A imagem no espelho



O trem esperava os últimos alunos, na estação, partindo às cinco. Depois do almoço, todos os formandos estavam acordados e passaram boa parte do dia chorando e lamentando pelos cantos, ou abraçando e beijando mais gente do que haviam feito na vida toda. Por um momento Tom pôde ficar em paz com seus pensamentos, já que todos exceto ele estavam se despedindo de alguém ou acabando de comemorar a formatura. Quando o relógio bateu quatro horas, porém, achou melhor tratar de colocar suas últimas coisas na mala para não perder o trem, ainda que parte dele sugerisse que não seria uma má idéia fazer isso.

Quando Avery acabou de se despedir de Olívia Hurnby, veio chama-lo finalmente, argumentando que por mais triste que fosse abandonar o castelo, se Tom continuasse ali seu destino mais provável era acabar virando zelador. Tom teve de concordar, embora não tivesse mencionado seu emprego na Borgin&Burkes. Mandou que avery fosse na frente, enquanto acabava de dobrar umas últimas cuecas e por na mala.

Finalmente tomou coragem e começou a enveredar o caminho do corredor já deserto em direção à saía. Pegou um caminho mais comprido intencionalmente, um que não costumava usar. Quando passava por um corredor no segundo andar, um brilho estranho na sala deserta, visível através da fenda da porta entreaberta, chamou sua atenção.

Cautelosamente, entrou na sala e o que viu deixou-o boquiaberto. Um espelho velho, enorme, empoeirado, cercado por uma moldura dourada muito gasta. Aproximou-se mais do objeto, encheu-se de coragem e puxou a cortina que o cobria. Uma inscrição era visível ao redor da superfície: “Oaçã rocu esme ojesed osamo tso rueso rtso moãn”.

A primeira visão que teve na superfície límpida foi a si mesmo, abismado, com a expressão que devia estar mostrando naquele momento. Porém, gradativamente, a imagem foi mudando. Em êxtase, Tom sentou-se no chão e ficou admirando a imagem estranha, mas atraente que o espelho exibia. Quando, de repente, um barulho desviou sua atenção. Alguém abria a porta. Era Dumbledore.

“Ainda bem que lhe achei, Tom. Estávamos todos começando a ficar preocupa-...” – Mas parou a frase no meio ao visualizar o aluno à sua frente, sorrindo de orelha à orelha, hipnotizado pela visão que estava tendo. – “Oh, sim. Agora entendo. Você o achou. Até me admiro que tenha demorado tanto, sendo você, achei que o teria descoberto mais cedo. Você conhece mais sobre essa escola até mais do que eu, se duvidar. ”

