Os Luduans



Antes de poder pensar em mais qualquer outra coisa, Alvo sentiu uma mão segurar em seu pulso com toda a força.


– Vem comigo – disse Tiago.


Desperto, correu sendo puxado pelo seu irmão mais velho. Todos atravessaram a porta do camarote. Harry tomava a frente, gritando:


– Fiquem juntos! FIQUEM TODOS JUNTOS!


Muitas pessoas passaram correndo, gritando, tropeçando uns nos outros... A fumaça já tomava conta do corredor do segundo andar. O local estava abafado, o calor fazia Alvo se sentir como se estivesse sendo assado como um frango no forno. Começava a se sentir tonto pela fumaça. Mas vira a tia Hermione – iluminada fracamente pelas luzes das chamas dançantes que escapavam das portas dos camarotes – apontar a varinha para cima:


– Nebula evanesco!


Toda a fumaça dispersou-se, com uma lufada de vento ascendente e poderosa. Os tios iam imitando a ação de Hermione no caminho, de modo que o garoto sentiu a respiração melhor quando encontrou a escada que dava para o primeiro andar. Olhou para trás e o que viu produziu uma nota de pânico emudecer-se ao engasgar em sua garganta.


O fogo já dançava no fundo do segundo andar. Mais do que isso: ele ia perfurando, como uma poderosa mão flamejante, camarote por camarote, destruindo todo o cômodo, seguindo para destruir o próximo e deixando para trás o rastro das chamas. As pessoas apertaram a corrida pela escada, se empurrando, sem ligar se poderiam – por acidente - pisotear um garotinho de onze anos de idade. Mas Alvo estava muito seguro. Tiago o segurava firmemente pelo ombro e não deixava o irmão cair.


Alvo acompanhou os familiares, descendo disparado as escadas marcadas com degraus de luzes verdes. Estavam novamente no corredor do breu que engolia luzes. Iam se esbarrando nas pessoas que corriam desesperadas em direção a saída. Enquanto seguiam o caminho às cegas, Lily chorava. Alvo ouviu o priminho Louis perguntar:


– Por que o circo está queimando, mamãe?


Fleur dizia apenas “Não sei, meu anjo, não sei”. Todos estavam concentrados em achar a saída da enorme tenda do circo. Alvo sabia que se houvesse fogo ali, não veriam, pois o escuro comeria a luz das chamas. Porém, já começava sentir um calor vindo para suas costas, o que indicava que o fogo não estava tão distante... Será que eles não poderiam sair dali naquele instante, já, agora? Não poderiam aparatar, achava que dessa vez valia a pena quebrar algumas regras. Cochichou isso para Rosa, mas a garota respondeu.


– Mamãe tentou, mas todo o campo do circo tá protegido contra teleporte. Por isso o pessoal estava desaparatando na caverna e não direto aqui...


Já estavam correndo por alguns minutos, quando ouviu-se um som seco de feitiço. Alguém foi jogado no ar e batera de encontro com a lona, num ruído seco terrível. As pessoas gritaram, apavoradas. O som vinha um pouco mais a frente deles, no corredor. Alvo deu de encontro com Rosa, pois todos tinham parado de andar, cegos e aterrorizados. Ouviu muitas pessoas tentando ascender luz nas varinhas (“Lumos! Lumos! LUMOS!”) mas sem sucesso. Harry disse:


– Tentem fazer silêncio e montarem guarda. Os Aurores já estão a caminho.


O pai de Alvo mal terminava de falar isso quando Rony ergueu um feitiço escudo “Protego!”.


Uma luz azulada e efêmera havia sido disparada do fundo do corredor. Ao que parecia, tio Rony havia defendido Harry de um feitiço hostil. As pessoas amontoadas no corredor recuaram, assustadíssimas. Uma mulher gritou “Socorro!”, um homem tentou cortar a parede da lona lateral (“Diffindo!”), mas não dera certo. A lona era realmente resistente. Tia Hermione gritou “Cuidado, não lancem feitiços às cegas, tem crianças aqui!”.


Alguém riu mais a frente, uma risada que parecia mais um grunhido. O desconhecido divertia-se com o desespero das pessoas. Alvo sentia-se apertado por um bruxo gordo que procurava se manter fora da linha do fogo escondendo o corpo o máximo que podia atrás dos outros. O garoto empurrava a bunda do homem para longe, pois já estava sufocando.


– Quem está aí? – perguntou Harry – RESPONDA! Ou então eu...


– O que você fará, Harry Potter? – uma voz sepulcral, muito grave, muito distorcida, ao ponto da monstruosidade disse. Ela riu-se novamente, debochado. Alvo apertou o braço do irmão. Sentiu medo.


Ao passo que o grupo de gente começou a cochichar “Harry Potter? Harry Potter está aqui? Faça alguma coisa! Harry Potter, nos salve”. Mas o que o pai do garoto poderia fazer? Estavam todos no escuro, ele podia lançar um feitiço e acabar acertando um inocente. Harry pôde apenas dizer “Tenham calma”. No entanto, a voz mais à frente gargalhou ainda mais alto quando uma mulher retrucou “Calma uma ova!”.


O local estava mais quente do que antes. Com toda a certeza o fogo estava mais próximo. As pessoas pareciam ter notado isso, porque entraram em pânico. Gritaram, pediram, exigiram que Harry tomasse alguma atitude. Então, como acontece nas horas de desespero, fizeram uma escolha ruim. Dispararam todos os tipos de feitiços que puderam em direção ao bruxo risonho no escuro. Isso foi realmente uma má ideia.


Os feitiços ricochetearam, atingindo indistintamente a torto e a direita. Algumas vítimas caíram no chão, estuporadas, outras, petrificadas. Mas todas sem exceção foram jogadas pela onda de choque de explosão, causada por uma inadvertida e poderosa maldição explosiva que uma mulher tinha lançado no desespero de sair dali.


