The Third and Lethal Dose





– Ponho esse aqui de volta, – A taça das casas do ano de 1903 brilhava feito nova e refletia o meu sorriso de satisfação. Eu estava realmente ficando bom em polir troféus. – e acabei essa estante!

Desci os dois últimos degraus da escada, e suspirei olhando a minha volta. É, nada mau, nada mau mesmo! Em dois dias, eu havia conseguido limpar todos os troféus de seis, das oito estantes que haviam no local. E sozinho, já que depois do pequeno acidente com a essência de eucalipto, arrumaram um outro jeito de Bellatrix cumprir os três dias de detenção.

Sentei-me na escada de cinco degraus, a qual eu estava anteriormente, suspirando num misto de cansaço e confusão. Há dois dias nós não nos falávamos e, pela primeira vez na minha vida, me sentia estranho por isso. Era como se um simples ato de conversar com aquela cabeça dura fizesse o meu dia. E isso era realmente estranho, pois nós passávamos anos sem olhar um pra cara do outro, trocando um ou dois monossílabos e pronto. Não fazia a mínima falta ou diferença. Será que eu estava assim porque havia descoberto que, até mesmo minha prima podia ser educada e razoavelmente agradável quando quisesse?

Fosse o que fosse, isso estava me fazendo entrar em parafuso.

Como se o universo conspirasse ao meu favor (ou não, ainda não havia me decidido até aquele momento), ouvi a porta ser aberta, deixando uma tímida fresta de luz do corredor invadir o ambiente apenas iluminado por algumas poucas velas. Eu não virei meu rosto para ver quem estava entrando, embora tivesse quase certeza de quem se tratava. As únicas pessoas que sabiam que eu estava ali eram os Marotos, Filch e Bellatrix. E eu tinha certeza que o Filch não me faria uma visita àquela hora, e muito menos os Marotos, visto que aquela era uma noite de lua cheia...

A porta foi fechada lentamente, para, em seguida, passos ecoarem cada vez mais próximos a mim. Levantei os olhos e encarei com surpresa disfarçada o rosto alvo de Bellatrix.

– Veio me ajudar? Justo agora que eu já estava indo... – Tentei começar a conversa, enquanto desviava o meu olhar do dela. Bella estava... estranha.

– Não. Sabe que eu não posso com a essência de eucalipto, embora acredito que fosse melhor ficar aqui do que tirar o pó do estoque de poções... – Ela respondeu e sua voz estava... estranha. Assim como ela.

Ficamos em silêncio por mais algum tempo. Eu fitava a estante abarrotada de troféus que brilhavam como novos a minha frente, enquanto Bella permanecia imóvel. Eu não sabia para onde ela estava olhando, embora suspeitasse. Já havia sentido aquele peso há dois dias enquanto saia da Ala Hospitalar.

Ela finalmente se mexeu, indo até um canto e arrastando uma cadeira de mogno até que ficasse próxima a mim. Com o canto dos olhos a observei se sentar e torcer as mãos em um gesto que demonstrava ansiedade. Bellatrix ansiosa? Situação... estranha.

– Quer me dizer alguma coisa? – decidi encurtar o tempo em que ficaríamos ali em silêncio, apenas ouvindo o tic-tac do relógio bruxo pregado em um dos poucos lugares onde a parede era visível naquela sala.

Ela levantou os olhos para mim, e eu achei que ela talvez não esperasse que eu começasse a conversa. Ora, se ela estava agindo de forma estranha, eu também poderia agir, não?

– Sim. Embora, não sei se devo dizer a você... Você fugiu, talvez os assuntos dos Black não lhe interessem mais...

– Quem morreu? – Perguntei a única coisa que me veio na cabeça e que poderia justificar o estado de apreensão em que estava Bella. Eu nunca a havia visto assim.

Ela arregalou os olhos, surpresa pela pergunta feita de modo pouco delicado, ou então, por ter sido interrompida tão bruscamente. De qualquer forma, acho que qualquer coisa que acontecesse naquele instante poderia assustá-la potencialmente. Se eu dissesse um “Buu” ali, agora mesmo, ela pularia da cadeira em menos de dois tempos. E depois me xingaria, claro.

