Desavenças em aula



No dia seguinte eu cheguei cedo para a aula experimental de trato de criaturas mágicas. Hagrid, com a minha ajuda, ficou a semana toda preparando esta aula teste e estava bem nervoso com a reação dos alunos. Ele estava torcendo para que, futuramente, ele se tornasse um professor oficial de Hogwarts. E eu esperava que desse certo. Afinal eu estava lá não só como aluna, mas como ajudante de sala também! Os alunos da Sonserina e Grifinória compartilhavam aquele horário e Hagrid precisava de toda a ajuda que pudesse obter. Na matéria daquele dia lidaríamos com hipogrifos e Hagrid me pediu para ajudar demonstrando as lições básicas com Bicuço.


Os alunos estavam receosos, pois o hipogrifo parecia agressivo e com cara de poucos amigos. Eu estava tranquila, acostumada com as expressões de Bicuço, sabia que ele não me machucaria. Quando todos os alunos já estavam posicionados Hagrid pediu que eu me aproximasse e tocasse Bicuço:


-- Sarah, pequena, faça como combinamos e mostre para os alunos. Pessoal! Observem os movimentos de Sarah e façam exatamente como ela, ok?!


Com um movimento de cabeça assenti e me aproximei de Bicuço, inclinei-me respeitosamente e esperei que ele aceitasse o cumprimento. Assim que ele inclinou a cabeça, me aproximei do hipogrifo tocando-o no bico. Em seguida deslizei minha mão para seu pescoço e o acariciei sob as penas.


-- Muito bem, Sarah! - disse Hagrid, e eu poderia jurar que ele tentou disfarçar uma lágrima de orgulho. - Agora escolha alguém para tentar também! – ele continuou com entusiasmo.


Essa era minha chance! Reuni toda a revolta e maldade que minha alma poderia conter, não era uma tarefa tão fácil, e aproveitei para me vingar de Nana. Olhei para a multidão de alunos tentando parecer maliciosa e a escolhi:


-- Murasaki! Muito bem tente aproximar-se de Bicuço. - Disse Hagrid.


Nana não pareceu nem por um momento estar preocupada ou mesmo perceber minha maldade. Com seu costumeiro semblante inexpressivo ela se aproximou do hipogrifo sem se curvar. Chegou bem perto de Bicuço, que parecia nervoso, fechou os olhos, suspirou e tocou em seu pescoço. A mão de Nana deslizou sobre as penas de Bicuço e, para minha decepção e inveja, ele parecia estar gostando!! Eu não podia acreditar! Como um animal mágico como aquele não podia perceber a maldade dentro dela? A revolta nunca me foi difícil expressar e, em geral quando Nana estava envolvida na história eu a manifestava. Por isso eu senti meus músculos tremerem de indignação.


-- Murasaki, você tem experiência com criaturas magias, não é? - Perguntou Hagrid ao mesmo tempo incrédulo e entusiasmado.


-- Digamos que sim, professor. - respondeu secamente. O “professor” dela saiu mais como um chiado duvidoso do que respeitoso e novamente eu senti o aperto da revolta substituir o pouco de admiração no meu peito.


-- Muito bem! Quem mais gostaria de tentar? - Perguntou Hagrid, que não pareceu perceber o desdém de Nana como eu, voltando-se ao resto da classe.


-- Murasaki! - chamei Nana tentando parecer casual. Eu era uma pessoa revoltada, mas não era orgulhosa à ponto de não me admirar com a habilidade dela. Eu precisava saber a verdade. Respirei fundo e perguntei o mais simpática que pude sem parecer falsa - Como conseguiu se aproximar do hipogrifo daquela maneira?


-- Por que quer saber, Otis? - disse Nana com indiferença sem ao menos olhar pra mim. Respirei fundo mais uma vez e continuei:


-- Porque não é qualquer um que consegue fazer isso! Estou curiosa! Gosto de lidar com animais e fiquei impressionada com o que fez. Pode me explicar? - perguntei tentando ser educada.


-- Como você é irritante, Otis. Só porque você é ajudante do Hagrid, não tem o direito de ficar atrapalhando o estudo dos outros - Guinnevere interrompeu me assustando. Não sei se ela já estava lá ou surgiu do nada! De repente as duas estavam na mesa debruçadas sobre suas anotações. Como eu só focava em Nana não reparei que tínhamos andado até o grupo de alunos da Sonserina.


Eu meneei a cabeça tentando decidir entre ser grossa ou complacente com a interrupção. Eu estava em território inimigo e isso deveria ser levado em conta...


