Voldemort e o lago



Quando Tom Riddle deu por si, estava deitado de bruços, com a cara comprimida contra o chão de pedra fria, ofegando. Alguém batia na porta com violência. Levantou-se, nervoso e trêmulo e molhou o rosto na pia que ainda estava aberta. Então olhou-se no espelho como se esperasse ver ali uma solução.
“Você parece muito doente, garoto.”
Ignorando os comentários de seu espelho, Tom apanhou o livro e saiu do banheiro. Foi obrigado a encarar Avery, que assim como seu espelho parecia muito preocupado com a saúde do rapaz.
“Você está bem?”
“Sim... Eu estou ótimo...”- Respondeu fracamente, antes de se jogar na cama, fechar a cortina e sentir sua mente ser invadida por pensamentos frenéticos.
Tudo naquela Hogwarts parecia antigo e emanava uma aura de ancestralidade. Certamente ele fora transportado para um passado distante, onde sequer haviam alunos estudando ali. Talvez o diário fosse uma espécie de chave de portal. Mas, que Tom soubesse, as chaves de portal só transportavam de um lugar a outro, e não de um tempo a outro. E quem seria o homem. Será que...? Seria aquele homem Salazar Slytherin? Sim, isso explicaria os brasões gravados em tudo. E o basilisco? Céus, um basilisco! Quando Tom haveria de imaginar que existia um basilisco vagando pelos encanamentos do castelo? Então era isso que ele, o herdeiro de Slytherin, teria de fazer? Controlar um basilisco? Mas onde estava essa câmara secreta, afinal? Certamente em algum lugar no subsolo, que era para onde descia o cano pelo qual o basilisco entrou. A entrada poderia estar no fundo do lago, onde eram despejados os dejetos do castelo ou em algum banheiro. Ou em qualquer lugar...
Desde seu primeiro ano Tom Riddle investigava tudo que podia sobre a Câmara Secreta, mas nunca tinha achado informações que fossem muito além do que todos já sabiam. Suspirou. Ia encontrar a entrada para a câmara, essa era a sua missão, afinal...
No dia seguinte, na primeira aula de seu quinto ano, os colegas de Tom notaram que o garoto estava particularmente desatento. Não comia direito e parecia estar sempre com o pensamento fixo em alguma coisa.
Enquanto isso, isolado dentro de si mesmo, Tom Riddle buscava uma maneira de achar a entrada da câmara secreta. Já devia ter lido metade da biblioteca, pelo menos, fora os livros de Magia Negra que ele achava na Sala Precisa, e nada. Estava ficando angustiado. Naquela manhã havia tornado a repetir as palavras em latim, mas dessa vez nada tinha acontecido. Sentia-se frustrado. Talvez mais tarde pudesse investigar o fundo do lago. Sabia que se tomasse guelricho, talvez...
“TOM! Acorda, cara... A sua poção...”
Roockwood olhava de olhos arregalados direto para o rosto pálido de Riddle. Num gesto automático, Tom captou os pensamentos do colega que o encarava. Já praticava Legilimencia com tanta freqüência que era capaz de ler pensamentos automaticamente e sem o uso de uma varinha., como quem bate o olho numa frase e não consegue evitar de lê-la. Roockwood não estava sinceramente preocupado, mas contava com o talento de Tom para garantir sua nota. Mas dessa vez a poção estava borbulhando num tom de azul escuro (a poção deveria ser laranja) e uma fumaça preta pairava perigosamente acima do caldeirão.
“Oh, sim... hum... A poção, certo...”
Slughorn olhava desconfiado para seu aluno favorito. Realmente aquilo o estava afetando.

[...]