– Não, não, ninguém morreu... – Respondeu distante – O que eu quero lhe contar diz respeito a mim...

Peraí. Impressão minha ou Bellatrix queria me fazer de seu confidente? Por que ela não usava um diário? Todas as meninas tinham um, não? Foi aí que eu percebi (não, na verdade comprovei de vez) que, talvez, minha prima não fosse uma menina como as outras...

– Há alguns dias eu recebi uma coruja com uma carta da minha mãe. – Ela respirou fundo antes de continuar, enquanto milhões de hipóteses passavam pela minha cabeça. Para Bella estar naquele estado alguma coisa realmente feia tinha acontecido – E lá dizia que o meu casamento com Rodolphus Lestrange já é certo.

– Lestrange? Aquele setimanista engomadinho? Nunca me esqueço do dia em que ele acertou o braço do Tiago com o taco de batedor dele, na maior cara lavada!

– É, esse mesmo – Ela me olhou com a sobrancelha franzida e um pouco desconcertada por até em um momento como aquele eu me lembrar de Quadribol. Repentinamente, percebi que estava sendo um pouco infantil, e injusto até. Bella havia me confidenciado algo de suma importância para sua vida (e de alguma forma, eu sentia que isso me traria algum tipo de conseqüência também), por mais incrível que isso pudesse soar aos ouvidos, e eu tratara aquilo como uma questão qualquer. Talvez, fosse hora de esquecer os desentendimentos do passado e tentar apoiá-la de alguma forma.

– E o que você acha disso? Quero dizer, você gosta dele? – Perguntei com cautela.

– Se eu gosto dele? Eu não sei, eu nem o conheço direito... Mamãe disse na carta que nas férias do Natal, iremos até a residência dos Lestrange para que eu possa conhecê-lo e para que seja acertado os últimos acordos do nosso... casamento. – A última palavra sussurrada com um quê de incredulidade. – Mas, eu não gostaria de me casar com ele...

Fitei-a em silêncio abaixar a cabeça e continuar apertando as mãos de modo nervoso. Era estranha essa sensação. Passei parte da minha vida brigando com Bella, irritando-a, travando uma verdadeira guerra com ela, que nunca havia parado para me perguntar se ela era exclusivamente ruim, ou pelo menos, para tentar observar um outro lado daquela garota. Sim, tudo tem dois lados. E agora eu me deparava com o outro lado da garota esnobe, arrogante e dissimulada que atendia pelo nome de Bellatrix Black, mas que em breve seria Bellatrix Lestrange.

Suspirando profundamente, ela levantou os olhos para mim, indagando-me em um fio de voz:

– Sirius... Por que você teve que fugir? Por que você... tem que ser assim?

Tirado de meus pensamentos, foi a minha vez de arregalar os olhos. Que diabos de pergunta era aquela? Ela queria mesmo que eu respondesse?

– Assim como, Bellatrix? Você está passando mal?

Aos meus dezesseis anos, já havia visto muita coisa na minha vida. Mas, nada, repito, nada poderia me preparar para o que viria a seguir. Levantando-se bruscamente, Bella me olhou com incredulidade, enquanto sua voz amargurada se fez ouvir:

– Bem? Como eu poderia estar bem, sendo que nunca poderei me casar com o homem que amo?

O peso daquelas palavras quase me fez cair de joelhos ao chão. Ou então, nem foi bem o peso, mas sim, a declaração perigosa que elas escondiam. Ou então, nem foi bem isso também. Talvez, os sentimentos daquela garota nunca transpareceram tanto em seus olhos negros como agora...

Ainda incrédulo, perguntei:

– Bella, o que está dizendo?

– É isso mesmo que você está pensando, Black. – Ela desviou o olhar assim que pronunciou meu nome, a luz da lua reluzindo na pele pálida de seu rosto. – E não me pergunte como, pois eu também não sei.

Pela primeira vez na vida, não sabia o que fazer, não sabia como agir com aquela situação nova e totalmente estranha: Bella gostava de mim?

– Eu não sei... o que dizer.

Novamente o silêncio caia entre nós, fazendo-nos pensar que talvez os troféus nas estantes fossem bem mais interessantes do que toda aquela situação que se desenrolava.