-- Só estou curiosa, acho que isso será importante para o estudo de todos. - disse forçando um sorriso.


--Deixe claro para o hipogrifo que não tem intenção de machucá-lo. - Nana respondeu de repente enquanto escrevia seu relatório da aula.


-- Mas, como? – perguntei confusa. – Achei que a reverência mostrava isso!


-- Pesquise! Você não vive na biblioteca? - interrompeu Guinnevere novamente. De fato ela era uma garota irritante! Parecia que eu não podia nem me aproximar de Nana. Eu não gostava de Nana por causa de Shieru, mas no caso de Guinnevere era pessoal.


-- Certo. - respondi com certo desânimo. Não estava com vontade de iniciar uma guerra só por estar curiosa. Suspirei e ignorando totalmente Guinnevere me virei para Nana antes de partir - Obrigada, Murasaki.


-- Você precisa aprender a controlar melhor seus sentimentos - acrescentou Nana antes de eu sair. Não detectei se isso foi uma ofensa ou uma resposta à minha última pergunta então hesitei um pouco. Desta vez ela olhou para mim, seus olhos lilás eram mesmo bonitos, e não pareciam demonstrar desdém. Não naquele momento. Compreendi uma fração minúscula do que Shieru tentou me explicar antes.


-- Já não nos atrapalhou o bastante? - disse Guinnevere entre os dentes, irritada. Era até cômico ver alguém como ela com raiva. Em nenhum momento ela levantou a voz e sua posição na cadeira era imaculada, mas a arrogância na sua voz era gritante.


Me retirei sem dizer nada. Estava zangada, e ao contrário dela eu não saberia me portar com tanta elegância. Guinnevere conseguia ser pior que Nana! Não entendia essas duas! Não entendia mais nada! Porque uma criatura como o hipogrifo aceita ser tocado por alguém como Amaterasu? Porque estou recebendo lições sobre sentimentos de uma pessoa como ela? Porque Guinnevere não me deixa conversar com ela? Eram muitas perguntas para poucas respostas e eu já previa meus momentos livres sendo infernizados pela minha curiosidade.


Estava tão absorta em meus pensamentos que quase não escutei uma voz me chamando:


-- Otis! Sarah Otis!! - Era Delfim Von Deer tentando falar comigo. Por um momento eu esqueci onde estava. Uma névoa lilás me envolveu e eu só vi o movimento decidido do garoto que se aproximava de mim. Delfim era simplesmente espetacular. Nada nele parecia imperfeito. Seu corpo alto e atlético se movia graciosamente entre as pessoas, seus passos eram firmes mas mal pareciam tocar a grama. Ele tinha olhos grandes e angulados, um nariz reto e a pele mais branca e macia que eu já tinha visto. Seus olhos eram verdes e brilhavam cativantes toda vez que ele sorria. O cabelo loiro e repicado caía um pouco abaixo do queixo e emoldurava o seu rosto delicado.


Fiquei um momento embebida pela visão, acho até que suspirei, mas não tinha certeza. Delfim exercia esse poder sobre as mulheres. Eu não era uma exceção. Não havia como resistir, sua genética era feita para nos enfeitiçar. Ele não precisava fazer nada, apenas existir. Essa admiração toda ocorria principalmente por ele ser filho de um bruxo com uma Veela. Sua mãe, obviamente, era praticamente uma fada encarnada e seu pai, só para ajudar, era um dos homens mais bonitos do mundo mágico. Ele era o embaixador das relações internacionais da magia. Resumindo, Delfim era lindo, famoso e rico. Todas as meninas o queriam.


Depois de alguns segundos respirando fundo eu voltei à mim! Sempre demorava um pouco para sair do meu estado de torpor quando estava perto dele, mas eu não o culpava e muito menos me sentia mal. Sabia que não havia como evitar e com o tempo eu estava aprendendo a lidar com isso.


-- Ahn? Ah, Von Deer! Desculpe, estava distraída. Como posso ajudá-lo? - disse sorrindo com educação.


-- Você conhece as bonequinhas da Sonserina? - perguntou com certa timidez.


Aquilo me pegou de surpresa. Em parte porque nunca estava preparada para a voz musical dele e em parte por não esperar que um dos garotos que poderia ter qualquer pessoa sentisse timidez e muito menos por aquelas duas.


-- Bonequinhas?! Aquelas duas?? - falei confusa e indignada.


