Harry, o Líder Arrogante

Harry, o Líder Arrogante



Como Eu Vejo




Capítulo Cinco – Harry, o Líder Arrogante


É impressionante como minha imagem está destruída com meus amigos, aqui na Ordem da Fênix. Eu de repente pareço ter me tornado o vilão, já que eu sou um monstro por não querer que Neville entre na Ordem, por não querer Luna aqui também, por tentar manter meus amigos seguros, por tentar manter Ginny segura. E até Ron anda dizendo que não sou mais o mesmo. Dessa forma vou acabar me convencendo, não falta muito agora. Eu só gostaria de não ter falado aquela grande bobagem na frente de Luna. Porque agora eu estou aqui, rolando na cama e tentando justificar essa frase bizarra que me escapou. O que diabos eu quis dizer com medo? Ao menos algo é positivo: se nem eu mesmo entendi o que falei, Luna menos ainda. Pensamentos continuam protegidos.
É estúpido pensar nisso (ao menos é o que Hermione diz) mas quando estou sozinho o fato de ser eu o predestinado a vencer Voldemort parece me fazer lembrar de que os outros não deviam estar envolvidos. Certo, não sou eu o fundador da Ordem da Fênix, já que ela existia muito antes de eu nascer. Meus pais lutaram na Ordem, certo. E comandados por Dumbledore, certo. Mas Dumbledore sabia que não seria ele a derrotar Voldemort; mesmo assim ele juntou tantos quantos poderia para tentar. Antes mesmo de que eu existisse, ele já sabia que não era ele o responsável por terminar tudo. E mesmo assim, ele assumiu uma guerra que não era dele, em meu nome. E vários outros, que acabaram morrendo por causa de uma luta que sempre foi minha. Luta essa que parece que é o único sentido de viver. Isso sempre fez com que eu me perguntasse: depois que tudo terminar, e se eu vencer, o que acontece depois?
Tanta gente já morreu por destinos que não eram os deles, e depois de tantos, eu não queria que os meus amigos se somassem a eles. A verdade é, às vezes me pego pensando... Como todos eles sobreviveram até hoje? Hermione, Ron e Ginny podem ser grandes bruxos, eu sei, mas bruxos maiores do que eles já se foram. Dumbledore, entre eles. Eu tentei, eles sabem que eu tentei fazer tudo sozinho. Mas eles vieram atrás de mim, e me seguiam por mais que eu usasse a Capa da Invisibilidade, aparatasse sem deixar rastros... Nós conversamos longamente sobre essa coisa de eu os querer fora da guerra, e até entendi seus motivos, mas o tempo todo houve algo aqui dentro me dizendo que tudo estava errado.
Depois que Dumbledore morreu, dizem, eu não sou mais o mesmo. Talvez no dia em que ele morreu eu não tenha sentido o impacto verdadeiro; mas quando eu saí, sozinho, para procurar as Horcruxes, apanhei, fui emboscado, amaldiçoado das formas mais bizarras, ficar sozinho me pareceu quase pior do que ver Dumbledore morto. Porque, de repente, era como se todos eles tivessem morrido.
Sem mencionar a falta de que Ginny fazia. Não que Ron e Hermione também não fizessem falta, afinal eles estão comigo desde que me descobri bruxo, mas Ginny me fazia sentir uma pessoa diferente. Ela me fazia sentir normal, como apenas mais um garoto com mais uma garota. E para alguém como eu, que todos ficam por aí chamando de O Escolhido ou de Menino-Que-Sobreviveu, era uma sensação completamente nova ser normal. O dom que ela tinha para rir facilmente ou para ser otimista mesmo no enterro de Dumbledore, por mais que eu o desdenhasse, sempre tornava tudo vagamente melhor. E eu estava mesmo caído por ela, não vou ser hipócrita e dizer que não sentia falta de ficar com ela.
Quando Ron e Hermione me alcançaram, eu estava justamente no meio de uma emboscada. O modo como aquele episódio terminou apenas serviu para que eu tivesse mais certeza ainda de que estava fazendo tudo errado; Ron por pouco não acabou morto. A maldição durou por algumas semanas, e as cicatrizes no peito dele ficaram lá por meses, de acordo com Hermione, que via Ron sem camisa com muita freqüência, ultimamente. Eu sempre soube que isso aconteceria, mas era estranho que meus dois irmãos de repente namorassem. Eu meio que não sabia quem era meu cunhado e quem era irmão naquela história de incesto distorcido.
Eu preciso me defender: a verdade não é que eu acho que posso destruir as Horcruxes E Voldemort sozinho. Eu sei que não posso. Mas é um risco que eu tento correr, em nome da segurança deles. Eu não queria falhar com todos eles. Queria que o mundo mágico voltasse ao normal e às vezes até me ocorre, nos momentos mais sombrios, que tudo está esse caos por minha culpa, por culpa da minha incompetência.
É melhor eu descer e beber um pouco de água, nunca vou dormir pensando tantas coisas. Espero não encontrar ninguém no caminho, muito menos Luna, porque ela já gastou sua quota da semana.
