Miss Curiosidade



10 de Dezembro de 1998.


_ Precisamos conversar _ ela anunciou assim que adentrou o quarto.

_ Conversar? _ Snape perguntou e continuou afundado na poltrona, parecendo entediado; seu único movimento foi um ligeiro erguer de sobrancelha lançado por cima do livro.

_ É, conversar. Sabe, não me atrai nem um pouco a idéia de você fechado aqui, sozinho, até o final da guerra _ ela revirou os olhos _ Sabe-se lá quanto tempo ainda isso vai demorar. De qualquer forma, não vai te fazer bem. Por isso, resolvi que vou passar mais tempo com você a partir de agora. Vamos conversar. Você pode não ser de falar muito, mas _ ela fez uma pausa e sorriu _ isso não é problema. Eu falo por duas, três, até dez pessoas se você quiser. E ainda faço um rosto diferente para cada uma delas _ ela concluiu com uma piscadela.

Snape se viu sem palavras, tamanha fora sua surpresa. Naquela semana em que passara escondido na Sala Precisa, seus dias haviam se acomodado numa rotina quase tranqüila: comer, pensar, dormir, pensar, ler, pensar... e receber as visitas diárias de uma certa metamorfamaga. Não que ele fizesse questão desse último acontecimento; a bem da verdade, preferia ser deixado a sós com seus pensamentos. Mas durante aqueles sete dias ela não havia deixado de visitá-lo uma vez sequer, sempre por volta das oito horas da noite. Trazia-lhe o Profeta Diário, trocava algumas frases e rapidamente se ia... “para os braços dele”, pensava Snape com algo que ele tentava classificar como sarcasmo. Agora que seus dias eram calmaria e marasmo, ele tinha tempo de sobra para ruminar tudo o que havia feito de sua vida até ali. Como passava sozinho a maior parte do tempo, podia trazer para fora coisas que havia guardado por anos. Havia, porém, uma ou outra que ele ainda preferia deixar oculta inclusive de si mesmo.

Mas agora aquela maluca resolvia que ele precisava de companhia... e que companhia. Trocar confidências com Nymphadora Tonks? Nem que estivesse tão despirocado quanto ela.

_ E se eu não quiser?

_ Eu quero _ ela respondeu simplesmente, num tom tão seco quanto o dele; e em seguida sua voz e expressão se tornaram calorosas, e ela se inclinou para a frente em sua poltrona _ Snape, só os deuses sabem o quanto você fez, por que merdas passou e tudo o mais... e todo essa gente lá fora falando horrores de você _ ela se interrompeu, franzindo a testa _ quer dizer, eu também falava muito mal até a semana passada mas...

_ Como se fosse alguma novidade pessoas falando mal de mim por trás _ ele cruzou os braços e acrescentou desdenhoso _ Como se eu me importasse.

_ Bem, eu me importo. Me importo porque você se arriscou por gente que não faria nem um décimo disso por você; porque seria injusto eu não me importar, você podia até ter morrido e ninguém derramaria uma lágrima. Me importo porque pra todo mundo você é só um cara rabugento e frustrado, quando eu sei que no fundo não é. Você só precisa de contato e calor humano e agora, precisa disso mais do que nunca. Eu devia, sabe, ter ficado com raiva por causa de uma ou outra coisa estúpida que você me disse, mas eu sei que de certa forma não é sua culpa; se a gente for ver bem, a raiz do problema...

Ele ergueu a mão, interrompendo-a, seco:

_ Não me recordo de haver concordado com essa insensatez de falar por dez pessoas.

Ela parou alguns segundos, piscou; e então jogou a cabeça para trás, gargalhando.

_ Eu simplesmente adoro essa sua falta de senso de humor, eu já te falei isso? Bem, uma pessoa então, combinado?

Ele suspirou derrotado.

_ Tenho alguma escolha?

_ Não, nenhuma _ ela respondeu, com um arzinho de vitória no rosto.


*

14 de Dezembro de 1998.


_ ... e então transfigurei um cadáver em mim mesmo, para que pensassem que eu estava morto e pudesse voltar para cá.

_ Muito bem pensado! _ ela aprovou _ E eles caíram nessa?

_ Foi um trabalho extremamente bem-feito, Nym...

_ Tonks, Tonks, Tonks.

Ele revirou os olhos. Ela movimentou um cavalo no tabuleiro de xadrez entre eles, a fim de proteger o rei branco. Por longos minutos o silêncio dominou a sala, quebrado apenas pela madeira crepitando na lareira.

_ Snape?

Ele ergueu os olhos.

