+ De volta à Ordem



Harry continuou durante muito tempo na Floresta, chorando, lamentando, interrogando a si mesmo, muito confuso com o que acabara de acontecer. Somente depois de algumas horas resolveu procurar a saída da Floresta, suspeitando que já era madrugada.



Levantou-se desfalecido, meio tonto; caminhou com dificuldade entre as raízes cristalizadas das árvores, a cabeça cheia de pensamentos insuportáveis. Andou durante um bom tempo até finalmente encontrar um sinal de que não estava andando em círculos: a árvore do Patrono reluzia para ele, imponente como sempre. Esta árvore sempre despertava em Harry uma súbita alegria, uma vontade de viver incontrolável e, por mais amargurado que Harry se sentisse no momento, ele não deixou de dar um sorriso confiante para a árvore, que tilintou convidativamente em retribuição. Sem se conter, Harry tocou-a. Sentiu entre seus dedos a energia da substância que dava forma ao Patrono, sentiu-a em suas entranhas, em seus pensamentos... a amargura tinha desaparecido quase completamente, e Harry sentia-se em um estado de quase-sonho; nenhuma dor, nenhum sentimento, nenhuma realidade... Harry nem sentia o chão sob os pés... até perceber, muito vagamente, que estava caindo, o mundo rodopiando ao seu redor. Sentiu somente seu corpo caindo pesadamente no chão, e seus olhos se fechando com suavidade. A escuridão dominou a sua mente.



– Harry... Harry! HARRY! – Uma voz feminina e conhecida chamava Harry com um tom de nervosismo no timbre.



Harry abriu os olhos. Uma luz muito incômoda invadiu sua vista, e Harry encolheu-se novamente, fechou os olhos com pressa, tentando evitar a luz e a pessoa que falava. Mas a mulher continuou chamando-o, agora chacoalhando o garoto.



– Tonks.... o que você tá fazendo aqui...? – Perguntou Harry, a voz engrolada e embargada de sono.



– Eu é que devo fazer essa pergunta! – Disse Tonks com severidade, porém a voz expressando alívio desta vez. – Olhe... levante-se... porque você estava aqui? – Perguntou a moça, desta vez mais docilmente.



– Eu... – Gaguejou Harry, ao mesmo tempo que um estampido alto soou às suas costas. Tonks movimentou-se, agitada, porém com gestos precisos para alguém nervoso.



– Eu vou ver o que está acontecendo! Fique aqui até eu voltar, depois a gente conversa! – Disse a moça, a voz tão severa que Harry até assustou-se, lembrando-se da professora Minerva quando ela lhe dava uma bronca. Tonks saiu apressada da Floresta, mas voltou em minutos, o rosto vermelho e a voz ofegante. Segurava a varinha meio frouxamente na mão, e parecia absolutamente desesperada, os olhos arregalados em aflição.



– Temos... sair.... já.... – Disse a moça, carregando Harry pela mão e saindo novamente da Floresta. Harry olhou curioso para a amiga.



– O que houve? O que está havendo? – Perguntou Harry, quando outro estampido, desta vez mais alto, soou novamente atrás deles. Tonks relanceou um olhar incisivo para Harry e disse, laconicamente:



– Está havendo uma... confusão... e os professores liberaram os alunos para voltarem para suas casas... isso já tinha sido planejado, mas as circunstâncias.... bem, no seu caso, você vem para a Ordem comigo, até as coisas acalmarem... lá você vai poder rever todo mundo, sabe? Até pedi que Rony e Hermione fossem tirar umas férias curtas e ficarem lá com você, para aproveitar a sua folga – Disse a jovem, sorrindo, agora. – Pensei que você gostaria da idéia. Até já fiz a suas malas – E mostrou um grande malão, obviamente estufado de coisas.