Eu já estava parando de pensar assim. Já estava aceitando que eles me ajudavam porque simplesmente não poderiam ficar parados vendo o amigo deles com uma missão tão grande, e que o mesmo ocorria com Lupin, com Neville, Tonks, enfim... Todos eles queriam se sentir úteis na guerra. A última admissão, de Neville, já foi bastante difícil, porque o que ele queria era vingança da morte de sua avó. E pessoas com vinganças pendentes tendem a ferver demais o sangue em momentos de risco; eu não queria que ele acabasse morto por causa disso.
E agora aparece Luna, com quase a mesma história. Sim, nós a salvamos porque os Comensais levaram o pai dela e vamos encontrá-lo, mas não era necessário que ela fosse aceita na Ordem da Fênix. Mas Luna Lovegood simplesmente parece ler através de mim, como se fosse Legitimente, não sei, e como aqueles psicólogos trouxas de repente lê tudo que eu penso e joga na minha cara. E ainda reclama que eu não a olhe nos olhos.
E aqui, enquanto encho o maldito copo d’água, chegamos ao X da questão: “Eu tenho medo”. Do que eu tenho medo?
Vou me sentar aqui e tentar fazer a lista mais objetiva que eu puder:
Eu tenho medo de Ron, Hermione, Ginny ou qualquer um dos outros morrer.
Eu tenho medo de ser derrotado por Voldemort. Não de Voldemort, mas do que acontecer se eu perder o duelo.
E eu tenho medo de olhar as pessoas nos olhos. Porque elas me olham cheias de esperança. Elas confiam plenamente que um cara de dezoito anos seja capaz de derrotar o Lord das Trevas como se ele fosse apenas mais um sonserino com o ego inflado demais. Todos me olham assim, agora que estou à frente da Ordem da Fênix. Até mesmo meus amigos, até mesmo Lupin, que até pouco tempo atrás era infinitamente mais poderoso do que eu. Ginny quer atenção, eu não consigo esquecer de tudo e ficar como ela do mesmo modo como era antes; nem sempre eu tenho paciência para me debruçar sobre livros com Hermione e praticar os mais avançados feitiços da Defesa Contra as Artes das Trevas. E também não é sempre que estou com saco para discutir táticas de ofensivas com Ron. Todos eles estão cansados de mim e eu mesmo estou cansado de mim, mas não há nada que eu possa fazer.
Maldita Luna! Ela não tem o direito de trazer tudo isso à tona mais uma vez. Amanhã eu tenho que participar de uma sabotagem a um ataque de Comensais perto de New Castle. Irei com Lupin e com outros. Deveria dormir agora!
Não agüentei, tive que jogar o copo no chão. O barulho do vidro se quebrando foi quase confortador. Agora eu tenho que consertá-lo e torcer para não ter acordado ninguém. Lá vou eu.
Ginny não dormiu na minha cama esta noite. Está brava comigo. Ela vai começar de novo com aquela história de que eu fico tratando-a como se ela fosse mais um móvel da Mansão Black. Não é verdade, ela é especial, eu quero ficar com ela. Mas nem sempre é assim, às vezes eu quero mesmo ficar sozinho. Às vezes eu tenho medo de que esquecer que sou diferente, porque isso pode acabar num acidente terrível, em tempos de guerra. Eu não posso me divertir, nem relaxar, sabendo que há tanto pra ser feito.
Acho que é esse o medo no qual eu estava pensando quando falei aquilo para Luna: em primeiro lugar, eu queria me livrar dela o mais depressa possível, e em segundo, eu tenho medo de falhar com aqueles que eu amo.
Mas esperem. Não foi justamente esse o maior medo de Dumbledore?
Bem, de qualquer forma, tive uma noite péssima. Sem pesadelos, pelo menos, já que Voldemort nunca mais abriu sua mente para mim, e, como vocês sabem, eu estou achando ótimo.
Estou descendo até a cozinha e torcendo para que não haja muita gente lá, depois dessa noite atormentada eu não estou com um humor dos melhores. Embora seja difícil lembrar da última vez que eu fiquei de bom humor. Hum... Talvez tenha sido quando eu ganhei a taça de quadribol, no sexto ano. É, acho que foi isso mesmo.
Lupin é o único à vista, para meu alívio. Puxo uma cadeira e me sento com toda a força.
-Bom dia, Harry – ele diz, apenas erguendo os olhos de sua caneca de chá.
-Bom dia – e suspiro, fitando a mesa. Com um aceno de varinha, tenho minha própria caneca, com leite, e alguns biscoitos do pote em cima do armário. Pelo canto dos olhos, espio a expressão descansada de Lupin, que não aparecia fazia muito tempo.
-Dormiu bem?
-Não. Mas você parece ter tido uma noite ótima.
Lupin sorriu. Ainda me parece engraçado, às vezes, que ele e Tonks estejam juntos. Morando juntos, trabalhando juntos, com as vidas plenamente unidas. Mesmo sendo pessoas tão contrastantes.
-Eu precisava disso – ele comentou, querendo mudar de assunto. – E acho que você também. Eu ia te acordar em meia hora, Harry, ainda está cedo para irmos.
-Não importa. – resmungo, com uma bolacha na mão. – Melhor acabarmos logo com isso. Os bruxos de New Castle foram avisados?
-Apenas Spevert – replicou ele, apoiando um cotovelo na mesa e neste o queixo. – Mas ele prometeu mobilizá-los. Você conhece o tipo, Harry.
