+ Relembrando o passado...



Harry deitou-se em sua cama e olhou para o teto do quarto, porém sem ao menos visualizá-lo. Tinha conseguido, ele conseguira... derrotara Voldemort, e bem como dissera a profecia, estava livre, conseguiu sobreviver... as lembranças do duelo ainda se mantinham frescas em sua memória, reaparecendo em lampejos, como em um filme mal editado; primeiro, via Voldemort, seus olhos vermelhos e furiosos, arregalados em ódio, varinha em mão... depois viu a expressão em seu próprio rosto, controlada e meticulosa, seus próprios olhos verdes lampejando de atenção... lembrava-se vivamente de todo o espetáculo, cada feitiço, cada manobra que executara, cada rodopio de capa... e sentia-se mais aliviado do que nunca. Deixara de ser aquele garoto marcado para o resto de sua vida, agora viveria intensamente. Não que não tivesse vivido os anos em Hogwarts de maneira intensa; provavelmente os viveu de maneira muito mais intensa do que esperava... mas agora estava livre, não sabia o que o destino tinha a oferecer, e se sentia absolutamente grato por isso.



Sentou-se na cama e olhou ao seu redor, avistando as paredes bem pintadas, o espelho, os quadros de paisagens relaxantes ao seu redor. Era provavelmente o melhor quarto que conseguiria alugar no Caldeirão Furado. Sim, porque, agora que finalmente deixara Hogwarts e já tinha feito 18 anos, nem ao menos pisaria novamente no assoalho inacreditavelmente limpo da casa dos Dursley. Poderia viver como bruxo, e esperava ansiosamente por esse momento. Hospedara-se por algum tempo no Caldeirão Furado, mas sabia que não poderia ficar lá para o resto de sua vida. Logo, logo, teria que encontrar casa, um trabalho relativamente bom (já estava inscrito para o treinamento de Aurores, e aguardava ansiosamente a resposta do Departamento responsável) e viveria sozinho, como quisesse. Tinha esperanças de formar uma família, mas... não via com quem. As garotas de Hogwarts já não o animavam tanto quanto na época em que estudava no colégio. Desde que recebera a resposta de seus NIEM´s (que, diga-se de passagem, foram esplendorosos) e não tinha quase nenhum vínculo com a escola, o local não o chamava mais tanto a atenção, e tampouco os estudantes de lá. Havia Gina Weasley, irmã do melhor amigo de Harry, Rony, mas a garota não parecia nem um pouco mais atenta em Harry, e o jovem preferia essa situação; também havia Cho Chang, mas, de acordo com as más línguas, a garota estaria namorando um famoso jogador de Quadribol, do time da Inglaterra, e Harry provavelmente não teria a menor chance contra um esportista; pensou rapidamente em Hermione, mas a garota já estava praticamente casada com Rony, e gostava bastante do casal que formavam para se intrometer.



Um barulho de batida ecoou na porta lustrosa de madeira. Harry chamou: "Entre!", e a porta se abriu com um levíssimo rangido. Era Tom, o dono do bar-hospedaria, mais banguela do que nunca, que sorria para Harry enquanto lhe trazia o almoço em uma bandeja de prata com adornos, coberto.



– Você não desceu, então eu trouxe a especialidade do dia, que estamos servindo pratos exóticos de outros países; espero que goste, sr. Potter. – Tom retirou a cúpula que protegia o prato, deixando à mostra uma reluzente bouilabasse, que despertou em Harry doces lembranças. O garoto sorriu para o dono da hospedaria:



– Muito obrigado, senhor Tom, pela gentileza. Realmente gosto de bouilabasse, obrigado. – Harry pegou a bandeja, um prato e alguns talheres, e agradeceu mais uma vez com um gesto de cabeça. Tom retirou-se do quarto, aparentemente muito satisfeito consigo mesmo, e fechou a porta, deixando Harry sozinho novamente, que começou a comer a tal bouilabasse. Era boa, mas não tão boa quanto a que Hogwarts serviu, pensou Harry sorrindo para dentro. Mas terminou de comer sem maiores problemas. Sentia-se agradecido pelo fato do dono da hospedaria gostar dele daquela maneira, levando até comida para ele em seus aposentos; não estava com a menor disposição para descer até o bar. Levantou-se da cama com um salto ágil, e abriu uma das gavetinhas de uma estante, aonde já guardara uma boa parte de seus pertences; retirou de lá de dentro um grosso álbum de fotos, e contemplou-as com ar saudoso. Havia fotos dos pais, de Hagrid, de Rony e Hermione... dos melhores tempos de sua vida, por assim dizer. Quase não falava mais com os amigos, e as raras cartas que recebera de Rony e Hermione diziam muito pouco em relação aos anos anteriores. Harry achava que só iria vê-los realmente no dia do casamento dos dois, o que, de acordo também com as más línguas, não ia demorar muito.



