Culpa e Consequência



Mais tarde encontrei Shieru estudando na biblioteca e me juntei a ela.


-- Oi Shi! Já terminou a lição? Desculpe o atraso. A professora Trelawney prolongou a aula.


-- Ah, ainda não. Acabei de começar. – ela respondeu sem hesitar e, depois de uma rápida olhada pra mim continuou. - Humm seu humor está melhor, né? Que bom!


-- Hahã. Eu estava bem irritada no final de trato de criaturas mágicas, né? Desculpa.  Não quis ser grossa ou coisa assim, mas é que juntou tudo de uma vez!


--O que houve? - Shieru perguntou preocupada.


-- Bom, resumindo a história toda, Daaé me irrita, Murasaki me irrita e Kang me irrita ainda mais! E os três estavam lá, discutindo comigo. Enquanto eu estava levemente entorpecida. - Vi que os olhos de Shieru se arregalaram confusos e comecei a enrubecer. - Mas vamos deixar isso pra mais tarde? Tenho bastante lição hoje! A Prof. Trelawney ficou muito irritada com a nossa classe! – eu disse com desânimo.


-- Porquê??


-- Murasaki cabulou e ela descontou no resto da sala. Acho que os alunos da Sonserina irão se vingar dela depois.- comentei distraída. -- E dessa vez, realmente, a Prof Trelawney sabia que ela tinha cabulado aula. Isso a deixou extremamente irritada, nem Daaé conseguiu contornar a situação. A professora passou um relatório extra valendo pontuação a mais e, ainda por cima, tirou 10 pontos de Sonserina, os alunos ficaram raivosos e a classe virou um pandemônio. Isso atrasou a aula mais ainda!


-- Eles vão mesmo se vingar dela? Não seria melhor a gente avisar? - perguntou Shieru com um olhar inocente e assustado.


-- Shi, você esqueceu que a Murasaki te molhou toda e vive te provocando? Porque ia querer avisá-la? Ela que arque com suas ações... - perguntei com certa indignação.


-- Bom..é verdade que ela foi bem maldosa comigo. Mas não sei... sinto que devíamos avisá-la... Você mesmo diz que os alunos da Sonserina não são boa gente. Imagina o que podem fazer com ela... Sarah, acho que vou atrás dela! Já volto!


--Espere! Shi! - não deu tempo de segurá-la, mal eu tinha levantado ela já tinha sumido pela porta. Ela era bem mais rápida do que eu imaginava.


“Que menina inocente...” -- pensei enquanto abria o livro de adivinhação – “Porque salvar uma garota mesquinha como a Nana?” Mas, em seguida fechei o livro. Me dei conta que não podia deixar Shieru ir sozinha para o covil das cobras! Levantei-me e corri atrás dela.


Andei por quase toda Hogwarts e não encontrei Shieru ou Nana em lugar algum! Estava começando a arfar de cansaço. Onde elas estariam? Eu pensava com desespero quando, dei um encontrão em Guinnevere.


-- Olhe por onde anda sua desastrada! - gritou irritada. Dessa vez, definitivamente ela tinha perdido toda a sua compostura. Ela parecia estar com pressa e mal olhava para mim, mas resolvi perguntar mesmo assim.


-- Escuta, onde está sua amiga? Estou procurando ela, ou melhor, Shieru.


-- Não sei onde ela está! Estou procurando por ela também. - respondeu com rispidez e saiu com pressa em direção à casa de Hagrid. Fui atrás, se ela também estava procurando Nana, era possível que, se tivesse encontrado Shieru, as duas estariam andando juntas. Guinnevere sabia que eu a estava seguindo, mas não pareceu se importar. Estava andando apressadamente, preocupada e quando chegou na metade do caminho ela desviou para direita. Eu sabia para onde estávamos indo, eu sempre ia lá para pensar e ficar sozinha. Em pouco tempo chegamos ao morro atrás da casa de Hagrid. De lá víamos parte do vale e parte dos fundos da casa de Hagrid com Hogwarts no horizonte. Era a primeira vez que a cena do cair da noite não me tirava o fôlego. Estava preocupada demais para notar.