É, eu conhecia. As pessoas de New Castle gostavam do tal Spevert. Ele fazia o papel do cara simpático com nuances esporádicos de responsabilidade, que ninguém ousava desrespeitar.
Assenti bem de leve.
-Harry – Lupin começou, fingindo um tom despreocupado. – Vai se importar se eu te fizer uma pergunta estranha?
Arrisquei uma olhada para o lobisomem. Ele nunca pedia permissão para perguntar as coisas. Se estava fazendo aquilo, devia ter seus motivos.
-Diga.
-Por que deixou Luna entrar na Ordem da Fênix? Pensei que apenas a possibilidade desse risco fizesse seus pêlos se ouriçarem.
Seria aquilo gíria de lobisomem? De qualquer forma.
-Ela me infernizaria pelo resto dos meus dias se eu não fizesse isso. – e passei os dedos pela minha caneca. – Luna voltou com toda a força e parece bastante resolvida a se meter em cada pequeno detalhe que escape de qualquer um de nós.
Lupin riu baixinho, e eu estranhei.
-Isso foi mal humorado demais para alguém que sempre a defendeu, não acha?
-Ela costumava pegar mais leve comigo em Hogwarts. – repliquei, num mau humor espetacular.
-Certo. – ele se levantou. – Vou buscar minha capa, talvez seja bom você fazer isso também.
No caminho de volta para o meu quarto, passei pelo de Ginny; ela sempre dormia no mesmo lugar quando nós brigávamos. Parei por um instante e empurrei a porta entreaberta, para enfiar a cabeça do lado de dentro. O quarto estava escuro, não havia muito que eu pudesse ver. Apenas uma sombra enrolada nos lençóis, de bruços, como Ginny sempre dormia. Os cabelos estavam tão espalhados, na pequena faixa que eu enxergava, que qualquer um diria que ela teve algum pesadelo terrível durante a noite.
Segui caminho e peguei minhas coisas: Capa da Invisibilidade, umas poções de Hermione e as ervas urticantes de Neville; ele andava cultivando algumas na estufa mais estapafúrdia do mundo bruxo, localizada no porão da mansão.
O plano era bem simples: os Comensais tentariam pegar Roger Colfer, que eles haviam descoberto que denunciara o esconderijo de um refém qualquer. O refém foi salvo por muito pouco na ocasião, mas tivemos que deixar sempre alguns membros da Ordem com ele, já que, nas poucas vezes em que falei com ele, tive a impressão de que ele era meio maluco e, mais importante, por isso sabia de coisas que geralmente não percebemos. Nada como uma fonte de informações inocente. Houve quem dissesse para trazermos Roger para a mansão, mas isso aqui é um quartel general, não um orfanato. Nós tínhamos descoberto graças ao secretário sênior do Ministro, que era um dos homens mais úteis que temos na Ordem.
Encontrei-me com Lupin na sala de estar, alguns minutos depois. E outros minutos depois, já tínhamos aparatado na manhã fria de New Castle, onde mal terminara de amanhecer. Levei uns instantes para me situar depois de uma aparatação àquela hora, para então focalizar um homem alto e magricela parado na esquina mais próxima, vestindo uma capa longa verde-musgo e com cabelos castanhos ralos e bagunçados. Speverts nos cumprimentou com seriedade tão logo nos aproximamos.
-Venham – disse ele, gesticulando para Lupin e para mim. – Todos estão reunidos no beco do fim da rua.
Speverts tinha feito um bom trabalho. Quando ele queria ser responsável, definitivamente conseguia. Os bruxos da região, reunidos num beco nublado, pareciam nervosos, embora preparados. Nós não sabíamos por qual lado deveriam chegar os Comensais, mas como a casa de Roger ficava no fim daquele quarteirão, com certeza os veríamos chegando.
Eu sentia olhares demais sobre mim para ficar à vontade. Finalmente, um velho de rosto enrugado e olhos azuis sem brilho se aproximou com cautela de mim.
-Harry Potter? – ele perguntou, enquanto eu permanecia fitando o chão.
Assenti para demonstrar que o ouvira. O velho de um passo à frente, segurando o chapéu nas mãos.
-Estamos muito agradecidos que tenha vindo nos ajudar – ele disse, ainda me encarando. Eu, desconfortável, não o olhei de volta. Sabia que ele estava cheio de expectativa e não queria desapontá-lo. Mas, ao mesmo tempo, senti um nó fino se desfazendo dentro de mim. Eu estava sendo gentil em ajudar, era o que eles pensavam. Eu ainda era capaz de fazer algo que não fosse egoísta e mesquinho. Eu tinha que responder algo bom.
-Eu é que agradeço – murmurei, com o olhar na rua – Por me ajudarem a enfraquecer as forças dele.
Se eu dissesse Voldemort, o assustaria. Mas quando o velho sorriu e se afastou, sabia a quem eu me referira com o pronome.
Dali a alguns instantes, Lupin, que estava mais à frente, deu o alarme. Um segundo depois, a rua estava cheia de Comensais da Morte. Atirei faíscas vermelhas para cima a fim de alertar Roger e os outros grupos de bruxos que estavam escondidos em outros cantos da rua. Começou.
