Gorrinhos Verdes de Tricô



3 de Dezembro de 1998.


Era uma noite anormalmente gelada, mesmo para um começo de dezembro. Tonks se encolheu dentro do casacão e ajeitou o cachecol grosso em volta do pescoço enquanto se dirigia ao Hog's Head depois de sua ronda daquela noite. Ela preferiria o Três Vassouras, se este não houvesse fechado há alguns meses, era menos depressivo; mas o Hog's Head não era tão ruim assim. Principalmente porque ela havia se prometido que seria apenas uma cerveja amanteigada; e então, cama. Já era tarde; e a lua cheia surgindo por trás da Floresta Proibida lhe recordou que aquela seria uma noite solitária. Porém, antes mesmo que pudesse resmungar qualquer coisa, uma mão gelada lhe tapou a boca enquanto dedos longos e finos seguravam ambos os pulsos, torcendo seus braços atrás do corpo.

_ Vejo que tinha razão em nunca haver confiado plenamente em seus talentos, não é mesmo, Nymphadora? _ a voz sedosa e irônica sussurrando em seu ouvidos não deixavam dúvida quanto à identidade de seu captor. O estômago dela se congelou e ficou tão pesado que pareceu que ia despencar. Adrenalina começou a circular velozmente em seu sangue. Traidor! A palavra lampejou em sua mente, seguida por outra. Assassino! Ela fez uma tentativa de se soltar mas Snape a segurava bem firme.

_ Não grite.

Ela soltou um som abafado de frustração quando tentou morder os dedos dele sem sucesso. Sua boca também era mantida firmemente fechada. A varinha... se ela conseguisse alcançá-la de alguma forma...

_ Tem que me prometer. Não vai gritar quando eu lhe soltar. Pode me estuporar, amarrar, fazer o que quiser. Apenas não grite... e deixe-me explicar _ sua voz agora não era mais debochada; parecia séria e urgente e ele falava muito baixo. _ Entendeu?

_ Mmmf _ ela fez que sim com a cabeça. Quando sentiu a pressão dos dedos dele afrouxando ela se virou, rápida, e sacou a varinha de dentro do casaco.

_ Incarcerous!

Snape não reagiu ao ser amarrado. Ela se aproximou, a varinha preparada.

_ Explique-se, então!

_ Dumbledore _ ele começou, ansioso _ Vá até a sala dele. Fale com o quadro. Diga-lhe que gostaria de conversar sobre gorrinhos verdes de tricô com pompons.

_ Gorrinhos verdes de tricô com pompons? _ ela perguntou, estarrecida.

_ É uma senha, evidentemente, para quando eu retornasse _ ele respondeu impaciente e sarcástico _ Uma coisa à-toa; algo que dificilmente seria dito por acaso e, ao mesmo tempo, peculiar o suficiente para... Bem, vá. Sem demora.

Ela hesitou por um instante e, como se houvesse lido seus pensamentos, ele acrescentou:

_ Não, não chame ninguém. O menor número possível de pessoas deve saber. Não vou a lugar algum, sequer estou com a minha varinha. Pode me revistar, se quiser.

Ela estreitou os olhos, analisando a proposta, e se adiantou.

_ Accio varinha do Snape _ e, como nada aconteceu em seguida, ela correu para o castelo. Sua mente fervilhava de hipóteses. Teria mesmo feito a coisa certa? Snape era atualmente um dos dez Comensais mais procurados; sua captura pagando um prêmio de quinze mil galeões. Teria sido realmente sensato deixá-lo ali? E se fosse uma armadilha? E se, contrariando a vontade dele, ela alertasse a Ordem, agora instalada em seu novo quartel-general, a própria Hogwarts? E se não fosse armadilha, o que aquele... perverso quereria ali? Porque ele estava sem a varinha? Será que tinha sido expulso ou ameaçado por Voldemort e viera atrás de abrigo e proteção? Tonks sentiu seu sangue fervendo de raiva. Maldito. Traidor. Assassino. Os piores insultos lhe caíam dos lábios em cascata enquanto ela corria. Snape *havia* lhe parecido sincero e ansioso. Mas como Sirius tinha lhe dito há muito tempo, era traiçoeiro como uma cobra.

_ Assassino _ ela repetiu baixinho enquanto batia a aldrava em forma de hipogrifo.

_ Sim, Nymphadora? _ uma cansada McGonagall lhe abriu a porta, parecendo vagamente ansiosa e perturbada com aquela visita tão tardia _ Algo errado?

_ Oh, não. Eu apenas... queria conversar com o Professor Dumbledore sobre... bem... sobre gorrinhos verdes de tricô com pompons _ ela alteou a voz e olhou esperançosa para o quadro que a observava muito atento lá do outro lado da sala. As sobrancelhas de McGonagall se uniram no meio da testa.