Com a violência do feitiço, as pessoas que conseguiram se levantar correram para o buraco no flanco do tecido grosso, em direção ao lado de fora da tenda. Eles iam se acotovelando, empurrando, chutando os caídos e forçando, em um “cada um por si e deus por todos”. Alvo deixou de sentir a mão de Tiago em seu ombro, e viu-se totalmente à mercê da multidão. Andou fora da tenda junto ao aperto do grupo de desesperados, sendo jogado para fora muito mais longe do que imaginava, como uma tampa de champanhe.


Alvo estava caído no chão. Arrastou-se na sombra da tenda para sair da direção do tropel de pessoas, que disparavam para o mais longe possível do circo. O céu estava vermelho, a fumaça subia às alturas. E quando os olhos de Alvo localizaram o festival do circo... O garoto sentiu que o mundo estava acabando.


O fogo não tinha ficado apenas na tenda. As barracas já estavam negras, totalmente tomadas pelas chamas. Era um pandemônio. A única luz proveniente era a que as chamas criavam. Gente correndo para lá e para cá, gritos de desespero indistintos, pessoas chamando por parentes e amigos perdidos. Alvo levantou-se, gritando:


– TIAGO! PAI!


Mas era impossível. Ele estava perdido, tinha que admitir isso. Levantou-se, mas uivou com uma dor lancinante. Havia acabado de notar que torcera o tornozelo. E havia um fio de liquido quente escorrendo pela testa, molhando seu cabelo cuinha. Ele nem queria imaginar o que era isso... Desmaiar ali não era uma opção.


Foi mancando para longe da enorme tenda do circo, que brilhava em contraste laranja, com o fogo em seu interior. Foi em direção às pessoas. Seu pai estava lhe procurando.... Tinha que estar. Ele não podia ter ido embora sem ele. Mas tudo estava tão lotado e escuro, turvo... E as pessoas iam em tantas direções. Era difícil decidir-se para onde ir ou por onde começar a procurar. E o seu tornozelo doía muito.


De repente, todas as chamas apagaram. Fez-se o breu total. Somente a lua cortada pela fumaça era vista. Primeiramente as pessoas gritaram com mais vontade, depois ficaram em silêncio. Elas pararam para constatar o que havia acontecido. Foi outro erro.


Um símbolo vermelho brilhoso enorme surgiu no tecido da tenda. Eram triângulos, círculos, estrelas e letras estranhas, tudo delimitado por um círculo duplo e maior. Tomava quase toda a lateral da lona da tenda e brilhava muito, muito mesmo. Alvo observava apreensivo. Aquilo lhe causava uma sensação desagradável. A voz grave que ouvira no breu da tenda falava, quase cantando... A voz ecoava em alto e bom tom, pelo silêncio que se estendia, exceto pelo uivar do vento:


“Kra Golam Ha-Esh! Kra! Kra Golam Há-Esh! Kra!”


Quando a voz cessou, houve um tremor de terra impressionante, que fez Alvo cair. O tecido do círculo foi cortado, destruindo o símbolo. Uma mão realmente imensa perfurou a tenda. Ela era uma mão feita de fogo... Depois a outra mão perfurou a parte de trás. E toda a tenda explodiu.


O impacto da explosão foi inimaginável. Paus, pedras, tecido, cadeiras voaram indistintamente metros de altura. Alvo protegeu a cabeça. Uma cadeira em chamas passou zuindo pelo seu ouvido, acertando a barraca de fogos do Dr. Filinbusteiro, fazendo-a em pedaços. Os fogos foram acionados com a chama, disparando no céu luzes multicoloridas, que logo foram ofuscadas pela fumaça que saía dos restos da tenda.


A mão havia sumido em meio aos escombros. Mas algo brilhava dentro dos restos de tenda. Dessa vez ninguém ficou esperando, porque parecia muito óbvio que mais tragédia viria. Alvo levantou-se e mancou o mais rápido que pôde, olhando para trás para constatar do que fugia.


Aquilo foi se levantando lentamente, como que despertando de um sono longo. Deveria ter mais de vinte metros quando já totalmente ereto. Um monstro colossal, com uma silhueta humana, totalmente formado por fogo. Ele estava ali, parado. Alvo pôde ouvir das sombras o grito de desespero dado com toda vontade pelos bruxos e bruxas, com as faces de pânico iluminadas pelo colosso de fogo.


Aquilo era totalmente surreal. Alvo boquiabriu-se, sentindo a perna bambear para aquela enormidade. O monstro estava parado, observando. Ele respirava, causando uma pequena ventania. A cabeçorra virou-se para a direção que Alvo estava e o ser levantou a perna de fogo enorme e deu um passo que cobriu quatro metros de rastros de fogo e destruição. Alvo ficou parado. Não conseguia se mexer. O reflexo do monstro em seus olhos esbugalhados. Iria morrer ali, dois dias antes de ir para Hogwarts... Sem realizar nenhum de seus sonhos. Foi então que alguém lhe deu um tapa na cabeça.


– Acorda, moleque palerma! Se apoia no meu ombro. E vamo dar o fora daqui. RÁPIDO!


Era Isobel.


Os garotos procuraram se afastar o mais rápido possível do colosso de fogo. Ele pegava as barracas como se fossem brinquedinhos e atirava contra o chão, tentando acertar as pessoas. Alvo e Isobel esgueiravam-se pelas sombras para não serem vistos e se tornarem mais um alvo daquele ser. O garoto já retomara o controle de si mesmo. Isobel parecia muito irritada.


– Você é retardado, é? Estava esperando o aquilo lá te enxergar?


– Desculpe – foi o que fez sentido dizer – O que é aquilo?


Isobel riu-se, debochada.


– Você pergunta pra mim? Nem faz um mês que descobri que mágica existia... – Ela Você não sabe um jeito de sumir e reaparecer em outro canto? Vi a Integra fazer isso uma vez.


– Não sei desaparatar – explicou Alvo com a voz ainda trêmula – e nem que soubesse. Não dá pra usar aqui, só na floresta lá fora...