De todos os cantos imagináveis foram saindo bruxos comuns, incomuns, jovens, velhos, homens, mulheres e indecisos; não dá pra dizer que Lupin e eu tivéssemos um exército muito ameaçador, mas o impacto foi forte e desastroso para os Comensais da Morte, que não esperavam nunca uma resistência tão grande. Alguns caíram inconscientes imediatamente, com os Feitiços Estuporantes; outros conseguiram conjurar escudos e até oferecer resistência. Eu, que fiquei pra trás a contragosto, tentava acertar um poste que, se caísse, deveria representar não apenas um susto (os fios elétricos seriam uma distração e tanto) como também uma muralha para a casa de Roger. Eu não podia aparecer na frente da batalha, ou eu atrairia as atenções e os Comensais se apressariam em levar Roger, já que ele fora tão importante a ponto de precisar da minha proteção.
Lupin, entretanto, estava bem à frente; ele tinha uma capacidade mais do que curiosa de saber de onde e como viriam os feitiços contra ele. Quatro ou cinco Comensais estavam particularmente interessados nele, e Harry tentou fazer alguns dos bruxos irem ajudá-lo. Lupin derrubou um deles com um Impedimenta, mas logo em seguida um feitiço de corte lhe atravessou as costas, partindo a capa em duas.
-Estupefaça! – gritei, num átimo, quando vi o lobisomem se esticando com a dor; os outros não haviam hesitado em continuar o ataque. Quando dei por mim, estava correndo na direção deles e atirando cada feitiço em que conseguia pensar.
Dois deles me encararam por um instante, para depois erguerem as varinhas.
-Mobilicorpus! – exclamei, abrangendo ambos com um gesto de varinha e num instante os dois estavam no ar; Lupin estava bem atrás de mim então, arfando e tentando se manter em pé. As varinhas dos dois caíram no chão com um estalido pouco audível, e baixei minha varinha apenas para picar as deles em pedaços; os dois caíram no chão com um barulho significativo.
Girei depressa com outros feitiços de ataque e mais alguns caíram, sem que eu notasse; só então pude ver mesmo como andavam as coisas. Estávamos com uma boa vantagem, e se eu acertasse aquele poste, com certeza estaria acabado... Lupin gemeu, atrás de mim.
-Você está bem? – arrisquei, lançando olhares por cima do ombro.
-Vou sobreviver, Harry, sossegue – resmungou ele. – Está com a Capa aí?
Num instante, o lobisomem estava invisível e eu estava correndo dos feitiços, no meio da confusão. Duas vezes tive que me jogar no chão para evitar maldições da morte; na terceira, acertei direto na base do poste de concreto, que, com um ruído horrível dos fios se rompendo, começou a cair geometricamente mais depressa, até que havia uma dúzia de fios desencapados diante da casa de Roger, dançando como serpentes encantadas, a alturas nada seguras. Os Comensais que corriam para a entrada recuaram, se entreolharam. Um deles, que estava na liderança da missão, ergueu a voz acima das demais:
-Vamos embora daqui!
Quando todos eles terminaram de desaparatar, a rua explodiu em comemorações e risos.
Senti imediatamente um peso se afrouxando em cima dos meus ombros, para ser substituído por inúmeras mãos que me cumprimentavam e acenavam, agradecidas. Respondi depressa a alguns deles, não querendo me deter na alegria deles, e corri até a calçada onde Lupin estava sentado, com um velho lhe examinando o machucado.
-Ele vai ficar bem – apressou-se a me dizer, quando cheguei. – Felizmente não passava mesmo de um Feitiço de Corte.
Lupin ergueu a cabeça, com um sorriso cansado.
-Vamos para casa?
Suspirei.
-Ótima idéia.


-Remus!
Tonks desceu correndo as escadas com a visão de Lupin, tropeçou e quase foi ao chão. Teria ido, se pela duodécima vez, ele não a tivesse segurado.
-Opa – disse ele, com um sorriso inconfundivelmente maroto. – Acho que sempre funcionamos melhor quando eu sou o herói, e não você, Nymphadora.
-Não me chame assim! – ela exclamou, levemente vermelha, quando se colocou mais uma vez de pé. Lançou um olhar de reconhecimento a mim e depois se voltou para ele mais uma vez. – Beleza, Harry... Remus, veja só o tamanho disso! Você não vai sair para missões por um bom tempo, se quer saber. Eu não vou deixar você sair enquanto isso estiver aí atrás!
Revirei os olhos.
-Vou para a cozinha. – avisei.
-Ah, Harry – Tonks me cortou. – Bom mesmo, Ron e Hermione estão lá, estão bastante preocupados.
Um pouco mais tranqüilo, caminhei até a cozinha da velha Mansão Black. Encontrei Neville pelo caminho, acenei. Vi Ginny começando a descer as escadas; ia me deter para falar com ela, mas ela tinha o olhar fixo no corrimão, decidida a não me encarar. Resolvendo que aquela não era a hora para brigarmos mais uma vez, continuei meu caminho.
Hermione se levantou quando me viu passando pela porta.
-Harry...!
-Hermione – murmurei, respirando fundo. – Se você ficar tão nervosa toda vez que eu saio em missão, vai acabar infartando antes do fim da guerra.