_ Posso te perguntar uma coisa que todo mundo morre de curiosidade de saber? _ era tão tentador passar uma hora inteira com Snape todos os dias. Snape, tão cheio de mistérios, segredos e sentimentos tão bem guardados. Ali, todos prontos para serem revelados para ela, a Miss Curiosidade (como esse mesmo Severus Snape a chamara em seus tempos de aluna), se conseguisse perguntar com jeitinho...

Depois de analisar o pedido de Tonks por alguns segundos, ele acenou com a cabeça.

_ Porque foi que você abandonou Voldemort durante a Primeira Guerra?

Ele não respondeu imediatamente, mas suspirou de um jeito pesado e Tonks pensou que ele fosse lhe atirar mais uma daquelas respostas ácidas. Ele, porém, virou o rosto para a lareira, e Tonks pensou haver notado uma enxurrada de emoções percorrendo seu rosto, mais do que ela havia visto em todos aqueles anos em que o conhecia. Remorso, raiva, decisão, tudo mesclado a uma expressão distante. E seria aquilo... carinho? Porém, quando ele respondeu muitos minutos depois, encarando o tabuleiro de xadrez, sua voz era dura como nunca:

_ Isso, Nymphadora, é algo que diz respeito apenas à minha pessoa _ ele respondeu, enquanto lhe aplicava um xeque-mate.

*

17 de Dezembro de 1998.


Ela balançava a perna nervosamente na poltrona em frente, mordendo o lábio e pensando. Aquele era, de certa forma, um outro segredo de Severus que todo mundo também morria de curiosidade de saber. E agora, ali estava ela, face a face com a fera, podendo brindar o mundo com a resposta, verdadeiro troféu de caça.

_ Snape, porque é que você não lava o cabelo?

O olhar que ela recebeu foi tão venenoso que Tonks fez uma notinha mental para se esforçar para ser um pouco mais sutil.

_ O que eu faço ou deixo de fazer com meu cabelo é da minha conta, Nymph...

_ Tonks. Já te falei uma porção de vezes. Mas, olha, seu cabelo até que é bem bonito e não, não me olha assim, estou falando sério! Ele é bem preto, não é mesmo? Natural. Não se vê muita gente por aí com esse tom de preto. Nem na minha família. E é bem liso, também, nossa, só deus sabe o quanto eu...

_ Uma pessoa, Nymphadora _ ele disse de forma pausada e ameaçadora, mas que já começava a notar não possuir efeito algum sobre ela.

_ Oh, céus _ ela disse com um ar divertido, respirou e continuou _ Bem, e ele ficou muito bom assim, um pouco mais comprido. Se você lavass...

_ Se a senhorita tivesse cabelos na cabeça em vez desse porco-espinho cor-de-rosa, quem sabe poderia falar algo a respeito do cabelo alheio.

Ela sorriu como se ouvir um insulto dele fosse a coisa que mais desejava no mundo inteiro e, sentando-se muito reta na poltrona, metamorfoseou-se em mais uma daquelas belas aparições que utilizava sempre que queria provocá-lo.

Snape apenas estreitou os olhos.

*

22 de Dezembro de 1998.


_ Snape, como foi que você conseguiu enganar Voldemort durante tanto tempo? _ a perna balançava ansiosa apoiada sobre a outra.

_ Foi uma idéia minha e de Dumbledore. Bastante inteligente, tenho que admitir. Você sabe o quanto ele tem... bem, tinha _ e ela achou haver detectado uma pontinha de chateação ali _ interesse em memórias, Penseira e demais artefatos do tipo. Em vez de apenas retirarmos, nós suprimimos certas memórias de minha mente... como se ela nunca houvessem existido _ e ele sentiu uma pontinha de orgulho quando viu os lábios dela formando um O de assombro _ Restaram apenas algumas poucas, que podiam ser ocultadas com Oclumência sem despertar a desconfiança do Lorde. Mas claro _ e ele entrelaçou os dedos _ tivemos que fazer muito bem calculado... não podiam restar lembranças demais para que eu não precisasse fechar demais a minha mente; e, por outro lado, não poderíamos retirar memórias em excesso para que eu me esquecesse do lado em que estava. Por fim conseguimos um equilíbrio... muito sutil. Entendeu?

Ela arregalou os olhos.

_ Oooh sim, professor! Quantos rolos de pergaminho tenho que escrever sobre o assunto?

Ele revirou os olhos.

_ Você é louca _ ele disse sem pensar e, dessa vez, Tonks podia jurar ter visto o vestígio de um sorriso nos lábios finos.


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acho que é meu capítulo preferido até agora, resume maravilhosamente bem como eu vejo um relacionamento snape/tonks (claro que com um pouquinho mais de amor, hheh).

lembrando que comentários não são necessários, mas me fazem feliz =)

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