– Que maravilha – ironizou Isobel – não tem como sair voando daqui, ou algo do tipo? CUIDADO!


Uma estaca de madeira em chamas veio voando e perfurou o chão, por pouco não acertando os dois. Ouviu-se mais gritos.


– Não sei fazer, eu não sei como sair daqui mais rápido – disse Alvo, mancando apoiado na garota, para longe. O monstro começara a andar. Era lento, mas seus passos cobriam a distância rapidamente. E ele parecia estar seguindo o caminho que os garotos estavam fazendo.


– Realmente ótimo. Eu aqui no meio dessa palhaçada carregando um bruxo mais inútil que uma buzina de avião...


Alvo não estava em posição de refutar as ofensas de Isobel. A garota continuava carregando-o e se resolve-se abandoná-lo ali, com certeza o garoto ia se tornar pó mais rápido do que conseguiria dizer “Menina babaca”.


– Pra onde estamos indo? – quis saber Alvo. O local estava muito escuro (a não ser pelo clarão do monstro, que estava pouco a pouco mais perto, atirando bolas de fogo pelos ares, fazendo parecer uma chuva de meteoros).


– O que acha, gênio? Vamos sair do circo. Me perdi do senhor Derwent, mas eu sei que a saída daqui fica pro leste e eu conheço aquela constelação ali – apontou para algumas estrelas que eram vistas claramente distante da luz da lua, naquele breu total que se encontravam.


Alvo se perguntou se a garota tinha lido o livro Astronomicon. Ele tinha o considerado o mais inútil de todos, por isso nem tinha aberto. Fez uma nota mental de dar mais valor à astrologia se saísse dali vivo.


Os garotos seguiram para a direção que Isobel conhecia, desviando das eventuais saraivadas de fogo, protegendo-se duas vezes atrás de uma barraca quando uma em especial perigou-se em acertá-los em cheio. Avistaram a parte de trás do letreiro (SOREPUJ, ou JUPEROS ao contrário), que ainda brilhava com palavras multicoloridas. As luzes púrpuras brilhavam fracamente. Viram grupos de palhaços circenses atravessando a entrada, em direção a uma floresta ainda mais escura.


O Monstro de fogo já havia chegado perto dos balões gigantes de tigres (que pareciam gatinhos perto dele). Alvo e Isobel já haviam ganhado a floresta quando ouviram de longe um som de destruição, que deveria ter sido feito no momento em que o colosso chutou o muro do festival. Entre as copas das árvores, podiam ver um clarão indicando que ele já estava também entrando na mata.


Os garotos foram desviando de raízes, empurrando arbustos e desengrenhando ramas, seguindo sempre em frente. Estava tudo muito silencioso...


– Dessa vez eu não faço a mínima ideia pra onde a gente tá indo. Se souber como a gente chega naquela caverna, sou toda ouvidos.


Alvo negou. Ele não sabia nem onde estava. Era péssimo com direções.


– Mas é um saco de batatas mesmo... – murmurou Isobel.


– A gente pode esperar pelo meu pai. Ele deve estar me procurando... – arriscou o garoto.


– E esperar que aquele bicho alcance a gente? Não, obrigada. Vamos andar até achar a caverna, ou distante o bastante para ficarmos seguros.


Ele concordou com Isobel. No entanto, o tornozelo de Alvo doía MUITO. E ele podia sentir que a menina já estava cansada de carrega-lo, porém ela não deu nem um piu de reclamação. Talvez não quisesse parecer fraca. De fato Isobel era uma garota muito durona, diferente dele, um covarde irremediável. A única coisa que podia fazer era engolir o choro que ameaçava escapar de sua garganta. Ele queria encontrar com Tiago, com o pai... Aquilo tudo parecia um pesadelo.


Ele não imaginava como aquilo iria piorar em poucos segundos.


Primeiramente, um tronco flamejante atravessou a copa das árvores, por pouco não atingindo ambos. Alvo soltou um grito de susto. Pela clareira que o tronco tinha formado, viram a cabeça do monstro, com aqueles dois buracos em meio às chamas fixados neles. O colosso os fitava.


– Eu já tava desconfiando. Ele tava seguindo a gente. – disse Isobel, puxando Alvo para trás de um carvalho excepcionalmente grosso.


O monstro parou de se mover. Parece que estava esperando os garotos tentarem sair correndo de trás da árvore. Eles puderam ver que parte da floresta que eles tinham coberto em caminhada já estava em chamas. O bicho realmente tinha seguido eles.


De repente uma mão de fogo poderosa enfiou-se na clareira. Palpando, procurando os garotos. Alvo ia gritar, mas a menina cobriu-lhe a boca a tempo. O bicho recuou com a mão e continuou do alto a observar pelo buraco que tinha feito entre as árvores. Tinha deixado um rastro de chamas. O calor já sufocava os garotos. As chamas estavam invadindo a floresta. Mas se eles resolvessem sair correndo, iam ser visto, pode apostar que iam.


– Você... – Isobel murmurou - Você era o objetivo. Como eu sou burra. Isobel, a burra suicida...


– Se você quiser ir embora, PODE IR! – retrucou Alvo. O garoto estava tremendo de medo, ao mesmo tempo com raiva.


– Agora? O que é um pum pra quem está no sanitário? – disse Isobel, enfurecida.


As chamas já circundavam o carvalho que estavam escondidos. Se não fizessem alguma coisa, iam morrer ali mesmo.


– Faz o seguinte – começou a garota - Pega essa varinha e vê se, uma vez na vida, tenta servir para alguma coisa, seu moleque inútil e chorão!


Alvo, tomado pela ira e pelo desespero, apontou a varinha para as chamas que os cortejavam e exclamou.


– Ignis Exumai!


Todo o fogo dissipou-se de imediato.


– Aí!! – exclamou a menina, dando batidinhas no ombro de Alvo.


O garoto sorriu meio amarelado, ainda um tanto ofegante. Tinha conseguido usar um feitiço, pela primeira vez na vida sem nunca ter tido aulas. Tinha usado o feitiço que o seu pai Harry Potter usara para acabar com o incêndio da loja de varinhas... Sem nunca ter treinado!