– Por que você me beijou aquele dia? – Ela perguntou, talvez querendo ter certeza de algum fato.

– Eu não sei. Me pareceu certo fazer aquilo na hora...

– Você... você não sentiu nada de... nada de especial?

Boa pergunta era aquela. Realmente, boa pergunta. Eu até poderia acrescentar outra para o rol de boas perguntas: quando foi que eu ultrapassei a etapa das implicâncias para a etapa dos que querem, de alguma forma, chamar a atenção de uma menina? Eu pensei que poderia deixá-la muito irritada beijando-a da maneira como eu fiz, mas de repente, ela passou a corresponder, e eu deixei me envolver por aquela aura de sedução, perdendo qualquer controle que eu ainda poderia ter sobre a situação, e então eu percebi que, na verdade, eu sempre tive vontade de fazer aquilo. Não só beijá-la ou torná-la mais uma das minhas conquistas, mas de, realmente, tentar algo com ela. A verdade é que aquele beijo abrira um leque de possibilidades que eu só havia me dado conta agora que elas praticamente dançavam como fadinhas, tremeluzindo com suas roupas brilhantes bem diante de meus olhos. Confuso? Sim, eu sei que é.

– Talvez, eu tenha sentido algo... – Desisti de tentar bancar o calmo. Minha cabeça estava um turbilhão dos diabos, e eu sentia que precisava extravasar isso de alguma forma. Levantei-me e disse o que realmente sentia. Naquela conversa não havia espaço para meias verdades – Ah, Bellatrix, eu não sei dizer o que houve! Estou tão confuso quanto você!

Um brilho insano apoderou-se de seus olhos negros, e a última coisa que eu vi antes de fechar os meus, foi esse mesmo brilho aproximando-se cada vez mais de mim. Nossos lábios se tocaram e, mais uma vez, fui invadido por milhões de pensamentos, todos com possibilidades, coisas que dariam certo, coisas que acabariam conosco, prós, contras. Eu sentia que poderia enlouquecer a qualquer momento. Dando vazão aos meus sentimentos confusos, abracei-a, puxando-a para mais perto de mim, enquanto eu podia senti-la tremer sob os meus lábios. Era algo viciante, extasiante. O veneno Black.

Prolonguei o beijo por incontáveis minutos, sentindo que a qualquer momento poderia perder de vez a sanidade, para o nosso bem, ou para o nosso mal. Decidi que estava na hora de realmente terminar aquela conversa...

Afastei-me decidido, embora meu íntimo relutasse miseravelmente. A voz esganiçada de Régulo martelava na minha cabeça, e eu pensei que ela explodiria: “O que você quer? Levá-la para o mau caminho? Torná-la uma imunda traidora do nosso sangue, assim como você?”. Ela piscou algumas vezes tentando entender o que estava acontecendo.

– Bella, eu acho melhor... não.

– Como assim?

– Talvez, seja melhor que tudo... volte ao normal. Entenda, Bella, nós nunca iríamos nos entender...

– Como não? Nós dois temos gênios difíceis! Quero dizer, combinamos nisso, isso tem que representar alguma coisa, não é? – Ela parecia desesperada, e eu finalmente percebi que as coisas haviam ido longe demais.

– Eu acho que...

– E se eu fugir? – Perguntou com a voz esganiçada e eu notei que nunca havia visto seus olhos brilharem tão insanamente – Eu poderia fugir também, poderíamos ficar juntos! Seriamos dois renegados da família Black, mas eu não me importaria com isso. E também, poderia dar um jeito de conseguir a minha parte no testamento depois, e viveríamos felizes e juntos! Poderíamos até aplicar um golpe em nossas famílias, seriamos notícia por um bom tempo, mas estaríamos juntos, Sirius! Juntos? Entende o que eu quero dizer?

Definitivamente, nós nunca nos entenderíamos.

– Bella, pára! – Agarrei-a pelos ombros, começando a ficar assustado. Sabia que ela era determinada, mais do que suas irmãs até, mas aquilo estava se transformando em fanatismo. E eu estava certo de que não queria me transformar no alvo de sua obsessão. – Pára. Isso nunca vai acontecer, está bem? – Soltei-a somente após perceber que ela estava mais calma. – Não vai dar certo, Bella, nossos destinos não se cruzam. A partir de agora, você seguirá o seu e eu seguirei o meu. Estaremos ligados apenas pelo sobrenome e pelo sangue dos Black, que corre em nossas veias. Apenas isso.

