Brizomancia



Capítulo XIX – Brizomancia


Harry foi embora logo após a conversa com Hermione. Para a amiga disse que estava exausto, o que não era mentira, mas na verdade era a vergonha de encarar Marian que o impulsionava a ir embora. Sabia que era covardia, mas como ele mesmo escrevera à garota, era um covarde quando o assunto era mulheres, sempre fora, desde Hogwarts. Lembrava bem do baile de inverno, da dificuldade para convidar alguém...
Sua cabeça estava emaranhada de pensamentos confusos devido ao cansaço, estava louco para sair do Ministério e aparatar em casa para descansar... estava física e emocionalmente estafado. Caminhando de cabeça baixa, ele não viu o degrau que marcava a saída do corredor das salas de aula para o hall do elevador, que dava acesso aos outros andares do Ministério, à cantina e ao restaurante.
Com um baque surdo ele caiu, a queda amortecida pelo carpete aveludado. Ainda era cedo e o lugar estava deserto. Harry sentia-se tão cansado que fechou os olhos um minuto, reunindo forças para se erguer, mas na verdade sua mente atordoada não conseguia dar nenhum motivo realmente bom para que ele saísse do chão macio. Ele teve a impressão de ouvir passos muito próximos, antes de cochilar.

Draco andava com as mãos nos bolsos, voltando da lanchonete. Havia tomado um chá, comido alguns petiscos e sentia-se melhor. Que fossem todos ao inferno. Só queria uma coisa daquele lugar estúpido, que era o cargo de auror. Não teria nenhum problema em prender dezenas de magos das trevas, afinal, convivera com eles desde sempre. Conhecia os esconderijos, os truques, os disfarces deles... Ele podia entregá-los agora mesmo, mas ganharia o quê com aquilo? Não, com a sorte que tinha, era capaz do Testa Rachada levar os créditos...
Ele tinha planos para aquelas informações. Ia se tornar um auror, capturar meia dúzia de Comensais (com certeza a cretina da Parkinson entre eles), conseguir alguma medalha furreca do Ministro... e a liberação do Cofre do Lucius... Desde que aquele idiota foi dado como Comensal oficialmente, seu cofre em Gringotes fora lacrado. Nada que condenasse Draco à pobreza, já que ele tinha a considerável herança da mãe, uma boa parte da fortuna Black... mas por que raios ele deixaria o ouro do pai mofando em Gringotes?
De jeito nenhum. Ele conseguiria contatos, venderia alguns favores no Ministério e conseguiria tudo o que era seu por direito. Então pararia de bancar o bonzinho, largaria o cargo de auror e ia viver de sombra e água fresca, em alguma ilha tropical... Draco observou a própria mão pálida e pensou que talvez fosse melhor ir para um lugar com menos sol... Dava no mesmo, milionário, faria o que melhor lhe aprouvesse.
Esses pensamentos já haviam melhorado consideravelmente o humor do loiro, quando ele se deparou com a cena mais ridícula em sua frente (talvez não pior do que o Potter dançando no Baile de Inverno, ou do que a roupa de “gala” do Weasley, mas de qualquer forma...), o Santo Potter, jogado no chão, como um bêbado qualquer. Draco sorriu de lado, extremamente debochado. Mundo Mágico, eis seu herói! Esticando as pernas, o rapaz passou por cima do colega caído, tirando a franja platinada da frente dos olhos.
Praticamente, o momento pelo qual eu esperei minha vida toda! Gargalhando, Draco foi para a sala de aula, com um excelente humor.

Hermione estava sentada confortavelmente na sala de aula, com os pés esticados na cadeira da frente, a saia, presa entre as pernas, um pouco acima dos joelhos. De certa forma, estava feliz, havia começado a tomar uma atitude. Não havia decidido nada, é verdade, mas ao menos já era alguma coisa. Ela tinha que tomar as rédeas da situação, pois sua vida havia sido meio que esquecida nos últimos dias... Tanta matéria acumulada! Morria de medo em pensar nas avaliações! Afinal, só os melhores alunos do curso teórico iriam para as aulas práticas no próximo semestre... e se ela não dominasse a teoria, como poderia aplicá-la? Homens são um problema! Falando nisso... Nesse momento Draco entrou na sala, sorridente e debochado, as mãos nos bolsos, os pergaminhos pendurados em uma bolsa de couro. Ah Merlin, e que problema... como ele é bonito!
Ela o encarou abertamente, imaginando o porque ele estava rindo. Era tão difícil vê-lo animado daquele jeito... Provavelmente ria dela, pelo vexame do dia anterior. Por algum motivo, sempre que ficava perto do Draco bancava a idiota. Ela sentiu que corava, mas acenou para ele de qualquer forma. O melhor era não mostrar que estava abalada.
- Bom dia Draco. – ela sorriu amarelo sem querer.
- Bom dia. – ele aproximou-se, sentando-se duas fileiras adiante dela. – O Weasley te levou direitinho para casa?
Sentindo que corava mais ainda, ela respondeu:

