Capítulo 12: Morto



A resposta de Theo ficou no ar, seu tom implacável. Hermione esperava que uma raiva justa lhe tomasse, mas não foi o que aconteceu. Ela sabia qual seria a resposta, estar certa não era uma surpresa. Ela só sentia uma cansada confusão. –Não pode ou não vai? – perguntou.


-Dá na mesma.


Hermione sentou novamente. Cada parte de seu corpo parecia dolorida, inundada de exaustão e saturada de desespero. –Então ele vai morrer – sussurrou. Podia sentir o buraco negro se formando embaixo de si com a perspectiva de que, depois de tudo isso, ainda pudesse perdê-lo.


Theo se abaixou na frente dela, olhando-a com uma expressão de simpatia. –Hermione, eu quero que me escute. Certo? – Hermione conseguiu balançar a cabeça concordando. –Não é que eu queira que Harry morra. Muito pelo contrário, te asseguro. Mas o poder da guardianidade é como segurar uma arma carregada, apontada pra minha cabeça todos os dias de minha vida. Tenho que tomar muito, muito cuidado. –hesitou e quando falou novamente, sua voz estava firme e resignada. –Não posso interferir em assuntos dos mortais postos sob meus cuidados. É a maior traição da confiança que os Eternos me deram quando me escolheram.


-Eles não fizeram esta regra.


-Não, eu fiz. Tinha de fazer. Tive que fazer muitas regras pra mim mesma e tenho que seguí-las. A Regra Número Um é não me intrometer na vida dos outros.


-Como a primeira diretiva – Napoleon murmurou.


-Exatamente.


Hermione balançou a cabeça. –Já se intrometeu.


-Só porque os Eternos me pediram. Tinha ao menos que limpar a bagunça deles. Tentei.


-Falhou.


-Não é esse o ponto. O ponto é que isso não é de minha conta. Não posso sair por aí curando as pessoas de seus problemas, mesmo os mágicos. Não é mais assunto meu.


-Então você está lavando as mãos, é isso?


-Isso resume tudo, sim.


Hermione respirou fundo, irregular. –Só não entendo nada disso. Esses dois meses de desaparecimento, e a psicose dele, e o maldito corpo falso que ninguém parece lembrar... – ela continuaria, mas Theo de repente colocou uma mão em seu braço. Hermione a olhou nos olhos, esperando mais explicações de pena, mas ao invés disso, encontrou puro interesse.


A voz de Theo era séria novamente. –Que corpo falso?




-Mestra, peço desculpas por qualquer...


-Apenas saia. E não me chame de mestra, me faz parecer uma dominadora barata – Allegra ficou olhando enquanto o bruxo do Círculo saia correndo de costas, quase tropeçando, ainda se desculpando. Ela balançou a cabeça –Malditos subalternos – resmungou. Os capangas submissos eram úteis quando se precisava arrastar alguém daqui até Stratford, mas eles não ofereciam muito em termos de conversa. Ela virou e deu um pulo, um curto grito lhe escapando. Havia uma mulher sentada na cadeira de sua mesa, que não estava ali dois segundos antes.


-Difícil achar bons capangas hoje em dia, não é? – A mulher perguntou. Falava com um sotaque americano, suas palavras ditas de forma amigável, casual.


Allegra ficou olhando pra ela de boca aberta, a simples ousadia desta intrusa lhe deixando sem palavras. –Quem diabos é você? – finalmente conseguiu dizer. Ficara completamente paralisada. Nunca tivera que lidar com uma mulher se materializando de repente em sua sala altamente segura e agindo como se fosse dona do lugar.


A mulher deu sorriso sereno. –Sabe quem sou.


-Não! Não tenho a mínima... – ela parou. Sabia? – Mas você parece... meio familiar.


-Imagino que sim –apenas continuou sentada com a mesma expressão de Mona Lisa no rosto. Parecia pouco mais velha que a própria Allegra, talvez com trinta e poucos anos, com uma pele bronzeada e comuns cabelos castanhos ondulados até os ombros. Usava calças jeans e camisa sem manga que mostrava braços assimetricamente musculosos. Allegra estava surpresa pelo próprio desconforto. Em circunstâncias normais, se encontrasse uma mulher estranha sentada em sua cadeira, puxaria a varinha e a intrusa ia se ver voando pro outro lado da sala antes que pudesse falar qualquer coisa. Por que isso era diferente...ela não sabia, só que sentia uma vontade instintiva de se submeter e ser uma boa menina, algo que geralmente evitava por princípios básicos.


Allegra afundou em uma de suas cadeiras, de frente para mesa, seus joelhos de repente instáveis. –Você... você... você é ela, não é? – não tinha idéia do que queria dizer com essa pergunta, mas ao mesmo tempo fazia perfeito sentido.


A mulher estranha pareceu entender. –Sim, sou ela – se inclinou pra trás na cadeira de Allegra e colocou os pés sobre a mesa. Allegra notou com uma diversão distante que ela usava tênis de basquete amarelo vivo, ao estilo de Chuck Taylor, um dos mais fora de moda de seu tipo.


É ela. A mente de Allegra repetiu. É ela. Quem exatamente "ela" era, não podia articular, mas ao mesmo tempo sabia, num nível mais profundo, mais primitivo. –O que quer?


-Só perguntar se você tem feito alguma coisa que não devia.


-Constantemente.


-Relacionado a seu ex.


-Qual deles?


A mulher não sorriu pra essa piadinha. –Harry Potter – respondeu, sem ironia.


-Ah. Ele – Allegra respondeu baixo.


-Sim. Alguma coisa acontecendo por esses lados ultimamente?


-Hã... Pode ser um pouco mais específica?


-Sabe, qualquer coisa malvaaaada? Essa é sua especialidade, afinal. Seqüestros, lavagem cerebral, um certo corpo fraudulento mandado para um pessoal do bem?


Allegra deu um pequeno sorriso. –Ouvi falar disso. Logisticamente, uma jogada estúpida, mas foi criativa. Tive que admirar a arte, mas não a execução. Mas não foi trabalho meu. Gosto de achar que estou acima de deixar presentes de grego na porta de Hermione.


-Achei que odiasse Hermione.


-Quando eu disse isso?


-Bem, pensei que ficou implícito quando tentou matá-la.


-Não. Não foi nada pessoal. Até gosto de Hermione, na verdade. Ela tem... qual a palavra? Sei lá. Garra.


-Ela te derrotou, no entanto, não foi?


-Não guardo ressentimentos. Foi corajoso o que ela fez. Não posso dizer que passar um mês num limbo temporal estava na lista do que tinha que fazer naquele dia, mas hei! É um negócio arriscado. – Allegra sorriu para si mesma. –Acho Hermione Granger uma moralista, intrometida de cara de rato, mas ela tem um fogo no estômago que a maioria das pessoas nem suspeitam. Por que estamos falando sobre isso mesmo?


A estranha deu de ombros. –Você começou. Parece que tem alguns problemas relacionados com Hermione pra trabalhar. O que? A velha inveja? Quem desdenha quer comprar.


Allegra riu. –Todos fazem fila para projetar suas visões românticas em mim. Não deixam de acreditar que ainda sinto alguma coisa por Harry ou que estou esperando algo dele. – ela balançou a cabeça. –Não é pessoal. São negócios.


A mulher aquiesceu. –Então, que é esse seu mestre?


Allegra ficou séria. Então esse era o motivo. –Por que não pergunta a ele você mesma?


-Bem, ninguém nunca o viu.


-De alguma forma, não acho que isso seja um problema. Não pra você.


A estranha colocou os pés no chão e se inclinou para frente por cima da mesa. Seu ar de jovialidade casual desaparecia rapidamente. Ela entrelaçou as mãos e encarou Allegra com um olhar firme. Allegra se sentia como uma menina levada na escola, chamada na sala pelo diretor. Era hora de assumir sua posição. –Normalmente, estaria certa. Mas há alguma coisa com esse... Mestre. E quem se chama de Mestre, de qualquer forma? Um pouco prematuro para egocentrismo, não? – ela deu de ombros. –Quem quer que seja, não é normal.