Quando chegamos ao local, já era tarde. Um grupo de alunas da Sonserina, que se autodenominavam snakeheads e eram famosas pela união e pelo orgulho puro-sangue, passaram por nós na direção oposta. Corremos em direção ao gramado e encontramos Nana ainda caída.


Não me aproximei muito mas pude ver alguns hematomas nos braços e um corte profundo no joelho esquerdo.


-- Nana! v-você...- balbuciou Guinnevere genuinamente preocupada. Acho que Nana era a única pessoa por quem realmente sentia preocupação. Suas mãos tremiam longe dos machucados com medo de piorar a situação.


-- Não foi nada - respondeu Nana. Sua voz estava trêmula. - estou bem. Vamos, embora, Nenne? - seu tom de voz era macio, diferente de antes. Guinnevere franziu a testa, pelo jeito não gosta de ser chamada por apelidos.


-- Não é melhor...irmos para enfermaria...? - perguntou Guinnevere com receio.


-- Não é necessário, quero me deitar um pouco. - respondeu com a voz enfraquecida.


Quando Nana e Guinnevere passaram por mim, notei um corte no canto da boca e outro na sobrancelha esquerda. Nana apanhou do grupo. Por um momento me senti culpada. Eu podia ter evitado aquilo, mas resolvi lavar minhas mãos. Levei minha mão à minha varinha. Eu conhecia um feitiço para cicatrização e era boa nele, mas o olhar que Guinnevere me lançou ao passar por mim freou minha tentativa de oferecer ajuda. Envolvida em meus pensamentos, não consegui notar Shieru encolhida atrás da mureta.


-- Shi?? Graças a Deus você está bem! O que faz aí?


Shieru caiu aos prantos.


-- Sarah!! Foi horrível! - soluçava a menina.


-- O quê?! Elas bateram em você??


-- Não, snif. Eu consegui chegar antes das snakeheads, e tentei avisar Murasaki! Mas ela não queria me escutar! Ficava falando pra eu ir embora logo! - Shieru falou chorando e tão depressa que foi um milagre eu ter entendido a história!-- Eu estava indo embora quando elas apareceram! Fiquei com muito medo e me escondi. Elas gritavam muito! A Murasaki enfrentou todas elas sozinha! Eu não fiz nada...- choramingava inconformada.


-- Calma, querida. Mesmo que você tivesse coragem para enfrentar as snakeheads junto com a Murasaki, obviamente vocês duas sairiam machucadas. Não precisa ser tão dura consigo mesma. - tentei confortá-la. -- Vamos para a cabana do Hagrid, hoje tenho que ajudar ele a escovar Bicuço, você não quer ir junto? Podemos falar com ele...


Shieru assentiu com a cabeça, mas não disse nada. Seu rosto ainda estava banhado de lágrimas.


Quando encontramos Hagrid, Shieru se acalmou, mas ficou com medo de dizer algo sobre o ocorrido. Talvez fosse a culpa de não ter ajudado, ou talvez porque envolver um professor provavelmente iria enfurecer Nana, mas no fim mantemos silêncio. Da minha parte, não estava empolgada de contar que eu omiti socorro a alguém. Já me sentia bastante culpada para ter também que ver um olhar decepcionado de Hagrid. Sem uma palavra resolvemos escovar o Hipogrifo. Estava em época de troca de penas e ele estava sentindo muito incômodo, era preciso escová-lo duas vezes por semana para mantê-lo confortável.


Durante a escovação, nossos espíritos foram ficando mais leves e, infelizmente, eu fui ficando mais distraída. Uma das escovadas de Shieru atingiu a carne de Bicuço e isso o incomodou imensamente. O hipogrifo deu uma sacudida violenta e acabou me cortando, sem intenção, com suas garras. Antes que Shieru notasse algo eu escondi a mão, não queria que ela voltasse a se culpar. Principalmente por algo tão bobo. Mas o sangue não estancou e resolvi ir para a enfermaria, dispensando Shieru com uma desculpa de que tinha esquecido de pegar uns livros na biblioteca. Não queria mentir para Shieru, mas tampouco queria que ela visse o corte.