– Parabéns, Alvo Potter – disse uma voz dentre as árvores. Ótimo feitiço pra uma criança da sua idade...


O coração de Alvo apertou. Saiu das sombras o dono daquela voz grave, distorcida e sepulcral. Coberto por um capuz branco e com uma máscara azul, com um nariz pontudo e enorme, como as antigas máscaras de xamãs.


– ... Mas será que consegue apagar esse fogo?


Sentiram um calor repentino. Então olharam para cima:


Pela clareira entre a copa das árvores, via-se a cabeça do colosso de fogo: ele estava muito próximo dos garotos. Observava com aqueles dois buracos entre as chamas, que eram os olhos, esperando as ordens do encapuzado... Esperando as ordens para mata-los.


As chamas do rosto do colosso dançavam intrépidas. Alvo notou o círculo na testa do ser, algo como uma tatuagem, lembrando uma serpente. De repente ele abriu no rosto uma fossa, ao que parecia ser uma boca e emitiu um grunhido monstruoso, que fez todo o ar vibrar e a copa das árvores se incendiarem com aquele som terrível.


Alvo estava novamente paralisado de pânico. Isobel apontava sua varinha para o monstro, como se querendo fazer alguma coisa. Mas a menina não sabia para o que recorrer, diante daquela situação calamitosa. O encapuzado de branco então revelou as mãos calçadas com luvas brancas grossas: sem varinha.


Levou as mãos para o alto e Alvo sentiu-se um prego sendo atraído por um grande imã. Perdeu o chão e foi sendo levado lentamente até uma distância de três metros no ar, focalizado na direção da mão espalmada do encapuzado. Ele apontou a outra mão para Isobel. A garota sentiu-se vibrar da cabeça aos pés, porém ele, não se sabe por que, cessou a influência imediatamente, baixando a mão como se tivesse tocado em algo quente.


Mas o garoto continuava a flutuar ao compasso da mão direita. O feiticeiro disse:


– Vamos fazer um pequeno passeio, Alvo Potter. Seu pai irá...


De repente um raio de luz vermelha voou pelo ar, em direção ao lado esquerdo do encapuzado. Porém, com um movimento rápido do braço livre, ele dissipou o feitiço. Mais dois raios vermelhos vieram do fundo escuro da floresta para flanquear ambos os lados do feiticeiro, que precisou mover ambos os braços para defender-se a tempo. E nesse milésimo de segundo mais um raio branco acertou, dessa vez Alvo. O Garoto caiu dos três metros de altura, mas...


– Aresto momentum! – uma voz conhecida ecoou da escuridão. Alvo parou segundos antes de espatifar-se no chão, deitando macio na terra. Um homem loiro tomou a frente de Alvo e Isobel, foi quando o colosso de fogo grunhiu ameaçadoramente e levou sua mãozorra em direção ao bruxo. Ele se protegeu do primeiro impacto com um escudo transparente enorme, porém o monstro era mais forte. Com um segundo golpe violento, empurrou com escudo e tudo, fazendo-os espalharem-se a metros adiante.


Uma luz vermelha saltou da varinha do homem de óculos redondo que apareceu do escuro, ladeado por um ruivo que também lançara um feitiço vermelho em uníssolo com o de Harry: direto para o encapuzado. Ele, no entanto, defendeu o feitiço com muita facilidade, rindo-se. Rony estava boquiaberto: “Que diabos, ele não está usando nem varinha”.


O colosso de fogo investiu mais uma vez contra o homem loiro. “Aqua eructo!” uma pequena barreira surgiu, porém ela não era suficientemente forte para impedir todo o fogo da enorme mão. O homem abraçou Alvo e Isobel. Nesse milésimo de segundo, os garotos sentiram uma leve puxada quando ele começou a falar “Harmonia Necterie...”, porém foi interrompido.


– Aequora Teggo!
Da ponta da varinha de Harry, uma lufada criou uma parede considerável de água. Aquela cachoeira particular se manteve erguida entre a mão de fogo e o homem loiro, que pegou as crianças e afastou-se dali até ficar lado a lado de Harry e Rony. A barreira caiu, formando uma grande poça que separava os combatentes.


Com a varinha apontada diretamente para o feiticeiro de branco, o pai de Alvo ele moveu-se como um lince, buscando uma posição estratégica.


– Pai! – Alvo conseguiu dizer. Se sentia um tanto aliviado, mas ainda tinha o coração a tamborilar loucamente e uma cara pálida de susto. Porém Harry respondeu com um novo feitiço na direção do encapuzado. Duas energias metálicas fugiram da varinha de Harry e cortaram o ar.


– Não conheço essa magia – disse o feiticeiro, quando defendeu o ataque com uma barreira branca repentina - mas creio que seja das artes das trevas... Potter, Potter – riu-se a voz sepulcral – quão baixo esse seu ódio o levará?


– Fique longe do meu filho – a voz de Harry estava embargada por uma ira fria.


– O que fará? Harry... Fique sabendo que não temo cicatrizes... Também prefiro não apelar para artes das trevas. Porém... Devo admitir que é um bom feitiço. Como se chama? Quebraria uma de minhas regras só para ver o efeito dele sobre seu filho Alvo...


– SECTUMSEMPRA! – e novamente o chiado metálico cortou o ar, porém, dividindo-se em duas lâminas incorpóreas. O encapuzado abriu os braços e defendeu-se com o escudo branco novamente pelos dois lados. Com essa brecha, Harry lançou um raio vermelho rápido, que fez um caminho nítido em direção ao peito do feiticeiro branco.


Mas a mão do colosso de fogo foi mais rápida. Com uma rajada de vento flamejante, a mão se interpôs entre o feitiço e o encapuzado. O monstro retirou a mão sob as ordens do feiticeiro e ficou de quatro logo atrás do dele, destruindo no mínimo dez metros quadrados de floresta. As chamas dele dançavam violentas sob a noite da floresta.