- Sim, ele me deixou na casa dos meus pais...
- Eles ficaram chocados ao ver a filhinha bêbada? – ele a olhava por cima dos ombros, tendo uma boa visão das pernas dela sobre a cadeira.
- Eu não estava bêbada... só um pouco alegre, eu acho...

Draco riu novamente da falta de jeito dela, e voltou-se para frente. Provavelmente percebeu que ela havia notado seus olhos cravados nas pernas dela. Arrumando seu material ele perguntou sem olhá-la:

- Se acertou com o Potter?

Hermione se remexeu na cadeira, incomodada, e respondeu com um muxoxo, que poderia querer dizer qualquer coisa.

- Qual é, não precisa ficar sem-graça. Afinal, somos íntimos, não? – ele riu de lado.
- Eu fiz as pazes com o Harry... mas se o que você está perguntando é se nos acertamos amorosamente, não foi nada disso...
Draco torceu o tronco para encará-la.
- E todos aqueles abraços que eu vi hoje cedo?

Foi a vez de Hermione sorrir, vitoriosa.

- Então foi você que fez o barulho na porta?
- Bom, desculpe se incomodei. Eu ia entrar, mas não quis atrapalhar os pombinhos.
- Pára com isso, Draco.
- Por quê? Afinal de contas, eu estava te ajudando a fazer ciúmes pro Harryzito, não era? Você conseguiu o que sempre quis, o Santo Potter descobriu que você é uma mulher e está caidinho por você!

A garota sacudiu a cabeça em negativa.

- Sabe qual é o problema? Todos acham que sabem o que eu quero. Você cismou que eu sou louca pelo Harry, apesar de eu sempre dizer que não sabia o que sentia direito, e é isso aí mesmo, eu não sei, pombas! Depois eu é que sou a sabe-tudo.

Meio sem fôlego pelo fluxo da fala, Hermione voltou a ler seus pergaminhos. Draco ficou em silêncio alguns minutos, antes de umedecer os lábios com a língua e perguntar.

- Então vocês não estão namorando?
- Não, eu já disse. Eu falei pro Harry o que acabei de te dizer: eu simplesmente não sei!

O loiro fez uma afirmativa com a cabeça. Alguma idéia estranha passou pela mente do rapaz, o fazendo sorrir ligeiramente. Ergueu-se, guardou suas coisas novamente na pasta de couro e curvou-se sobre o rosto da menina, a beijando nos lábios.
Hermione correspondeu ao beijo, corando muito e observando sem graça enquanto Draco se dirigia até a porta sem olhá-la.

- Por quê? – ela murmurou. – Por que você fez isso?

Virando apenas o pescoço, ele respondeu:

- Porque eu quis.

E saiu sorridente. Havia tido uma ótima idéia.



Harry acordou com algumas risadas próximas. Não fazia idéia de quanto tempo ficara dormindo no hall do Ministério, mas vários dos seus colegas de turma o observavam de longe. Pelo visto, nenhum deles havia tido coragem de se aproximar para acordá-lo. Se eu estivesse morto, ficaria aqui provavelmente até o Sr Weasley descer para almoçar...
Ele se levantou, arrumando os óculos e pegando seu material. Em meio aos olhares curiosos, distinguiu Marian o observando com mágoa no olhar. Acenou com a cabeça para ela, um tanto constrangido, e só se sentiu pior quando ela desviou os olhos e foi para a sala de aula. Desanimado, ele foi até os elevadores, louco para aparatar em casa e dormir um sono decente... sem falar em fugir dos olhares e dos cochichos. Que diabos, ele dormiu no chão do Ministério, era motivo para tanto falatório?
Ele encostou no elevador, ignorando os bilhetinhos voadores incômodos. Havia sonhado alguma coisa... algo com flashs e barulho, e tinha quase certeza de que tinha a ver com Hermione. Felizmente, as luzes não eram verdes, do contrário, ele já teria corrido de volta para verificar se a garota estava bem.