Em outros momentos, Tom teria gostado muito de ouvir aquilo. Mais naquele instante, isso não lhe pareceu grande coisa. Continuava hipnotizado pela imagem à sua frente.
“O que é isso?” – Perguntou, sussurrante.
“O Espelho de Ojesed. ‘Não mostro o seu rosto, mas o desejo em seu coração’. Acho que isso explica tudo, não é?”
Tom então entendeu perfeitamente, e então sentiu-se constrangido. A imagem, porém, não mudou.
“Esse espelho mostra o que eu mais desejo?”
Dumbledore confirmou.
“Sei que não me deve mais satisfações e nem mesmo respeito, já que daqui a alguns minutos não será mais considerado aluno de Hogwarts, mas gostaria que me respondesse. O que você vê aí?” – As palavras de Dumbledore não soaram frias como costumavam ser, dessa vez, para total surpresa de Tom. Elas lhe pareceram mais... Carinhosas?
“Eu me vejo... Igual. Igual a como sou agora. Mas tem pessoas me olhando.”
“Pessoas? Que pessoas?” – Perguntou Dumbledore delicadamente, pousando uma mão em seu ombro e ficando lado-a-lado com seu aluno.
Tom ponderou por um momento se deveria contar a Dumbledore. Mas a expressão do professor era tão serena e despreocupada, paternal até.
“Eu vejo... Humm... Minha mãe... Meu pai” – E nesse momento, uma pequena fagulha de raiva se acendeu em seu íntimo – “E... Francis Finninghan. Há uma criança também, uma criança parecida comigo.” – A compreensão do significado dessas imagens o fez corar levemente. – “Eles estão olhando para mim, mas... É um olhar diferente.”
“Um olhar de admiração ou respeito?” – Perguntou Dumbledore, astutamente.
“Não. Não é um olhar de admiração ou respeito.” – respondeu, sinceramente. Admiração ou respeito estava acostumado a reconhecer, mas aquele olhar... Que seria aquele olhar? E porque a imagem lhe provocava êxtase e repulsa ao mesmo tempo?
“Você saberia dizer que olhar é esse?”
Tom sacudiu a cabeça, ainda tentando compreender aquilo tudo. O desejo mais profundo de seu coração? Ora, aquilo lhe parecia óbvio. O que mais desejava era poder, e poder para alcançar a imortalidade. No entanto, não adiantava negar que aquelas imagens não tivessem tornado tudo muito confuso.
“O que isso significa?” – Perguntou, suplicando por respostas.
“Se eu dissesse, você não ia gostar muito.” – Respondeu Dumbledore; sua voz agora tomando um tom de preocupação, mas sem perder o calor.
Subitamente, ele entendeu. Amor. Era isso que realmente queria? Não, certamente que não, o amor era uma fraqueza. O amor tinha sido a causa da morte de sua mãe. O amor tinha feito Mérope fraquejar, o amor tinha feito Mérope o abandonar.
“E o que o senhor vê?” – Perguntou a Dumbledore.
O professor tirou a mão de seu ombro, enrolou a ponta da barba e então respondeu:
“Eu me vejo segurando meias. As pessoas sempre me dão livros de natal, mas um velho também precisa aquecer os pés.” – E sorriu novamente, do mesmo modo surpreendentemente amigável.
Tom riu timidamente, começando a se sentir ligeiramente constrangido.
“Porque o senhor achou que eu não fosse gostar da resposta?”
Dumbledore o encarou profundamente através dos oclinhos.
“Eu lhe observei mais durante esses anos do que você pode sequer imaginar, Tom. Eu conheço você melhor do que você mesmo...” – E então deu um longo e triste suspiro. – “O modo como você, apesar de pobre, órfão e mestiço, conseguiu atrair para si uma legião de adoradores; construiu um verdadeiro sistema de admiradores. Sabe, o professor Slughorn...” – E parou por um instante, pesando as palavras. – “O professor Slughorn, e todos os outros também lhe admiram muito. Foram totalmente em sua defesa quando eu lhes confidenciei minhas suspeitas sobre o seu envolvimento na morte do unicórnio.”
“Não fui eu” – Se apressou a dizer.
“Claro que foi. Foi você que abriu a câmara secreta, foi você que abateu o unicórnio e foi você que lançou na senhorita Finningham um feitiço de magia negra poderosa. Quem mais teria a capacidade e a coragem para tanto?” – Falou Dumbledore, calmamente, como se não tivesse nada demais no que estava falando.
“Você... Você não tem como provar!” – Rosnou Tom, subitamente voltando a sentir ódio de Dumbledore.
“De fato, eu não tenho como provar. O que eu quero dizer é que eu me preocupo demais com você.”
“Você... Se preocupa?” – Perguntou Tom, assombrado que Dumbledore estivesse lhe falando aquilo.
“Sim, eu me preocupo. Sabe, quando eu tive a oportunidade de falar com você pela primeira vez, naquele orfanato, há tanto tempo, percebi que você não era como os outros.”
“Tem razão, eu não sou”
“Não, certamente que não. O grande controle que tinha sobre seus poderes mesmo antes de se saber bruxo, a grande capacidade e inteligência que demonstrou ao longo desses sete anos, o dom de Ofidioglota, a legião de adoradores ao seu redor... Também observei, é claro, que você nunca teve amigos ou namoradas.” – Ponderou o Professor, falado de modo calmo do mesmíssimo jeito.
“Como assim nunca tive amigos? Claro que os tive...”
“Achei que eles estivessem mais para servos. Como fazia com as garotas, eles serviam apenas para um fim. Você nega que sempre procurou tirar proveito das situações?”
“Não nego. Mas eu sou um sonserino; esperava que eu fosse nobre e leal e me auto-sacrificando em nome dos outros?”
“Não. Os sonserinos também têm qualidades que faltam aos grifinórios. Não nego que admiro o modo como vocês pensam e planejam tudo, geralmente de modo a tirar proveito próprio, apesar de não aprovar esse tipo de comportamento”
“Então o que espera que eu faça? Por que está me dizendo essas coisas?”
“Já disse; porque me preocupo com você. E porque sei que você é capaz de qualquer coisa para atingir seu objetivo. Diga-me, Tom Riddle, o que você acha que será de seus amigos quando eles forem embora e tomarem seus rumos?”
“Acho que eles vão só se tornar mais uma geração de medíocres.”
“E você? Qual rumo você acha que sua vida vai tomar?”
Tom parou de responder e analisou Dumbledore. Por que estava respondendo aquilo, afinal?
“Nunca fui bom em adivinhação, Dumbledore.”
“Então como pode afirmar com tanta certeza que seus amigos vão se tornar, como você mesmo diz, ‘mais uma geração de medíocres’?”
“Porque é óbvio. Quero dizer, olhe para eles...”
“Você me acha um medíocre?” – Perguntou Dumbledore, mas seu tom não demonstrava vaidade alguma.
“É claro que não.”
“E eu posso garantir a você que nunca bebi sangue de unicórnio”. – Disse, encerrando a conversa e se retirando, deixando Tom completamente desconsertado.

