O raio, a Planta e o Sino



Ela esfrega uma mão na cabeça enquanto alcança o globo que contém os nomes dos garotos e agarra a primeira tira que encontra. Ela move-se rápido de volta ao pódio, e eu tenho milésimos de segundos para desejar a segurança de Ron quando ela está lendo o nome.



-Harry Potter!



Harry Potter!


Não! Minha mente gritou. Se eu não soubesse que era proibido, acreditaria que alguém do distrito me lançou uma maldição. Eu conheço esse nome, porém, nunca falei diretamente com seu dono. Harry Potter!


Meus olhos fixaram-se nele e acompanhei a sua subida ao palco. Altura média, aspecto magro, cabelo negros e desalinhados e os olhos mais verdes que eu já vi. Em sua testa, desenha-se uma cicatriz em forma de raio.  Aparentemente, e provavelmente para os telespectadores que estão nos assistindo em toda Hogwarts, ele está controlado suas emoções, eu, porém, que consigo olhar diretamente para seus olhos, posso ver a aflição que ele sente. Entretanto, ele sobe firmemente no pódio e toma seu lugar. 


Dolores Umbridge pergunta por voluntario, mas ninguém se manifesta. Os pais dele, eu sei, foram mortos, por comensais, quando ele era apenas um bebe. Desde então, ele fora criado por seus tios, junto com um primo seu. Porém, obviamente, seu primo jamais se se voluntariaria no lugar dele.


O prefeito Malfoy começa a ler o longo e estúpido Tratado de Traição como ele faz todo ano nesse ponto, Dolores Umbridge se posta em posição solene para ouvir, mas eu não estou escutando uma palavra.


Por que ele? Eu penso. Novamente as emoções ameaçam transparecer em minhas feições, mas eu resisto. Então tento me convencer de que isso não importa. Harry Potter e eu não somos amigos. Nem mesmo vizinhos. Nós não nos falamos. Nossa única real interação aconteceu anos atrás. Ele provavelmente esqueceu. Mas eu não e sei que nunca vou...


Foi durante o pior tempo. Meu pai tinha sido assassinado pelos comensais três meses antes, no janeiro mais amargo que qualquer um podia lembrar. A paralisia da perda dele tinha passado, e a dor me atingiria do nada, dobrando-me mais, quebrando meu corpo em soluços. Onde você está? Eu gritava na minha mente. Onde você foi? Claro, nunca havia alguma resposta além do silêncio que me machucava ainda mais.


O distrito nos deu uma pequena quantia em dinheiro para compensar a sua morte, o bastante para cobrir um mês de luto que era o tempo que minha mãe esperaria para conseguir um trabalho. Só que ela não conseguiu. Ela não fez nada além de sentar em uma cadeira ou, mais frequentemente, ficar aconchegada sob os cobertores na sua cama, olhos fixos em algum ponto distante. De vez em quando, ela se agitaria, levantava como se movida por um propósito urgente, só para então cair dentro da paralisia. Nenhuma quantidade de pedidos de Jane pareceu afetá-la.


Eu estava aterrorizada. Suponho, agora, que minha mãe estava trancada em algum escuro mundo de tristeza, mas naquela hora, tudo o que eu sabia era que eu tinha perdido meu pai e junto com ele minha mãe também. Aos onze anos de idade, Jane com apenas sete, eu assumi a liderança da família. Não havia escolha. Eu ainda era uma criança e me via na necessidade de se tornar adulta.


Trouxe nossa comida do mercado e cozinhei o melhor que pude e tentei manter Jane e eu parecendo apresentável. Porque ficou claro que minha mãe não podia se importar mais conosco, e o distrito teria nos levado dela e nos colocado numa casa comunitária.


Cresci vendo essas crianças na escola. A tristeza, as marcas de mãos raivosas em seus rostos, a desesperança que curvava seus ombros. Eu nunca poderia deixar isso acontecer a Jane. A doce, pequena e terna Jane que chorou quando eu chorei antes mesmo de saber a razão, que escovou e trançou o cabelo da minha mãe antes de irmos para a escola. Que ainda polia o espelho de barbear do pai cada noite porque ele odiava a camada de pó de carvão que se instalava em toda a Periferia. A casa comunitária iria exterminá-la como um besouro. Então mantive nossa situação difícil em segredo.


Mas o dinheiro se foi e nós ficamos lentamente morrendo de fome. Não há outra forma de dizer isso. Eu continuei dizendo a mim mesma que se pudesse segurar até maio, só 19 de Setembro, eu completaria doze anos e seria capaz de me registrar pelas tésseras e conseguir os preciosos grãos e óleo para nos alimentar. Só faltavam algumas semanas. Nós poderíamos estar bem mortas até lá.


Morrer de fome não é um destino incomum no Distrito 7. Quem não tinha visto as vítimas? Pessoas velhas não podiam trabalhar. Crianças de uma família com muitos para alimentar. Aqueles machucados nas minas. Estendendo-se pelas ruas. E um dia, você os vê sentados imóveis contra a parede, escuta o lamento de uma casa, e os Pacifistas são chamados para retomar o corpo.