-Não, você está certa sobre isso.


-Não posso vê-lo. Não de verdade. Não tudo. É... perturbador. Poucas coisas no mundo são capazes de se esconder de mim. Quero saber o que estou sendo impedida de ver e por quem.


-Então por que está aqui? Certamente não pensa que posso te ajudar com isso. Ou se eu pudesse, que eu faria.


-Não. Isso que me deixa curiosa. Está ciente de certas... rachaduras no campo adversário nos últimos meses.


-Eu me mantenho informada, sim.


-Esse seu ex teve alguns problemas de saúde.


-Você quer dizer que ele está fora de si.


A mulher apertou os lábios. –E isso não significa nada pra você?


Allegra hesitou. –Não disse isso.


-E ainda assim você não tirou vantagem da situação.


-Quem disse que não?


-Não tirou. – não havia argumentações. –O que quero saber é por que não? Da perspectiva de alguém de fora, parece a oportunidade perfeita para uma cartada.


-É, parece – Allegra disse pensativa. Tinha levantado o mesmo tópico com o Mestre várias vezes.


-Ele não quis nem saber, não foi? – a estranha disse. –Esse Mestre que você obedece, apesar de eu não imaginar por que. Certamente não precisa de ninguém pra te dar ordens.


-Verdade. Se o conhecesse, entenderia.


A estranha agora a encarava com uma expressão calculista. –Sim, imagino que sim. – ela levantou. –Bem, obrigada, Allegra. Você me deu várias respostas.


-Mas não te disse nada.


-Acredite, você me disse mais do que percebeu – ela começou a sair da sala e então virou pra ela com um dedo acusador levantado. –Você... Se comporte agora.


-Você diz isso como se achasse que eu realmente vou obedecer.


-O que, em sua mente, me transforma em uma tola ou em uma idiota. Te asseguro que não sou nada disso. Mas estarei de olho em você. Lembre disso. – e então se foi, sem barulho ou anúncio.


Allegra ficou olhando o vazio no espaço onde a estranha mulher estivera um piscar de olhos antes. Droga, ela pensou. Tem dias que parece que a missão de todo mundo é deixar minha existência um pouco mais surreal do que já é.


Ela fechou os olhos. Jesus, preciso de umas férias.




Hermione estava de pé ao lado de North, olhando por cima do ombro dele, que estava sentado diante de uma das inúmeras câmaras que ele chamara de sala de situação. Cada estação tinha vários painéis de vidro colocados em alturas diferentes e mostrando vários ângulos. Eles pareciam obedecer ao pensamento, pois ninguém falava com eles ou operava nenhum controle. North tomara o lugar na estação do guardião designado para o posto e rapidamente olhava uma mistura de imagens que a mente de Hermione não conseguia seguir.


A porta de trás abriu e Theo entrou, andando com firmeza. –Alguma coisa? – perguntou, se juntando a Hermione, olhando por cima do ombro de North.


North apenas apontou algumas imagens paradas que ele fixara em uma de suas telas. Hermione não sabia o que representavam, mas pareciam significar alguma coisa para Theo. –Eu diria que isso é um grande sim. –North disse.


-Certo – Hermione falou. –Alguém gostaria de explicar o que acontece aos pobres mortais?


Theo olhou para as imagens paradas, nuvens negras se juntando sobre suas sobrancelhas. –Essa é a extensão da incursão? – ela perguntou a North como se Hermione não tivesse falado nada.


-Incerto. Me dê mais alguns minutos. Ainda estou processando as correlações.


-Peça que Miryam te ajude – Theo finalmente virou para Hermione e Napoleon. –Venham, vocês dois. Temos muito o que conversar. – eles saíram da sala e foram em direção ao escritório de Theo. Hermione estava começando a se achar no layout do lugar, mas suspeitava que esse layout não fosse completamente estático... Uma coisa com que já tinha se acostumado na DI. –Acabei de fazer uma visita a sua amiga, Allegra. – Theo disse, em tom de conversa.


-Allegra não é minha amiga.


-Nem minha, mas tem que se admirar uma mulher que não tem medo de uma banda vestida toda de napa.


-E?


Theo hesitou. –Vamos sentar e conversar sobre isso – ela não disse mais nada enquanto continuaram pelos corredores. Hermione percebeu que não estavam indo para o escritório de Theo. Logo viu que estava certa quando Theo os guiou através de uma porta giratória até um pequeno jardim cercado por todos os lados por corredores e paredes. –Esse é meu jardim particular – ela disse, gesticulando para um banco de madeira curvado. Napoleon sentou ao lado dela e Theo sentou na grama de frente pra eles, cruzando as pernas e passando os dedos sob o nariz. Fechou os olhos por um momento, parecendo reunir seus pensamentos. Finalmente, voltou a olhar pra eles.


-O que foi? – Hermione disse.


-Lamento dizer que Harry está passando por mais problemas do que suspeitávamos.


Hermione apertou o braço do banco com mais força, mas se esforçou para manter a expressão composta. –Por favor me esclareça, Theo. Em que sentido isso poderia ser pior? Não nos deixe nesse suspense.


-Tinha alguma coisa que não estava batendo – Theo disse, seus olhos indo de um lado para o outro enquanto expunha seus pensamentos. –A diferença de tempo quando Harry retornou, seu comportamento psicótico... E então você me diz que um corpo falso foi mandando pra você na DI.


-Que você não sabia da existência.


-Essa é a parte que mais me incomoda. Entenda... Nós monitoramos tudo o que acontece em todos os lugares. Não temos registros do incidente que você descreveu. Sabe o que isso quer dizer? Quer dizer que alguém está alterando o sistema de monitoramento do Domínio. Isso é coisa séria. North está tentando determinar quanta informação perdemos e o que elas podem revelar. Acho que alguém estava tentando encobrir o que fez com Harry depois que tentei mandá-lo de volta pra você.


-O que foi feito com ele? Por quem? – assim que as palavras saíram de sua boca, ela soube. –O Mestre. O Mestre de Allegra.


Theo balançou a cabeça que não. –Essa foi minha primeira suspeita também. Já sei há um tempo que esse Mestre dela não é muito... Normal. Não consigo vê-lo de fato, ficar de olho nele. Ele tem acesso a coisas que não devia. – ela encarou Hermione. –Sabe o que estou te dizendo?


Hermione respirou fundo. –Você disse... que os Eternos têm um equilíbrio. Luz e Escuridão. Se você e os guardiões estão aqui... quem está do outro lado do tabuleiro de xadrez?


Theo olhou os dois alternadamente. Seu olhar estava diferentemente do normal, desprovido de ironia. –O que estou prestes a lhe dizer não é algo que eu geralmente compartilhe. – ela disse. –mesmo com amigos que acho que me conhecem muito bem. – Hermione aquiesceu. Theo levantou e andou devagar de um lado para o outro, olhando para o chão enquanto falava.


-Harry e eu temos uma coisa em comum. – ela disse. –Ambos fomos traídos por alguém que amávamos. – Hermione não disse nada. Depois de um momento de hesitação, Theo continuou. –Logo quando assumi a Guardianidade, teria ficado maluca se não fosse por Seth. Ele era meu assistente, o predecessor de North. Ele era muito experiente, eu era o quarto Guardião que ele via entrar na sala precisando de orientações. Ele ajudou a me ajustar a minhas novas responsabilidades e me ensinou sobre meus poderes. – ela cruzou os braços sobre o peito e balançou a cabeça. –Acho que era inevitável.


-Você se apaixonou – Hermione disse.