[...]


Algumas horas depois, os alunos do sétimo ano desembarcavam na estação barulhenta. Tinha sido uma viagem mais curta do que o normal, pelo menos para Tom. Era incrível como o tempo parecia correr depressa quando você não queria que algo acontecesse...

“Ei, não vamos perder o contato, está bem?” – Disse Lestrange, empurrando um pergaminho com vários endereços em sua mão. – “Mamãe disse que você pode aparecer para jantar lá a qualquer hora”
Tom devolveu o sorriso e agradeceu. Viu Rodolfo desaparecer passando para o lado trouxa da plataforma. O trem vermelho já tinha se recolhido à garagem e os únicos alunos que ainda permaneciam na estação eram Tom e Avery Nott. O garoto parecia preocupado e estava sentado na borda dos trilhos com as pernas balançando no ar. Tom se aproximou cautelosamente e perguntou.
“O que houve?”
“Nada... É só que... Bem... O Voto Perpétuo, você sabe...”
“O quê? Você acha que eu vou te transformar numa espécie de elfo doméstico?” – Disse Tom, rindo. “É claro que não. Primeiro eu tenho que cumprir a minha parte do trato, de qualquer maneira”
Avery riu de volta, mas parecia realmente mais aliviado.
“E como você vai fazer isso?”
“Não sei. Darei meu jeito, acho.”
“É, acho que sim... Você já sabe onde vai trabalhar?”
Tom olhou para baixo, constrangido.
“Na Borgin&Burkes.”
Na Borgin&Burkes?” – Perguntou Avery, abismado.
“Existem... Coisas interessantes por lá.” – Não era mentira. Depois de um tempo pensando, Tom chegara à conclusão que trabalhar numa loja especializada em objetos das trevas não era de modo algum tão ruim assim.
“Se você acha...” – Respondeu o colega, num suspiro, se levantando e atravessando a barreira, deixando Tom sozinho observando o céu estrelado acima.

Era uma noite bastante estrelada. Apesar de estarem em plena Londres, ainda era possível reconhecer algumas constelações de estrelas brilhando vivamente, como um grande e belo colar de brilhantes enfeitando a lua cheia. Lembrando de suas aulas de astronomia, reconheceu a grande constelação de serpens, a serpente, brilhando mais viva do que nunca acima de sua cabeça. Mercúrio, a personificação da inteligência e da astúcia, o deus dos ladrões e dos viajantes, também brilhava intensamente. Seria aquilo alguma espécie de sinal?

[...]