E me sentei.
-Isso não foi delicado, cara – Ron resmungou, quando Hermione murchou se sentou de novo. Meu melhor amigo olhou para Hermione por um momento e depois virou-se pra mim de novo, tentando me forçar a encará-lo. – Qual é o seu problema, hein? Faz um tempão que nós queremos te perguntar.
-Problemas? Fora a guerra, fora um amigo que eu de repente peguei falando de mim pelas costas? – repliquei, fechando a cara.
-Não faça drama, Harry, você sabe que tudo aquilo era verdade. – Ron começou de novo. – Luna só ficou curiosa com a sua mudança brusca.
Bufei.
-Coloque-se no lugar dela, Harry – Hermione insistiu. – De repente o pai dela foi seqüestrado, e quando ela pensou que poderia ser aceita e útil na Ordem, apenas deu de cara com um Harry totalmente diferente daquele que se despediu dela em Hogwarts. Você está irreconhecível, Harry, assuma.
-Não gosto muito de ficar discutindo as minhas ações, Hermione – falei, me levantando para pegar o meu almoço. – Foi-se o tempo em que discutir o futuro com vocês funcionava.
Os dois ficaram em silêncio, mudos e estáticos, enquanto eu enchia meu prato com movimentos nada delicados. Quando me virei para a mesa de novo, Hermione tinha os olhos cheios d’ água.
-Você não tem o direito de falar assim com a gente, Harry! – ela exclamou, sensível como sempre quando se tratava de amigos e sentimentos. – Nós estivemos do seu lado o tempo todo, nunca te deixamos sozinho quando você precisou! Será que você podia ser um pouco menos ingrato e nos tratar como seus amigos? Estamos quase nos esquecendo disso, sabia?
Ron estava calado, mas eu sabia que ele devia pensar mais ou menos a mesma coisa.
-Você fica aí, salvando todo mundo sem querer ajuda, achando que nos deixar de fora vai resolver tudo! Achei que já tivéssemos superado isso!
Achei que já tivéssemos superado isso. Tenho a forte impressão de que não é a primeira vez que me dizem essa.
-Hermione, não é tão simples assim... Tem mais do que proteger vocês nisso tudo, e eu não consigo evitar...
-Olhe nos nossos olhos quando falamos com você, cara – Ron grunhiu, com raiva, puxando o meu queixo pra cima à força. Ron tinha a expressão contida, mas os olhos estavam fixos em mim; estava naquele antigo dilema de querer dizer algo que me ajudasse, sem saber o quê. – Somos seus amigos. E queremos saber o que está tão errado com você nos últimos tempos.
Já sem um pingo de apetite, me livrei da mão de Ron e me pus de novo a fitar o tampo da mesa.
-Vocês não poderiam saber – resmunguei, a contragosto. – só eu...
-É muito fácil sair por aí choramingando que ninguém te entende, se você nem mesmo tentou até agora – Ron me cortou, evidentemente ansioso, mas só conseguiu um tapa no ombro de Hermione. Já era difícil me fazer falar, ela devia estar pensando; ainda mais se você continuar xingando-o desse jeito...
-Em primeiro lugar – falei, respirando fundo. – vale lembrar que eu não pedi tudo isso. Disseram que eu nasci para derrotar Voldemort, mas ninguém me perguntou se eu queria, ou pior, se eu conseguiria derrotar Voldemort. Dezenas morreram só porque confiavam na droga de uma profecia da Trelawney.
-Harry – Hermione falou, com aquela sua cautela na voz, com aquele eterno medo de dizer a coisa errada -, se me lembro bem, a profecia diz que você é o único com o poder de derrotar... de derrotá-lo, enfim... E também, foi uma escolha sua lutar contra ele, no final... Você poderia simplesmente fugir, se quisesse...
-Não é assim que funciona, Hermione. Certo, eu escolhi lutar contra Voldemort, mas não porque sou corajoso. Porque é a única escolha decente que havia. É como dizer a uma criança que ela não precisa estudar para a prova se não quiser, mas que se fizer isso vai ser reprovada. Ela não quer, mas acaba tendo que estudar. Eu não quero, mas tenho que lutar.
-Harry, ainda tem uma coisa que eu não consigo entender. – Ron murmurou, endireitando-se na cadeira. – Desde que você soube da profecia, no quinto ano, você não se importou tanto com isso. Muita gente já tinha dado a vida para te proteger, mas mesmo assim você estava lidando muito bem com tudo. Então, o quê...
-Dumbledore – cortou-o Hermione, como se tivesse acabado de resolver uma charada. – Oh, Harry... Eu sei que você gostava muito dele, e que nós realmente chegamos a acreditar que Snape estivesse do nosso lado... Bem, talvez não todos nós – acrescentou ela, quando Ron bufou mal humorado –, mas Snape sempre tinha agido como se pertencesse à Ordem da Fênix. Mesmo assim...
-Não foi Dumbledore. – eu a interrompi. – Quero dizer, pelo menos não no começo. Quando ele se foi, eu percebi que estava na hora de arrumar as coisas sozinho... E foi aí que comecei a pensar assim. E eu descobri que eu sou um grande... um grande covarde.