No final da aula ninguém comentou nada sobre o ocorrido. Tom havia conseguido salvar a poção, afinal. Seus amigos conversavam a respeito de qualquer coisa, mas ele continuava calado.
“...então, meus caros, acreditem se quiser, o bobão do Hagrid veio falar comigo hoje de manhã, reclamou que o ovo tinha encolhido e parecia um ovo de galinha, então eu disse que era assim mesmo, que quando chocasse ia nascer mesmo um dragão... Que é que há com você, Tom?
Uma luta estava sendo travada dentro de Tom. Contava ou não contava?
“Avery... Augusto... Escutem... Se eu disser pra vocês que eu venho de uma família muito tradicional? Mais do que qualquer uma que vocês conheçam... E eu não falo dos Gaunt... Bem, tem a ver, o que eu descobri...”
Os garotos pareciam assustados.
“Fale logo, Tom, o que é?”
“Eu sou o herdeiro de Slytherin.”
“Você... O QUÊ?”
Nott e Roockwood se olharam indignados.
“Você é mestiço, Tom” – Falou Avery secamente. Tom dirigiu-lhe um olhar de desprezo, e continuou.
“Você sabe que eu não sou qualquer um”.
“Não, se fosse, não andaríamos com você”.
Tom não se surpreendeu com a declaração de seu “amigo”. É claro que haviam diversos interesses envolvidos em sua amizade com Nott, Roockwood e Rosier. E nenhum deles era sincero.
“As pessoas te admiram, Riddle. Mas daí a afirmar que você é herdeiro de Slytherin... É simplesmente ridículo”.
“Eu sou ofidioglota. Você sabe disso, é um dos poucos que sabe. E todos sabem que Slytherin foi ofidioglota... Então, eu...”
“Você não tem certeza de nada sobre tua família...”.
“Você acha que eu diria uma coisa dessas se não tivesse certeza disso? Eu passei anos buscando qualquer vestígio, qualquer registro, de que meu pai esteve aqui. Ele não esteve. Meu pai nunca esteve em Hogwarts. Meu maldito pai era trouxa. Assim sendo, tive de investigar a vida da minha mãe. Os Gaunt são a última família ofidioglota que restou na Grã-Bretanha... O ramo perdido dos Slytherin...”
Mas Avery e Roockwood pareciam furiosos por Tom estar afirmando aquilo. Para eles, era como uma blasfêmia.
“Você não passa de um sangue-ruim CDF e prepotente, Riddle...”
Crucio. Está na hora de você aprender a me respeitar, Avery... Nunca me chame de sangue-ruim, nunca...”
Os gritos de Avery encheram o corredor vazio.
“Pára com isso, Tom... Eu vou chamar alguém...” – Berrou Roockwood, chocado.
Mas Tom já tinha desfeito a maldição. Contemplava Avery arfando no chão com uma expressão de divertimento.
“Cara, você tá ferrado... Deixe Dippet ficar sabendo disso.” – Disse Roockwood. Avery apoiava-se contra a parede tentando se recuperar.
“Dippet não vai ficar sabendo disso. Não há como identificar o autor desse feitiço no meio de tantas varinhas”.
“Tom... Eu acredito em você...” – Disse a voz fraca de Avery, agora de pé.
“Ótimo. Você pode me ajudar. Preciso descobrir onde fica a entrada da Câmara Secreta. Tenho alguma vaga idéia de que ela deve ficar no subsolo”
E então foram caminhando calmamente para o almoço, como se nada tivesse acontecido.
[...]

Murta Shwnizer, Lufa-Lufa, corria desabalada em direção ao banheiro, perseguida por Olívia Hornby e um grupo de amigas.
“Você é tão ridícula, Murta! Eu devia ser grata a você; cada vez que eu te olho é uma massagem no ego!”
Murta tinha parado e apoiava-se na parede, enquanto grossas lágrimas caíam embaçando as lentes dos grossos óculos.
“Me deixe em paz, Olívia!” – Gritou.
“As vezes dá pena.” – Disse Olívia Hornby, pensativa – “Mas você além de sangue ruim, é feia e burra!”
Murta continuava chorando e então apontou a varinha diretamente para a testa de Olívia, que riu e disse:
“Vai fazer o que com essa varinha? Enfiar no meu olho? Você não é capaz de conjurar nem um buquê flores!”
Murta não respondeu. Guardou a varinha nas vestes e continuou andando e chorando, e gritou:
“ME DEIXA EM PAZ!”
As risadas do grupinho de garotas ecoaram pelas paredes de pedra, parecendo perseguir Murta enquanto ela corria para o banheiro onde costumava se refugiar quando Olívia e suas amigas passavam dos limites e levavam Murta às lágrimas, o que acontecia com relativa freqüência.
[...]

“Atormentando garotinhas inocentes de novo, Olívia?”
A voz grave e rouca de Tom Riddle fez Olívia arrepiar-se toda. Como gostava quando ele falava daquele jeito, Merlin!
“Tom Riddle!” – Exclamou Olívia Hurnby virando-se para encarar o monitor alto e moreno às suas costas. Suas amigas deram risadinhas.
“Desse jeito serei obrigado a tirar uns pontos da Corvinal”. – Falou o rapaz, levantando uma sobrancelha sarcasticamente.
“Eu não estava fazendo nada demais! Só falando umas verdades na cara daquela sangue-ruim”.
“Bom, tenha mais cuidado da próxima vez.”

Tom Riddle deu as costas ao grupo de garotas, curtindo o efeito que sua presença causara nelas. Olívia por sua vez havia corado muito e ficado ligeiramente sem ar.

[...]