Estava de volta ao orfanato, onde seria obrigado a ficar pelas leis do governo trouxa até completar dezoito anos. Tentara argumentar com Dippet que aquilo era um absurdo, que segundo as leis bruxas era maior de idade e que era ridículo continuar morando num orfanato depois de adulto. O diretor, porém, argumentara que não se podia simplesmente aplicar a lei bruxa a um morador de orfanato trouxa. Para que fosse possível manter as aparências, teria de permanecer lá até trinta e um de dezembro, quando completaria dezoito anos. E assim o fez, ainda que a contragosto.

No dia seguinte acordou cedo e saiu antes que os outros órfãos acordassem, tomando o caminho d´O Caldeirão Furado, e a passagem para o Beco Diagonal. Foi recebido literalmente de braços abertos pelo dono da estalagem, que lhe ofereceu copos generosos de hidromel envelhecido, por conta da casa.
“Hoje não, Tom. Estou a serviço.” – Respondeu sinceramente, ainda que alimentasse um certo trauma por hidromel. Seu xará adiantou-se e lhe abriu a passagem do beco Diagonal.

Sua primeira parada foi, obviamente, Gringotes, onde abriu sua primeira conta no banco como maior de idade, ainda que o seu conteúdo não fosse exatamente generoso – consistia de algumas dezenas de galeões economizados durante seu tempo em Hogwarts e um “presente de natal” em nome de todos os seus colegas da sonserina. Aparentemente, eles haviam se lembrado das dificuldades econômicas em que se encontraria ao deixar Hogwarts...

O Senhor Burkes, no entanto, lhe esperava na porta de sua loja na Travessa do Tranco; uma expressão de impaciência como se já lhe esperasse há muito tempo.
“Estou aqui.” – Disse Tom, mal-humorado, retribuindo a expressão de desgosto.
O velho resmungou alguma coisa e abriu espaço para que o rapaz passasse.

Agora que Tom estava pela segunda vez sem grandes compromissos urgentes para resolver, pôde observar melhor a loja escura. Concluiu que tinha razão em achar que haviam muitas coisas interessantes ali a serem investigadas...
A coleção de enciclopédia das Trevas continuava na estante ao alto. Uma mão seca era exposta num suporte empoeirado e uma etiqueta a identificava: “A Mão da Glória”.
Haviam ainda um pote de cabeças encolhidas flutuando num liquido de uma suspeita cor verde e um forte cheiro de formol. Um belo colar de opalas reluzentes era exposto numa vitrine e uma outra estante expunha potes dos mais variados tamanhos e formatos contendo as mais estranhas substâncias, a maioria de aspecto letal. Um olho azul-elétrico flutuando no liquido fez questão de encara-lo quando passou em frente ao seu pote.
Uma arara cheia de roupas velhas manchadas com etiquetas sugerindo que elas tivessem pertencido a bruxos famosos, uma coleção de varinhas com os conteúdos vazando e parecendo igualmente velhas e um conjunto de lança e escudo encharcados de sangue velho completavam o conjunto de objetos expostos à venda.
“Venha cá” – Chamou Burkes de um canto da loja. Tom virou-se assustado; esquecera de que não estava sozinho na loja.
“E então? Em que posso ser útil?” – Perguntou, ainda olhando ao redor com visível curiosidade.
O velho Burkes agarrou o belo rosto de Tom com as duas mãos frias de dedos compridos como pernas de aranha e arregalou o olho castanho (o outro era de um verde que o fazia lembrar do flash de luz lançado pelo Avada Kedavra), encarando Tom com determinação. Apalpou as bochechas do rapaz, cheirou-o, examinou seus dentes, checou o estado de limpeza de suas orelhas e por fim deu-se por satisfeito. Assustado, Tom massageou o rosto vermelho, encarando intrigado o velho bruxo à sua frente. Burkes virou-se bruscamente e começou a remexer num arquivo empoeirado até achar o que queria: Uma longo pedaço de pergaminho amarrotado, que enfiou rudemente nas mãos do rapaz, dizendo:
“Preciso que você me consiga esses itens, com o melhor preço possível” – Em seguida enfiou uma saca transbordante de ouro na outra mão de Tom – “A saca está enfeitiçada, não tente roubar” – acrescentou, antes de empurrar o rapaz porta à fora e virar a placa de “aberto”.