Theo sorriu, mas não havia humor neste sorriso. –Como os devaneios de um romance de segunda categoria. Era previsível, era melodramático e era absolutamente real. Seth e eu tínhamos algo que eu achava que não existia fora das novelas. – ela parou seus passos agitados e olhou para o céu. –Ele me fazia sentir... bem, não preciso explicar pra você Hermione, preciso? – Hermione balançou a cabeça que não. –Ele dizia que nunca tinha se sentido uma pessoa de verdade até que me conheceu, que ele estava ligado ao Guardião há tanto tempo que tinha vivido uma vida longa e esquecido como se sentir vivo e eu o lembrei disso.


Hermione se inclinou para frente, intensamente interessada. –Mas ele estava te enganando?


-Não, não foi isso. Ele não estava. Seth era um homem bom, um dos melhores que já conheci. – seu rosto estava sombrio, mas Hermione podia ver a dor escondida sob sua expressão. –O que aconteceu com ele não foi sua culpa. Se alguém deve levar a culpa, sou eu. Não percebi. Não soube até que era tarde demais... que ele foi marcado. Para conversão.


Napoleon franziu a testa. –Acho que não quer dizer conversão para Igreja Unitária.


Ela deu um risinho irônico. –Não – Theo passou as mãos pelos cabelos. –Meu exército, o exército do Guardião... o inimigo que enfrentamos é o exército dos Eternos da Escuridão. Eles são a Legião...


-Pois eles são muitos – Hermione murmurou.


-Sim, são muitos mesmo. São tantos quanto nós e têm seu lugar como o Domínio, que chamam de Stronghold. O líder deles, meu oposto... durante um milênio ficou sem rosto, sem nome. Uma inteligência sem forma bloqueando nossas tentativas de manter ordem e equilíbrio. Parece agora, pelo que pudemos juntar dos pedaços, que os Eternos da Escuridão perceberam que a falta de um líder real para suas tropas era uma fraqueza. Então decidiram escolher um pra eles. Um ser como o Guardião que pudesse comandar o exército da Legião, inspirá-los e guiá-los com mais eficiência. – ela virou pra eles. –Meu... bem, eu acho que o que você pode chamar de meu arqui-inimigo agora tem um rosto. O rosto de meu Seth. – ela apertou a ponta do nariz com dois dedos. –Não foi culpa dele. – ela repetiu. –Depois que eles te escolhem para conversão, a única coisa que você pode fazer é gritar. Ele estava exposto numa missão que mandara pessoalmente que supervisionasse. Estava separado de seus companheiros e foi levado para Stronghold, onde o transformaram num deles. Destruíram tudo o que era bom nele e o transformaram em um servo das trevas.


As palavras passavam por seus lábios como coisas mortas, sem expressão ou emoção por trás delas. Hermione sentia uma grande pena dela.


-Foram espertos em escolhê-lo, os Eternos da Escuridão. Ele me conhece, conhece meus métodos, conhece minha equipe. O dano que causou não pode ser reparado. – ela suspirou e se recompôs. –Mas esse não é o ponto agora. O ponto é que agora acredito que o Mestre de Allegra, quem quer que seja, está pegando poderes e proteção diretamente de Seth.


Hermione concordou, já imaginando isso. –O que isso tem a ver com Harry?


Theo voltou a andar. –Quando mandei Harry de volta à terra depois de ter apagado suas memórias, outra coisa aconteceu. Ele foi interceptado... por Seth. North ainda está tentando determinar como exatamente esconderam isso da gente, mas parece que Harry foi mandado para Stronghold ao invés de voltar para linha do tempo como eu pretendia. Seth sabia que Harry estava aqui, muita pouca coisa escapa de seu conhecimento. Se ele também descobriu que o estado mental de Harry fora severamente comprometido, provavelmente não resistiu fazer alguns melhoramentos ele mesmo. A idéia de ter um Mage em sua equipe era tentadora demais. – ela parou e sentou do outro lado de Hermione. –O comportamento que você está vendo em Harry, a psicose, a crueldade, a escuridão... está vendo Seth nele. Essa é sua genialidade. Ele simplesmente não torna as pessoas más. Ele planta uma semente de suas próprias trevas em seus corações e deixa que cresçam e façam seu trabalho. O psíquico de Harry já estava perigosamente fragmentado por causa dos acertos que eu tive que fazer. Seth se aproveitou disso, bem como da insanidade insipiente que os Eternos causaram. Deu muita coisa pra ele poder usar.


-E quanto ao corpo falso?


Theo pensou por um momento. –Não há dúvidas que foi ele quem enviou, mas quanto as motivos dele... podemos nunca descobrir exatamente o que aconteceu ali. Minha melhor teoria é que em algum ponto Seth decidiu que estava feliz o suficiente com os progressos de Harry e ia mantê-lo para sempre, então ele mandou o corpo pra impedir que as crianças xeretas continuassem procurando... Conhecendo Seth, provavelmente pareceu uma grande piada também. Mas quando não te enganou, ele deve ter decidido. Ele tinha que decidir entre manter Harry e arriscar que suas investigações achassem evidências das atividades deles e de seus humanos operantes ou cortar as perdas, mandar Harry de volta e ver quanto estrago podia fazer enquanto ele pintava e rolava


-Sinceramente, não parece um risco muito grande se ele tivesse arriscado matê-lo.


-Concordo. Por isso que acho que alguma outra coisa aconteceu. Pessoalmente, acho que foi Harry. Acho que ele resistiu e virou um problema maior do que valia a pena, então Seth o mandou de volta do mesmo jeito que eu tentei... Sem memórias do que lhe acontecera.


-Por que o atraso de dois meses?


-Conseguir o tipo de chegada no tempo exata que eu tentei com Harry não é tão fácil quanto estalar os dedos. É uma operação delicada. Seth provavelmente não quis perder tempo e esforços. Não estava preocupado em manter a integridade do estado mental de Harry quanto eu estava. A confusão e ansiedade resultantes que causaram provavelmente foram boas pra ele. Pensando bem, ele pode ter mandando ele de volta com dois meses de atraso de propósito. Bem, nunca saberemos.


-Mas você pode ajudá-lo agora, certo? – Hermione perguntou, sua voz ansiosa. –Agora que sabe que Harry ficou ruim por causa do que Seth fez... Você pode fazer algo sobre isso, não é? Nós, meros mortais, podemos não ser de sua conta, mas com certeza as atividades se Seth te importam muito. – Theo a encarou por um momento e então abriu a boca pra falar. Hermione levantou a mão para interrompê-la. –Não, espere, me permita. Não é tão simples, certo? Nada nunca é simples por aqui, é?


-O que me preocupa no momento é que Seth conseguiu esconder suas atividades de mim por tanto tempo. Ele alterou meu sistema de monitoramento, tirou pessoas bem debaixo de mus nariz, escondeu coisas de meus guardiões e de mim. Entende o que isso significa?


-Ele deve ter alguém trabalhando dentro – Napoleon disse.


Hermione concordou, um meio sorriso cético em seus lábios. –Ele comprometeu sua segurança e se você ajudar Harry, Seth vai saber que está de olho nele. Vai tirar o pessoal daqui e você nunca vai saber o que aconteceu.


Theo levantou e na postura dela, Hermione quase podia ver o peso de seu trabalho pesando em seus ombros. –vejo que vocês dois compreendem a dificuldade de minha posição.


-Não compreendo nada – Hermione disse, seu tom frio. –Não me importa sua segurança. Me recuso a sacrificar o homem que amo no altar de sua maldita segurança.