Harry olhou, distraídamente, para o relógio de estante que havia em seu quarto, e sufocou um grito exasperado; deveria estar na Seção de Treinamento dos Aurores, para verificar se passara no primeiro teste que o treinamento exigia. Não havia muito o que se comentar a respeito; achava que tinha se saído espetacularmente bem, mas não poderia confirmar nada a respeito. Anotou rapidamente um bilhete e deixou-o sobre a estante, caso alguém o procurasse; em seguida aparatou. Harry adorava a sensação de girar sobre os próprios pés, e subitamente aparecer em outro lugar, guiado apenas pela sua mente. Era barbaramente mais cômodo do que qualquer outro meio de transporte bruxo; tanto o Pó de Flu quanto o Noitibûs Andante lhe provocavam sinceras náuseas, sem comentar a engolfada absurda provocada pelas Chaves dos Portais que Harry teve que conviver. Somente a vassoura se destacava, pela sensação maravilhosa do vento passando pelos cabelos, mas viagens muito longas com vassouras deveriam realmente incomodar. Aparatação era realmente muito mais prático e fácil; em um instante, Harry já atravessava, apressado, o Salão Principal do Ministério da Magia, e já alcançava a Fonte dos Irmãos Mágicos (agora reconstituídos, muito mais fielmente na opinião de Harry, já que nem o centauro nem o duende pareciam olhar para os bruxos com embevecimento), correndo para alcançar um elevador, quando reconheceu Hermione andando pelo Salão, carregada de livros até a testa. Como sempre.



– MIONE! – Exclamou Harry audivelmente, e Hermione olhou para os lados, procurando localizar quem a chamava. Ao ver Harry, seu rosto iluminou-se em um sincero sorriso, e a garota correu em sua direção.



– Harry, que bom ver você! Olhe... – a garota olhou para os lados, e baixou a pilha enorme de livros que carregava. – Vá até a Seção de Mau Uso dos Artefatos Trouxas, daqui há alguns minutos. Assim poderemos conversar melhor. Rony também está lá. O pai dele, o sr. Weasley, cedeu o cargo para ele, dizendo que queria se aposentar... bem, a gente conversa melhor. Estaremos esperando você, hein? -- E se afastou, deixando Harry falar sozinho. Como poderia comparecer à seção dos Aurores e a do Mau Uso dos Artefatos Trouxas ao mesmo tempo? Resolveu correr até a seção dos Aurores, e em seguida dirigir-se para a seção em que Rony e Hermione lhe esperariam. Tomou alguns atalhos, descobertos por acaso, e chegou, definitivamente afogueado, na seção dos Aurores. Havia uma pequena fila de pessoas, que esperavam o resultado dos testes. Um cubículo havia sido montado para a ocasião. As pessoas deveriam apenas entrar na fila, dizerem seus nomes e verificarem se passaram ou não.



Mas é claro que com Harry foi bem diferente.



– Harry Potter? – Perguntou novamente o atentende no cubículo, quando chegou a vez de Harry verificar se tinha passado ou não. O atendente deu aquela conhecida espiadela na cicatriz de Harry, e o jovem confirmou com a cabeça.



– Eu mesmo, como o senhor acabou de conferir – Disse Harry com um levíssimo sorriso. – Hum... será que o senhor poderia verificar logo se eu passei ou não no treinamento de Aurores? Eu estou realmente com um pouco de pressa! – Exclamou Harry, o mais veementemente que conseguiu fazer, com um leve toque de educação sarcástica, ao ver que o homem continuava a mirar a sua cicatriz, em silêncio.