O primeiro nome da lista era o de uma senhora em Surrey, Arabela Figg. Ao lado do nome, Burkes pedia que Tom lhe conseguisse uma relíquia que supostamente seria o bule de chá preferido de Merlin. De qualquer maneira, checou se o conteúdo da saca era mesmo enfeitiçado (e decepcionou-se ao perceber que sempre que tentava desamarra-la recebia uma dolorosa ferroada na mão) e então desaparatou.

Era um típico bairro de classe média trouxa, com suas casinhas perfeitas e jardins de gramados bem cuidados. Era cedo, portanto, nenhum trouxa à vista, embora Tom tivesse aperfeiçoado bastante a sua técnica de aparatar silenciosamente.
Caminhou com cuidado até chegar à última casa, onde não havia um belo jardim, e sim uma vasta plantação de repolhos semi-destruída pela multidão de gatos que arranhava as plantas e miavam famintos em frente à porta de trás.
Tom bateu de leve na porta com os nós dos dedos e esperou que até que alguém atendesse – o que não demorou muito. Uma senhora de meia-idade, cabelos ruivos rebeldes começando a embranquecer, usando óculos fundo de garrafa, pantufas em forma de gato e um roupão espalhafatoso atendeu a porta alegremente e lançou a Tom um largo sorriso de dentes tortos, que Tom reconheceu imediatamente. A mesmíssima aborto que o ajudara em sua primeira viagem ao Beco diagonal, há tanto tempo atrás... Ela no entanto, não o reconheceu.
“Ah, entre, entre! Você deve ser o funcionário que Burkes contratou, sim ele me falou.”
A mulher estendeu a mão gorda que Tom apanhou e encostou os lábios num cumprimento educado. Ela pareceu encantada.
“Sim, sim, entre. Sente-se aí, vou buscar uns bolinhos com chá para nós...”
Tom sentou-se na cadeira de palhinha e lançou um olhar de desprezo às costas da mulher. Um gato laranja agora brincava com os cadarços de seu sapato. Tom fez uma nota mental de que, se nunca gostara de gatos, agora é que não ia gostar mesmo.
“Eles são mesmo umas gracinhas, não?” – Perguntou Figg, indicando o gato laranja que agora puxava o fio de sua meia e servindo a ambos de um bule de cobre.
Tom fez como mandava o figurino e sorriu de volta, acariciando a barriga peluda do gato. A mulher então começou a travar um entediante monólogo sobre os negócios anteriores que tinha feito com Burke e sobre como ele era pão-duro. No entanto, apesar das palavras jorrarem de sua boca num fluxo interminável, Figg parecia muito entretida também em observar ora as pernas, ora o belo rosto do rapaz.
“Concordo inteiramente com tudo que a senhora disse, madame. Mas receio que tudo que tenha a oferecer pelo bule sejam mesmo apenas trinta galeões...” – Disse, encerrando a questão e se levantando para ir embora.

Nesse momento, porém, Figg apanhou o bule de louça com runas inscritas e por fim, cedeu.
“Tudo bem, leve-o. Mas é só porque é você...” – A mulher disse, piscando um olho para Tom e voltando o olhar para uma região muito específica logo abaixo de suas costas.
Tom agradeceu educadamente e desaparatou, retornando para a Travessa do Tranco, aliviado, antes que a mulher resolvesse cair-lhe em cima de vez...

[...]

O tempo passou depressa para Tom Riddle. Seu trabalho na Borgin&Burkes não era de modo algum desgastante ou cansativo. De fato, chegava mesmo a ser divertido às vezes (exceto quando tinha de tratar de negócios com Arabela Figg, que lhe fazia sentir-se mais envergonhado que se tivesse sido atingido por um Ridikkulus). Era divertido treinar seu poder de persuasão, e quase sempre usava-se de legilimência para prever o que o negociante iria falar a seguir. E durante esse tempo, ainda estava morando no orfanato e supostamente trabalhando no açougue local.

