Um



As vezes eu paro e penso no quanto minha vida mudou. Na confusão absurda que tudo era.


Minha mãe tinha desseis anos quando engravidou. Meu pai, dezenove. A mulher que chamei de mãe durante anos - enquanto negava a existência da minha mãe - quatorze. Dizem que comecei a chamar ela de mãe quando tinha seis. Dizem que, na primeira vez, eu disse ao meu pai que queria morar com a minha mãe. Mas não era minha mãe biológica, eu queria morar com a minha mãe Priscila. Me pergunto se isso é verdade. Me pergunto se eu entendia a diferença entre chamá-la de Tia e de Mãe. De qualquer forma, ele não deveria ter deixado. Não deveria ter deixado eu chamar ela de mãe, não deveria ter me deixado ir morar com ela.


Meus pais se separaram pouco depois do meu primeiro aniversário. Não tenho nenhuma lembrança deles juntos, obviamente. Meu pai começou a namorar essa mulher quando eu tinha 3 anos.  Era uma amor de pessoa. Eu a adorava. Meu pai via nela – imagino eu – a salvação para sua vida miserável. Não escutou quando a família toda disse que ela não prestava. Eu não escutei quando fiquei mais velha. Falava que a família do meu pai estava errada. Eu falava, ele falava, ela falava. Eles estavam só preocupados, é o que dizíamos. Ou era ciúmes. Tanbém servia. Hoje, a palavra é outra. Certos. Eles estavam certos.


Uma vez, Ela e a minha mãe tiveram uma briga física, e eu disse “Pega ela, mãe”. Mas não estava falando com a minha mãe, falava com Ela.


Eu a amei. Muito. Descontroladamente. A odiei por muito tempo. Hoje, sou indiferente. Na maioria das vezes, na verdade.


Minha mãe foi morar em outro país pouco tempo depois que fiz sete anos. Eu fiquei com meu pai – afinal, minha guarda sempre foi dele. Eu chorei quando ela se foi. Mas dizia ao meu pai e à minha Mãe que estava feliz. Não sei em qual momento da minha vida eu aprendi que era mais fácil mentir. Também não sei quando fiquei tão boa nisso. A verdade é que parece que eu sempre soube. Eu reclamava para meus pais quando tinha que passar o dia com a minha mãe, mas a verdade é que eu sempre amei ficar com ela e com meus avós. Eu disse, por muitos anos, que a minha mãe era a pessoa que eu mais odiava no mundo. Mas eu não tenho nem ao menos uma lembrança ruim com ela. Minha Mãe a chamava de puta, dizia que ela vivia indo para as baladas de noite e me deixava em casa só com meus avós. E acordava tarde no dia seguinte, quase na hora de me devolver para meu pai. Não sei se é verdade, mas sei que não importaria se fosse. Eu tinha uma Mãe e tinha meu pai. Não precisava da minha mãe. Ao menos, era o que eu dizia.


Tem uma lembrança que eu não esqueço. Eu tinha uns desseseis anos. Tinha acabado de começar a me interessar em esmaltes e fazia unha toda semana, mas eu não era exatamente normal, então, fazia coisas bem diferentes. Nesse dia, passei um esmalte verde e um cheio de bolinhas brancas holográficas por cima. Brega, hoje eu acho, mas não naquela época. Não esqueço que fui toda alegrinha mostrar a unha para minha Mãe e ela disse que estava parecendo um palhaço. Não disse absolutamente mais nada. Só isso. Parece um palhaço.


Eu tinha muitos problemas nessa época. Ficava horas sem comer, vomitava tudo quando comia, ficava com qualquer garoto que quissesse ficar comigo, sonhava com o dia em que fosse atropelada e morria, na verdade, nem precisava morrer, só me deixar bem arrebentada. Me perguntei uma vez por que nunca me joguei na frente de um carro. E percebi que eu sabia que não faria a menor diferença. Eu teria que lidar com tudo que eu tinha que lidar da mesma forma, só que estaria machucada.


Você pode se perguntar com o que exatamente eu teria que lidar. É uma pergutna válida. Mas a resposta depende da época. Por exemplo, no meu primeiro ano, eu trabalhava duas vezes por semana em uma escolinha de bairro. No segundo, não trabalhava. No que seria meu terceiro ano (porque eu nem ao menos fiz o terceiro ano),  eu trabalhava todos os dias. Além disso, cuidava dos meus irmãos por parte de pai. Durante o primeiro e o segundo ano, só na parte da noite, já que de tarde eles estavam na escola. No terceiro, eu tinha que acordar eles, dar café da manhã, fazer para casa, dar banho, fazer eles almoçarem, escovar os dentes, colocar uniforme, arrumar o lanche. Ia de carro até a escola onde trabalhava eu e a Mãe e onde a mais nova estudava, levava a pé o mais velho na escola dele, voltava para trabalhar, saía no horário de buscar o mais velho, voltava para a escola e ia embora de carro. Dava Toddy para eles quando chegava, trocava a roupa deles, lavava todos os uniformes na mão (incluindo o da Mãe) e estendia. Fazia lanche para eles na parte da noite, vigiava eles o resto da noite, dava Toddy para dormir e fazia eles dormirem. Você pode se perguntar onde estava os pais deles nesses momentos. Meu pai trabalhava na parte da manhã e da tarde. A Mãe trabalhava só durante a tarde e fazia o almoço. Acordava mais tarde do que os filhos, ficava no computador durante horas “trabalhando” e fazia almoço. Durante muito tempo, o almoço significava arroz com nuggets, macarrão com nuggets, ou qualquer coisa do tipo. A parte mais interessante é: não era por dinheiro, era por preguiça. Engraçado, não?


Eu odiei minha vida durante muito tempo, mas não percebia o que estava errado. Até que conheci meu noivo. Ele nunca me disse o que havia de errado. Mas ele me fez ver o que era. Foi quando tudo começou a mudar. Eu já não achava certo ter que cuidar dos meus irmãos enquanto a Mãe não fazia nada. Eu parei de achar certo ela sair três vvezes por semana e me deixar cuidando deles- principalmente no dia seguinte. Parei de achar que o jeito que ela me humilhava era normal. Parei de achar certo eu não ter nada que era meu. Até roupa nos dividíamos. O problema era que ela tinha dois tipos de roupas:. Muito maduras para uma adolescente ou muito “balada” para o meu gosto – e para os meus programas. 

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