– Será que o senhor tem alguma dúvida de que passou? Depois de tudo que fez? Ora, não seja modesto, senhor Potter... é claro que o senhor passou! Eu conferi essa lista ansiosamente até a sua chegada, esperando que viesse para que eu tivesse a oportunidade de conversar com o senhor, e quem sabe fazer umas perguntinhas! – Exclamou o atendente, os olhos brilhando, fanáticos.



– Ahh... perguntinhas? Olha, fica realmente para outra hora. Mas, eu realmente passei? Isso é ótimo! Bom, eu tenho que ir andando, muito obrigado pela informação! – E Harry desviou-se rapidamente do cubículo, em que o atendente ainda o focalizava, acenando a mão e sorrindo embevecido. – Gente mais louca.. – Comentou Harry para si mesmo, embora não ocultasse um sorriso satisfeito que se formou ao saber que tinha fãs. Foi com este sorriso que entrou na sala apertada e abafada do Departamento de Mau Uso dos Artefatos Trouxas, e encontrou os olhos de Rony.



– Aê, cara! – Exclamou Rony, abrindo um largo sorriso e batendo na mão de Harry, cumprimentando-o com um gesto característico. – Tudo beleza?



– Tudo! – Exclamou Harry, também extasiado em rever o amigo. – Então... já tá trabalhando, Rony? Pô!



No rosto de Rony formou-se uma expressão um tanto quanto contrariada.



– É, para você ver... sabe o que que é, depois que a gente saiu de Hogwarts, meu pai começou a ficar cansado de trabalhar aqui no Ministério, e resolveu se dedicar inteiramente a... bem, você sabe, à Ordem – Disse Rony quase sigilosamente – Você sabe, a Ordem ainda é uma associação secreta, eles ainda estão procurando saber sobre os Comensais da Morte, parece que estão montando uma revolução... o Ministério está em pânico, logicamente... Então, meu pai pediu que eu trabalhasse aqui, para ver como as coisas estão indo e, principalmente, como o Ministério está pensando em reagir contra os malfeitores, não é? Bom... parece uma coisa realmente grande para quem saiu de Hogwarts agora – Ele mostrou, com um gesto largo, todo o pequeno aposento --, chefe de Departamento... mas não tem nada demais. Por enquanto só peguei uns casos pequenos, estúpidos, para dizer a verdade, eu não tenho a menor idéia de como meu pai conseguiu trabalhar aqui a vida toda, é absurdamente chato, e pretendo sair daqui o mais rápido que der – Confessou o garoto. – Ainda bem que tenho a Mione para me ajudar, ela está trabalhando pacas depois que saiu de Hogwarts, e ainda arranja um tempinho para me ver... – o garoto completou a frase com um suspiro apaixonado e bastante instintivo, e procurou minimizá-lo rapidamente assim que percebeu o que estava fazendo.



– E no que a Mione está trabalhando? – Perguntou Harry.



– Putz, em tanta coisa... primeiro, ela fundou uma sede oficial do F.A.L.E.. Está trabalhando dia e noite para deixar a fundação de pé, você sabe, essa obsessão com os elfos domésticos... bem, além disso está fazendo um estágio na Seção de Inteligência do Departamento Anti-Trevas, coisa séria mesmo, e dizem que ela está indo super bem, e que logo ela até pode ser contratada... eu sempre imaginei que ela faria algo do tipo – Suspirou Rony mais uma vez. – E também dá aulas de reforço em Transfiguração para estudantes de Hogwarts... a professora Minerva está radiante, disse que nunca os alunos estão indo tão bem nas aulas. – Completou, com um sorriso orgulhoso por sua amiga.



Harry se sentiu inacreditavelmente mal. Primeiro, ao ver que os amigos estavam trabalhando duramente para se sustentarem sozinhos, tão maduros, enquanto ele dormia em uma hospedaria, e torrando todo o dinheiro que tinha em Gringotes! E também, se sentiu mal ao ouvir falar da Ordem da Fênix... queria ajudar, queria lutar, mas ninguém nem ao menos falara com ele sobre a Ordem durante as férias! Ele já tinha 18 anos, já poderia ajudar, e acreditava que seria de grande ajuda.



– Vocês estão trabalhando pela Ordem, Ron? – Perguntou Harry, discretamente.



