~*~ O Toque Da Água ~*~



A chuva caía forte, atrapalhando a visão. Mas ele não precisava ver, conhecia aquele caminho bem demais após percorre-lo tantas vezes desde que entrara para o time de quadribol. E isso já havia sido há três anos atrás... Como o tempo passa rápido.
E era exatamente sobre isso que Sírius Black refletia enquanto caminhava calmamente pelos gramados que o levariam até o castelo. O corte repicado que usava nos cabelos negros impedia que batessem alinhados na altura de suas orelhas, mas algumas mechas se estendiam até ali. E estas balançavam ao doce sabor do vento enquanto ele seguia, estremecendo de leve conforme era atingido por rajadas mais fortes, pingando água pelos corredores que o levariam até a torre grifinória.
O treino não havia sido muito agradável, dando continuidade há uma série que se iniciara junto com o ano letivo. Na verdade o treino havia sido igual há tantos outros anteriores que ele considerara ótimos. O que acontecia era que, desde as últimas férias que passara na mansão Black, algumas coisas haviam simplesmente se tornado menos agradáveis do que normalmente seriam. E dentre essas coisas podia-se nomear tudo o que não envolvia ela.
Sim. Uma garota. Um ser único que conseguira desfocá-lo da trivial realidade em que vivia para um universo paralelo onde tudo exibia uma estranha coloração esverdeada.
Verde. Ele não gostava de verde. Mas não podia evitar se sentir envolvido pelo fascínio dessa cor. Pois essa era a cor favorita dela. Essa era a cor da aura que a envolvia por inteiro, tornando-a intocável para ele. E isso o estava enlouquecendo.
E ela era Bellatrix Black, sua prima. Realmente, o tempo é algo muito curioso. Cresceram juntos. Seus quartos se posicionavam lado a lado no corredor escuro que percorria a mansão Black. Mas esse fato nunca havia se mostrado tão importante ou tentador diante dele.
O normal era que cada um continuasse com sua vidinha isolada, sem que qualquer outra pessoa viesse a intervir em nada. Isso funcionava como uma espécie de acordo mudo entre os membros daquela família. Cada um sabia de si e, desde que seus planos pessoais não corressem o riso de serem interrompidos pelos planos pessoais de outro membro da família, isso era o bastante.
Mas aparentemente não o bastante para ela. Ela nunca foi dada a acordos. Acordos significavam compromissos, regras a cumprir, e ela não gostava disso. Gostava de ser livre para agir como bem entendesse. Gostava de seguir a brisa e seduzi-la de forma que pudesse encaminha-la para onde viesse a lhe convir sem que isso nunca fosse notado. E ela fora assim desde sempre.
A partir disso pôde-se logo deduzir que as regras dos Black não fariam a mínima diferença para ela também. Eram como uma fita que substituí uma grade no saguão de entrada para algum lugar. Frágeis demais para se manterem firmes durante muito tempo perante sua força. Sim, ela era forte. E ele podia afirmar isso.
Mas antes ele nem suspeitava. Antes ela era simplesmente indiferente. Ao menos até uma tarde em que ele se encontrava sentado no jardim da mansão. Era uma tarde de tempo fresco em que os fracos raios de sol que conseguiam alcançar o local se refletiam no espelho formado pela água que jorrava de uma pequena fonte estrategicamente posicionada no meio do jardim.
Não havia nada mais interessante a se fazer naquele lugar a qualquer horário de qualquer dia que não se sentar confortavelmente para pensar, lembrar ou refletir... Ao menos não para ele. E era o que fazia todo o tempo. E foi o que fez naquela tarde também.
Ele estava sentado de forma a não manter sequer um único centímetro de seu corpo em compostura, jogado em um dos bancos que cercavam a pequena fonte. Então ela chegou. Veio caminhando lentamente, seu olhar preso nos raios que se refletiam na água, parecia enfeitiçada.
Não o havia visto. Simplesmente cainhou com graça e leveza até se postar de frente para a água, baixar a cabeça e tocar o líquido com os lábios. E, até aquele momento, ele nunca havia percebido quão vermelhos eram aqueles lábios.
E ele pode perceber que ela bebia daquela água. “Se está com sede, por que não vai à cozinha?” Ele se lembra de ter questionado. E encarou-a por um momento. Aqueles olhos azuis exibindo um brilho de surpresa. Pela primeira vez ela notara sua presença.
“Água fresca é melhor.” Ele lembrava-se de tê-la ouvido dizer enquanto encarava-o de volta. “Por que não experimenta?” Ela perguntou e, nesse momento, um brilho estranho contornou momentaneamente suas íris. Ela provavelmente deve ter notado que ele estava estranhando muito tudo aquilo, por que em seguida disse “vamos, não há veneno algum na água.”
E ele acordou do torpor que o havia envolvido desde o momento em que prendera seus olhos nos dela pela primeira vez. Se levantou devagar e foi andando lentamente em direção à fonte. Quando parou, do lado oposto ao qual ela se encontrava, pode vê-la caminhar com passos firmes e se postar ao seu lado.
Ele foi baixando a cabeça lentamente. Sentiu o momento em que a claridade solar o afetou e fechou os olhos até que seus lábios tocassem a água límpida. Aquilo era realmente bom, muito melhor que servir-se da água parada de um jarro de barro em uma das taças de cristal que o elfo doméstico oferecia tão cuidadosamente.
Mas justamente por estar com os olhos fechados ele não pôde ver o momento em que Bella, como passou a chama-la, ao menos mentalmente, pois não mantinham qualquer tipo de contato, após o ocorrido, inclinou-se para beber mais. Ela foi baixando lentamente até chegar ao mesmo jato que ele bebia e realizar o toque de seus lábios.
Ele se assustou no início, para em seguida compreender o que estava acontecendo. Ela estava beijando-o. Um beijo suave, superficial, envolvido pela água fresca. E suas línguas se tocavam com delicadeza durante um segundo para então se separarem e repetirem o ato. E ficaram assim por nada além de alguns poucos momentos, segundos, os quais ele julgou não terem se passado.
E quando finalmente se separaram, ao abrir os olhos, tudo o que ele teve tempo de ver foi ela secando os lábios com a manga do vestido verde claro que usava, virar-se, e sair caminhando com os mesmos passos leves e graciosos até sair pelo mesmo local que havia entrado.
Durante o resto das férias ambos voltaram a ser os mesmos primos distantes, parentes completamente alheios à presença um do outro, que sempre foram. Voltaram a Hogwarts, ela não lhe dirigiu mais a palavra e tão pouco qualquer olhar que indicasse uma lembrança do ocorrido.
Mas ele não esquecera. O tempo realmente passa muito rápido. Já faziam seis meses agora desde que tal cena se realizara. Em alguns dias teriam início as férias de natal. E, pela primeira vez desde os seis anos que freqüentara Hogwarts, ele tomaria o expresso vermelho para ir passar o feriado com a família.
Sabia que o que acontecera na fonte aquela tarde deveria ser esquecido. Mas simplesmente não conseguia isolar o fato em sua memória. Há algum tempo se pegava pensando na prima. O que estaria fazendo, se gostara tanto quanto ele daquele beijo, se esperava algo mais... E sabia também que aquele tipo de pensamento não o levaria muito longe. Apenas inevitável, como sentir a presença dela quando a mesma se encontrava tão longe.
E ali, caminhando por aqueles corredores, cercado por suas reflexões, ele não pode deixar de sorrir ao visualizar rapidamente o nome dela assinado na lista de chamada para o expresso, logo abaixo do seu próprio nome.

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