Theo virou pra ela. Sua expressão estava implacável e ela não parecia impressionada. –Admiro sua ousadia, Hermione de verdade, mas economize seus discursos dramáticos. Já os ouvi antes. Você provavelmente acha que sou insensível e que não ligo. Eu realmente me compadeço de sua situação, mas gostaria de te lembrar que perdi o único homem que eu já amei nesta guerra... E nem tive o direito do encerramento da morte. Ele foi tirado de mim pouco a pouco e ainda tenho que ver seu rosto e ouvir sua voz e saber que ele existe agora apenas pra me derrubar. – a voz de Theo em nenhum momento aumentou, nem tremeu ou falhou... mas havia uma falta de vida atrás de seus olhos enquanto ela falava de Seth, um vazio forçado na expressão que Hermione reconheceu pelo que realmente era: uma nuvem de fumaça para mascarar grandes e profundos desespero e tristeza.


Hermione afastou suas incertezas. Harry precisava que ela fosse forte e ela morreria antes de decepcioná-lo. –Lamento por sua perda – ela disse. –Mas se você não ajudar Harry, terá outro inimigo.


Incrivelmente, Theo sorriu. –Allegra disse que você tinha uma garra. Estava certa. Mas se você decidir se tornar minha inimiga, então vai ser azar o seu, não meu. – ela suspirou. –Acho que não devemos mais falar disso agora.


Hermione levantou. –Não falamos nada sobre isso! Ajudar Harry é o único motivo pelo qual te procurei e não estou mais perto de saber como fazer isso do que na hora que te encontrei.


-Te disse tudo o que podia. Sabe tudo o que precisa saber – Theo disse sem olhar pr eles. –E é tudo que pretendo te dizer. Não posso mais te ajudar. Depende de você agora. – e com isso, ela desapareceu.


Hermione e Napoleon ficaram paralisados, olhando o vazio. Por algum tempo, nenhum dos dois falou.


-O que eu vou fazer, Napoleon? – finalmente disse. –Me diga o que estou fazendo de errado aqui.


-Não está fazendo anda errado – ele disse. –Está fazendo o melhor que pode.


-E se meu melhor não for suficiente? – ela perguntou, sua voz praticamente um sussurro. –O que então? Se eu fiz melhor e ele morrer... como vou poder viver comigo mesma?


Napoleon não respondeu. Como poderia? Ela pensou. Não há resposta certa pra essa pergunta.




Laura virou da janela de observação, seu estômago dando um nó. A pele sobre seu rosto parecia ter se esticado sobre seus ossos. –Obrigada por me deixar vê-lo. – ela disse. –Sei que esse lugar é top-secreto ou algo do tipo.


-Exceções podem ser feitas – Sirius disse, passando o braço por cima de seus ombros estreitos.


-Ele está muito mal, não é?


Sirius hesitou. –É, ele está mal.


Laura sentou num sofá duro onde suspeitava que Sirius estivesse passando as poucas horas de sono que conseguia. –Eles já partiram há um dia. Já receberam notícias?


-Não. Sinceramente, estou preocupado com eles. Pensei que Hermione manteria contato mais freqüente com a gente. Sabemos que eles pretendiam visitar as cavernas em Lasceaux. Nem sabemos se chegaram até lá. Podem estar em qualquer lugar agora. Queria saber se encontraram o Guardião.


-Se Hermione não entrou em contato então ela tem bons motivos.


-Eu sei. É só que... o que realmente queria era estar lá com ela, ajudando. Mas estou aqui, olhando ele se deteriorando, odeio não estar contribuindo. – sua frustração apareceu na voz, deixando-as um pouco mais roucas. Ele não parecia tão bem. Sua pelo estava da cor de queijo cottage e escurecida pela barba por fazer, seu cabelo normalmente bem cuidado estava oleoso e despenteado. Parecia ter dormido com as mesmas roupas. Laura sabia que ele não tinha saído do lado de Harry desde que chegara, um pouco depois do confinamento de seu afilhado.


-Mas está contribuindo – ela disse. –Sirius, só porque sabe que você está aqui que Hermione agüentou deixá-lo. Acha que ela o confiaria aos cuidados de qualquer um? Ela pode ir e fazer o que tem fazer por Harry porque ele ainda tem você aqui.


Sirius tentou dar um pequeno sorriso. –Talvez esteja certa. Ainda assim, queria ter um papel mais ativo.


-Todos queríamos. Como acha que nos sentimos, como amigos de Harry? Tudo que podemos fazer e ficar sentados em casa, olhando as paredes e esperando que alguém mande uma coruja com notícias. Isso que é sensação de impotência. E temos Hermione também pra nos preocuparmos. Podemos perder os dois. – a mente dela sentiu medo ao pensar isso.


Sirius voltou pra janela de observação. –Prometi a Lílian e Tiago que tomaria conta dele, se qualquer coisa acontecesse. – ele murmurou. –Já falhei com eles durante treze anos.


-Acho que estar em Azkaban te livra de cumprir a promessa.


-Não, apenas deixa pior. Mesmo depois que saí não pude fazer nem perto do que queria fazer por ele. – ele suspirou. –Tiago e Lílian confiaram o filho deles a mim e olha o que aconteceu.


-Ok, já chega de lamentos – Laura reclamou com ele. –Ele está com problemas, claro. Não é a primeira vez, não vai ser a última. Escute, vamos manter um pouco de otimismo, certo?


Sirius deu um vago sorriso. –Ele não vai desistir, pelo menos isso. Não enquanto tiver forças.


-Só queria saber o que se passa na cabeça dele.




Lá dentro, nas profundezas de onde estava, Harry Potter travava uma batalha que não parava contra um inimigo incansável que usava seu próprio rosto... E ele estava perdendo.


Enquanto sua consciência dormia como uma pedra por causa do sedativo, seu inconsciente lutava com força contra o inimigo dentro dele mesmo, levantando barreiras e convocando os campeões para manter a escuridão invasiva sob controle.


Ele se encontrava num vasto castelo de pedras e madeira. Alguns cômodos brilhavam iluminados, outros eram escuros e cheios de teias de aranha. O corredor se alongava infinitamente, e algumas portas se alinhavam por ele. Vagou pelos corredores e câmaras, procurando por alguma coisa que não sabia o que era. Era seguido por onde passava por um demônio sombrio que controlava seu tempo e avançava sobre ele para mantê-lo longe dos quartos iluminados e quentes, empurrando-o para os frios e úmidos. Se entrasse demais na escuridão, nunca voltaria e o demônio seria tudo que restaria dele.


Harry andou pelo jardim de inverno, a grama úmida molhava suas bainhas. –Hermione? –chamou. Ela estava ali um momento antes, tinha certeza. Pra onde tinha ido? Hermione saberia o que fazer. Abriria um de seus livros e diria o que fazer, se ao menos pudesse encontrá-la. –Hermione! – gritou novamente.


-Ela não está aqui – disse a sombra.


-Ela está aqui!


-Ela foi embora. Te deixou aqui sozinho.


-Não! Ela sempre está comigo. Mesmo quando está distante, sempre está comigo – ele parou no meio do jardim. –Hermione! – gritou. Sua voz ecoando contra as paredes de pedra a sua volta.


-Harry! – veio uma resposta repentina. Seu coração deu um pulo quando ela entrou correndo no jardim, usando seu antigo uniforme de Hogwarts e parecendo muito jovem. –Aí está você – ela disse, se apresando para se juntar a ele.


Um doce alívio o inundou. –Não conseguia te encontrar – ele disse.


-Bem, estou aqui agora. Tudo vai ficar bem. Apenas relaxe. Vá dormir. Vou cuidar de tudo. – ela levantou a mão e acariciou o rosto dele.


-Mas eu... não consigo dormir...


-Devia. Parece cansado. Não está cansado?


Ele estava. Tão exausto, de repente. A mão dela acariciando seu rosto era tão reconfortante... deixava-o num estado de torpor...os olhos dela pareciam maiores, ele poderia se afogar neles. –Sim...


-Então durma. Tudo vai terminar se você apenas relaxar. – Harry se sentiu inclinar na direção dela, se perdendo em seus olhos. –Relaxe... relaxe... – ela repetiu, sua voz baixa e tranqüilizante, suas mãos tão macias em seu rosto.