Os dois franziram a testa; mas quando eu abria a boca para dizer a eles, depois de tantos anos, o que se passava dentro da minha cabeça, a porta da cozinha se abriu e Ginny entrou, junto de Luna. Ginny passou resoluta por mim, sem me cumprimentar (aquela ruiva conseguia ser estupidamente teimosa quando bem queria), e Luna, ao contrário, me encarou longamente, antes de cumprimentar Ron e Hermione.
-Como você dormiu, Luna? – Hermione perguntou, em seu bom e velho tom maternal.
-Ah, muito bem, sim – Luna respondeu, sentando-se, com um sorriso vago. – Sabe, talvez nós devamos dar uma boa olhada no sótão, eu acho que há algum bufador de chifre enrugado lá em cima, que fica andando e raspando o chão de noite...
Ginny sorriu para ela enquanto punha dois pratos na mesa.
-É o Buckbeak – ela disse, resistindo fortemente a olhar para mim. – O hipogrifo. Lembra daquele que foi condenado pelo Ministério, no segundo ano?
Luna pensou um pouco, depois assentiu.
-Ah sim. Que bom, sabe. Eu estava com medo que o bufador lá em cima tivesse alguma anomalia e tivesse criado asas. Poderia ser muito perigoso, como vocês sabem.
Ron e Hermione trocaram um olhar, discretamente. Ginny murmurou um “Claro” bem humorado e se sentou ao lado dela.
-Então – ela falou, virando-se para Ron. – Como vão com os Escritos Negros?
-Nem me fale naqueles malditos papéis. – ele replicou, imediatamente pondo uma mão na testa. – Os feitiços estão em cada código que você não imagina. E se fossem só feitiços, eu nem reclamaria tanto. Existem inscrições, citações de livros antigos de Artes das Trevas... Sem falar daquele maldito desenho que nem mesmo Hermione consegue decifrar.
-Na verdade eu já tive algumas idéias – Hermione apressou-se em acrescentar, ouriçando-se. -, mas a verdade é que nenhuma explica tudo. Já pensei que fosse algum mapa do tesouro! Já tentamos ver de diversos ângulos diferentes. Kingsley me prometeu trazer uns livros de Artes das Trevas que os aurores apreenderam nos últimos anos, mas não sei quando ele chega. – parou para recuperar o fôlego, depois de lançar um olhar acusador sobre Ron.
-O quê? – ele disse, erguendo as mãos. – Eu só disse a verdade, estamos mais perdidos do que um duende numa partida de quadribol com esses Escritos.
-A longo prazo nós podemos decifrá-los – ela replicou. E com isto levantou-se de maneira orgulhosa, disse para mim um breve “até mais” e foi-se pela porta.
Ron sacudiu a cabeça.
-Mesmo depois de tudo isso, ela não suporta não conseguir fazer alguma coisa que exija cérebro. – comentou consigo mesmo.
-Pelo menos você entende a sua namorada – Ginny consolou-o, de uma forma ácida o bastante para me atingir.
-Ronald – Luna ergueu a voz, antes que eu dissesse qualquer coisa que não devia. – será que você podia me mostrar aquele desenho de que você falou?
Ron olhou para mim, depois para Ginny, e se levantou.
-OK, Luna. Venha aqui, se Hermione não o picou em pedacinhos, deve estar no quarto dela...
Com passos apressados os dois passaram pela porta, não sem antes me lançarem olhares devidamente apreensivos. Genial, Potter, agora você tem que domar uma Weasley magoada. Wow. Boa sorte, cara.
-Erm, Ginny... – comecei, sem saber exatamente pelo quê devia me desculpar.
-Espero que Ron e Mione já te tenham feito perceber como você anda sendo idiota – ela me cortou, antes que eu pudesse planejar uma fala decente.
-Erm... – eu resmunguei, como sempre, sem saber o que responder. – Acho que ando ouvindo isso muito ultimamente.
-Nós não mentimos, você sabe disso – ela bufou, impaciente. Depois pareceu buscar controle. – Como foi em New Castle?
-Bem. – falei, tentando mesmo olhar para ela. Mas não conseguia. – Lupin ganhou um corte, mas as baixas foram poucas e Roger está protegido, graças a um poste elétrico.
Ginny ergueu uma sobrancelha.
-Um poste...
-Elétrico. Energia trouxa, você já ouviu seu pai falando disso.
-Ah. – ela murmurou, baixando a cabeça.
Ficamos em silêncio. Eu tentei pensar o mais depressa que podia. Pelo jeito, eu teria mesmo que pedir desculpas...
-Ginny... – comecei, sem saber o que pôr na frase depois do vocativo. – Eu, bem... Ando muito perturbado e... Fico me preocupando com coisas que já deviam ser passado...
-Corte direto para as novidades, Potter – ela sibilou, não muito delicada.
-Certo. – e engoli em seco, sob pressão. Era melhor acabar logo com aquilo. – Desculpe.
-Por que eu devo te desculpar mesmo? – ela atiçou, naquele jeito nada compreensivo de se fazer de sonsa.
-Por... Por te tratar mal – eu disse, sem (novidade...) saber como nomear o que eu tinha feito.
Ginny me encarou por alguns instantes, me examinando. Fiz então um esforço para encará-la de volta, sem expressão de culpa nem nada parecido. Depois de um ou dois segundos de silêncio, um sorriso relutante brotou no rosto dela.