_ Gorrinhos verdes de tricô com pompons? _ ela perguntou em voz cortante.

_ Gorrinhos verdes de tricô com pompons, Minerva _ respondeu o quadro, agora sorridente _ Ah, o tricô...! Que invenção maravilhosa...! Agora... Minerva, poderia nos deixar a sós?

McGonagall lançou um olhar inquisidor a Albus Dumbledore mas saiu do escritório puxando a porta atrás de si.

_ Foi você então, minha jovem Nymphadora, quem o encontrou. Diga-me, onde está Severus?

_ Hogsmeade. Deixei ele imobilizado num beco... sozinho. Acha que eu devia mandar alguém...

_ Oh não, não haverá necessidade. Garanto-lhe que ele ainda estará lá quando voltar. Agora, sente-se, e vamos à história. Quero que compreenda os fatos.

E Dumbledore contou-lhe então o arriscado plano que ele e Severus Snape haviam elaborado quase três anos atrás. Os lados estavam se tornando bem definidos na Guerra e, a fim de manter o disfarce de espião, Snape deveria unir-se definitivamente aos seguidores de Voldemort. Foi então que Dumbledore finalmente o nomeou professor de Defesa Contra as Artes das Trevas. Ele fatalmente teria de deixar Hogwarts ao final do ano, o que seria uma desculpa perfeita. Mas ainda faltava a cereja em cima do bolo...

_ Sua morte _ Tonks sussurrou, arregalando os olhos.

_ Exatamente _ Dumbledore sorriu _ Bem, claro que quando elaboramos o plano eu ainda não sabia que ia morrer. Mas, por uma felicidade do destino, eu acabaria morrendo de qualquer forma depois de ter tomado a poção na caverna. Foi uma convergência de interesses perfeita, entende? Draco não se tornou um assassino, Severus pôde dar continuidade ao nosso plano...

_ ... e o senhor morreu!_ ela exclamou indignada.

_ Por um bem maior, acredite. Este velho aqui já havia vivido e visto muita coisa..._ e ele suspirou e pela primeira vez na noite seu semblante se entristeceu _ ... e a única coisa que ainda desejo ver é o final dessa Guerra. Cada vez mais próximo agora _ ele voltou a sorrir _ que temos Severus de volta.

_ Quer dizer, então, que ele está do nosso lado? Realmente do nosso lado?

_ Sem dúvida alguma _ e seu tom de voz não deixava margem a dúvidas _ Agora, vamos. Volte até onde o deixou, traga-o para o castelo, para um lugar seguro. Conhece a Sala Precisa? _ Ela fez que sim com a cabeça _ É o lugar ideal para o acomodarmos, está protegida como o restante do castelo mas não aparece naquele mapa maravilhoso do Harry... Leve-o até lá e indague-o sobre os planos de Voldemort; preste a maior atenção ao que ele lhe disser e então, me procure novamente.

Colocando-se de pé imediatamente, ela voou degraus abaixo até o primeiro piso do castelo. Fez duas paradas antes de correr de volta a Hogsmeade: uma para pegar o Mapa do Maroto emprestado com Harry a fim de “averiguar um movimento suspeito perto da cabana do Hagrid”; e outra diante de um armário, de onde retirou um pequeno frasco. Chegando no beco escuro, ela respirou aliviada ao ver Snape exatamente como o havia deixado.

_ Achei que demoraria menos.

_ Você não gostaria de ser pego, gostaria? _ e ela deu uma palmadinha na parte do Mapa que saía para fora do bolso de seu casacão.

_ O que é isso? _ Ele perguntou estreitando os olhos _ Aquele pergaminho do Potter, não é?

_ Mais tarde. Agora... _ ela conjurou uma xícara e tirou o frasquinho de Veritaserum do bolo, pingando três gotas no chá _ Dumbledore me contou tudo, mas quero ouvir da sua própria boca.

_ Vá em frente _ ele respondeu, em tom de desafio.

Ela aproximou a xícara dos lábios dele, segurando sua nuca com a outra mão. Quando Snape havia bebido todo o chá, ela começou o interrogá-lo; e algumas perguntas e respostas depois, Tonks estava finalmente se convencendo da inocência dele. Ela o libertou das cordas e lançou-lhe um Feitiço da Desilusão; e logo estavam no sétimo andar, indo e voltando pelo corredor em frente à tapeçaria dos trasgos dançando balé. Uma porta de madeira, escura e envelhecida, surgiu na parede na terceira volta, dando para um quarto, sóbrio, era verdade, porém aparentemente confortável. Tonks deixou para analisá-lo depois. Sentando-se numa poltrona em frente à lareira, desfez o feitiço e retirou pergaminho e pena de um bolso do casaco.