Morrer de fome nunca é a oficial causa da morte. É sempre gripe, exposição ou pneumonia. Mas isso não engana ninguém.


Na tarde do meu encontro com Harry Potter, a chuva estava caindo em implacáveis folhas de gelo, como se o tempo estivesse refletindo meu interior frio e nebuloso. Eu tinha estado na cidade, tentando negociar algumas roupas de bebê velhas e gastas de Jane no mercado público, mas não havia compradores. Embora eu tenha estado na Travessa do Tranco em algumas ocasiões com meu pai, estava muito assustada para me aventurar dentro daquele lugar bruto sozinha. Eu ainda era uma indefesa criança.


A chuva tinha molhado toda a jaqueta de caça do meu pai, deixando-me resfriada até os ossos. Por três dias, nós não tínhamos nada além de água fervida com algumas folhas de hortelã velhas que eu tinha achado nos fundos do armário. Até o momento que o mercado fechou, eu estava tremendo tão forte que deixei minha trouxa de roupas de bebê em uma poça de lama. Não a peguei de volta por medo de me ajoelhar e não conseguir levantar novamente.


Eu não podia ir para casa. Porque em casa estava minha mãe com seus olhos mortos e minha irmãzinha, com suas bochechas encovadas e lábios rachados. Não podia andar dentro daquele quarto com o fogo fumacento dos galhos úmidos que eu limpei no limite da floresta depois que o carvão tinha acabado. Minhas mãos vazias de qualquer esperança.


Eu me encontrei tropeçando ao longo de uma pista enlameada atrás das lojas que servem as pessoas mais ricas da cidade. Os comerciantes vivem acima de seus negócios, assim eu estava essencialmente em seus quintais. Lembro que os contornos do jardim não estavam plantados para primavera ainda, uma cabra ou duas no cercado, um cão encharcado amarrado em um poste, curvado derrotado na lama.


Todas as formas de roubar eram proibidas no Distrito 7. Punição por morte. Mas atravessou minha mente que deveria ter algo nas lixeiras, e essas eram caças justas. Talvez um osso de açougueiro ou legumes podres da mercearia, algo que ninguém além da minha família estava desesperada o bastante para comer. Infelizmente, como era de se prever, poucos no distrito não estavam desesperados por qualquer comida, e por isso as lixeiras estavam vazias.


Quando passei pelo padeiro, o cheiro de pão fresco era tão esmagador que fiquei tonta. O forno era nos fundos, e fulgor dourado derramou-se de porta aberta da cozinha. Eu fiquei hipnotizada pelo calor e o cheiro agradável até a chuva interferir, correndo como dedos gelados nas minhas costas, forçando-me a voltar à vida. Eu levantei a tampa da lixeira do padeiro e a achei impecável e cruelmente vazia.


De repente uma voz estava gritando para mim e eu olhei para cima para ver a mulher do padeiro, magrela e de pescoço enorme, dizendo para eu ir embora e se eu queria que ela ligasse para os Pacifistas e o quão doente ela estava por ter esses pirralhos da Periferia tocando o lixo dela. As palavras eram feias e não tive nenhuma defesa.


Enquanto cuidadosamente recoloquei a tampa e me voltei para ir embora, eu o notei, um garoto com cabelos negros espiando atrás de sua tia. Eu o tinha visto na escola. Ele era do meu ano, mas eu não sabia o seu nome. Ele fica com as crianças da cidade, então como eu saberia? Sua tia voltou para a padaria, resmungando, mas ele deve ter ficando me olhando enquanto eu fazia meu caminho atrás da cerca que segurava o porco deles e me inclinei no lado mais distante de uma macieira.


O entendimento de que eu não teria nada para levar para casa tinha finalmente afundado. Meus joelhos entortaram e eu deslizei para as raízes da árvore. Era demais. Eu estava doente, fraca e cansada, oh, tão cansada. Deixe-os chamar os Pacificadores e nos tomar para a casa comunitária, eu pensei. Ou melhor ainda, deixe-me morrer aqui mesmo na chuva. Podia ouvir a doce voz de Jane gritando desesperada ao me ver morta, mas eu não podia mais fazer nada. Não tinha mais forças.


Houve um barulho na padaria e escutei uma mulher gritando de novo e o som de uma bofetada, e eu vagamente perguntei-me o que estava acontecendo. Pés surgiram na minha direção e eu pensei, É ela. Ela está vindo me mandar embora com uma vara.


Mas não era ela. Era o garoto. Nos seus braços, ele carregava dois largos pedaços de pão que devem ter caído no fogo por causa das crostas que estavam queimadas. Meus olhos, irresistivelmente, fixaram-se em sua cicatriz.


Sua Tia estava gritando:


— Alimente o porco, sua criatura estúpida! Por que não? Ninguém decente compraria pão queimado!


Ele começou a arrancar os pedados das peças queimadas e atirá-las no canal, e o sino da frente da padaria tocou e a tia desapareceu para ajudar o cliente.