-Está bem – ela falou, imediatamente parecendo mais alegre. – Mas espero não ter que te desculpar de novo, Escolhido.
Fechei a cara ao ouvir o antigo apelido que me pusera o Profeta Diário – mas não durou muito, porque sem a menor cerimônia Ginny se levantou de sua cadeira e sentou no meu colo, com aquele velho e otimista sorriso radiante. Ela me olhou, ainda sorrindo, e abaixou o rosto para me beijar.


Evitei Luna o dia inteiro. Não sei se por vergonha, por raiva, por qualquer outra coisa. A Luna que aterrissara na Ordem da Fênix era incomodamente diferente daquela que eu levei ao baile de Slughorn, no sexto ano. Parece até que ela tinha treinado esse tempo todo como ler a cabeça das pessoas sem usar Legitimência. Eu não gostava muito de me sentir invadido daquela forma, sempre me fazia lembrar os sonhos com Voldemort do começo da adolescência.
Não que eu esteja muito velho agora, também. Mas enfim, foi necessário. Embora não se possa dizer que eu sou exatamente o mesmo – afinal, estamos discutindo isso desde que comecei a falar – mas não fui o único.
Ginny está comigo de novo, para meu sossego. Bem ao alcance do meu braço, ela está dormindo tranquilamente, desse jeito relaxado que só ela consegue ter, mesmo nestes tempos de Harry Maluco. Reparem que eu pulei um bom pedaço do dia, mas é porque eu não fico muito à vontade dando detalhes dos meus momentos com Ginny. Espero que todos entendam.
Enfim, tivemos que aproveitar bem porque amanhã ela volta ao Ministério da Magia, com essa história de espiar que Lupin inventou. Obviamente, quase caí da cama quando, na maior tranqüilidade desse mundo, ela me disse que Tonks espera que ela se aproxime de ninguém menos que Draco Malfoy, para obter as tão desejadas informações.
Foi uma das primeiras noites dos últimos anos em que tive uma noite de sono tranqüila, apesar dos pesares. Sem pesadelos, sem nada. Sem gritos e muito menos missões que dão errado no meio da noite e precisam de um resgate. Estou até de bom humor; quem sabe eu possa me levantar e comer um pouco do bolo que Hermione fez anteontem (tenho um pouco de medo da receita dela, desde que Ron passou duas horas no banheiro, jurando por todos os bruxos que foi por causa do suco que ele próprio fez. Como Hermione estava junto na hora, não sei se foi a coisa mais verdadeira ou a mais segura que ele fez), talvez também ir ver como o Buckbeak está. Deve estar se sentindo tão sozinho ultimamente... Quem sabe.
Sorrateiramente eu saí da sala, embora não muito, já que Ginny tem um sono incrivelmente pesado que não exige esforço demais para passar despercebido. Mal termino de descer as escadas, me arrependo do que estava fazendo.
Luna está sentada no chão da sala, montando um castelo de cartas do Snap Explosivo. Parece tão concentrada que nem notou a minha chegada.
Ela se debruça cuidadosamente sobre cada carta, dando a ela uma atenção quase desnecessária, como se conversasse com cada uma delas e as convencesse a ficar no lugar, sem explodir nem chamuscar sua cara. Luna parece falar com tudo. E sempre tem assunto, também. Até mesmo comigo.
Oh, não, ela me viu.
-Olá, Harry – ela me cumprimentou, como se eu não tivesse lhe dito nada do outro mundo duas noites atrás. – Quer jogar?
-Eu... – estava pronto para dizer que não, mas a oferta de repente se revelou tentadora. Snap Explosivo! Fazia tanto, mas tanto tempo que eu não jogava aquilo... – Seria ótimo.
Quando dei por mim já estava sentado no chão ao lado dela, observando enquanto ela fazia seu movimento. Seus dedos finos se fecharam com o máximo cuidado sobre a carta, os olhos transitando do castelo inacabado para a carta. Sua expressão era de tal concentração que eu finalmente entendi por que ela era uma Ravenclaw. Eu sou capaz de me concentrar também, mas sempre é uma coisa espontânea, eu nunca consigo me focar em algo se só estiver com vontade.
No momento seguinte ela estava olhando para mim.
-Sua vez, Harry.
Pisquei.
-Ah, sim.
Estendi a mão para o monte de cartas e, fitando o meu às de copas, me preparei. Luna conseguira colocar a carta no lugar preciso onde devia, de modo que ela estava parada no ar, desafiando todas as leis trouxas, esperando que eu posicionasse a minha. Não resisti a fitar Luna mais uma vez antes de pensar em meu movimento; os cabelos maltratados tinham sido afastados de qualquer jeito do rosto, e lentamente alguns fios da franja denunciavam um retorno próximo. Ela estava abraçando os joelhos, distante em pensamentos. Eu, que quando chegara tivera tanto medo que ela me enchesse de perguntas outra vez, ainda estava me acostumando com a mudança.
-Nossa, veja só – ela disse, quando eu finalmente coloquei a carta, claro que da maneira errada, e com uma faísca a coisa toda rompeu em chamas e se desmanchou sobre a mesa.
