Legilimência e Uma Decisão

Legilimência e Uma Decisão



15 de Abril de 2000.


Foi a vez de Snape se afastar. A idéia de ter que dividi-la com as memórias de Lupin o incomodava cada vez mais, a ponto de, sempre que a via e se sentia tomado por todas aquelas sensações deliciosas que Tonks lhe causava, no instante seguinte vinha o desconforto. Ele não conseguia deixar de pensar nas cartas românticas do outro... e nas rosas azuis. Sentia-se vagamente humilhado por estas últimas; pois jamais seria capaz de imaginar uma rosa azul e conjurá-la para a mulher amada. Ele não tinha imaginação, criatividade e jamais seria romântico. Não era à toa que Tonks nunca esqueceria o falecido. Snape jamais teve a ilusão de que seria fácil um envolvimento com Tonks. Primeiro, porque ela era uma Black, inegavelmente; e, como tal, possuía aquele temperamento tempestuoso e passional (claro que acrescido da jovialidade e espirituosidade que faltavam ao resto da família; e sem a crueldade e o esnobismo característicos que por outro lado sobravam aos antepassados). Segundo, porque as diferenças de temperamento eram gritantes; Tonks freqüentemente era curiosa e mandona; e ele preferiria morrer a revelar certos segredos... apesar disso, até o momento, essa enorme contradição não só havia lhe trazido compensações; e não era nem um pouco irritante como ele sempre esperara que seria.

Snape, porém, jamais havia suposto que o grande empecilho ao relacionamento deles seria um fantasma. Às vezes, se perguntava se não estaria exagerando e sendo ridículo. Mas então, se recordava das palavras dela, "ele sempre vai ter um pedaço do meu coração", e de como ele não conseguia realmente aceitar a idéia de amar dois ao mesmo tempo; então ele se enfurecia com o destino; e se frustrava; e mergulhava cada vez mais naquela mistura explosva de sentimentos... uma mistura da qual ele não conseguia ver meio algum de sair. Se ao menos houvesse uma luz... Às vezes, ainda, se pegava pensando se valia a pena ir em frente. Estava tão acostumado à escuridão e à solidão... conseguiria se adaptar a alguém tão vivo? Por isso tudo, Snape suspirou e desviou os olhos quando sentiu o olhar dela o inquirindo uma vez mais durante o jantar daquela noite.

Tonks, por sua vez, até podia compreender o que se passava dentro dele; o que não queria dizer que estivesse feliz com a situação. Ela o *queria*, mas que droga; e Snape complicava tudo com aquela possessividade e insegurança. Ela simplesmente *não agüentava* esperar mais. Tinha dado todo esse tempo a ele para pensar porque havia sido o que Lupin lhe pedira alguns anos atrás; e ela sabia que, apesar de opostos, eram bastante semelhantes em alguns pontos. Mas estava no limite da paciência. Talvez fosse hora de usar seus próprios métodos...

_ Snape, preciso que você me esclareça alguns pontos sobre aquele livro de feitiços antigos que me emprestou _ ela disse, empurrando distraidamente os restos de comida no prato _ De preferência, hoje. Preciso do material para a aula de amanhã.

Ele hesitou alguns segundos. Deveria? Não deveria? Estava começando a se cansar daquela situação indefinida; mas estar tão próximo de Tonks e não poder tê-la toda para si era doloroso. Ela esperava, os olhos implorando uma decisão... olhos tristes, exatamente aos quais ele não resistia. Severus suspirou, derrotado.

_ Como estão seus horários esta noite? _ ele perguntou depois de um gole de suco de abóbora.

_ Completamente livres.

_ Às nove, então? Na minha sala?

_ Combinado _ Tonks respondeu e passou a atacar a sobremesa.

E assim, às nove horas daquela noite, Tonks desceu para as masmorras para tirar dúvidas a respeito de um livro que não existia. Quando Snape abriu a porta, ambos permaneceram parados e mudos por alguns segundos, olhos fixos uns nos outros. Então, no instante seguinte, como se fossem ímã e ferro, seus lábios estavam a caminho de se encontrarem. Snape ainda tentou resistir antes de seus olhos se fecharem; mas era inevitável: bastava estar perto dela que seus pêlos se arrepiavam, seu coração batia mais rápido e todos os seus poros pareciam gritar pelo contato. Fazia tanto tempo que não a beijava assim... dias... saboreando os lábios dela, o interior da boca, sentindo a língua dela deslizando contra a sua... era tão... de repente, a imagem de uma rosa azul espocou em sua mente e ele se afastou.

_ O que acontece? _ Tonks perguntou, enquanto entrava e Snape fechava a porta.

Ele suspirou e desviou os olhos.

_ Não quer mais ficar comigo, é isso?

_ Não _ ele murmurou simplesmente, mal movendo os lábios _ Não é isso.

E, céus, ao contrário: como a queria.

_ O que é, então? _ a voz dela foi se aproximando, até que Snape sentiu a mão tocando sua face, naquele gesto já tão familiar de forçá-lo a olhar nos olhos dela. Era tudo o que não queria: sabia que, se o fizesse, estaria perdido. Snape então baixou os olhos, que passaram a focar os lábios, que Tonks mordeu. Então, suspirou.

_ Sev... _ em que momento ela havia passado a cometer o enorme sacrilégio de chamá-lo de "Sev" ele não se recordava; sabia apenas que soava muito natural. A que ponto haviam chegado... _ Por causa dele não... não tem a ver. Por favor _ ela pediu, agora segurando firme o rosto dele com as duas mãos e fazendo-o se perder nos olhos suplicantes e cheios de sentimento _ Estamos perdendo tempo, não vê?