-- Ué! Vai me dizer que não sabia? Saiu um artigo sobre elas no jornalzinho da escola. Elas vivem juntas, quase não se desgrudam. São pequenas e delicadas e estão entre as garotas mais bonitas da Sonserina, mas como são muito fechadas, ninguém se aproxima delas. Pelo menos é o que diz o artigo, veja!


Ele me passou um exemplar de O Profeta Escolar de uma semana atrás onde em letras garrafais via-se o título:


“AS BELEZAS DE HOGWARTS”


“Hogwarts vive seu momento de ouro no quesito beleza. Nunca antes foram registrados tantos rostos e nomes encantadores. Foi-se a época em que a habilidade e coragem eram os principais fatores que definiam essa grande escola! Hoje, se fizermos um campeonato ele deve ser sobre elegância e carisma e não sobre feitiços e inteligência. Já é sabido que tais características não são mais as que contam em uma escolha. Apenas nosso querido Chapéu Seletor é imune ao charme de nossos alunos, colocando-os exatamente no lugar em que merecem! Uma prova disso é a inseparável dupla de alunas da Sonserina Amaterasu Murasaki e Guinnevere Daaé. Em assembléia secreta elas foram eleitas as meninas mais bonitas da Sonserina seguidas por Julia Longlashes e Emily Fontana. Contudo, todos sabemos que suas superioridades impedem que os meninos se aproximem e, debaixo das suas aparências delicadas de bonequinhas de luxo, suas verdadeiras personalidades permanecem um mistério.”


Em seguida vinha um ranking das cinco meninas mais bonitas de cada casa. Dei uma bufada inconformada, pensando que a personalidade delas era um mistério apenas para o repórter que escreveu a matéria e virei a página para continuar lendo.


“Mas não podemos esquecer dos representantes masculinos de nossa escola! Cedrico, Leon Kang e Delfin Von Deer poderiam levar essa escola às Olimpíadas se houvesse a modalidade de ...”


Senti uma inquietação do meu lado e, para minha surpresa, Delfim estava impaciente para pegar a edição da minha mão. Aparentemente ele não gostou da parte que mencionava seu nome e sua face estava começando a ficar rosada de vergonha. Achei isso bonitinho!


--Essa é a editora-chefe do jornal? - perguntei apontando pra foto no canto inferior esquerdo da matéria. Achei que ele voltaria a respirar se eu mostrasse que tinha parado de ler a matéria.


-- Sim. Beatrice Valentine. Você deve ter trombado com ela por aí, Valentine vive passeando pelos corredores a procura de alguma matéria interessante. Mas ultimamente ela só tem publicado fofocas. Alguns alunos estão começando a se irritar com invasão da vida alheia. - disse Delfim parecendo mais calmo.


Voltei a olhar para foto! Não me lembrava de ter visto Beatrice antes, mas me lembrava de ter visto aquela foto antes. Era estranho... Havia algo de familiar na pose contida, na elegância do terninho feminino e nos óculos pequeno com aro de tartaruga. Até o penteado parecia familiar. Mas o que realmente chamou minha atenção foi o tom sarcástico e prepotente da matéria. Não parecia que o autor acreditava em uma só palavra do que escreveu... Bom talvez na parte que tocava os meninos...


-- Hum! – o som gutural da garganta de Delfim deu fim aos meus pensamento. - Mas voltando ao assunto... Você conhece as bonequinhas, então, né?


-- Mais ou menos. – eu respondi na defensiva. Mais do que gostaria, pensei, mas ao invés disso perguntei: - Porquê?


--Pode me apresentar? Sempre quis me aproximar de Daaé, mas Murasaki nunca sai do lado dela. E, sinceramente, ela me dá calafrios! - disse Delfim retorcendo o cachecol com um pouco de vergonha.


-- Delfim, você deveria conhecer a Murasaki também, ela parece ser muito encantadora - uma voz irritante surgiu atrás de mim. Seguida de um braço inconveniente que envolveu meus ombros. Era Leon Kang, como seu eu já não estivesse irritada o suficiente!


--Leon, pode por favor desgrudar de mim! - falei com autoridade enquanto retirava seu braço de cima.


Me afastei ligeiramente, mais que por instinto, e isso pôde me fazer vê-los lado a lado. De fato a beleza dos dois era gritantemente diferente. A virilidade de um contrastava com a delicadeza do outro. E as personalidades brigariam se não pertencessem à amigos. De repente eu me dei conta. Delfim TINHA um defeito! Era o melhor amigo de Kang!!!!