O garoto nunca lançou um olhar para o meu lado, mas eu estava assistindo-o. Por causa do pão, por causa do machucado vermelho que estava na sua bochecha. Com o que ela tinha batido nele?


Meus pais nunca nos bateram. Eu não podia nem imaginar. O garoto olhou para trás, para a padaria, como se checasse se o campo estava limpo, então, sua atenção voltou-se para o porco, ele atirou um pedaço de pão na minha direção. O segundo rapidamente se seguiu, e ele voltou para a padaria, fechando a porta da cozinha firmemente.


Eu olhei para os pedaços descrente. Eles estavam ótimos, realmente perfeitos, exceto pelas partes queimadas. Ele quis dizer que eu podia tê-los? Ele devia. Porque eles estavam aos meus pés. Antes que alguém pudesse testemunhar o que tivesse acontecido, eu puxei os pedaços de pão para debaixo da minha camisa, agasalhei a jaqueta de caça firmemente ao meu redor, e andei rapidamente. O calor do pão queimava a minha pele, mas eu apertei com força, apegando à vida.


Na hora que cheguei em casa, os pedaços tinham esfriado de alguma forma, mas dentro ainda estava quente. Quando eu os coloquei na mesa, as mãos de Jane levantaram para pegar um pedaço, mas eu a forcei a sentar, forcei minha mãe a se juntar a mesa e distribuí chá quente. Raspei a parte preta e fatiei o pão. Nós comemos um pedaço todo, fatia por fatia. Era um bom pão puro, cheio com passas e nozes.


Coloquei minhas roupas para secar no fogo, arrastei-me para dentro da cama, e caí num sono sem sonhos. Não me ocorreu até a manhã seguinte que o garoto devia ter queimado o pão de propósito. Devia ter deixado cair os pedaços nas chamas, sabendo que seria punido e então os entregou a mim. Mas eu descartei isso. Deve ter sido um acidente. Por que ele teria feito isso? Ele nem mesmo me conhecia. Ainda, apenas me atirar o pão era uma enorme gentileza que teria resultado em surra se descoberta. Eu não podia explicar suas ações.


Nós comemos as fatias de pão no café da manhã e seguimos para a escola. Era como se a primavera tivesse vindo durante a noite. Ar doce e quente. Nuvens macias. Na escola, eu passei pelo garoto no corredor, sua bochecha tinha inchado e seu olho estava escurecido. Ele estava com seus amigos e não me reconheceu de forma nenhuma. Todavia, quando eu peguei Jane e comecei a ir para casa naquela tarde, eu o encontrei olhando para mim através do campo da escola. Nossos olhos se encontraram apenas por um segundo, e eu foquei novamente em sua cicatriz, então ele virou a sua cara para longe.


Eu baixei meu olhar, embaraçada, e foi quando vi. A primeira planta do ano. Um sino tocou na minha cabeça. Eu pensei nas horas passadas na floresta com meu pai e eu sabia como nós iríamos sobreviver. O raio, a planta e o sino e em um átimo de segundo a esperança voltara a latejar em meu corpo.


Por esse dia, nunca posso abalar a ligação com esse garoto, Harry Potter, e o pão que me deu esperança e a planta que me lembrou que eu não era condenada. Ele me deu a vida. E mais de uma vez, eu estava no corredor da escola e peguei seus olhos me seguindo, só para rapidamente se moverem para longe. Sinto como se devesse algo a ele, e odeio dever às pessoas. Talvez se eu o tivesse agradecido em algum momento, eu estaria me sentindo menos cheia de conflito agora.


Pensei sobre diversas vezes, mas a oportunidade nunca pareceu tangível. E agora nunca vai parecer. Porque nós vamos ser atirados em uma arena para brigar até a morte. Exatamente como eu deveria trabalhar em um agradecimento lá? De qualquer forma, não pareceria sincero se eu tentasse cortar sua garganta. 


O prefeito Malfoy terminou o sombrio Tratado de Traição e gesticulou para Harry Potter e eu apertar as mãos. A mão dele era tão sólida e quente quando aqueles pedaços de pão. Potter olha para mim direto no olho e dá na minha mão o que eu penso que significa ser um aperto tranquilizador. Talvez fosse apenas um espasmo nervoso. E a realidade me afronta outra vez, terei que matar aquele a quem devo a minha vida. Sinto um nó apertar em minha garganta.


Torço para que alguém consiga o matar antes que eu tenha que fazer isso. Para isso precisarei contar com a sorte, mas, as circunstâncias atuais me atestam que a sorte definitivamente não está a meu favor.

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Yara Juvenal: He! Pode esperar que muita coisa boa vai acontecer na historia. Os bruxos logo, logo terão mais importância. Bjs!

Bethany Jane Potter: Fico mito contente em saber que você não irá abandonar a historia. Não deixe de comentar, ein? Bjs!

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Comentários (1)

  • Bethany Jane Potter

    Otima!!!Fiquei tão feliz quando vi que atualizou as duas fic!!!Pulei de alegria.Espero ansiosa pelos proximos capitulos...agora vai pegar fogo!! 

    2015-04-29
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