_ Vai falando.

_ Voldemort descobriu que quase todos os Horcruxes já foram destruídos e está, logicamente, furioso. Aumentou enormemente a proteção aos dois restantes.

_ Nagini...

Ele assentiu com a cabeça.

_ E a relíquia de Rowena Ravenclaw. Uma pena.

_ Uma pena? _ ela franziu a testa e então, sua expressão se iluminou _ Ah! A águia!

_ E também, cérebro _ ele completou, apontando a têmpora _ Escrita. Enfim. Mas não é uma pena qualquer, é claro. É uma pena de bronze, lavrada por duendes e que, sabe-se lá porque, acabou se perdendo nas areias do tempo, até que o jovem Voldemort a encontrou.

_ Mas... onde está?

_ Não sei _ e ele pareceu frustrado _ Ultimamente o Lorde andava evitando contar seus planos a todos nós; e insistir teria me denunciado, por mais que ele confiasse em mim. Tudo o que sei é que ele enviou uma grande quantidade de gigantes e Comensais para algum lugar a Oeste...

Nas duas horas seguintes Snape passou-lhe todas as informações que havia obtido. Por fim, até mesmo seu rosto quase sempre controlado se mostrava cansado.

_ Melhor eu ir. Acho que tem tudo o que precisa aqui _ ela disse, percorrendo o quarto com os olhos. Havia uma estante com alguns livros, uma cama grande, uma escrivaninha, uma porta que parecia levar a um banheiro e as duas poltronas em frente à lareira _ Trate de ficar bem escondido, ok?

_ Como se eu pudesse ir a algum outro lugar _ ele murmurou secamente, olhando para o fogo na lareira e se afundando na poltrona.

Tonks o ignorou, intrigada que estava com algo mais. Só agora ela prestava mais atenção à aparência de Severus. Ele devia ter passado por momentos péssimos, realmente. Suas vestes, sempre tão bem conservadas, mostravam agora rasgos em várias partes. O cabelo, se possível, estava ainda mais oleoso, mas ao mesmo tempo, empoeirado; e estava inclusive vários centímetros mais comprido do que da última vez que o vira. E ele ostentava até mesmo alguns fiozinhos de barba por fazer.

Franzindo a testa, ela o estudou por longos minutos até ele lhe perguntar, rispidamente, se podia fazer algo mais por ela. Desejando-lhe boa noite, ela se retirou do quarto, pensando consigo mesma como era possível odiar tanto alguém em um momento e, poucas horas depois, sentir compaixão por essa pessoa.

*

Se Snape, porém, esperava se ver livre de Tonks, enganou-se redondamente. Não havia se passado nem uma hora quando a porta se abriu outra vez; e ele se ergueu de repente da poltrona onde estivera cochilando, derrubando no chão o livro que estava em seu colo. Ela percebeu que ele já havia tomado banho, feito a barba e usava agora vestes novas; apenas seu cabelo continuava mais comprido, apesar de ter voltado ao grau normal de oleosidade.

_ Trouxe o jantar _ ela anunciou e colocou uma bandeja em cima da mesa.

_ Já comi. Tem uma despensa ao lado do armário _ ele respondeu secamente. Tonks pareceu vagamente desapontada.

_ Ah, bem... suponho então... ah, sim. Trouxe as últimas edições do Profeta Diário, sabe, eles estão com uma nova linha editorial, mais séria e tudo o mais. Pra você não ficar de fora dos acontecimentos.

Ele estreitou os olhos. Odiava o Profeta Diário, jornalzinho sensacionalista e inútil. E tinha certeza de que não passava de invencionice aquela história de "nova linha editorial". Para que ele ia querer ler aquele amontoado de notícias vazias e tendenciosas? Snape sentiu uma raivazinha fervendo dentro de si. Parecendo um pouco chateada, Tonks virou-se e, murmurando um "boa noite", se dirigiu à porta. Ela devia era ter ido dormir. Estava morrendo de sono há horas, mas nããão... tinha resolvido ser legal com Snape, porque ele merecia, tinha sofrido sabia-se lá Merlin o quê, mas no final das contas continuava tão chato como sempre.

E então...

_ Nymphadora.

Ela se virou, já com a mão na maçaneta.

_ O quê?

_ Obrigado.

E então ela sorriu e tudo começou outra vez.

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enfim, é isso aí. eu gostei muito desse capítulo, apesar de ter zero romance. sei lá, é que eu gosto de ficar explanando minhas teorias sobre a inocência do morceguinho =)

outra vez o capítulo saiu maior do que o esperado; e outra vez tive que cortar partes. o lado bom é que já dá uma boa adiantada pros capítulos seguintes, mas enfim. e agora sim começa a parte realmente boa da fic, uhu =D

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