– Bem... já participamos de algumas reuniões, poucas, porque não temos tempo para quase nada. Mas acho... acho que até já poderíamos nos alistar, sabe.. já somos maiores de idade, acabamos Hogwarts e aprendemos todo o tipo de coisa que podiam nos ensinar.



– Você está redondamente enganado, Rony... temos muito o que aprender ainda. – Disse Hermione, que acabava de entrar pela portinha do Departamento, sem aquela enorme pilha de livros que carregava no Salão. Abraçou Rony e, em seguida, Harry. – Que bom ver você por aqui, Harry... acredito que tenha muitas novidades para nos contar!



– Pelo jeito, não mais do que vocês – Sorriu Harry, sem graça.



Hermione desfez seu sorriso.



– Não fale assim. Bem, o que está acontecendo na sua vida ultimamente? Você sabe, não podemos mandar cartas boas como antigamente, estamos realmente com grandes problemas de intercepção de correios, os Comensais da Morte estão muito mais ativos sem o seu líder, por mais incrível que possa parecer... estão revoltados, e isso não é nada bom.



– É, eu imagino... bem... a última coisa emocionante que fiz foi descobrir que passei no teste de Treinamento de Aurores... agora vou começar a estudar para me tornar um Auror de verdade.



Embora Rony o olhasse com verdadeira admiração, Hermione não parecia muito impressionada.



– Uau, parabéns, cara! – Disse Rony, a voz afinando de animação.



– Eu já sabia. O pessoal da Inteligência me contou – Disse Hermione com um sorrisinho amarelo. – Mas é realmente uma notícia maravilhosa! Quando começam os treinos?



– Acho que daqui a dois dias – Disse Harry, levemente distraído. – Mas agora, chega de falar de mim. Vamos falar de todo mundo! – Disse Harry com um sorriso.



E assim conversaram, como nos velhos tempos. Harry sentia uma real falta daquelas conversas. Comentaram sobre tudo, desde a revolta dos Comensais até o suposto romance de Luna Lovegood e Neville Longbottom que, Harry pasmou-se ao saber, estava também competindo pela carreira de Auror.



– É verdade! – Exclamou Hermione, pela última vez, quando os amigos disseram que não acreditavam no que ela dizia – Neville, assim que se inscreveu, veio me contar... acho que ele tinha grandes chances, eu vi alguns treinos dele, mas infelizmente não consegui perguntar se ele tinha passado. Só me falaram de você, Harry. Aliás... – o rosto da garota formou uma expressão divertida --, por um acaso você encontrou um atentende absolutamente animado quando foi perguntar sobre o teste?



– Ahm... sim, encontrei... você o conhece, Mione? – Perguntou Harry, com estranhamento. A amiga riu.



– Sim, eu o conheço... ele é o Will, é meu colega, só que trabalha no Dpto. de Aurores... ele é simplesmente fanático por você, Harry, tem pôsteres seus colados no cubículo dele, uma coisa absurda! Você é ídolo dele! Ele ficou abismado quando lhe disse que era a sua melhor amiga. Agora ele me cumprimenta toda vez que passa pelos corredores – Riu a garota.



– Como é esse tal Will? – Perguntou Rony, pelo canto da boca, para Harry. Hermione riu ainda mais alto.



– Pare com esse ciúme idiota, Rony. Você sabe que eu gosto de você.



– E não precisa se preocupar, porque ele é bem feio mesmo – Comentou Harry, rindo. Todos riram muito alto, em seguida. A tarde foi incrivelmente agradável, tranquila, e Harry saiu do Departamento de Mau Uso dos Artefatos Trouxas com um sorriso espontâneo gravado em seu rosto. Resolveu dar uma passada, bem de longe, no corredor dos Aurores, em que ocorria a lista dos aprovados no teste. Foi então que viu uma moça alta, magra, de longos cabelos negros, pela primeira vez. Ela sorriu para ele, um sorriso tão belo e suave, que Harry por um momento não sentiu o chão... que sensação estranha que ela lhe causara! Era como se o chão estivesse derretendo aos seus pés.... ela era bem mais velha do que ele, verdade, mas nunca vira mulher tão bonita em sua vida. Nem Cho se comparava a ela.



Quando deitou a cabeça no travesseiro, alguns minutos depois, descobriu que não conseguia dormir. A mulher dominava seus pensamentos. E, logo descobriu, seus sonhos também.



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