhete em que Harry leu, na letra da Sra. Weasley: Querido Harry, um presente da nossa família pela sua maioridade. Logo depois, na letra de Rony: Para você perder com classe!

Ele riu e guardou o presente no malão, pensando consigo mesmo que uma vez na vida ele teria que ganhar de Rony.


Harry acordou suado naquela noite. Ainda era muito cedo, dava para ver as estrelas e o céu começando a clarear pela janela. Ele desviou a atenção da escuridão e a voltou para o teto. Ele já não aguentava mais, sonhos em que revivia o momento em que Sirius entrara naquele véu, a expressão em seu rosto... Isso e os inquietantes sonhos com a porta do Departamento de Mistérios. Mas não era mais a porta no fim do corredor. Era aquela que eles não haviam conseguido abrir, aquela sobre a qual Dumbledore conversara com ele no fim do último trimestre. A porta do Ministério aonde existia a maior força de todas, como dissera Dumbledore. A força do amor.

Mas não era hora para pensar em coisas ruins. Ele, dentro de poucas horas, estaria com seus melhores amigos e com a família que sempre o acolhera como filho. Ele repetia incessantemente essas palavras para si mesmo, mas não conseguia afastar os nebulosos pensamentos de sua mente. Levantou-se, para ver se alguma coisa poderia distraí-lo daquela tristeza. Abriu o malão e viu a agenda para anotar deveres que Hermione lhe dera no Natal do ano passado. Nunca tinha usado-a, estava completamente em branco.

“Se a Mione visse o estado disso aqui ela iria me matar” pensou ele enquanto mirava o livro com carinho, pensando na amiga. Pelo menos alguma coisa o distraíra daquele estado em que estava.

Ele queria dormir mais, estava cansado. Mas quando largou a agenda para olhar para a janela, viu que já era dia, e uma larga faixa dourada começava a cobrir o chão. Deu uma última olhada na agenda, jogou-a no malão e foi se vestir para tomar café.

Ao chegar na cozinha, viu, como sempre, o tio Válter com o rosto escondido atrás de um jornal. A tia Petúnia, para sua surpresa, não estava esticando o pescoço para ver atrás das cercas vivas dos vizinhos. Pelo contrário, estava olhando-o com uma expressão que parecia ser de curiosidade. Ele ergueu as sobrancelhas para a tia e olhou para os lados, na esperança de que ela estivesse olhando não para ele, e sim para alguma coisa ao seu lado. Notando que não havia nada, ele foi se sentar, ainda sendo seguido pelo olhar da tia.

Quando se sentou, Duda entrou na cozinha. Ignorava Harry solenemente desde o pequeno incidente que ocorrera no verão passado, e que quase fizera Harry ser expulso de Hogwarts. Um dementador quase aplicara a sua pior arma em Duda, um beijo que suga a alma da pessoa pela boca. Harry o salvara, mas Duda teimava em insistir que não, que ele o atacara.

Harry começou a comer seus ovos mexidos, e queria por tudo terminar logo seu café. Desde o dia em que voltara para a rua dos Alfeneiros, Duda e tio Válter o tratavam com extrema frieza, muito maior que a normal, e ele achava isso muitíssimo aborrecido. Apenas tia Petúnia o tratava da maneira normal, não que isso fosse grande consolo. Mas pelo menos ela não tinha tentado por três vezes bater em Harry quando este estava sentado em alguma calçada por perto de casa, como Duda. Ele sabia que tia Petúnia escondia alguma relação com o mundo da magia da qual ele jamais desconfiara, até o último verão. Mas não queria importuná-la com aquilo, não iria se arriscar a perder a única pessoa que não o odiava na casa apenas por uma curiosidade boba, que fatalmente ele iria matar um dia.

Ele terminou o café, pediu licença e voltou para seu quarto, de onde era possível observar a rua, e de lá só saiu para avisar a tia de que ia passar o resto das férias na casa de um amigo da escola, ao que ela não fez nenhuma objeção. Feito isso, voltou para sua janela, para ver quando os Weasleys chegassem. Ficou lá por algumas horas, nas quais se distraíra olhando a mudança de uma família chamada Ravencroft para sua rua.

Era apenas um casal e sua filha. Devia ter uns quinze ou dezesseis anos também, a garota. Era bonita, mas não fazia muito o tipo de Harry. Tinha cabelos castanhos muito lisos e grandes, e grandes olhos azuis que lembravam os de Fleur Delacour. Era também bastante alta e magra. Ficou observando a garota entrar e sair da casa, carregando caixas, e seus pais também. Até sua tia bater na porta e dizer que ia até a casa dos novos vizinhos para oferecer ajuda, como era de costume. Ele observou-a cruzar o jardim da frente, atravessar a rua e cumprimentar a Sra. Ravencroft efusivamente. Mas logo parou de observar, pois viu um carro preto dobrando a esquina e estacionando em frente ao número quatro.

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