Severus ergueu a mão, planejando libertar o rosto. Mas quando seus dedos encontraram os dela, ele mudou de idéia e deixou-os permanecerem ali. Ela abriu a boca mas deve ter mudado de idéia, pois nada disse; apenas o olhava muito séria e completamente tomada de sentimentos. Se houvesse algo oposto à oclumência, uma forma de projetar os sentimentos, era o que ela estaria fazendo agora. Snape quase podia ver as sombras se movendo por trás dos olhos dela; bastaria uma mínima penetração por parte dele... e então... a idéia lampejou em sua mente. Por que não? Bem, porque não. Não precisava daquilo, precisava? A idéiazinha insistiu. Seria rápido e Tonks nem notaria, praticamente cuspindo os sentimentos como estava. Ele poderia conferir a quem, realmente, pertencia o coração dela... Hipocrisia, ele pensou. Uma chance de resolver tudo, a vozinha respondeu. Bem, era Tonks quem havia se colocado naquela posição perigosa e comprometedora de olhos nos olhos com um excelente Legilimente. O que adviria daí seria culpa apenas dela... Snape se interrompeu; não se aproveitaria... as emoções dela, porém, fluíam até ele, praticamente implorando para serem analisadas mais a fundo. Severus suspirou e, dizendo a si mesmo que era apenas para confirmar e não, bisbilhotar, disse mentalmente: "Legilimens".

E então, viu.

*

16 de Abril de 2000.


Kingsley Shacklebolt caminhava em seus passos largos pelos corredores do castelo quando alguém se jogou em seu pescoço.

_ Não acredito! Uma cara das antigas!

Se desvencilhando; ele olhou Tonks de cima a baixo e então, abriu um largo sorriso:

_ Você parece ótima!

_ E estou mesmo. Vem _ ela disse, puxando-o pela mão _ me conta, o que está fazendo em Hogwarts? _ e o levou até a sala dos professores, enquanto a sineta tocava.

_ Vim trazer um convite ao Harry. O próprio Scrimgeour sugeriu... treinamento de auror simplificado... e ele nem precisa dos resultados dos N.I.E.Ms.

_ Conhecendo o Harry... _ ela se interrompeu quando uma figura pálida vestindo negro adentrou a sala, carregada de vários rolos de pergaminho _ bem, conhecendo o Harry... digamos que... que ele não vá exatamente aceitar sem questionar, huh? _ ela concluiu gaguejando.

Ela o seguiu com os olhos. Sabendo que estava acompanhada, Snape nada faria a fim de não se trair; mas não resistiu a uma espiada. Como se houvessem combinado, em movimentos sincronizados ele e Tonks olharam um para o outro durante longos segundos. Então, suspirando, desviaram os olhos. Depois, dissimuladamente, deram mais uma espiadela rápida e então, corando, fitaram paredes opostas. A cena, claro, não passou despercebida para o auror. Quando Snape saiu da sala, logo depois, Kingsley trazia uma expressão fechada.

_ Ainda te perturbando, o Snape?

_ Aah, não. Aquilo foi só... um mal-entendido.

O amigo franziu a testa, completamente descrente.

*

Snape já havia perdido a conta de quantas noites passara em claro por causa dela. Quantas noites se revirando sob os lençóis, suando, tomando decisões a maioria das quais se dissolveria como fumaça assim que colocasse os olhos nela outra vez.

Mas a noite passada fora diferente.

Ele não havia dormido, quanto a isso não havia dúvidas. Depois do que havia visto na mente dela (o grande hipócrita!), Severus chegara à conclusão de que realmente precisava colocar um fim naquilo tudo. Faltava apenas um pequeno empurrão; e então... Snape franziu a testa; algo havia lhe chamado a atenção numa sala de aula fazia. Um frisbee dentado fazia estragos nas cortinas. Murmurando uma praga, retirou a varinha de dentro das vestes e fez desaparecer o objeto. Então, recostou-se na parede fria, tentando chegar a uma solução. E foi então que ouviu.

_... pois eu acho, Tonks, que você deveria se afastar completamente dele.

Ela suspirou, parecendo exasperada.

_ Bem, você provavelmente o conhece bem, mas... devia se lembrar da ficha dele dos tempos de Comensal.

_ Sim, eu sei, já vi milhões de vezes. Mas isso foi há anos, Kingsley! As pessoas mudam. Dê uma chance a ele. As pessoas só precisam de uma chance.

Snape ouviu o auror suspirar pesadamente; e calar-se, como se pesando as palavras. Por fim, ele disse:

_ Até podem mudar. Mas, se eu fosse você, depois de tudo o que Snape fez, eu tiraria ele da minha vida para sempre. Ele pode até ter sido leal ao Dumbledore, mas... nunca colocarei minhas vidas na mão dele. Não é seguro. Mais cedo ou mais tarde... ele vai acabar se revelando por completo. Por favor, pense nisso. Afaste-se dele.

Snape fechou os punhos, enterrando as unhas na palma da mão.

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capítulo curtinho e meio sem-graça, de ligação. a calmaria antes da tempestade. e o que será que o morceguinho resolveu?

obrigada, hannah, camis, morgana, vinola, helô, samoa e miguel!! =D

comentários me fazem absolutamente feliz.

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