Assim que cheguei na enfermaria para fazer um curativo, escutei uma gritaria.


-- Menina do céu! O que fizeram com você?! - gritava a enfermeira. - Acho bom chamarmos o diretor aqui agora mesmo!


-- Já disse que caí da escada. Pode, por favor, fazer uns curativos, Madame Pomfrey? - respondeu Nana calmamente.


Pelo jeito Guinnevere conseguiu convencê-la a vir aqui. Me acomodei na cama ao lado para esperar a enfermeira me atender e aproveitei para dar uma espiada rápida por entre as cortinas. Não precisei esticar muito o pescoço, Nana e Guinevere estavam sentadas uma do lado da outra na cama e de costas para mim. Mais uma vez notei hematomas nos braços e, para meu assombro, nas costas de Nana. Meu coração ficou cada vez mais pesado. Minha consciência estava acabando comigo. Queria me convencer de que ela merecia cada machucado, mas eu sabia que estava errada. Nada do que eu inventasse iria tirar minha culpa. Pouco depois Profa McGonagal entrou na enfermaria e eu voltei ao meu lugar:


--Murasaki! Vim assim que pude. Pode me contar já o que aconteceu! – a professora disse enérgica.


--Caí da escada, professora. - escutei a voz calma de Nana.


--Querida, acha mesmo que vou acreditar nisso? - Disse a professora com rispidez. Nana não respondeu.


--Escute aqui Murasaki. Se não quiser me falar o que houve, não vou obrigá-la. Só me diga uma coisa: você se transformou parcialmente? - perguntou a professora.


--Não. Ninguém sabe de nada. - disse Nana secamente.


Isso me pegou de surpresa! Do que elas estariam falando? Transformou?! Como assim, “transformou”? Agucei mais os ouvidos.


-- Tudo bem. – prof MacGonagal continuou paciente - Mas escute, se tiver tendo problemas com seus colegas por causa da condição de seus pais...


Nana interrompeu:


-- Não se preocupe. Ninguém mencionou isso até agora. Pode ficar tranquila professora.


Nana estava sendo educada e seu tom de voz era delicado. Ela tratava a profa Mcgonagal de forma bem diferente em relação aos outros professores. Isso era estranho não só porque Nana parecia ser orgulhosa e preconceituosa como todos os sonserinos, mas porque a Profa. Minerva era da Grifinória. Obviamente elas tinham um histórico e um segredo! Uma coisa ficou bem clara para mim naquele momento: não importava o quanto eu desgostasse de Nana, não ia conseguir me livrar da curiosidade sobre ela. Não iria descansar enquanto não saciasse minhas dúvidas.


Uma das enfermeiras finalmente apareceu e me fez um curativo. Eu saí de fininho, torcendo para que ninguém tivesse notado minha presença. Estava abrindo a porta da enfermaria quando escutei um grito e algo bloqueou a porta:


--Tum!! Aai! - gritou baixinho uma menina. Aparentemente ela estava escondida atrás da porta. Para variar ela era mais baixa que eu. Estava com o corpo encurvado e usava um uniforme da lufa-lufa bastante usado, quase cinza de tão apagado. Usava um rabo de cavalo minúsculo que repuxava todo o seu rosto. Não me lembrava de tê-la visto antes.


--Desculpe! – eu disse confusa, procurando a dona do grito. - Mas o que está fazendo aqui? - perguntei.


--Ah! N-nada não! Não estou fazendo nada de mais. Só estava de passagem! Essa ala da escola é livre! - respondeu a menina com certa autoridade. Parecia estar nervosa e inventava um monte de desculpas ao mesmo tempo para justificar sua presença ali. Provavelmente ela estava espionando algo, ou alguém, mas na hora não dei muita importância e fui para meu quarto. Estava ocupada demais pensando no que escutei na enfermaria. O que a Profa McGonagal quis dizer ao mencionar ‘condição de seus pais’? E que diabo era aquele papo de ‘transformar’?


Durante toda aquela semana fiquei com a imagem de Nana na minha cabeça e aposto como Shieru também sentia-se culpada, ela estava mais quieta que o normal.



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