Harry levantou o punho e deu um murro no próprio nariz o mais forte que podia. Cambaleou para trás, as coisas voltando para o vago e enevoado foco que tinham antes. –Você não é Hermione.


O rosto de Hermione se contraiu então, a ilusão de sua carne derretendo e sumindo como um sorvete, remodelando seus traços até que ele encarava a si mesmo. Seu próprio rosto, mas... diferente. Mais sombrio, distorcido. Seus olhos brilhavam com um objetivo e uma inteligência malévolos. –Não pode vencer – ele disse. Harry lutou contra a desorientação de ouvir a própria voz falar com ele. –Não pode lutar comigo, sou você.


-Você não sou eu. É meu pior pesadelo de mim mesmo.


-Pesadelos têm poderes... e você está enfraquecendo a cada segundo – o outro ele brandiu uma longa espada brilhante para ele. –Nunca vai conseguir.


Harry fechou os olhos bem apertados e esticou a mão. –Expecto pratronum! – ele gritou antes mesmo de perceber que ia fazer isso. Esperou a explosão de energia passar por seu corpo, mas nada aconteceu. A risada grave de sua outra alma chegou até ele então, e quando abriu os olhos o odiado espectro continuava ali, despreocupado.


-Não sou dementador, Harry. Não pode me destruir com pensamentos felizes. Eu sou seus pensamentos felizes e seus pensamentos tristes e todos seus outros pensamentos. Sou seus pensamentos verdadeiros, as coisas que você pensa mas não diz. Sou seu libertador. Tudo o que tem que fazer é se afastar e será livre. Pode sentir quanto poder há neste corpo. Sei como usá-lo. Se você me deixar, posso fazer grandes coisas.


O outro Harry avançava vagarosamente na direção dele, a espada em punho. Harry recuou diante de seu avanço. –Não. Vai fazer o que quiser. Não vai se preocupar com quem machuque. – a sua própria voz parecia fraca e incerta. Ele tropeçou e sentou com força, a imagem ameaçadora sobre ele como um deus de pedra.


Harry2 sorriu e levantou a espada. –Não está errado.


Antes que pudesse atacar, uma figura correu das sombras, dando um alto grito de raiva. Derrubou Harry2 no chão. Enquanto Harry olhava, impressionado, o recém-chegado cambaleou de pé e fez menção de pegar a espada, mas antes que conseguisse, Harry2 dissolveu, virando vapor e desapareceu. O recém-chegado se endireitou. –Isso aí! E fique longe! –disse, levantando. –A voz parecia... Tão familiar. O estranho se virou então e foi em direção à Harry, sua forma indistinta se solidificando enquanto se aproximava.


O queixo de Harry caiu ao vê-lo. –Rony?


Rony sorriu. –Certo então, Harry?


-È, mas... de onde você... eu não...


-Você me chamou, eu vim.


-Eu... eu chamei? De onde você veio?


Rony se inclinou para frente e encostou o dedo na testa de Harry. –Daqui, é claro. Onde sempre estou. Precisava de uma ajudinha, então tcharam! – ele estremeceu um pouco. –certo, assustador aquele cara. O que diz de dar o fora daqui?




Hermione estava com água na altura da canela, perto da areia de um lago de tamanho médio nos extensos jardins do Domínio, jogando pedrinhas na água. Uma grande pilha de pedras perfeitas pra bater na água estava na grama, junto de Napoleon, que olhava sentado de pernas cruzadas sobre uma rocha. Ela já estava jogando as pedras há uns quinze minutos, sem dizer nada. Ela estava pensando, ele sabia. Brincar com as pedras era apenas uma atividade para ocupar suas mãos enquanto refletia sobre sua situação.


De repente, ela virou para encará-lo. –Certo. –disse. – Sei o que tenho que fazer.


Ele arqueou as sobrancelhas. –Sabe?


-Sim. Na verdade, Theo me disse o que fazer.


-Mesmo. Acho que estava cochilando na hora.


Hermione deu um sorriso meio sombrio. –Não, ela disse indiretamente. – pegou outra pedra e jogou. Bateu na água cinco vezes antes de afundar. –Fico lembrando de uma coisa que ela disse lá no café, sobre como ninguém a encontra a não ser que ela deixe. – ela deu de ombros. –Então por que deixou que nós a encontrássemos? Se ela real e verdadeiramente não quisesse ajudar, poderia ter nos deixado longe.


-Mas Terk e Tax...


-Não fizeram nada – Hermione completou. –Fiz algumas perguntas discretas sobre alguns guardiões enquanto estávamos na sala de situação. Parece que a pessoa que orientou Terk e Tax quando eles se juntaram à rede não foi Theo, mas um guardião comum chamado Nam Dietzbader. Terk e Tax nunca conheceram Theo até aquele dia no café.


-Não, espere um minuto, eles lembravam dela... – ele parou de vez, e então riu. –Ela fez com que lembrassem, não foi? Ela meio que... Se inseriu nas memórias deles para que pudessem nos guiar até ela.


-Sim, ela fez isso. Preparou a coisa toda, Napoleon. Só estamos aqui porque ela nos queria aqui.


-O que isso significa?


-Ela quer ajudar Harry, tenho certeza disso. A única razão pra ela nos contar essa história sobre Seth é pra que a gente saiba que ela tem sentimentos humanos e sabe a dor de perder alguém que se ama. Ela está tentando me dizer o que fazer sem ter que falar em voz alta.


-Bem, não me mantenha no suspense!


-Lembra o que ela disse sobre os Eternos, sobre o equilíbrio deles? Tudo é equilibrado por aqui. Ela não pode sair por aí resolvendo problemas porque atrairia muito poder e atenção na direção dela. Faz as pessoas deverem a ela, e ela é completamente a favor do desapego. Tem que ser pra fazer bem seu trabalho.


-Você está certa. Como isso nos ajuda, exatamente?


-Não entende? Ela quer ajudar Harry. Só está procurando uma razão. Ela precisa que eu lhe dê uma desculpa para ajudá-lo, algo que possa justificar. – uma estranha luz apareceu nos olhos dela então, uma expressão que fez Napoleon se sentir um tanto desconfortável.-Ela não pode simplesmente ajudá-lo. Ela precisa de algo em troca.


-Está dizendo que vai oferecer uma troca pela vida de Harry?


-É exatamente o que estou dizendo. – ela jogou outra pedra. Essa pulou sete vezes.


-O que temos para trocar?


Ela virou para ele então, a mesma luz fria em seus olhos. –Vou fazer uma oferta que ela não pode recusar.




Harry e Rony passavam pelos infinitos corredores, as tochas iluminando o caminho enquanto eles se aproximavam e depois voltavam para escuridão. Rony estava atento, Harry evitava ver muita coisa. –Nossa, Harry, o interior de sua cabeça parece muito com Hogwarts.


-É. Cuidado com meu simbolismo transparente. – ele olhou para seu velho amigo. –Droga, é bom te ver, Rony. – ele disse, a voz um pouco apertada.


Rony sorriu e colocou uma mão sobre o ombro dele. –Obrigado, cara. Mas sabe que não está me vendo de verdade, não é? Sou apenas mais uma barreira que sua mente produziu para que pudesse resistir.


-Eu sei. Mesmo assim... é muito bom te ver.


-Que pena que Hermione não está aqui. Seria como os velhos tempos. Claro que se ela estivesse aqui, vocês dois provavelmente iam começar a se amassar e eu ia ter que fingir estar imensamente interessado nessa parede, ou alguma outra coisa.


Harry riu. –Acho que se você mora aqui na minha cabeça, já viu muito disso, não é?


-Já vi muito mais que isso – piscou pra ele. –Já vi todas suas fantasias secretas relacionadas a Hermione. Até aquela da torre de astronomia e...


Harry limpou a garganta. –Então, como é estar morto mesmo?


