O Expresso



“Ahhh novamente essas montanhas, pela quinta vez... Sempre quando as olho um sentimento de raiva e paixão bate sobre mim”.



O expresso movia-se com velocidade constante. Entre um vale e outro o sol batia em suas janelas, acordando alguns passageiros e enchendo de felicidade outros. Alguns gritavam “Hogwarts! Hogwarts! Uma hora pra chegarmos” enquanto uma minoria murmurava “Não sei porque estão tão felizes...”. Muitos ao ouvirem os gritos histéricos corriam para os banheiros (ou faziam isso nas cabines mesmo) com seus uniformes na mão para se vestir.



Os calouros, sempre nervosos, não sabiam direito o que fazer a não ser tentar conhecer outros iguais ou roer as unhas. Uns, os mais “espertinhos”, tentavam já aprender algo de mágica, enquanto uma minoria tentava trazer um coelhinho com sua varinha, sem sucesso.



Mas envolta de toda essa confusão, um único casal se distinguia do resto. Eles estavam no ultimo vagão, na ultima poltrona, no último lugar do mundo. Simplesmente não conseguiam ver os outros. Suas mentes não conseguiam pensar no que acontecia a sua volta. Seus corpos só sentiam o corpo de seu parceiro. Um médium facilmente perceberia a áurea deles e diria: “Nossa, que casal mais apaixonado!”.



“Ahhh Anna, como montanhas tão belas podem me fazer sofrer tanto? Como eu posso sentir meu coração doer ao vê-las? Poxa vida, que ódio eu tenho daquele chapéu...” - Assim corriam todos os pensamentos de “Paul, o apaixonado”. Como seus amigos diziam.



Ela, por sua vez, não conseguia pensar, só sentir. As mãos de seu amado encostando em seu longo cabelo castanho a faziam entrar numa espécie de transe. Nada, nem dor, nem sofrimento, nem a possibilidade de perdê-lo a fariam sair desse clima. Seu coração batia forte nos momentos em que percebia a existência de Paul. E quase parava quando voltava para o seu “transe”.



E assim prolongava toda a viagem a Hogwarts. Ninguém tinha coragem de incomodar o belo casal que eles formavam. Muitos porque sabiam da dor dos dois. Outros simplesmente porque percebiam um sentimento forte demais e se sentiam inibidos.





****



Um, dois. Dois toques o trem deu antes de parar. O rebuliço era evidente dentro dele. Umas pessoas catando seus objetos pessoais, outras pegando suas corujas, ratos e outros bichos exóticos para os trouxas. As vozes, em sua maioria felizes. Os alunos loucos para saírem do vagão e “darem uma esticada”.



Paul, nos poucos momentos em que reparou nas outras pessoas do trem, tinha visto algo de estranho que acontecia nessa viagem. Nada de mau ou maligno, somente algo especial. As pessoas estavam exaltadas e alguns vagões estavam mais vazios que o normal. Apesar de um, somente um, estar completamente lotado.



- Linda, o trem já parou. Quer sair agora?



- Não amor, quero ficar mais um tempo aqui com você. Seu colo é tão gostoso, sabia?



O vagão ia esvaziando rapidamente, as pessoas sempre queriam rever a monumental construção que era Hogwarts. Aos poucos Paul e Anna iam ficando sozinhos. Sozinhos? Era bem isso que eles queriam, estarem sozinhos no mundo para poderem assim aproveitar ele com seu amado. Sem ninguém pra proibir, nem nada para separar.



A idéia de viajar no último vagão tinha surgido no terceiro ano, ainda na estação. Os dois pensaram nisso para evitar o maquinista. Ou melhor, para ter mais tempo antes que o maquinista viesse expulsá-los do trem. Dizem que nós aprendemos com os erros, e foi isso que eles fizeram (os dois nunca irão se esquecer do segundo ano quando eles estavam no primeiro vagão e foram imediatamente convidados a sair do trem).