Hermione lia concentrada o livro, aproveitando que o professor da primeira aula estava em reunião com algum político. Finalmente, seu “eu” certinho tomava conta, e ela estava mais preocupada com os exames do que com os rapazes. Afinal, homens não tinham a mínima lógica pelo jeito mesmo, então ela não precisava gastar seu tempo tentando entendê-los. Tinha era que entender as leis mágicas, que não eram poucas...
A menina estava perdida em pensamentos, quando uma sombra tapou a luz. Ela suspirou antes de erguer os olhos, afinal devia ser um dos dois “homens da sua vida”, a impedindo novamente de estudar. Dessa vez, fosse Harry ou fosse Draco, ela ia mandar às favas, afinal, tinha responsabilidades! Se eles não se importavam com elas, era problema deles! Todos estes pensamentos passaram pela cabeça dela em pouquíssimos segundos, enquanto erguia os olhos. Para sua surpresa, era uma mulher que estava à sua frente, Marian.
Hermione tentou sorrir, mas não conseguiu. Afinal, ali estava a garota que tinha causado toda a confusão com o Harry! Claro que ela sabia (racionalmente) que a Marian não tinha culpa de nada, mas (emocionalmente) não era tão fácil assim separar as coisas. Quem havia feito a bobagem fora o Harry, certo? E nem dele mais ela estava com raiva. Então por que antagonizar a garota que era tão vítima quanto ela?
Simples, era a rival. Era um instinto tão primitivo que ela simplesmente não conseguia dominar. Mesmo inocente, era a sua rival! Ela foi cortada da divagação pela própria loira, que devia estar incomodada pelo silêncio.
- Oi, Granger.
- Oi... – Hermione engasgou. Não lembrava mais do sobrenome dela.
- Será que posso falar um minuto com você, de mulher pra mulher?
Pasma, Hermione assentiu e a seguiu, rumo à cantina. Mil idéias, e nenhuma, percorriam a sua cabeça. Afinal de contas, o que Marian tinha para falar com ela?
As duas caminharam em silêncio até à cantina e pediram dois copos de suco de abóbora. Depois de alguns minutos constrangedores, Marian começou.
- Desculpa por te incomodar, mas eu não sabia mais com quem falar... e no final das contas, você é a melhor amiga do Harry... Você já sabe o que houve no fim de semana, não?
A franqueza dela pegou Hermione de surpresa. Ver aquela loira deslumbrante, que mais parecia ter saído de uma capa de revista, falando tão abertamente com uma estranha sobre algo tão pessoal, e o pior, nem desconfiando que sim, que a estranha sabia muito mais do que ela mesma o porquê do fim do namoro relâmpago dela e do Harry, tudo isso fazia com que o estômago da Hermione embrulhasse... Por algum motivo, não parecia certo.
- Sei alguma coisa. – Mentir também não estava aliviando a consciência da morena.
- Então você sabe o que aconteceu? Sabe porque o Harry está agindo tão estranho? Depois de semanas me rondando, quando ele finalmente me pede em namoro, simplesmente perde a graça? Era só isso para ele, um jogo?
- Olha, eu posso assegurar que não foi um jogo... É que este é um período difícil na vida do Harry, ele está muito confuso...
- ... Então não deveria ter me incluído na confusão dele! Ou pelo menos poderia ter me dado uma explicação melhor do que uma carta de meia dúzia de linhas, que no fim das contas não quer dizer nada. Dizer “ eu sinto muito” é muito fácil. Se ao menos ele tivesse aparatado em casa, conversado comigo e me explicado... Não, como uma idiota eu fiquei esperando a resposta da coruja, toda ansiosa, para receber um balde d´água gelada na cabeça!

Marian estava um pouco descontrolada, falando com o tom de voz um pouco alto. Hermione sentia uma imensa comiseração por aquela mulher bonita, com os olhos claros cheios de água, que no fundo estava pior do que ela mesma. Ao menos, ela sabia o que tinha acontecido. Ela estava lá quando aconteceu. E, bem ou mal, foi atrás dela que o Harry foi, foi na porta da casa dela que ele dormiu... embora também magoada, ela não fora esquecida. E mesmo que isso pudesse mexer um pouco com o ego da morena, sua piedade era maior. Mulher nenhuma merecia ser tratada daquela maneira. Mas o que ela ia dizer? “Sinto muito, mas enquanto você estava pensando em como responder a carta do Harry, ele estava comigo. Me beijando, me abraçando...” Dizer, “Enquanto você o esperava na sua casa, ele estava me procurando?” Claro que não. Não podia também ser hipócrita, dizer para ela “Homem é assim mesmo, parte para outra”. Afinal, era exatamente isso que ela queria que a loira fizesse, e não exatamente por ter consideração pelos sentimentos dela.