– Isto é um Heliopata – foi a primeira vez que o homem loiro e uniformizado falou. Era uma roupa negra com uma armadura de botões prateados e o brasão de duas varinhas cruzadas sob um escudo na ombreira esquerda. Na direita, cinco estrelas sob a letra “A”. Alvo reconheceu esse uniforme e também o homem. Era Joxer Paracampus, o Aurores sênior, braço direito de seu pai na Sede do Ministério Londrino.


– Espera, eu já ouvi falar nisso em algum lugar – disse Rony, apontando a varinha ainda para o feiticeiro, o qual era costeado por aquele guarda colossal de fogo – Luna, é, ela citou “Heliopaticas” uma vez. Mas eles não existem, quer dizer, é coisa da cabeça dela...


– Graças a deus! – exclamou um Joxer irônico – Me sinto aliviado. Acho que isso que eu estou vendo e que tentou me esmagar é só “coisa da minha cabeça”, Weasley!


– Deixa de ser babaca, pode ser só um Fogomaldito – respondeu Rony irritado.


– Ele está certo – começou a voz sepulcral – O rapaz loiro está certo. Este é o meu Heliopata. O ruivo descerebrado e inútil devia calar-se para assuntos militares e resguardar-se na franquia Weasley, onde o mundo é cor de rosa e os covardes tem espaço para desperdiçar tempo e magia em logros e brincadeiras idiotas...


– Ora seu...


– Você provocou o incêndio – começou Harry, calando Rony com um gesto de mão – e você roubou o ministério – não era uma pergunta.


O Encapuzado riu-se descontrolado.


– Não, Harry. Você roubou, não lembra? Eles acharam a sua marca no Laboratório de Mazociência Britânico. “O Eleito” não passa de um ladrãozinho... “A mão que captura” dos Aurores é a mesma “Mão que rouba”. Tsk, tsk, tsk, que feio Harry... Mas sempre há uma vaga em Azkaban. E eu posso lhe dizer, continua um lugar encantador.


– Você... – começou Rony – você não vai escapar.


– Por enquanto, só estive me defendendo. Mas se vocês quiserem brincar com fogo...


O monstro abriu a fossa que era sua boca e soltou o grunhido ensurdecedor, fazendo seu fogo se assanhar, violento e incontrolável. Ele pegou o vilão e o pôs em seu ombro (o encapuzado não sofreu nenhuma queimadura. O fogo simplesmente se afastava dele). O ser colossal fez-se de quadrupede, então ouviu-se a voz do feiticeiro branco do cangote do Heliopata: “ESH!”.


O monstro entendeu a ordem. Harry não sabia que língua o encapuzado estava falando, mas também entendeu claramente, pois gritou:


– BARREIRA DUPLA!


Harry, Rony e Joxer lançaram ao mesmo tempo “Aequora teggo! Salvia Hexia!”. Uma cúpula de água cobriu os três homens e os dois garotos, impedindo que eles fossem amassados pela mão de fogo. Alvo e Isobel apenas observavam, tão alheios e estupefatos com toda aquela magia, todo aquele perigo, tão vulneráveis, que mal podiam entender o que estavam fazendo ali.


O Heliopata desferia mãozadas na barreira. Eram ataques tão violentos que faziam o chão tremer.


– Chefe Potter, isso não vai aguentar por muito tempo! Devemos recuar, desaparatar e chamar reforços...


– Não! – gritou Harry – Yu Jun protegeu o terreno contra desaparatações! Só a caverna está disponível.


– Mas então o que faremos quando a barreira ceder? Talvez, eu posso usar o feitiço de passagem...


– Não, Joxer, é muito perigoso. Eu tenho um plano. Façam tudo o que eu mandar a partir de agora.


O feiticeiro branco levou as mãos para o céu, ficou uns segundos como que louvando às alturas, até que uma nuvem se tornou particularmente vermelha e dela uma descarga elétrica despencou com toda a violência na bolha, fazendo-a estourar com o alvejar do trovão. Harry absorveu o impacto do raio com uma barreira negra e segurou a água que voava em várias direções com um feitiço de levitação, depois começou a disparar bolhas de água em direção ao monstro, enquanto Joxer corria com Alvo e Isobel para deixá-los longe da batalha.


– Calma, Alvo, vai ficar tudo bem – dizia Joxer enquanto eles se afastavam.


– Alvo, seu pai vai se ferrar! – exclamou Isobel, apontando para uma árvore de fogo que tremia, ameaçando voar.


O garoto se desvencilhou do auror, correu de volta para o campo de batalha e gritou:


– PAI! ATRÁS DO SENHOR!


Enquanto Harry e Rony estouravam bombas de água no Heliopata (“Aqua Bombarda!”), o feiticeiro deslocava uma árvore em chamas, fora da visão deles, preparando para atingi-los de guarda baixa.


Harry olhou para trás, porém não fez o que Alvo imaginava. Ele gritou “SAIA DO CAMINHO!” e com um movimento da mão sem varinha, empurrou Alvo com telecinese, um segundo antes que o tronco de fogo esmagasse o filho.


Alvo caiu sentado, pálido de susto. Ficou parado sem conseguir se mexer, olhando com os olhos esbugalhados para o tronco de fogo, meio metro do lugar que estava. Ele estaria morto, se não fosse seu pai... Morto...


– JOXER, MANTENHA ALVO LONGE DAQUI. SERÁ QUE EU NÃO FUI CLARO?!


Joxer correu e puxou o menino pelo cangote. Ele ia se defendendo da bola de fogo que vinha como um meteoro acertar ele e o garoto enquanto eles batiam em retirada.


– Aqua eructo! Alvo, não faça isso, deixe seu pai cuidar das coisas.


O fogo tomava conta da floresta. Ele já circundava a clareira a qual o pai e o tio Rony batalhavam contra o monstro. “Isso tem que acabar” pensou Alvo. “O papai vai ganhar... Porfavor”...