Fitei o castelo destruído com certa tristeza. Ela devia estar ali fazia uma eternidade, já que estava quase terminando. Senti aquela coisa aguda de novo.
-Desculpe, Luna. – falei, antes que me percebesse falando. – Você deve estar construindo isso faz um tempão.
Mas ela sorriu da maneira mais iluminada que eu podia imaginar, e se virou para mim então.
-Eu posso construir outro – ela disse, alegremente. – Mas ouvir você pedindo desculpas outra vez, puxa, essa eu deveria ter gravado, sabe.
O olhar dela me pegou de surpresa e eu de repente me virei para frente, encostando no sofá atrás de nós.
-Eu ando tão arrogante assim?
-Não sei – ela murmurou, sonhadora. – Você acha que está sendo arrogante?
Franzi a testa e não resisti a um olhar de lado. Ela me encarava sorrindo, como se o que eu fosse dizer ao mesmo tempo fosse importante para ela, mas também não poderia significar nada muito terrível. Só por isso eu conseguia encará-la.
-Há pouco tempo você me acusava de ser, não era?
-Bem, quando eu cheguei você não estava muito simpático, e eu também estava muito assustada com a história do meu pai. Eu posso ter me enganado, não é? Às vezes a gente só pega a pessoa num dia ruim. Além do mais, amanhã eu vou começar a descobrir onde meu pai está. Não vou?
Antes que ela transformasse sua expressão em uma mais inquisitorial, eu cedi.
-Vai, sim. Você pode trabalhar com Lupin. Ele está ferido e também não poderá sair por algum tempo.
-Viu só? Você nem parece mais arrogante. – ela comentou, cada vez mais alegre. – Assim eu salvo o meu pai, e você recupera seus amigos... A coisa toda não é tão difícil assim, é?
Eu de repente me senti muito velho. Ok, sou apenas um ano mais velho que ela e tudo o mais, mas toda alegria que ela de repente resolvera emanar estava me fazendo sentir velho e rabugento, como esses caducos que não acreditam em nada mais e riem de todos aqueles que ainda ousam ser otimistas.
-Claro – me vi falando, com uma ironia que machucou até a mim mesmo. – Não pode ser tão difícil derrotar Lord Voldemort.
-Não mesmo! – ela exclamou, se endireitando e olhando para mim abertamente.
-Luna, acho que ainda não te disseram. Só eu posso fazer isso.
Ela riu baixinho.
-Harry, é uma profecia. Apenas isso! Profecias são legais sim, e costumam estar certas, mas você não está mesmo achando que se você morrer sob ele, ele vai durar pra sempre, está? Um dia tudo acaba!
-As coisas não são assim – falei, fechando a cara. – Se eu não conseguir...
-Harry, não seja bobo, você só é um bruxo, não pode ficar pensando que o mundo todo acaba se você morrer. Pense assim, de qualquer maneira as pessoas morrem. Se você for, outras vão continuar tentando destruir o império dele, ou um dia ele pode acabar mesmo destruindo a si próprio. Afinal, não esqueça, Harry, você pode matar o Lord sim, mas ele também pode se matar...
-Ele nunca faria isso – resmunguei, bufando. – A morte é o maior medo dele.
-Mas nós não sabemos o que o tempo e o poder podem fazer a ele, Harry. – e com isso ela ficou em silêncio, deixando no ar um clima estranhamente leve.
Eu nunca tinha falado com alguém sobre a profecia e tudo que ela envolvia com alguém. Não daquele jeito, com toda aquela sinceridade.
Só ergui a cabeça de novo quando percebi que Luna tinha colocado uma mão no meu ombro. E estava curvada, de modo a deixar o rosto dela no mesmo nível que o meu. Luna e seus planos para me forçar a olhar nos olhos dela!
-As coisas não são tão terríveis assim. – eu a encarei, surpreso e ao mesmo tempo assustado, e ergui a minha mão para tirar a dela dali. Mas quando a segurei, ela de repente ruborizou e mudou o tom: - E então, quer jogar de novo?
Soltei-a e fitei as cinzas do baralho.
-Você não dormiu essa noite, Luna?
Só então ela pareceu perder a pose; seu sorriso sumiu e foi ela quem desviou o olhar.
-Bem... Digamos que você não é o único que tem medo aqui. – disse ela. – Estava pensando no meu pai.
Droga, eu não sabia o que dizer. Desde que me conheço, meu pai está morto. O que eu posso dizer a ela?
Talvez... Talvez eu possa provar que aprendi a lição.
-Nós vamos salvá-lo, Luna. Confie em mim.
E, assumindo a primeira responsabilidade que quis em alguns anos, devolvi a ela seu sorriso e me levantei, depois de erguer mais uma vez aquela franja maluca que insistia em cair nos olhos dela.
Ela murmurou um “obrigada” muito fraco, quando eu me levantei e rumei para a cozinha, pensando em pegar talvez um pouco de leite para começar o dia.
-Quer café, Luna? – perguntei por cima do ombro.
Ela não respondeu, e eu me virei. Ela estava tateando pela varinha para arrumar o jogo outra vez.
-O quê... café? Ah, sim, muito obrigada.
Resistindo a um leve murmúrio de “lunática”, fui para a cozinha, me sentindo incrivelmente mais leve.

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