– Sim, gostei... mas não acredito que Hermione aceitou tirar férias por minha causa. – Disse Harry rindo, porém desconfiado. Tonks não comentou mais nada até estarem completamente fora da Floresta, já saindo quase das propriedades do Centro de Treinamento:



– Um Auromóvel está saindo bem agora, acho que vamos conseguir pegá-lo, aperte o passo, vamos! – Harry saiu correndo de mãos dadas com Tonks, a bruxa correndo e sua bolsa sacudindo para os lados, tornando a situação muito engraçada para quem estava a vendo do lado de fora. Conseguiram, enfim, dois assentos razoáveis no fundo do automóvel, porém Tonks não parou de reclamar, durante toda a viagem, que tinha se sentado ao lado de um velho bruxo que não parava de lhe passar cantadas.



– Depois ele me perguntou se eu sabia usar uma varinha – Comentou Tonks, aborrecidíssima, enquanto desciam do ônibus, a bruxa carregando todos os seus pertences e os de Harry também. – E disse para usar a dele, quero dizer, francamente... – Ela parou e engoliu; em seguida, caminhou mais alguns passos, ficando perfeitamente escondida atrás de uma árvore plantada no meio da calçada, e chamou Harry para perto dela. Assim sendo, entregou o malão de Harry para o garoto e disse: – Agora já podemos aparatar diretamente para a Ordem, então, concentre-se, Harry, e nos vemos daqui a pouco. – Ditas essas palavras, Tonks sumiu com um rumorejo de capa.



Harry fechou os olhos. Imaginou, com todas as suas forças, a sala escura da sede Anti-Trevas, relembrando de cada detalhe, desde o porta-guarda-chuvas em formato de perna de trasgo, até os armários, as paredes, os archotes... tinha que sentir que estava dentro dela, e assim iria para ela... viu em sua memória os quadros, as cortinas carcomidas... até que reabriu os olhos e deu de cara com Tonks novamente, que terminava de despejar seus pertences no chão da sala.



– Ah, Harry, ainda bem que você já está aqui.. estão todos esperando a gente na cozinha, vamos lá! – Disse a bruxa, com uma voz estranhamente animada demais. Harry ficou pensativo enquanto seguia a amiga até a sala indicada, ainda se lembrando, um tanto vagamente, da expressão que formou no rosto de Tonks quando ela ouviu aquele estampido... mas aquilo era somente um ponto em sua memória totalmente nublada pelas palavras de Marienne, que o atingiam profundamente agora. Ainda um tanto aéreo, Harry entrou na cozinha depois de Tonks, e teve o suave prazer de rever seus amigos. Hermione anotava alguma coisa em um grande pergaminho, aparentemente absorta demais para prestar atenção em Harry; foi um cutucão de seu noivo, Rony, que a fez levantar a cabeça e avistar Harry. Os dois amigos do garoto correram até ele, Hermione com uma expressão preocupada, e todos se abraçaram, como nos velhos tempos. Isso porque não fazia nem alguns dias que não revia os amigos.



– Coma alguma coisa, Harry! – Disse Rony, mostrando com um gesto largo a mesa longa da cozinha. Nesse instante, Harry avistou o restante dos Weasley, e dirigiu-se a cada um deles para cumprimentá-los. A sra. Weasley quase pulou no pescoço de Harry quando o viu, e debulhou-se em lágrimas quando o garoto disse “Olá”. Somente com a intervenção do sr. Weasley é que os dois se separaram, o sr. Weasley dizendo:



– Ela anda meio sensível esses dias, não ligue, Harry...



Harry assentiu e foi sentar-se junto de Rony e Hermione, não sem antes acenar mais uma vez para a sra. Weasley antes que ela começasse a chorar outra vez.



– Ela está bem mal – Confidenciou Rony, enquanto Harry se servia de salsichas fritas e ovos. – Sabe... Percy está desaparecido.



– Como assim? – Disse Harry, quase sem engolir a comida. – Não saiu no jornal, eu estou acompanhando todos os..