A luta contra o monstro se desenvolvia violentamente. As bolas explosivas de água não estavam funcionando como Harry imaginava. Rony conseguiu desviar por um triz de uma árvore de fogo que o feiticeiro tinha lançado sobre ele, ao mesmo tempo que o Heliopata desferia uma saraivada de meteoros de fogo.


– Harry, a gente tem que pensar... Ignis exumai... Em como derrubar quem controla essa coisa... – disse Rony apagando uma árvore em chamas a sua direita.


– EU ESTOU PENSANDO, RON. Nós temos que capturar ele vivo, isso dificulta muito as coisas – exclamou o pai de Alvo, enquanto contra-atacava com um feitiço que fazia de sua varinha um chicote gigante. O encapuzado do alto da costa do Heliopata lançou uma luz roxa no chão, então as raízes das árvores desprenderam-se e começaram a tentar agarrar Rony e Harry.


– Reducto! Reducto! – ambos falavam, cortando as raízes. Nessa distração, o Heliopata tentou acertar uma mãozada em Harry. Ele usou um feitiço que o fez desviar da mão, pousando um pouco distante, para ouvir Rony dizer:


– ...Algum jeito de apagar o fogo...


Harry continuou a defender-se dos ataques, sem conseguir acertar um único golpe, até que...


– O que apaga o fogo? – Harry perguntou de repente.


– Água? Mas a gente já tentou...


Outro meteoro de fogo. Uma árvore recebeu-o e imediatamente brilhou em chamas. Mais árvores foram sendo incendiadas. Tinha muita fumaça e calor...


– Não, água não...Ron, vamos usar aquele feitiço.


– Aquele? – surpreendeu-se Rony, desviando de outra árvore. O fogo já cercava-os e os feitiços de extirpação de fogo já não eram suficiente. Rony de repente sorriu – É, pode dar certo.


Ambos ficaram um de costa para o outro, em meio ao círculo de fogo. As chamas estava se fechando ao redor deles. Iam ser assados como frangos em uma fogueira... Mas Harry foi quem falou primeiro:


– Abaffiato máxima!


Rony repetiu o feitiço, fazendo um movimento circular no ar com a varinha.


O efeito do feitiço não se notou no primeiro momento. Mas em seguida, as chamas ao redor foram enfraquecendo, até apagarem-se por completo. O monstro de fogo avançou o braço em direção a dupla, porém primeiramente a chama da mão do ser enfraqueceu-se até apagar. Ele perdera a mão.


O Heliopata gritou com aquela voz de vento cortante, como se sentisse dor.


Harry e Rony apontaram o feitiço de vácuo diretamente para o peito do monstro e um buraco escuro surgiu. O ser protestou, levantando-se, procurando se afastar. Mas foi Harry que deu a cartada final. Estendeu a área sem ar para a cabeça do ser e pouco a pouco as chamas foram bruxuleando e ela apagou-se. Em seguida, todo o corpo do monstro sumiu. O que aconteceu em seguida fez Rony exclamar:


– Isso não é possível... Ele ta... Harry, ele ta...


O feiticeiro de branco flutuava no céu escuro, a mais de vinte metros do chão, com a capa branco balançando à brisa noturna.


– Bruxos não voam – Rony estava abobalhado.


– Enquanto eu tiver comigo o que eu tenho... Eu posso tudo – a voz sepulcral ecoou do alto. De repente, o feiticeiro olhou para o lado e disse: - Mas preciso me retirar. Passar bem, Harry Potter...


O bruxo subiu mais e mais até desaparecer no horizonte escuro.


– Ele... Simplesmente voou – repetiu Rony.


Harry e Rony foram ao encontro de Joxer, Alvo e Isobel, porém, eles não estavam sós.


Ela veio com aquela conhecida roupa de funeral, toda negra, contrastando com pele pálida de cadáver. O Cabelo era longo, acastanhado, levemente ondulado e o batom roxo. Sem o chapéu, viu-se aqueles olhos cansados, cheios de olheira, mas muito marcantes.


Ao lado de Integra Waldorf, estava uma mulher com o cabelo ruivo-cereja em Chanel, os óculos pontudos e o queixo um tanto proeminente, vestida com um traje executivo. Ambas empunhando as varinhas acesas com aquela luz pálida invadindo a floresta densa. Atrás delas, meia dúzia de bruxos e bruxas, todos com um uniforme azul marinho. A Waldorf foi quem falou primeiro.


– Senhorita Geyer, por gentileza, traga Isobel para mim.


A bruxa de cabelo vermelho-cereja foi até próximo a Joxer apontando-lhe a varinha na fuça, pegou Isobel e trouxe-a para trás dos bruxos de azul, não antes do loiro dar-lhe uma encarada rígida. Pôs-se ao lado de Integra, que não parou de apontar a varinha para Harry nenhum segundo sequer.


– Eu diria que é um prazer lhe vê-lo, senhor Potter – começou Integra – mas, acima da classe, eu zelo pela verdade.


– Ninguém aqui lhe suporta, madame, faça o favor de engolir esse seu comentário e caso se engasgue, melhor ainda – disparou Joxer, trincando a mandíbula. Rony também avançou, mas Harry o parou.


– Baixe a varinha, Milhomina – Integra ordenou - os cães d’O Eleito chegaram. E eles não são bem treinados.


Um tropel de gente chegou na floresta. Todos tinham o mesmo uniforme negro e prata de guardião. Os aurores prostraram-se ao lado de Harry. Começaram a murmurar perguntas, porém Harry fez um gesto para silenciá-los.


– O que o Chefe dos aurores está fazendo no meio da floresta, se não no local da catástrofe, que mal lhe pergunte – Integra disse, com aquela voz gélida e contida. A expressão dela era dura e segura.


– O incêndio estava controlado e meu filho havia sumido – neste momento Alvo sentiu a mão forte de seu pai agarrar-lhe o ombro, como se tendo certeza se o menino ainda estava ali mesmo – E acabamos de enfrentar o causador dessa tragédia, um bruxo encapuzado e o monstro de fogo que ele dominava.