Rony deu uma alta risada. –Entendi. Mudança de assunto, tudo bem, você é o chefe. – ele ficou sério. –Então... qual meu trabalho aqui? O que quer que eu faça? Como posso te ajudar, Harry?


-Apenas... fiquei aqui comigo. Me mantenha falando. Preciso agüentar o máximo que puder antes que ele volte.


-Ele vai continuar voltando, você sabe. A não quer alguém lá fora ache um jeito de te livrar dele.


-Ela vai consertar isso. Ela arruma tudo. –olhou pra Rony e não conseguiu segurar a pergunta, mesmo que soubesse que a resposta não significaria nada. –Você sente que nós te traímos? – perguntou. –Ficou... chateado?


Rony parou de andar e virou para ele. –Você a ama? – perguntou simplesmente.


-Sim.


-Então qual o mal nisso? – deu de ombros e continuou andando. Harry o acompanhou, aliviado. –Agora... O fato de ter transado com minha irmã é uma história completamente diferente...




Quando North os levou até o escritório do Guardião, Theo não estava visível, mas a cadeira estava virada de costas pra mesa e de frente para a grande janela. Hermione não fez rodeios. –Estou aqui para falar da troca que discutimos. – ela disse.


A cadeira vagarosamente virou. Theo estava sentada nela, mas parecia diferente. Não usava suas roupas civis. Seu cabelo castanho estava penteado para cima e preso num rabo-de-cavalo alto. Estava toda de preto, uma túnica de gola alta com vestes longas. Ao redor de seu pescoço estava um medalhão bem trabalhado, preso em uma fita roxa... A insígnia de sua função, Hermione imaginou. Essas devem ser suas roupas de trabalho. Hermione sentiu sua decisão vacilar um pouco. Vestida desse jeito e usando o manto da Guardianidade como um campo invisível, Theo parecia ainda mais com alguém com quem não se devia brincar. –Que troca é essa? – ela disse então. –Não lembro de ter tal discussão com você.


-Sabe muito bem que teve. Vem me dizendo isso desde que cheguei aqui, só que não reuni as peças até que me contou sobre Seth.


Theo levantou devagar. –Vem diante do Guardião com uma proposta? – ela perguntou num tom formal.


Hermione endireitou a postura. Então é assim que se joga, pensou. –Sim, venho sim. – respondeu. North ficou ao lado de Theo, suas mãos atrás das costas. Hermione sentiu Napoleon parar ao lado dela também. –O que é que você deseja? – Theo perguntou.


–Quero que Harry Potter volte a ter uma saúde normal. Quero que o dano causado à sua mente seja revertido.


-Seu pedido entra diretamente em conflito com a política do Guardião de não interferir – Theo disse, seus olhos ainda estranhamente distantes. –O que oferece como compensação?


Hermione levantou o queixo. –Ofereço minha própria vida. Me leve no lugar dele. –sentiu Napoleon ficar tenso ao lado dela, mas com certeza não poderia estar surpreso.


Theo aquiesceu. –Um gesto nobre e previsível. Mas lamento que é insatisfatório.


Por um momento, Hermione se sentiu perdida. –Insatisfatório? Em que sentido?


-Está disposta a morrer para salvar este homem?


-Sim.


-Está oferecendo trocar sua vida pela dele?


-Sim.


Theo voltou a sentar. –Então você não compreendeu o conceito. Para a troca funcionar, pressupõe-se que o que for ofertado deve ter algum valor.


O queixo de Napoleon caiu. –Está implicando que a vida dela não tem valor?


-Não. Pra ela não tem. Ela pode fazer esta oferta tão facilmente porque se ele morrer, sente que a vida dela estaria acabada da mesma forma. Certo?


Hermione sentou pesadamente. Theo estava certa. Oferecer a si mesma como sacrifício pareceu tão natural, tão lógico. Por que? No mínimo significava que ela não teria que ficar obcecada com como seria tentar viver sem Harry. –Então... Não tenho nada para te oferecer. –sussurrou. Ela levantou os olhos e encarou os de Theo. –O que é que você quer de mim?


-Não é o que eu quero que importa – ela levantou e foi até a Parede, onde os muitos vidros de observação estavam montados. Ela sacudiu a mão e cada um deles mostrou uma cena diferente. Hermione levantou devagar e se aproximou da Parede, todo seu corpo ficando tenso quando percebeu que em cada um dos vidros via Harry morrendo. A mente dela se trancou e seus olhos absorveram a imagem dele se debatendo na mesa, do sangue saindo de seus ouvidos e nariz, de seu corpo ficando mole, de Sukesh anunciando sua morte. Dezenas de cena, cada uma um pouco diferente. Em algumas dela, se via segurando-o em seus braços na hora que ele morria. Um grito tentou passar por sua garganta, mas era grande demais para escapar, então ela apenas soltou alguns soluços. Theo a segurou pelos ombros e a virou. –Isso é o que deveria acontecer, Hermione. Em todas linhas de tempo, não importa o que você faça, não importa o que você descubra, ele morre! Essa é a hora dele!


-Não! – Hermione gritou. –Se seus malditos Eternos não o tivessem levado, nada disso teria acontecido! Se você e Seth não tivessem bagunçado a mente dele desse jeito, ele ainda estaria bem!


-Está certa – Theo disse. –Estou lutando uma guerra que nunca termina, uma guerra em que os inocentes morrem. Se eu ajudar Harry agora, perco a chance de causar um dano real nas estratégias de Seth. Ele vai ganhar este round contra mim e isso não pode acontecer.


-Vou fazer valer a pena.


-O que poderia me oferecer?


-Você me diz – Theo apenas ficou olhando pra ela. –Sim, isso está correto. Deve ter alguma coisa em mente, ou não teria me trazido aqui pra começo de conversa. Então me diga, o que posso te dar? Se minha vida não vale pra você, o que vale?


Theo sacudiu a mão e os vidros escureceram novamente, para o imenso alívio de Hermione... era difícil se concentrar com essas imagens sobre seu ombro. Ela voltou para seu lugar atrás da mesa. –Não, não vou tirar sua vida, Hermione. Não sou um deus, não tenho a chave da vida e morte aqui. Esse poder está em minhas mãos, mas não deve ser utilizado. – ela sentou. –Eu vou curar Harry.


Hermione afundou em uma das cadeiras da sala, sem poder falar. Ela não tinha percebido o quanto estava tensa e ansiosa até que ouviu estas palavras. –Obrigada – sussurrou.


-Não me agradeça ainda. Está certa; preciso de um motivo pra fazer isso. Então vou aceitar uma troca com você.


-Qualquer coisa. Leve qualquer coisa que quiser.


-E se eu disser que não vou tirar sua vida, mas a dele? – Theo perguntou, apontando a cabeça em direção a Napoleon.


O estômago de Hermione se revirou em um nó. –É isso... é isso que está pedindo?


-E se fosse?


Hermione levantou os olhos para Napoleon, que apenas olhava pra ela com um olhar firme. Ele não parecia nem surpreso nem com medo. –Não é meu para oferecer – Hermione disse.


-Não teria tanta certeza disso.


-Não – Hermione disse de novo. –Isso é entre mim e você. Deixe Napoleon de fora disso.


-Muito bem – Hermione tinha distinta impressão que ela só tinha envolvido ele nisso tudo para testar a determinação de Hermione. –Neste caso, vou fazer o seguinte: vou curar Harry. Sua mete voltará a seu funcionamento normal. Erradicarei toda influência de Seth e ajeitar as minhas. Ele não lembrará do tempo com os Eternos, mas ele lembrará o que aconteceu depois que voltou pra você. Isso eu não posso resolver.


-E o que devo te dar?


-De você, Hermione, tirarei uma porção de sua vida. Um período de sua vida que você viveria.


Hermione sentia como se tivesse levado um tapa na cara. –Quanto tempo? – falou baixo.