Naquela noite, porém, enquanto voltava d´O Caldeirão Furado assoviando alegremente uma musiquinha natalina (não por acaso, a mesma que cantava um garotinho toscamente fantasiado de anjinho que lhe implorara trocados insistentemente a viagem toda e que ele tinha acabado de enfeitiçar com a azaração para rebater bicho-papão) e lutando contra a camada de quase meio metro de neve que se acumulara na entrada, ouviu um barulho curioso de gritos abafados vindo do pátio interno do Orfanato.

Uma voz feminina tentava gritar por ajuda, mas era empurrada contra o muro, tendo os sons abafados e transformados em gemidos agoniados.

Cauteloso, Tom empunhou a varinha e se esgueirou pela entrada de serviço, que dava diretamente no pátio interno, utilizado para armazenar entulho e pendurar roupas.
Rapidamente localizou a origem do barulho. Ocultos pela sombra de um muro e cobertos por um grande lençol branco estendido no varal, estavam Amada Benson e Billy Stubbs.

A saia da garota estava levantada até a cintura e ela lutava em vão contra o outro, que lhe aplicava fortes tapas no rosto e tentava arrancar as ultimas peças de roupa que lhe impediam de terminar sua missão. Horrorizado, Tom acendeu a varinha sem se preocupar com o fato deles serem trouxas e gritou:
“Largue-a! Largue-a agora!”
Você!” – Rosnou Billy, soltando a cintura de Amada, que correu para trás de seu salvador; o rosto cheio de hematomas e lágrimas abundantes escorrendo.
“Que está fazendo aqui? Não devia estar no seu açougue? E que diabo é isso na sua mão?” –
“O que você estava fazendo?” – Perguntou Tom, dando um passo à frente e encostando a ponta da varinha no peito do garoto muitas vezes maior que ele. Billy, no entanto, não recuou.
“Não era pra você ter se metido! A gente sabia o que tava fazendo! Cai fora daqui...” – Disse, empurrando Tom, que caiu de cara no chão de cimento. Furioso e sentindo gosto de sangue na boca, gritou:
Everto Statum ” – O garotão subiu alguns metros, deu uma cambalhota no ar e caiu de bunda no chão.
Amada deu um grito agudo de choque e levou as mãos à boca. Billy, alucinado, se levantou e partiu contra Tom, que sequer teve tempo de reagir e logo estava embolado numa confusão de socos e chutes; a varinha esquecida em uma mão, enquanto a outra ocupava-se de proteger o rosto e tentar socar o estômago do adversário.
Quando finalmente a parte consciente de seu cérebro voltou a funcionar devidamente, Tom ergueu a varinha e enunciou o feitiço que fez Billy saltar para o lado e emitir um uivo de agonia suplicante. Ah, como adorava aqueles gritos! Sabia que Billy devia estar sentindo a dor das dores, sendo rasgado em mil pedacinhos, tendo osso por osso esmigalhado; as entranhas arrancadas e dilaceradas ferozmente...


As luzes da entrada acenderam-se e a Sra.Cole entrou, envolta em seu roupão habitual e touca de redinha nos cabelos já grisalhos. O feitiço tinha cessado agora, mas Billy ofegava sofregamente deitado no chão, como se cada lufada de ar que invadisse seus pulmões fosse mais uma dose de Cadaverius bem aplicada. Era a primeira vez que usava aquele feitiço na prática, embora a sua definição na enciclopédia das Trevas o tivesse fascinado...
...Cadaverius, uma variação pouco conhecida da famosa Criciatus, que causa dores ainda maiores que esta, mas que, no entanto, não consta na lista de feitiços oficiais do Ministério e, portanto, não pode ser identificada. Seria possível que algo doesse mais que uma cruciatus? Sabia apenas que Billy merecera aquilo. Que espécie de homem fazia uma coisa dessas?
“Brigando de novo, Billy? E você, Tom? Esperava mais de você!”
A Sra.Cole, no entanto, estava assustada. Como Tom pudera deixar Billy naquele estado, meu Deus do céu? Amada estava sentada aos soluços e agarrada aos joelhos. Parecia em profundo estado de choque.