– Você não pode fazer isso comigo... – Protestou em um fio de voz – Não pode.

– Posso sim, Bella, e acredite, será melhor para nós dois. Continue na família Black, faça a vontade de seus pais e case-se com o Lestrange. Acredite, você se parece mais com eles do que pode imaginar. O seu lugar é lá, e não ao meu lado.

Pronto. Com aquelas palavras eu definia o fim da nossa curta história. Se eu agira certo, por mais clichê que isso possa parecer, apenas o tempo poderia dizer.

– Você vai se arrepender disso, Black. – sua voz rouca assumiu um tom ameaçador, embora sua expressão continuasse vazia – Eu juro por tudo que sei, que um dia você irá se arrepender amargamente disso. Em mim, você poderia ter uma esposa devotada e apaixonada, mas agora... serei apenas uma inimiga perigosa, alguém que não poupará esforços para vê-lo destruído.

Ela se virou rapidamente, os cabelos negros soltos movimentavam-se aleatoriamente, emanando no ar o cheiro de rosas. Rosas vermelhas. Belas na aparência e perigosas por seus espinhos pontiagudos. Assim como Bellatrix.

Antes de fechar a porta, ela virou-se para mim, apenas para que eu pudesse contemplar seus olhos negros brilharem ódio na escuridão.

Um estrondo, que fez os troféus tremerem em suas estantes, me alertou de que eu estava sozinho agora. Sentei-me pesadamente na cadeira de mogno, escondendo o rosto entre as mãos, tentando, de alguma forma, assimilar tudo o que acontecera.

Não, eu não tinha dúvidas de que havia agido certo. Eu realmente achava que nós nunca iríamos nos entender, que nós fossemos melhores separados do que juntos. Pertencíamos a mundos diferentes, cada qual com sua filosofia de vida e crenças, totalmente opostas. O que martelava na minha cabeça era: eu gostava de Bellatrix?

Suspirando pesadamente enquanto me encostava no espaldar almofadado da cadeira, conclui que era possível que sim. Talvez, todas as brigas, todos os natais em que passávamos juntos, cada um bolando uma maneira de pregar uma peça no outro, todas as nossas conversas em que travávamos verdadeiras guerras onde a única e poderosa arma era o sarcasmo... Talvez, tudo isso representasse mais do que eu havia imaginado. Uma vontade de sempre tê-la por perto? De ouvir sua voz em seu tom naturalmente sarcástico?

Bella, entretanto, não errou ao dizer que éramos parecidos. Eu estava certo de que éramos dois grandes cabeças-duras. Fogo versus fogo. Ferro versus ferro. Veneno versus veneno. Uma mistura perigosa.

Mas, ao mesmo tempo em que éramos parecidos, também éramos mortalmente diferentes.

Complicação dos diabos.

Foi com um suspiro profundo que decidi sair do meu estado de inércia. Levantei-me, recoloquei a cadeira e a escada em seus devidos lugares, guardei todos os produtos de limpeza na cômoda ao canto e apaguei a vela que bruxuleava em seus últimos momentos. Abri a porta e sai corredor à fora. Enquanto seguia ao Salão Comunal da Grifinória, deparei-me com muitos colegas e conhecidas que acenavam fervorosamente a mim. Respondi-lhes com um sorriso enviesado, a característica-mor de Sirius Black.

Tudo parecia estar absolutamente igual depois de tamanha tormenta, mas lá no fundo eu sabia que eu não era o mesmo Sirius Black que entrara naquela noite de domingo na Sala dos Troféus para cumprir uma detenção. Sirius Black agora tinha um amor. Um amor impossível e perigoso, que ainda lhe traria inúmeras conseqüências. Um amor que transbordava o letal veneno dos Black.


FIM

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N/A: Mil desculpas pela demora em atualizar a fic, mas é que eu jurava que já tinha postado o último capítulo... o.O Bem, aí, está, espero que tenham gostado do final! E muito obrigada pelos reviews, ameeeeeei todos! \o/

Até a próxima o/

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