-Nunca saberá. Talvez dias, talvez décadas. – Theo cruzou as mãos sobre a mesa. –No geral, sua vida será como sempre foi. Vai viver normalmente, com Harry ao seu lado. Vai ter sua carreira e suas aventuras e o que quer mais escolha. Não terá nenhum conhecimento prévio de sua morte, e não saberá quando esperá-la... Mas quando ela chegar, saberá que veio cedo demais. Quanto tempo mais cedo, isso nunca saberá.


Hermione ficou olhando, horrorizada. Oferecer a vida em troca da dele pareceu somente a coisa natural a fazer... mas isso, isso era muito pior. Era brilhante, de seu próprio jeito. Diabolicamente cruel. Um sacrifício de verdade. Não me dê aquilo que não quer, mas sim uma parte daquilo que mais quer. Ouvir a oferta de Theo clareou outra coisa em sua mente... que ela já tinha se conformado em nunca mais ver Harry novamente. Achou que o Guardião ou tiraria a vida dela em troca da dele, e nesse caso nunca o veria de novo, ou que sua oferta seria recusada e assim Harry morreria, e nesse caso, ela nunca o veria de novo. As cláusulas de Theo jogavam essas teorias para escanteio. Ele viveria, e ela viveria... Mas por quanto tempo?


-Não aceite – Napoleon sibilou, seu rosto pálido.


-Não tenho escolha. –disse.


-Mas, Hermione... tempo de sua vida, talvez anos... é diferente. É...


-Pior, sim. E essa não é nem a pior parte. – ela encarou Theo. –A pior parte é que eu nunca poderei contar a ninguém, não é mesmo?


-Correto – Theo disse. –Vai prometer não contar a ninguém, exceto por Harry. Vou permitir que conte a ele.


Hermione deu um sorriso amargo. –Uma oferta generosa, considerando que você sabe muito bem que não há coisa no mundo que me force a contar pra ele.


-Por que não? – Napoleon exclamou. –Ele deve saber o que você...


-Não – Hermione o cortou com firmeza. –Ele não pode, nunca, saber. Se ele soubesse do que desisti para salvá-lo, nunca poderia viver consigo mesmo. Isso o devastaria, envenenaria nós dois.


-Vai envenenar de qualquer jeito, Hermione. Não pode carregar isso pelo resto de sua vida.


-Posso sim.


-Bem, ao mesmo eu vou saber e eu...


Hermione o cortou. –Não, não vai saber. – ela virou pra ele e segurou sua mão, sua expressão se suavizando um pouco. –Não poderia ter feito isso sem seu apoio, Napoleon... Mas você não lembrará do que estou prestes a fazer. Ela não vai te deixar lembrar. É pra eu estar sozinha nisso – ela olhou para Theo. –Certo?


Theo balançou a cabeça que sim. –Ele vai lembrar de estar aqui, mas não o que você fez.


Napoleon balançou a cabeça, sua expressão dura. –Isso não está certo... È demais.


Ela o olhou nos olhos. –Demais por que? Pra você? Não pra mim. Vou fazer o que eu tenho que fazer.


-Por ele.


-Sim, por ele. – ela se aproximou dele e colocou uma mão em seu rosto, que estava agora ficando enevoada por uma raiva confusa. –Lamento que isso seja tão difícil pra você, mas sabe que não há nada que não faça por ele. Ele faria o mesmo por mim, e mais. – Napoleon aquiesceu, olhando profundamente nos olhos dela.


-Certo então, só... Me deixe lembrar disso. Me deixe estar presente para carregar este peso com você. – Ela balançou a cabeça. –Não, é de mim. Tem que partir de mim. Estava pronta para morrer por ele. Agora vamos ver se tenho coragem de viver por ele.


Napoleon balançou a cabeça, lágrimas brilhando no canto de seus olhos. –Ele nunca saberá o quanto tem sorte –sussurrou.


Hermione conseguiu sorrir. Ela recuou um passo para longe de Napoleon e virou pro Guardião. –Aceito suas cláusulas.


Theo não parecia feliz ou triunfante ao ouvir isso, apenas resignada. –Muito bem –inclinou a cabeça e a olhou por cima da mesa. –Sabe, você é uma pessoa muito extraordinária, Hermione. Gostaria de te conhecer melhor. Só espero que o que você acha que quer seja o caminho certo. Nunca esqueça que nosso acordo pode ter conseqüências que você não antecipou. Nem mesmo eu posso ver tudo.


-Quando você... nós vamos...


-Não há tempo como o presente.


-O que, agora? – Napoleon disse. Theo apenas olhou pra ele. –Dê um tempinho pra ela se preparar...


-Terei o resto de minha vida pra me preparar. – Hermione disse, a sombria percepção do futuro que ela agora podia esperar aparecendo em seu tom. –Melhor agora, antes que eu perca minha coragem.


-Só me deixe fazer uma coisa antes – Napoleon disse.


-Mas o q... – foi só até onde Hermione chegou antes que ele a segurasse pelos braços e a beijasse na boca. Depois de um momento de hesitação pela surpresa, Hermione relaxou e o deixou beijá-la. Ela passaria um tempo considerável no futuro pensando no quanto exatamente tinha respondido ao beijo. Depois de um tempo, eles se separaram e Hermione virou para Theo novamente.


-Mais alguma coisa? – Theo perguntou, uma sobrancelha um pouco inclinada. Ninguém falou. –Certo então. Vamos terminar com isso.




Sukesh olhou pela janela de observação onde Harry estava deitado, quieto, ainda preso na mesa. Seu paciente escorregava ainda mais pras profundezas do coma, estado do qual Sukesh temia que não voltasse inteiro. Dois dias desde que Hermione os deixara, e ainda sem notícias. Ele tinha sérias dúvidas do quanto Harry ainda poderia suportar.


Olhou para a ficha médica de Harry, anotando sua freqüência cardíaca atual, pressão sangüínea, e nível de poder mágico. Virou novamente para Harry e quase caiu de seu banco, balançando para o lado com a surpresa.


Dentro da cela estavam quatro pessoas. Duas ele conhecia, duas eram estranhas.


Hermione estava sentada ao lado da mesa de Harry, com Napoleon de pé atrás dela. Inclinada sobre a cabeça de Harry estava uma mulher vestida com roupas pretas sérias, e por cima de seu ombro estava um homem com rosto de águia e sem expressão. As mãos da mulher estavam de cada lado do rosto de Harry.


Sukesh pulou de pé e parou diante do vidro, pressionando as mãos contra ele. Hermione olhou pra ele e balançou a cabeça de um lado para o outro, uma vez, com firmeza, a mensagem bem clara. Não interfira. Então ele observou. Nada parecia estar acontecendo a princípio e então ele viu com olhos arregalados rastros de energia vermelha saindo da cabeça de Harry e subindo pelos braços da estranha onde desapareciam, no corpo dela.


-Sirius – ele chamou rouco. Limpou a garganta e falou novamente. -Sirius!


Sirius acordou de repente e se lançou para fora do sofá no mínimo à velocidade do som. –Oqueque? O quê? – gritou.


-Melhor dar uma olhada nisso.




Theo endireitou a postura. Hermione mal a via. Estava olhando fixamente para o rosto de Harry, agora com uma expressão de sono pacífico. –Está feito – Theo disse.


Hermione desviou seus olhos para longe de Harry e os levantou bem a tempo de ver um pequeno brilho vermelho sumindo nos olhos de Theo. –Ele está bem agora?


Theo balançou a cabeça que sim, a cabeça virando vagarosamente para encarar Hermione. –Aconselho você, Hermione, a não me procurar novamente.


-Não procurarei.


-Boa sorte – ela se inclinou pra mais por um momento. –Apenas lembre, Hermione... está tudo em sua cabeça – Ela e North desapareceram sem mais nenhum comentário, antes de Hermione poder ao menos pensar o que ela quis dizer.