Por que a atormentavam daquela maneira? O que ela, Murta, havia feito de tão grave para merecer aquilo? Não conseguia se lembrar de uma única coisa que pudesse ter dito contra Olívia ou qualquer uma de suas amigas que justificasse essa perseguição. O que não daria para ter tido coragem de azará-la ali, bem na hora, transforma-la em uma lesma, em um saco de bosta de dragão... Mas afinal, Olívia tinha razão! Murta era incompetente demais, não conseguia sequer acender uma vela com a varinha. Nem sabia o que estava fazendo ali, tendo nascido trouxa! Se ao menos fosse puro-sangue, poderia dizer que era um aborto. Ah! E além de burra era feia... Era gordinha, espinhenta, usava aqueles ridículos óculos fundo de garrafa e seus cabelos estavam sempre no mesmo tom opaco cor de terra. O que não daria para ser bonita como Olívia? Ter brilhantes olhos cor-de-mel ao invés dos azuis pequenos e aguados que tinha? Ou longos cabelos loiros e ondulados, ao invés de um que mais parecia pêlo de rato? E ser alta e magra, esguia e graciosa como a colega? Quem sabe assim pudesse chamar a atençãodele. Era ridículo gostar de Tom Riddle, Murta sabia. As poucas garotas para quem Tom dava bola eram exatamente o oposto de Murta: bonitas e espertas. Ela, Murta, não existia. Era insignificante, menos que um inseto, sendo esmagada dia após dia; cada vez que se olhava no espelho, cada vez que tinha de suportar as piadinhas de seus colegas a respeito de sua aparência, as críticas de seus professores a respeito de seu desempenho nas aulas...
Levantou-se; os ombros baixos e rosto encarando o chão. Tirou os óculos e abriu a torneira, evitando olhar-se no espelho e esperou o fluxo de água fria jorrar. A água não veio. Suspirou. Aquela torneira nunca funcionava mesmo...
Colocou os óculos e recompô-se, saindo do banheiro como se o mundo estivesse sendo sustentado em seus ombros, e ela, por descuido, o tivesse deixado rolar Universo abaixo.
[...]
Tom Riddle estava de volta a seu dormitório, já tendo feito seus deveres, esperando o horário de sua ronda chegar, enquanto pensava em um possível nome para substituir o nome imundo de seu maldito pai trouxa. Já tinha cogitado vários, desde “Syren Hilt”* (Obscuro demais) até “Duque das serpentes” (Ridículo). Havia desenhado no ar com letras de fogo seu nome completo – Tom Servolo Riddle – e agora brincava de embaralhar as letras, formando novas palavras. Já havia tentado isso com “Slytherin” e “Herdeiro”, não obtendo nada satisfatório. As letras brilhavam no escuro, formando novas palavras e frases.
DE LORD LORE VOMITS
DIED LEO VOL MRS ORT
LIS EORD VOLD E MORT
EIS LORD VOLDEMORT

“Vol De Mort”
Perfeito. Um nome que significava literalmente “Vôo da Morte”, segundo seus parcos conhecimentos de francês.
E não era daquilo que o Livro de Slytherin falava? Atemorize-os com a simples menção de teu nome...
E nesse momento, o estranho fulgor vermelho voltou ao seu olhar. Encarou as palavras escritas em fogo à sua frente. Sim, Lord Voldemort, seu passado, presente e futuro...
[...]
“Tom! Tom, conseguimos!” – Avery entrou correndo desabalado no dormitório, segurando um pote de algo gosmento na mão, e a varinha na outra.
“Avery... Não me chame mais de Tom. Você sabe que há muito eu venho repudiando o nome do meu maldito pai trouxa...”
“Sim, e daí?”
“E daí, que meu nome agora é Lord Voldemort”.
“Lord Voldemort?”- Avery ergueu uma sobrancelha, surpreso.- “Por que Lord Voldemort?”
“É um anagrama do meu nome, seu idiota. Mas afinal, o que foi que vocês conseguiram?”
“Guelricho. Como você mandou”.
“Guelricho? Ótimo! Mas como você conseguiu?”
“Ora, os fins justificam os meios, eu acho, Tom.”
“É Voldemort.” – Falou, irritado.
“Sim, milorde. Roubei do estoque de Slughorn...”
“Ele vai descobrir, Avery.”
“Não vai; eu coloquei uma planta muito parecida no lugar”.
“Certo, então. Você que assuma a responsabilidade, não o mandei assaltar um professor! Agora me deixe sozinho, preciso pensar...”
Avery consentiu e se retirou do dormitório, obediente.
Com o plano em mente, agasalhou-se bem e saiu do salão comunal, dizendo que faria uma breve ronda pelos corredores, seu dever como monitor.
Mas ao invés de tomar a escada da esquerda que subia para o primeiro andar, atravessou o corredor paralelo à entrada de sua Casa e pegou o atalho de sempre para os jardins, onde ficava o lago.
Um vento frio soprava com força, arrepiando os cabelos de Voldemort, que se sentiu grato por ter vindo com seu melhor casaco. Correu para a beira mais rasa do lago, onde no verão alguns alunos costumavam sentar e molhar os pés. Então parou de frente para a grande massa azul-escuro que refletia a lua crescente formando uma bela paisagem, e engoliu meio vidro do guelricho. Assim que engoliu o estranho vegetal, sentiu uma súbita falta de ar. Na verdade, sentia como se a última coisa de que precisasse fosse de ar, então livrou-se de suas roupas e atirou-se no lago de águas congelantes.
[...]
Do alto de seu escritório da Torre da Grifinória, Alvo Dumbledore observava atentamente aquela sombra escura entrar no lago. O que o menino Riddle estaria aprontando dessa vez?. Suspirou. Tinha um péssimo pressentimento...

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