– Entendo. E onde estaria o criminoso?


Harry engoliu a seco. Olhou para o chão, depois, decidido, sustentou o olhar de Integra.


– Ele fugiu.


– Muito conveniente – ela disse.


Um auror moveu-se incomodo atrás de Harry. Outros murmuraram entre si, escandalizados. Um em especial disse “O que a madame insinua, por acaso...?”. A bruxa ruiva a qual chamavam de Senhorita Geyer, interrompeu-o.


– Nos diria como isso aconteceu? Pois sei que os aurores bloquearam a saída da caverna e nos encontramos em um campo selado para desaparatações. Como elefugiria?


– Voando – respondeu Joxer. Senhorita Geyer não segurou a risada de deboche.


– Vejo que “A mão que captura” anda furada ultimamente, não? – os funcionários de azul riram-se. Integra continuou dura, fitando Harry – Um suposto bruxo chega, incendeia um circo, faz tudo o que quer e Harry Potter o deixa escapar em uma vassoura?


– Ele saiu voando sem precisar de vassoura nem nada – cuspiu Rony – E era muito poderoso. Nos deu trabalho continuar vivos!


Foi um murmurar sem limites. A senhorita Geyer disse de canto “Que ultraje”.


– Um bruxo não voa sem um instrumento que o auxilia. É uma das leis naturais da magia, Potter, não nos tome como tolos, somos cientistas – disse Milhomina, com a voz de deboche. Alvo, que observava tudo atrás do senhor Joxer, começou a ficar irritado com o jeito que a mulher tratava seu pai. Entrou no meio dos adultos e disse:


– Foi o que aconteceu. Pergunte para a Isobel!


Todos voltaram-se à garotinha. Ela começava a falar nervosamente:


– E-eu...


– Silêncio – cortou Integra – lamento informar que seu filho de onze anos não é parâmetro de confiança. Os Luduans não devem tardar a chegar aqui. Estão fazendo a busca nas redondezas, seguindo o rastro do ladrão. Potter poderá nos levar no lugar onde ele diz que enfrentou o suposto criminoso.


– Ladrão? – quis saber Joxer.


– Dois animais mágicos raros que eram propriedade do circo do senhor Yu Jun desapareceram durante o incêndio e outro foi morto – explicou Milhomina Geyer – Quando os Luduans... Ah, chegaram.

Música Tema - O Luduan


Alvo estacou de medo. O bicho que veio saltando entre a mata era do tamanho de um cavalo, mas a forma do corpo lembrava mais um enorme tigre. O pelo era malhado de azul e dourado e a face, aquela face de feição medonha, amassada junto com o focinho apertado. Tinha uma expressão, resumidamente, enrugada e feroz. Os olhos eram amarelos vivíssimos, puxados e muito delineados num olhar triangular terrível de selvageria fria.


Tinha três Chifres de ouro, um no meio da testa enorme e dois atrás daquelas orelhas pontudas e pregadas à nuca, coberta por uma espécie de crina vermelha. Vermelho também eram os bigodes longuíssimos, que balançavam sob uma brisa mágica... Os três Luduans começaram a patear com aquelas patas de unhas enormes e letais, rangendo a fileira de dentes enormes e pontudos para o grupo de aurores, balançando as longas caudas douradas, com plumas vermelhas na ponta. Um deles deu três latidos poderosos de fazer o coração pular para fora da garganta.


– Intrigante – disse Integra, indo em direção aos três seres – o Luduan diz que o Ladrão está entre nós.


A afirmação de Integra foi um choque para todos que estavam ali. Olharam para os lados, como se procurando alguém a mais, querendo saber se não tinham prestado atenção na presença do ladrão. Apontavam as varinhas iluminada para as árvores e as trevas floresta adentro.


Os bichos rangiam os dentes para o grupo de aurores. Por reflexo, quase todos os oficiais empunharam as varinhas. Harry continuou impassível, segurando no ombro de Alvo. O menino estava apavorado com a presença daqueles seres. Perguntava-se quanto tempo se aguentaria antes de se aliviar ali mesmo, na frente de todo mundo. Só que, ao que parecia, não era apenas Alvo que estava incomodado com aqueles bichos.


– Madame Waldorf, tenha a bondade de pedir para eles tomarem a outra forma – disse Joxer, apontando a varinha para o Luduan que o encarava a poucos metros de distância.


Integra apenas olhou para um deles e o bicho concordou.


A transformação aconteceu num instante. Num momento eram aqueles bichos ferozes, no outro estavam totalmente diferentes.


Eram seres de pele azul, altos, devendo ter quase dois metros de altura. Eles vestiam uma bata transparente com detalhes dourados, porém através da roupa via-se apenas o outro lado. Era como se dentro do vestido, o corpo não existisse.


A face dos seres era estranhíssima. Eram carecas, e não tinham olhos, sobrancelhas ou narinas, apenas uma boca contraída e um par de orelhas enormes. As mãos escapando do vestido transparente tinham os dedos finos e longuíssimos, os pés descalços eram igualmente azuis e anormalmente longos.


Os Luduans abriram a boca e começaram a movê-la, porém o som profundo e ecoante vinha de dentro da cabeça, como um pensamento. Era de fato uma sensação muito esquisita.


“O ladrão até esse ponto veio, sentimos. E sua energia nesse momento aqui está”


O segundo Luduan continuou a fala do parceiro:


“Ele, em meio ao grupo de cavalheiros a nossa frente, está”.


Os aurores entenderam que o bicho estava se referindo a eles, reagindo com mais um burburinho inquieto. Olharam uns para os outros, nervosamente. A sensação de culpa que aqueles seres causavam era quase insuportável.


“A presença dele vamos farejar. Licença nos deem”.


Os seres estranhos espalmaram as mãos. E bem no meio das palmas haviam dois buracos, como se fosse as narinas que não tinham na cara. Começaram a caçar pelo ar com as mãos servindo de antena. Alguns tocaram no chão. Foram se aproximando cada vez mais do grupo de aurores... Estavam mais perto, mais perto.