– Realmente, o caso foi abafado pelo Ministério da Magia... imagino que tenha alguma coisa a ver com Cornélio Fudge... você sabe, ele também está... “desaparecido” – E Rony olhou significativamente para o amigo, que não entendeu nada.



– Quê? – Disse Harry, muito sinceramente.



– Harry... durante esses dias, aconteceu uma série de coisas... estranhas na sociedade bruxa. Sabe – Era Hermione quem falava; a amiga ajeitou-se melhor na cadeira, e Harry e Rony tiveram que se levantar ligeiramente de seus assentos para escutá-la –, não são todas coisas realmente significativas, mas.. podem ter uma relação comum, e isso não é bom.



– Que tipo de coisas?



Hermione olhou para Rony antes de continuar.



– Bem... não podíamos lhe contar no Ministério da Magia, era arriscado demais para fazer isso, mas... hm... – Hermione olhou a sua volta. – Acho melhor subirmos.



Harry largou o garfo e a faca automaticamente e se aprontou para levantar-se da cadeira. Rony apresentou uma certa relutância em largar o prato, mas seguiu os amigos, enviando um último olhar saudoso para seus ovos com bacon.



*




Os três subiram as escadas velhas e mofadas da Ordem da Fênix aos pulos; Harry, pessoalmente, não se importava com a grande quantidade de barulho que estavam fazendo, mas pelo jeito alguns moradores se importavam; a reboante e atordoante voz da Sra. Black ecoou até pelos cantos mais escuros da casa, e ouviu-se uma grande confusão no andar debaixo. Mas continuou seguindo Hermione.



Chegaram até o quarto aonde Bicuço geralmente se alojava; aquele lugar despertava lembranças frias e terríveis para Harry, mas a sua sede de informações o manteve quase sóbrio. Porém, em vez da usual coleira do hipogrifo atada à parede, havia duas majestosas camas de solteiros e quadros pendurados na parede descascada, com bruxos de grandes bigodes e aparência inteligente. Hermione limitou-se a explicar:



– Eu e Rony estamos ocupando esse quarto agora, e o Bicuço ficou no quarto dos fundos. Imagino que você vá ficar com o quarto do... ah...



Harry não precisou ouvir a continuação: já sabia, pelo tom de voz hesitante e o olhar piedoso de Hermione, que ela iria falar de Sirius. O assunto não o atormentava tanto, mas ainda produzia fortes contrações na região esquerda do tórax, e Harry sentia que ainda não queria falar muito abertamente sobre aquele assunto. Mas deu quase um sorriso confiante e disse:



– Tudo bem, eu vou ficar feliz no quarto do Sirius... – E abaixou a cabeça, sentando-se em uma das camas. Hermione virou-se de costas para ele enquanto Rony se sentou ao seu lado, aguardando Hermione, que agora vasculhava com curiosidade a gaveta da cômoda ao lado das camas. Enfim, retirou alguns pedaços de papel amarelados e os mostrou para Harry.



– Guardamos tudo o que saiu, até agora.



Eram recortes de jornais. Harry deu apenas uma “passada de olhos” em cada um dos recortes, mas entendeu o sentido.



– O que é isso, Hermione? ­– Perguntou, ainda fitando os papéis. A amiga puxou uma cadeira e se sentou na frente dos dois.



– São evidências. Olhe... são muitas notícias. A primeira delas, e mais gritante de todas, porém a que foi vista da maneira mais insignificante pela sociedade bruxa, é o reaparecimento do seu primo, Harry.



– Duda? – Perguntou Harry, confuso.



– Sim... ele foi encontrado, perto de Little Hangleton, muito ferido e sangrando, em frente a uma casa muito antiga... ele está internado agora no St. Mungus, mas... não existem muitas esperanças...



– Você disse... Little Hangleton? – Perguntou Harry, desconfiado. – Numa casa em Little Hangleton?