A Sra.Cole partiu levando Billy aos tropeços em direção à enfermaria. Apesar do lábio cortado e de um olho roxo, Tom sentia-se animado e até feliz. Adorava, realmente, aqueles gritos. Era revigorante saber que tinha poder para infligir aquele tipo de sentimento em outras pessoas...
“Amadinha...” – Sussurrou, aproximando-se da garota. Ela arregalou ainda mais os olhos e pulou para fora do alcance das mãos de Tom. – “Calma, eu não vou te machucar...” – Disse Tom, estendendo a mão e segurando os dedos delicados da garota.
“Estou desarmado” – Disse, levantando as mãos acima da cabeça – “Você está bem?”
“O que foi aquilo, Tom?” – Amada perguntou, caindo no choro convulsivo.
“Shh...” – Murmurou Tom, levando o dedo aos lábios e silenciando a garota. Abraçou-a fortemente, enquanto ela repousava a cabeça em seu ombro; as lágrimas não parando de cair e o corpo sacudido em soluços silenciosos. Cuidadosamente, sacou a varinha do bolso e apontou-a para a cabeça de Amada.
Obliviate
Ela levantou a cabeça, porém sem desatar do abraço.
“O que estamos fazendo aqui?” – Perguntou a garota.
Tom levou novamente o dedo aos lábios, calando-a. Então olhou fundo naqueles grandes e brilhantes olhos azuis e a beijou.

[...]

A casa que tinha de visitar naquele dia pertencia a uma velha senhora chamada Hepzibá Smith. Não era a primeira vez que estava no lugar que apelidara de “estufa-antiquário”, mas nas vezes anteriores tinha sido atendido pela velha elfa-doméstica que atendia pelo nome de Hóquei.
A velha imensamente gorda admirava-se no espelho (que Tom admirou-se de ainda se manter intacto) quando enxergou o reflexo do rapaz parado à soleira da porta. Imediatamente largou o espelho e sorriu, convidando-o a entrar.
“Tom, meu querido Tom! Que surpresa agradável! Que bons ventos o trazem aqui?”
“Negócios, minha cara, negócios.” – Respondeu, o sorriso de praxe e sacudindo a saca de dinheiro que pousou na mesa.
Uma expressão de desapontamento instalou-se no rosto enrugado de Hepzibá Smith.
“Oh, muito bem, seu pequeno ingrato!” – Ela falou, em tom de brincadeira – “Não tem tempo sequer para tomar um chá com uma amiga?”
“Sem dúvida que tenho, madame.” – Respondeu Tom, beijando a mão da gorda senhora, que parecia cada vez mais encantada.
“Sente-se aí e espere, então. Hóquei! HÓQUEI!
A elfa aparatou na sala de visitas e depositou uma bandeja com xícaras de chá e bolinhos duros. Tom tomou um e mordeu-o a contragosto.
“Delicioso, como sempre, madame” – Mentiu. Os olhos de Hepzibá brilharam e ela sorriu mais uma vez.
“Vamos aos negócios, então! O que veio tratar comigo?”
E Tom começou um verdadeiro leilão sobre a venda de uma armadura feita por elfos que Hepzibá se recusava a vender por menos de setecentos galeões.

No final do dia, três xícaras de chá e sete bolinhos realmente difíceis de serem digeridos depois, Tom encontrava-se exausto. A velha Smith era dura na queda.
“...então tudo bem, madame, mantenho minha oferta de quinhentos galeões e volto semana que vem para saber seu veredicto. Uma boa tarde.”
Antes que pudesse desaparatar de volta, porém, a velha o barrou e mandou que entregasse uma carta a Burkes.

A carta estava enfeitiçada para que apenas o destinatário pudesse abri-la. Mas Há muito que Tom tinha desenvolvido suas próprias técnicas de burlar esse tipo de proteção. Era assim que tinha acesso a informações privilegiadas, ainda em seus tempos de Hogwarts. Era assim que, segundo Slughorn, ficava sabendo “coisas que não devia”. Murmurou um encantamento de sua autoria e desfez o feitiço lacrante que protegia a correspondência. O bilhete era curto e grosso.
“Quanto você quer pelo medalhão de Slytherin? Já estou com a taça.
Atenciosamente,
H. Smith”

Os olhos de Tom brilharam com aquele fulgor vermelho como há tempos não faziam, e lentamente, as engrenagens de seu cérebro começaram a funcionar.