“Ele”.


O longo dedo azul do Luduan apontava diretamente para a face de Alvo.


Todos soltaram exclamações abismadas. Até Integra parecia ter sido pega de surpresa. Alvo prendeu a respiração sob aquela acusação. Isso não podia estar acontecendo. Harry puxou o filho para trás de si e baixou o dedo do Luduan, que o encarou (pelo menos pareceu, pois não tinham olhos) do alto dos seus quase dois metros de altura.


– Isso já foi longe demais – foi o que o pai de Alvo disse.


“O mesmo ladrão, que um rastro, ao os animais do circo roubar, deixou... A presença impregnada nesta criança tem, afirmamos”.


Neste momento, mais cinco Luduans tigreformes surgiram saltando das trevas e prostraram-se ao lado dos outros três, tornando-se também na versão humanoide. O grupo de sete tinha a cabeça voltada na direção do garotinho de onze anos em meio aos adultos.


Rony exclamou:


– Isso é uma babaquice, o menino tem onze anos, mal segurar numa varinha sabe, imagina provocar um incêndio para roubar uns bichos de circo!


Alvo abria a boca, como que pretendendo falar algo, porém o som não saia. Seu coração tamborilava muito rápido. Ele sentia que ia desmaiar... Mas seu pai segurava seu ombro, o que o dava uma certa segurança.


– Madame Waldorf... – Harry começou. Integra o interrompeu.


– Os Luduans nunca falham. Não discutiremos isso novamente, Potter, discutiremos?


– Deixe meu filho longe disso. O seu problema é comigo.


Integra Waldorf calou-se, respirou fundo...


– O meu problema é com o ladrão. Esse garoto é mais uma prova para o que venho dizendo à todo o Ministério... Ele será levado ao interrogatório.


– Só por cima do meu cadáver – Harry tinha a varinha guardada num coldre anexo ao cinto, porém notou-se que ele a apertava a base com toda a força.


– Deixe a criança em paz! Harry vai colaborar com a investigação, ele nunca se negou! – disse um auror jovem, de barba e cabelo longo do grupo de trás.


– Waldorf, você é só uma mulher amarga e mal-amada que vive querendo espalhar a tragédia que sua vida é por tudo quanto é canto... – um outro auror de cabelos encaracolados cuspiu.


– Meça a língua para falar da Senhorita Waldorf, Osgood – disparou Milhomina Geyer, apontando a varinha para o homem. As nove varinhas dos aurores foram em direção a mulher e as seis varinhas dos bruxos de azul também subiram para apontar na face dos aurores. Harry e Integra não mexeram nas varinhas, porém encaravam-se sem cessar. Foi um momento muitíssimo tenso.


– Minha nossa, que cena, que situação, que drama, que coisa maravilhosa! FOTOS,ROYSTON, AGORA!


Flashs descontrolados invadiram o ambiente. Alvo sentiu a pupila arder à claridade escandalosa e repentina. O cheiro da fumaça do magnésio queimado era insuportável, porém, não mais que a voz da mulher.


– Olha esse grupinho animado! Harry e Integra, os cabeções do Ministério numa baixaria clássica! Ai que coisa deslumbrante, estética, dramática...


Ela usava um vestido tremembeque longo todo estampado de flores amarelas, que contrastavam erroneamente com sua pele morena. A mulher arriscava alcançar a altura dos Luduans, usando aqueles tamancos plataforma. Ela coçou cabelo laranja no estilo “soul-power” e veio gingando com uma expressão de êxtase estampada na cara maquiada. Apoiou-se nos ombros do fotografo e disse:


– Isso foi divino, TDB: Tudo De Bom! Primeira capa, com toda a certeza. Acho que até vou ganhar aquele aumento da Senhora Skeeter! E até você, Royston, quem sabe, se tiver capturado as varinhas se apontando nesse gesto claro e óbvio de enfrentamento, ódio e ressentimento. Já consigo ver até a chamada – a mulher abriu os braços, balançando a dezena de braceletes dourados (os anéis, alternados a cada dedo, cintilando sob as luzes das varinhas), ia abrindo um jornal imaginário no ar - “Os Aurores e os Inomináveis se enfrentam na tragédia do Juperos. Reportagem exclusiva de Rita Skeeter, com a colaboração de Adelaide Junarwink”.


– Madame, queira DAR O FORA, por gentileza? – disse Joxer, acompanhando a mulher pelo ombro para a direção oposta da que ela tinha vindo.


– Hmmm, o auror bonitão... – disse ela, passando a mão no cabelo loiro do homem – não quer dar uma entrevista particular para mim? Aí você me conta tu-di-nho. E mais tarde, quem sabe até um jantar e sabe-lá-deus mais o que? Hm? Topa?


– Madame, não me obrigue usar a varinha... – ameaçou Joxer.


– Hmmmmm, olha que eu obrigo, seu danadinho...


– FORA! - gritou o auror, empurrando a mulher para longe e fechando a lente da câmera do fotografo com a mão, enquanto ele tentava tirar mais fotos do grupo de trás.


– Ai, ai, calma! Mas é dos grossos que eu gosto... Bate uma foto dele Royston, espera, bate três, ou melhor, trinta – o fotografo deu mais uma rajada de Flashes na cara do Auror irritado – eu quero essa cara de gatinho selvagem na minha parede – e riu-se descontroladamente, acrescentando “Já vou, já vou” quando Joxer retirou a varinha do cinto e os sete Luduans rosnaram furiosos. Ouviu-se ela ainda perguntando ao fotografo de longe “Está com aquele filme de tudo pegando fogo e indo pro brejo, Royston? O povo gosta disso, é desastre que o povo quer!... Sim, sim, excelente...”.


– Eu preferia dez encapuzados daquele a ver essa manchete de amanhã... Se ela tiver ouvido a acusação sobre seu filho...Vai ser um mesmo um desastre – disse um Rony excepcionalmente preditivo.

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