– Sim, Harry. Por quê? – Perguntou Hermione.



– Hum, nada. É só uma idéia. Prossiga.



A amiga arriscou um olhar para ele, mas desisitiu e continuou a falar.



– A segunda notícia... foi a mais polêmica, no mínimo. Diz... diz que Fudge foi internado também no St. Mungus, a força, por bruxos que atestaram que a sanidade mental dele estava abalada demais para ele continuar fazendo parte livremente da sociedade, depois que ele deu uns depoimentos meio... estranhos por aí.



– Bom, isso não é muita novidade... eu sempre achei que ele fosse mais louco do que o normal – Comentou Rony, e Harry concordou intimamente.



– Tudo bem... a última, eu não sei se você ficou sabendo, mas parece que houve mais uma fuga em massa de Azkaban e, desta vez...



– O quê?



– Desta vez... Lucius Malfoy escapou, Harry.



– Ah.. – Disse Harry, sem conseguir fazer mais qualquer comentário.



– Bem... acho que são evidências suficientes para mostrar.. que os Comensais da Morte estão cada vez mais próximos... veja bem, só prenderam Fudge no St. Mungus porque ele disse que.. porque ele disse que alguns Comensais da Morte tinham invadido a sua casa e matado seu filho... você sabe, Fudge não tem filhos, pelo menos não filhos reconhecidos... e desde então o enfiaram em St. Mungus. Mas.. mesmo que ele esteja delirando um pouco, eu não acredito que desta vez seja mentira... tudo bem, eu sei que ele é um pouco maluco, mas... estou com a impressão que não é só mais uma invencionice da cabeça dele...



– Então você acha que talvez o Fudge tenha filhos? – Perguntou Harry, não entendendo aonde a conversa iria dar.



– Não é essa a questão, Harry... ao que parece, os Comensais da Morte estão muito mais ativos do que há alguns meses atrás... e sempre seguindo uma direção nos seus ataques...



– Você diz... a mim. – Esclaresceu Harry para si mesmo.



– Han... é... e... sabe... você deve imaginar porque está aqui, não é?



Harry não respondeu. Sim... tinha uma vaga suspeita do porque de estar ali, e porque seus amigos tinham tirado férias só para vê-lo... sim... agora ele tinha uma idéia...Rony e Hermione provavelmente estavam muito preocupados com o bem-estar de Harry, agora que os Comensais da Morte estavam se aproximando cada vez mais do seu alvo... estavam atrás dele, seguramente estavam e, pelo jeito, nem mais o CT era seguro...



– Não sei o que aconteceu no CT, mas posso imaginar. – Disse Harry, depois de uma longa pausa.



– Bem... estão fechando o CT, Harry. – Informou Hermione, com uma expressão triste.



– Sim... mas por quanto tempo? Você sabe? – Perguntou Harry, arranjando alguma coisa para falar.



– Ahh... indefinidamente, Harry.



O estômago de Harry deu um solavanco.



– Como assim?



Hermione parecia que não queria ser a pessoa a lhe informar; olhou para Harry, em seguida relanceou um olhar para Rony, em seguida olhou para Harry de novo, e decidiu observar o chão enquanto falava.



– Bom, você sabe que existe uma possibilidade muito grande de haver um Comensal da Morte infiltrado lá, não é, Harry?



– Sim, mas todo mundo sabe disso há séc...



– Sim, eu sei que todo mundo já sabe disso há séculos – Cortou Hermione, encarando o amigo. – Mas só agora descobriram quem é o Comensal infiltrado. – Dizendo isso, Hermione deliberadamente evitou os olhos de Harry, e começou a dar voltas pela sala.



– E quem é? – Perguntou Harry.



Hermione fez um barulhinho engraçado com a garganta, antes de responder.



– Tudo indica... quero dizer, não é absolutamente comprovado, teríamos que verificar essa informação, mas... tudo aponta... todas as evidências... indicam Marienne.



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