[...]

Tom já tinha quase esquecido de que era véspera de seu aniversário. Foi apenas lembrado do fato quando a Sra.Cole lhe perguntou àquela noite durante o jantar se ele já tinha lugar para ficar. Tom respondeu que sim; já tinha alugado um quarto ali por perto. Não era mentira; realmente reservara um dos quartos n´O Caldeirão Furado e pretendia ficar por ali até que sua carta para a Academia Islandesa de Artes Negras fosse respondida. Enquanto isso, teria de trabalhar na Borgin&Nurkes até pagar sua dívida (que pelos seus cálculos não faltava muito). E claro, ainda não tinha esquecido seu Voto... Sentiu-se subitamente preocupado e abaixou a cabeça, encarando o prato de sopa. Depois daqueles bolinhos, realmente não tinha estômago para mais nada...

Amada, do outro da mesa o encarava insistentemente. Havia, porém, uma cadeira vaga do seu lado. A cadeira de Billy. O garoto fora mandado para um centro de repouso mental (leia-se, hospício), ninguém sabendo explicar o que de fato acontecera para deixa-lo em tamanho estado de choque. Só Tom. E estava feliz que Billy terminasse seus dias internado...
Desde aquela noite, porém, Tom a e Amada estavam encontrando-se com bastante freqüência pelos corredores mais desertos do Orfanato. E apesar de repugnar trouxas de uma maneira geral, não podia negar que seus encontros sorrateiros com a garota não eram prazeirosos...

No entanto, era de certa forma engraçado como em uma semana os dois puderam desenvolver um relacionamento como aquele. Sim, Tom atrevia-se a chamar aqueles encontros de relacionamentos, embora eles não envolvesse nada além de contato físico – pelo menos para Tom – embora Amada ultimamente tivesse se tornado excessivamente carinhosa para seu gosto. Não raro, a garota tomava seu rosto e ficava analisando-o com grande interesse.
“Por que faz isso?” – Perguntava, curioso, a cabeça repousada no colo de Amada.
“Para poder me lembrar de você quando for embora” – Ela respondia, voltando a beija-lo.


Ele não gostava muito desses momentos de intimidade excessiva. Temia pelo que pudesse acontecer se... se... Se se apaixonasse. Não queria que isso acontecesse. Porque se acontecesse, teria de mata-la. Porque amor era para os fracos. Amor enfraquecia.

Subiu para seu quarto solitário e ficou imerso em pensamentos sobre qualquer coisa, pensando em quando finalmente se libertaria dali, quando finalmente seria livre e poderia fazer o que quisesse... O torpor do sono começou a toma-lo, e logo Tom estava dormindo tranqüilamente envolto num sono sem sonhos.

Quando um barulho e uma luz o acordaram. Era Amada, segurando uma lamparina. Vestia um roupão velho e cinzento e tinha soltado os cabelos como raramente fazia. Trazia no rosto um olhar ferino e decidido. Tom sentou-se na cama, assustado. Amada puxou a fita do roupão. Estava nua.

Seu último ato consciente foi trancar a porta, apagar a vela e toma-la nos braços...

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Finalmente mais um pouquinho de romance! Apesar de eu achar que esse capítulo ficou HORRÍVEL! Mas foi necessário, mesmo. O que vocês acharam também do diálogo do Tom com o Dumbledore? Eu tentei caprichar, mas sei lá, acho que não refletiu toda a mensagem que eu quis passar... Anyway, espero que tenham curtido. Aquele episódio com a Sra.Figg ficou um pouco engraçado hehe...
Ah, e pessoal do Hogsmeade, VOTEM EM MIM! Huahuahua... Perdi minha dignidade totalmente. Aproveitando a deixa: COMENTEM!!
Beijos,

Lillith

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