Napoleon limpou a garganta. –Nossa. Que anticlimático.


A porta se abriu e Sukesh e Sirius se apressaram para dentro. –Hermione! – Sirius gritou. –Onde você... Como...


Ela levantou a mão. –Não. Agora não. Me dê um minuto. – ela olhou para Napoleon, que colocou os dois homens para fora da câmara, os dois protestando o tempo todo. Ele fechou a porta atrás de si, deixando Hermione sozinha na horrível câmara... sozinha, exceto pelo homem inconsciente que ela morreria para salvar.


Ela colocou a mão na testa de Harry, a outra segurando sua mão. Ficou sentada assim por algum tempo, ignorando as pessoas que agora estavam reunidas na janela da cela de Harry. Ela só via ele. Não se questionava se estava de fato curado. Pelo pouco que sabia do Guardião (e não se enganava achando que sabia mais do que uma quantidade infinitesimal) disse para ela que não recuaria no acordo. Harry estava seguro agora.


Ela sentiu seu queixo tremendo e tentou segurar e depois se perguntou por que deveria. Ela estava se segurando há dias, talvez semanas. Preocupando-se com ele, imaginando se estaria bem. Pensando bem, vinha se preocupando com ele e imaginando se ele estaria bem há uns dezesseis anos, e estava exausta.


Então colocou a cabeça no peito dele e chorou. Ela chorou por tudo que passou e por tudo que sabia que estava à frente deles, e chorou por si mesma e pela horrível incerteza que ela agora sabia que teria que agüentar pelo resto de sua vida. Principalmente, chorou pelos dois, e esse amor que tiveram tanta sorte de encontrar, esse maravilhoso, terrível e consumidor sentimento que às vezes ela desejava poder escapar.




Quando Hermione saiu da cela de Harry, uma pequena multidão se reunira. Sukesh, Sirius, Lupin, Argo, Napoleon, metade do pessoal do setor médico, ao que parecia. Todos olhavam para ela. Ninguém parecia saber como abordar a questão, então ela os poupou. –Ele vai ficar bem agora – ela disse. –Sukesh, se checar, acho que não vai encontrar nenhum rastro da outra personalidade.


-Já chequei – Sukesh disse. –Ele parece normal.


Ela aquiesceu. –Está apenas dormindo agora.


Sirius avançou, seu rosto brilhando com alívio. –Hermione, você conseguiu! Como foi que...


Ela levantou a mão. –Sirius, lamento não poder discutir isso. Mas sim, encontrei uma forma de ajudá-lo.


-Aquela mulher que vimos... era...


-Sim. O Guardião. Mas tenho certeza que não vão lembrar que a viram por muito tempo. Nenhum de vocês vai. – Ela limpou a garganta, desejando que houvesse menos pessoas aqui. –Sirius, preciso de um favor seu.


-Claro.


-Fique aqui com Harry. Certifique que ele vai acordar bem.


-Bem, vai estar aqui e...


Ela continuou como se ele não tivesse falado. –Quando ele acordar, diga que ele está bem e pra não se preocupar com nada. – O tom de sua voz começava a inspirar expressões preocupadas nos outros. –Quero que diga a ele que tive que ficar longe por um tempo.


O silêncio que respondeu a essa declaração era ensurdecedor. Seus olhos chocados... meu Deus, seus olhos. –Ficar longe? – Sirius disse como se não tivesse certeza do que ouvira.


-Correto – ela encarou Sirius. –Por favor, tome conta dele pra mim – ela virou e andou rápido para fora da sala, escapando de seus olhos.


-Hermione! – Sirius chamou.


Ela não parou de andar. –Venha comigo até minha sala. – ela disse. –A gente conversa lá.


Alguns momentos depois ele entrava com ela em sua sala. –Certo, me explique isso – ele disse. –Você...O quê? Está partindo?


Ela pegou sua pasta. –Sim.


-Imediatamente?


-O quanto antes – ela olhava os papéis em sua mesa, colocando alguns em sua pasta e jogando outros no lixo.


-Tem... Alguma coisa que precisa terminar?


-Não, está tudo acabado.


-Quer parar? – ele falou, puxando a pasta dela. –Me diga o que está acontecendo aqui!


Ela sentou pesadamente, imaginando como poderia explicar. –Sirius... preciso de um tempo sozinha. Pra pensar nas coisas.


Ele vagarosamente afundou em uma das cadeiras de frente pra ela. –Hermione, meu Deus, está abandonando ele?


-Não! – falou, enfática. –Não, estou... tirando uma licença.


-Bem, me perdoe se eu digo que essa não é a melhor hora pra isso! Ele vai acordar a qualquer minuto e vai querer muito te ver!


-Eu sei. Por isso tenho que partir agora mesmo, Sirius. Se ele acordar e eu olhar naqueles olhos, não vou suportar partir e é muito importante que eu vá. Não posso explicar, não completamente, e não espero que entenda.


-Que bom, porque não entendo! Como pode deixá-lo numa hora como essa? – a raiva agora aparecia na voz de Sirius. Hermione sabia que por mais que ele gostasse dela, a lealdade principal dele era para com Harry.


Ela olhou diretamente para ele, esperando que pudesse ser clara, ao menos o suficiente. –Sirius, por favor não me questione... Não tem idéia nenhuma do que tive que desistir para salvar a vida dele. Fiz isso de boa vontade e sem hesitar, mas não sei se poderia fazer de novo. Preciso de um tempo sozinha para pensar no que isso significa para mim, para nós.


-Mas... Harry vai precisar...


-Lamento, mas nesse momento não posso pensar no que Harry precisa. Não venho pensando em mais nada a não ser o que Harry precisa nos últimos dezesseis anos de minha vida. Pode ser uma surpresa pra todos vocês, mas nem tudo em minha vida tem a ver com Harry. Isso tem a ver comigo. Pela primeira vez na minha vida adulta, no momento tenho que pensar no que eu preciso.


-E o que você precisa é ir embora.


-Por enquanto sim – ela olhou para as próprias mãos. –Tenho que trabalhar algumas coisas na minha cabeça. Tenho que pensar nas coisas que quero para minha vida... separada de Harry. Devo isso a ele e mais importante, devo isso a mim. – ela sorriu pra ele. –Entenderei se ficar o resto da vida com raiva de mim por causa disso.


Ele balançou a cabeça. –Por mais estranho que pareça, não estou. Acho que entendo. –ainda parecia confuso, mas Hermione estava mais agradecida por este gesto mais do que poderia dizer.


-Bom. Então posso confiar que vai dar outra mensagem a Harry.


-Claro.


-Quero que diga a ele que não sei quando voltarei, mas tentarei não demorar muito. Diga... – ela colocou a capa, reunindo toda sua determinação emocional. –Por favor, diga a ele que o amo muito, muito mesmo. Diga isso com freqüência, ele pode precisar de lembretes. Vai ter muitas perguntas e você não terá boas respostas pra lhe dar. Faça o que puder para que se sinta seguro, mas, por favor, peça que ele não procure enquanto eu estiver longe. – ela deu um fraco sorriso. –Isso é mais difícil pra mim do que pode imaginar, mas farei o que preciso.


-Como sempre faz. – ela passou por ele então. Sirius não se mexeu, mas quando ela chegou à porta, ele falou de novo. –Então... vai estar completamente fora de contato?


Ela hesitou e quando respondeu não virou. –Se uma emergência aparecer e você tiver mesmo, pode me contatar por uma coruja segura. Creio que não vai ser necessário. – ela deixou Sirius em sua sala e saiu pelo corredor. A tentação de voltar pelo menos por um momento para Harry e lhe dar um beijo de despedida ou sussurrar em seu ouvido era muito grande, mas ela resistiu. Seguiu sua Bolha até a entrada da segurança e deixou o prédio. Conseguiu segurar as lágrimas até chegar no carro.


Não colocou os pés na DI novamente por um bom tempo.

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