Felicidade



Ás vezes, eu lembro de algumas coisinhas que eu esqueci ao longo do tempo...


Como eu andava muito; como eu comia pouco; como eu achava que meu peso – abaixo do indicado – era muito; como um dia ela me disse “Da próxima vez, faça direito” quando viu os machucados no meu pulso;  como eu não falava nada durante as refeições, afinal, atrapalhari a aconversa dos adultos se eu compartilhasse alguma coisa do meu dia; como eu era fazia faxina pesada toda semana; como eu passava todas as blusas sociais que meu usava para trabalhar; como eu desejava me enfiar em um buraco e virar um tatu desde quando li, lá pros dez anos, uma história onde o carinha fazia isso. Ele virava um tatu. Quão maravilhosa seria a vida de um tatu?


Se estou com vontade de Nescau ball, eu compro Nescau ball. Se acho que farei mais exercícios se eu comprar uma bicicleta, eu compro uma bicicleta. Se quero tomar shake para emagrecer, eu compro shakes para emagrecer. Ah, tecnicamente falando, não tenho dinheiro. Nenhum. Vivo por conta do meu noivo, ele me sustenta. Então podemos dizer que ele compra. A decisão continua sendo minha.


Existe uma cena em Tropa de  Elite 2 que me fez chorar várias vezes. Quando o Beto diz ao filho que a menina deveria ser muito gostosa pra ele assumir aquele tanto de maconha na frente dele. O menino responde que não tem medo dele. Beto diz “Não quero que você tenha medo de mim.” Durante muito tempo, eu senti medo. Do meu pai, da mulher dele, do mundo todo.


No primeiro ano, um professor me humilhou no meio da aula, disse algo como “A sua cara é feia, a sua antipatia atrapalha a minha aula”. A única vez que meu pai ouviu sobre isso foi durante uma briga, quatro anos depois, quando eu contei para ele porque estava com muita raiva. E olha que eu passei dois anos sendo chamada de “cara feia” e mais outras mil coisas. A mulher dele, nunca deve nem sonhado que isso aconteceu.


Por que eu diria? Eles diria que a culpa era minha, que eu não deveria ter atrapalhado a aula, e com certeza me colocariam de castigo.


Quando meu medo da mulher do meu pai acabou, sobrou só raiva. Bati nela, apanhei dela, foi uma briga horrível. Quando meu medo do meu pai acabou, sobrou somente a pena e a raiva. A raiva foi passando com o tempo, mas a pena continua lá.


Talvez seja ingenuidade dizer que não tenho mais medo dele. Morro de medo dele me ligar, morro de medo de ligar para ele, mas não acho que isso seja medo dele em si. Acredito que seja falta de vontade de perder a cabeça, de me irritar, de ter que brigar com ele.


Ainda estou esperando que ele pague os mil reais que deve para a o peradora no meu nome. Acredito que vou esperar por muito tempo ainda. Ele não responde minhas mensagens e eu me recuso a ligar para ele. Por que eu ligaria para alguém com quem não quero falar?


Eu li hoje em algum lugar, uma pessoa perguntando qual desejo faríamos se pudéssemos escolher apenas uma coisa. Não pensei na hora, nem li direito, para ser sincera, só lembrei disso agora. Mas eu sei o que eu pediria. Não seria dinheiro (embora ganhar na mega da virada fosse ser muito bom), não pediria para emagrecer os mil quilos que quero, não pediria para mudar nenhuma das coisas ruins que aconteceram na minha vida. Eu pediria para poder dizer à euzinha adolescente que tudo vai melhorar.


Quando era mais nova, eu ficava feliz. Hoje eu sou feliz. Claro, existem momentos em que fico mais feliz do que em outros. Existem momentos que eu tenho meus surtos de desespero, de tédio, de loucura. Mas eu posso dizer, com toda a honestidade do mundo: eu realmente sou feliz.


 

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