- O maquinista vem chegando, que droga! Porque não conseguimos ficar juntos por muito tempo? É sempre assim, sempre vem alguém nos atrapalhar. Foi assim nas férias, vai ser assim aqui.



- Amor, olha pra mim. Nos meus olhos. Cada segundo que eu fico perto de você vale tudo o que eu fico longe, eu te amo, não se esqueça disso.





E após um longo beijo os dois se levantaram. Alias no mesmo instante que o maquinista abria a porta do vagão.





- Vocês de novo? Parem com essa melação! Já pra fora! AGORA!





O chão da estação, como sempre, estava úmido, enlamaçado. E Paul foi o primeiro dos dois a sair. Colocando delicadamente os pés no chão para não sujar seu uniforme. Virou-se de costas e disse:





- Vem linda, se segura e mim e toma cuidado para não escorregar.





Anna apoiou-se nos ombros dele com uma leve força, seus sapatos eram lisos e qualquer deslize seria “fatal”.



“Seus ombros, como poderei viver sem eles por tanto tempo?” - pensava durante e após a manobra.



Os dois agora pareciam felizes pisando na lama. Era também engraçado vê-los assim. Um se apoiando no outro a cada pisada em falso. Risos e mais risos a cada tropeção. Um antagonismo era verdade, mas quem disse que amor era sofrimento? No momento em que todas dores são esquecidas a felicidade reina e era isso que estava acontecendo. Por um momento os dois esqueceram das suas dores.



A felicidade encantava qualquer um que visse, era tão estranho. O sorriso aberto, as gargalhadas fáceis. Nem pareciam aquelas duas pessoas dentro do trem.



Quando chegaram na rua em que todos os alunos de Hogwarts se reuniam, uns para pegar as carruagens outros para pegar os barcos. Eles se abraçaram e foram andando juntos assim, no meio de toda aquela imensidão de pessoas. Como se eles possuíssem algum escudo, as pessoas abriam caminho. Talvez pelo poder que existia neles, nada mágico é verdade.



Mas é claro, sempre tem algum atrapalhado que não repara nisso. O pior é quando esse atrapalhado é duas vezes o tamanho de qualquer outro aluno. Hagrid passava rapidamente entre os alunos, um cego praticamente. Ai de quem não abrisse espaço.



E quando dois cegos se encontram, o que acontece? Numa pancada que fez Paul voar e Hagrid nada sentir, os dois voltaram a ver.





- Oh desculpa Paul, estou atrasado. Temos gente importante entre os calouros. Desculpa, tenho que correr. Agente se fala no colégio.



- Ai, eu me cuido tanto pra não me sujar lá na estação e olha como eu estou? Anna, você pode fazer algo? Você sabe que esse tipo de magia não é o meu forte.



- Claro!





E com um leve balançar de varinha lá estava Paul, limpo.





- Não sei porque, ainda sinto necessidade de tomar um banho. Às vezes acho que a magia é só uma ilusão, engraçado.



- Amor, vamos logo pras carruagens, se demorarmos muito agente não consegue uma só pra nós.





Um sentimento de peso no coração bateu neles. Era estranho ter que correr para as carruagens. De certa forma era a garantia de uma viagem a sós, porém de outra era a certeza de que o momento de se separarem esta chegando. E o pior, eles estavam apressando a chegada desse momento.





*****



- Vem Anna, por aqui! Vamos rápido senão não conseguimos.



- Ai, calma, eu nunca consegui andar usando esse uniforme e nessa lama, quanto mais correr!





A fila de carruagens se estendia por uma longa distância, cada uma podendo suportar até quatro pessoas. Os alunos já se aprontavam para entrar nelas, fazendo uma fila indiana.



Paul e Anna corriam pelo lado oposto das carruagens, um terreno acidentado que dificultava a corrida. De mão dadas os dois pareciam um único ser, seus uniformes negros balançando freneticamente dando uma impressão sombria.