--Leon! O que faz aqui? Sua aula já acabou? - disse Delfim com um sorriso.


-- Sim, vim te buscar. Teremos aula de Herbologia e você vai ser minha dupla, né? - disse Leon com interesse. – O que você está fazendo aqui? Achei que estivesse na aula de Poções. Tive que aguentar o mau humor do Snape me dizendo que você não estava mais lá!


-- É... Sempre que posso saio correndo daquela aula. Estava indo para a aula de Herbologia quando vi Sarah de longe. Só estava perguntando pra Otis se ela podia me apresentar a Daaé.


-- Opa! Então me apresente também, quero conhecer a Murasaki! - disse Leon com entusiasmo.


Por um momento eu fiquei pasmada. De fato não achava que Kang fosse grande coisa, mas esperar algo de Murasaki enquanto ficava correndo atrás de mim, não fazia sentido. São gostos totalmente diversos...


--Sinto muito! – falei já cansada. - Não vou poder ajudá-los nisso! Daaé não vai com a minha cara e também não deixa ninguém se aproximar de Murasaki. Podem ir tirando o cavalinho da chuva!


Comecei a me irritar novamente. Esse homens!!! Não sabem que essas duas não tem boa índole. Vivem atazanando a pobre da Shieru.


-- Sarah! - Shieru acabava de chegar. - Vamos juntas para a biblioteca depois?


Finalmente alguém pra melhorar meu humor, se eu não tivesse aula de poções agora, seria capaz de cabular. Dei risada de mim mesmo. Aquilo já estava virando uma festa!


--Vamos sim, Shi! Sem problema! Que horas...?


--Que garotinha mais charmosa! - Leon me interrompeu e contornou Shieru tentando dar uma de gostoso.


--O-obrigada! - respondeu Shieru já ficando vermelha.


--Sou Leon Kang! E você é..?


--Shieru Haibara. M-muito prazer, Kang.


--Ora, me chame de Leon, princesinha.


Argh..princesinha? Esse Leon me dava nos nervos! Está certo que ele é volúvel, mas ele mudou de mim, para Nana e para Shieru em menos de dois minutos. Como um cara pode ser tão galinha e ainda achar que agradava!!! Ia separar os dois quando Nana apareceu!


-- Princesinha? Não me faça rir! Haibara é tão princesa quanto esse hipogrifo é um unicórnio!  


-- Murasaki! Deixe Shieru em paz! Chispa daqui! - gritei irritada. Já estava ficando com dor de cabeça.


-- Você é muito charmosa! - Interrompeu Leon, enquanto colocava a mão sob o queixo de Nana que olhou diretamente para Leon. - Seus olhos de raposa, são encantadores! - e aproximou-se ainda mais de Nana.


-- Já chega de palhaçada. – e a cacofonia de frases e rostos ficou completa com a interrupção de Guinnevere. -- A aula já acabou e a próxima é de poções. Prof Snape não tolera atrasos! Você e Von Deer não tem aula de herbologia agora, não? Chispem VOCÊS daqui! – ela disse com autoridade enquanto afastava Leon de perto de Nana.


Acho que a minha dor de cabeça somada com minha nítida impaciência em relação à Guinevere extrapolaram os limites da minha coerência. E de repente me vi pensando: Quem ela pensa que é gritando com os outros desse jeito? Ah não! isso não vai ficar assim:


-- Escuta aqui Daaé. Pare de ficar entrando no meio da conversa dos outros! Ainda temos tempo de sobra pra aula de poções! – intervi.


-- Conversa? Chama aquilo de conversa? Vocês estavam discutindo e chamando a atenção de todos. Acha prudente você, que é ajudante do professor Hagrid, ficar criando comoções no meio da aula? Pare de ser infantil. – Guinnevere respondeu com o queixo erguido e os olhos semicerrados. Mordi os lábios de ódio, mas ela tinha razão.


-- Nenne...está apertando minha mão! - disse Nana enquanto era arrastada por Guinnevere.


-- Pare de me chamar assim, idiota! - ralhou Guinnevere. Era a primeira vez que eu via Guinnevere perder a classe. Fiquei impressionada com a força de sua reação.


Não entendia aquelas duas. Estava furiosa com tudo aquilo, mas tentei me acalmar. Shieru parecia aflita ao notar minha raiva. Resolvi esquecer tudo aquilo e ir para a aula de poções. Nem reparei que deixei um Leon convencido e um Delfim decepcionado atrás de mim!



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