- Eu não sei o que te dizer, acho que só o próprio Harry pode te dar a explicação que você precisa. Só posso dizer que ele está muito confuso, e que tenho certeza que ele não quis te magoar, embora o tenha feito.
- Granger, você não tem idéia do inferno que eu passei neste fim de semana! Você sabe o que é dormir sonhando com um homem que você acha que te respeita, que tem consideração por você, e no dia seguinte descobrir que você simplesmente não significava nada? Eu só queria entender...

Hermione engasgou. Claro que ela sabia! Sabia exatamente como ela estava se sentindo! Ah Harry Potter, seu idiota, você magoou muito mais gente do que imagina... Ela gostaria de poder se abrir com Marian, mas sabia que só pioraria a situação. Como explicar para ela que eram rivais, que as lágrimas de uma eram por causa da outra?
Ela estava neste impasse, quando sentiu uma mão fria pousar em seu ombro.

- Vocês duas estão atrasadas, a aula já começou.
- Draco!
Hermione ergueu-se aliviada, aceitando de bom grado o braço acolhedor do loiro em volta das suas costas. Marian passou a mão nos olhos para enxugá-los, levantando-se também.

- Bom dia, Malfoy.
- Bom dia. – ele respondeu à loira, voltando-se imediatamente para a morena. – Quando o professor entrou e você não voltou, fiquei preocupado e vim te procurar. Acho melhor voltarmos para a sala, afinal, estamos perto dos exames.

Hermione assentiu, voltando-se para Marian. Ela já havia se recomposto, certamente a presença intimidadora do Malfoy a havia feito parar com a torrente confessional. Ela pediu licença e saiu da cantina. Draco a acompanhou com os olhos, depois riu alto.

- Fala sério, eu devia ser chamado de Santo Draco das nerds desesperadas! Vivo salvando sua pele!

Mesmo um pouco contrariada, Hermione riu também.

- Dessa vez você tem razão, obrigada. Eu estava em uma situação muito constrangedora...
- Estava mesmo – ele concordou. – Já disse pra guria que você vai arrancar o Potterzinho dela?
- Draco! Por favor, para com isso! Não faz eu me sentir pior...
- Ok. Quer se sentir melhor então?
- Olha, eu não ia morrer se acontecesse algo para melhorar o meu humor agora...

Hermione mal terminou a frase e sentiu os braços do rapaz a apertarem em um abraço, enquanto ele a beijava. Ela pôde ouvir alguns burburinhos na cantina, mas o beijo foi curto. Logo ele a soltou.

- Isso melhora o dia de qualquer uma, não?
- Convencido!
- Chata!

E os dois seguiram para a sala de aula.

Hermione teve um sonho estranho naquela noite. Sonhou com flashs de luz branca, gritaria... Tinha certeza que várias pessoas estavam envolvidas, Harry, Ron, Draco, Marian... e mais alguém que ela não conseguia lembrar. As imagens eram tão desconexas que ela não conseguia fazer com que fizessem sentido. Só sabia uma coisa: uma dessas pessoas tinha feito algo ruim. Mas ela não conseguia nem lembrar direito o que tinha feito no sonho, quem dirá os outros faziam!
Ela pensava nisso enquanto tentava pentear o cabelo revolto. O telefone na sua mesinha de cabeceira tocou e ela atendeu prontamente, receosa de algo ter acontecido com seus pais. No entanto era a voz do Harry que ela ouviu.

- Mi, já viu o jornal hoje?
- Ainda não Harry, aconteceu alguma coisa? E que milagre é esse de você já estar acordado?
- Tive um sonho estranho, com luzes e um monte de gente...Depois não consegui mais dormir... Mi, olha o jornal e me liga, ok?
- Ta bom...

Apressada, Hermione foi até o Profeta Diário. Nada. Não havia nada de escabroso, pelo menos não que envolvesse nenhum deles. Distraída, ela se sentou para ligar para o Harry quando viu o Pasquim, que estava embaixo do Profeta. Na primeira página, uma foto dela e de Draco, no momento em que haviam se beijado ontem na lanchonete. Embaixo, uma foto do Harry, dormindo no chão do ministério. A matéria? “ Harry Potter é trocado por Draco Malfoy”.
Com os lábios secos, Hermione agarrou o jornal. Só tinha um pensamento: LUNA!!!




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