- O que vamos fazer? - Perguntou Anna, tentando deixar seus cabelos presos junto a cabeça (ou quase).



- O que você acha? Vou assegurar uma carruagem só pra nós dois! - Falou, parando varias vezes de falar para respirar.



- Hahahaha o quê? Você vai furar fila? Eu não acredito! Que corvinal é você?



- Um corvinal apaixonado ora...





Convenhamos, mulher nenhuma teria resposta para essa afirmação...





Os dois chegaram na terceira carruagem da fila e pararam pra respirar:



- Vem, vamos entrar nessa, se segura em mim que eu te apoio.



- Mas, amor? E quando chegar a vez dessa nossa carruagem? Como vamos não deixar o pessoal entrar?



- Haha, calma, eu me viro.





A carruagem era formada por duas poltronas longas, uma de frente para a outra. Uma espécie de estribo nas laterais facilitava o seu acesso. O chão era feito de uma espécie de carpete mágico, quem o visse não percebia nada demais a não ser o pensamento: “Nossa, como as pessoas têm coragem de pisar neste carpete com o pé cheio de lama”. E ai vinha toda a mágica, a partir do momento que alguém pisava nele, o sapado era limpo e toda sujeira desaparecia instantaneamente.



Os dois se acomodaram na poltrona que dava visão para a frente do veiculo. Anna estava um pouco nervosa: “O que ele vai fazer?” pensava. Paul não pensava, estava absorto.



A primeira carruagem já tinha saído, os alunos estava agora entrando na segunda antes mesmo da outra sair. Anna estava incomodada, nunca tinha violado as regras, nem ela nem Paul.



Agora a segunda também estava preenchida e começava a se movimentar, os alunos já começavam a se amontoar de frente para o estribo direito da carruagem de Paul.



Um aluno de segundo ano, animado com a sua primeira viagem no veiculo foi logo entrando nele. Paul olhou diretamente para o garoto e o puxou pela gola do uniforme.



- Você vai sair e dizer pra todo mundo que essa carruagem esta cheia entendeu? Se não fizer isso, eu te provo o porque de eu ser considerado um dos melhores alunos da minha turma.



- Si-si-sim senhor.





O pequeno, temendo pela sua integridade pulou fora da carruagem e começou a dizer:



- Desistam gente, essa já tá cheia...





O alvoroço foi geral, ninguém tinha visto entrar, então desconfiaram de algo errado. Mas o pequeno, com medo de ser repreendido depois, tratou de desconversar:



- Acalmem-se, eu os vi entrar e só fui confirmar. Anda gente, vamos pra outra.





Para total surpresa do menino que esperava ser linchado ou por Paul ou pela multidão, as pessoas se calaram e foram para a quarta carruagem.



E assim a carruagem partiu...





- Eu não sei se rio ou se choro! Hahahaha eu não acredito que você fez isso Paul? Eu não conhecia esse seu lado ameaçador.



- Ah, você sabe que eu não ia fazer nada hahaha.





Dos risos veio a seriedade, do sorriso a expressão de desejo. Os olhos se encontraram, o tempo parou para os dois. O mundo não existia, palavras não existiam. Um sentimento desses não pode ser descrito nem expressado. Com um abraço seguido de um longo beijo eles tentaram mostrar todo o amor que tinham um pelo outro, mas os dois sabiam que nunca iriam arranjar algum meio de se expressar o suficiente.





- Ah amor, vou sentir saudade dessas nossas férias, dos tempos que ficamos juntos. Dói em mim, você sabe.



- Linda, agente tem que agüentar. Quando os nossos anos de colégio acabarem, eu vou pedir você em casamento. E ai ninguém vai separar agente.



- Como eu quero que isso tudo acabe logo.





E abraçando Paul na altura do peito, Anna se acomodou. E eles foram assim até Hogwarts, sem pensar na dor, somente no amor que os unia.

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