Um pouco de passado e quadribo



Eu estava me dando muito bem com Shieru. Nos dias que se passaram ela vinha me visitar com frequência e começamos a passar mais tempo juntas. Consegui montar um horário bem produtivo com ela. Sempre almoçávamos juntas e depois íamos para a biblioteca fazer as tarefas. Nos dias em que precisava ajudar Hagrid, Shieru também me dava uma mãozinha e eu terminava o serviço mais rápido e, assim, conseguia mais tempo para realizar outras coisas. No próximo sábado teria uma partida de Quadribol e estávamos ansiosas, Shieru bem mais do que eu. Eu conhecia o significado das vésperas de um jogo...


Mary Alice estava ocupadíssima, treinando todos os dias com o time e sem tempo para se dedicar ao próprio lazer, o que significava que o humor dela estava intragável; por isso não sabia se queríamos que a partida acabasse logo ou que nunca chegasse!


Em um dos dias encontrei Shieru na biblioteca sentada lendo um livro sobre o ocultismo. Assim que me sentei ao seu lado ela me perguntou:


--Sarah, você acredita em destino?


--Destino? Como assim?


--Ah, você acha que existe um destino traçado para todos nós? Que as pessoas que encontramos, os fatos que acontecem, que nada ou tudo é por acaso?


Não respondi de imediato. Não sabia o que responder! Nunca tinha pensado nisso realmente... Depois de um tempo que fez Shieru se inquietar eu respondi da maneira mais coerente que pude.


--Humm. Eu realmente não sei, Shi. Mas acredito que o destino pode ser alterado, depende muito de nós mesmos. - Esse tópico é mesmo polêmico, pensei.


-- Acho que não existem coincidências nesse mundo, só o inevitável. Minha mãe costumava dizer isso. - disse Shieru.


--É uma frase muito interessante! Acho que é algo para se considerar, Shi! Mas vamos estudar? Tenho muita lição para fazer.


-- Ah é mesmo! É que adoro esses tópicos sobre o ocultismo. – abrindo seu caderno de exercícios.


-- Então você deve gostar da aula da Prof. Trelawney, né? - falei distraída com a minha lição.


-- Na verdade, não. Minha mãe costumava me contar coisas legais. Ela também costumava recitar feitiços de proteção para mim. - disse Shieru alegremente.


Então parei o que estava fazendo. De repente notei que Shieru havia falado da mãe no passado duas vezes. Isso despertou algo em mim. Não sabia ao certo como agir naquela hora. Algo não estava certo... Instintivamente fechei o livro e perguntei do modo mais descontraído possível:


-- Você se dá muito bem com a sua mãe, pelo visto.


-- Sim, ela era uma pessoa incrível! - disse Shieru com orgulho.


-- Era? – perguntei cautelosa.


-- Sim. Minha mãe já faleceu, quando eu tinha nove anos. – Shieru falou baixinho, mas não pude definir se era tristeza ou conformidade na sua voz.


-- Entendo... - respondi complacente -- Desculpe por fazê-la lembrar de algo triste.


-- Tudo bem Sarah, estou acostumada a viver sozinha. - Shieru respondeu com um sorriso triste.


-- Sozinha? Como pode estar sozinha? E sua família? Seu pai? Tios, avós, alguém? - perguntei. Não sabia o quanto Shieru estava disposta a se abrir, nem o quanto essas perguntas a estavam ferindo, mas não tive tempo de refreá-las na minha boca.


-- Meu pai desapareceu, ninguém sabe do paradeiro dele. Meus tios...eles não vêm me visitar. Mal os conheço. - disse Shieru.


Eu estava chocada, como uma menina tão jovem e alegre como ela teria passado por tantas provações? Estava começando a admirar Shieru, mais do que me penalizar. Ela era mais incrível do que deixava transparecer. E eu achava que ela era só chorona.


-- Mora sozinha? – uma voz atrás de nos sussurrou. -- Difícil acreditar que um bebê chorão como você consegue se virar por conta. - Provocou Nana esgueirando a cabeça por cima do ombro de Shieru.


--E-eu...- gaguejou Shieru.


-- O que foi? Está sem palavras diante de minha presença? - continuou Nana enquanto passava a mão pelos cabelos de Shieru que estava paralisada de medo.


--O que está fazendo? - interrompi.


--Oh..você está aí? Nem notei. Pode nos dar licença? Estou ocupada. - disse Nana com total desdém. A clara tentativa indiferença dela fez o efeito desejado e me irritou!


--Pare de provocar a menina! Não tem mais o que fazer? – retruquei falando com os dentes cerrados.


-- Quem não tem nada pra fazer é você. Está atrapalhando minha diversão. - disse Nana ainda sem olhar para mim.


--Ora! Saia já daqui!! - Gritei irritada.


-- Shhhhhhhhhhhhh!! - vários alunos ao redor começaram a reclamar.


-- Escute aqui senhorita Otis - a bibliotecária surgiu do nada e começou a ralhar comigo - Aqui não é lugar para ficar gritando! Trate de continuar seu estudo em silêncio ou vá para seu dormitório!


--Viu só? Shhh! - disse Nana me provocando com um sorrisinho malicioso. E acrescentou:


-- Haibara, ainda nos encontramos de novo por aí. Estou de olho em você. - falou baixinho para Shieru enquanto se retirava. Guinnevere a esperava na porta da biblioteca.


Quando me recompuz da vergonha e irritação notei que Shieru estava quieta, paralisada.


-- Shi, tudo bem? - perguntei preocupada.


-- S-sim...está tudo bem. - respondeu Shieru, novamente com o rosto vermelho.


-- Shi, você sempre fica vermelha quando a Murasaki te provoca, porquê? - finalmente perguntei. Isso estava me incomodando desde quando a conheci no trem.


-- É que... eu acho ela tão bonita. Quando ela se aproximou de mim no trem, senti o perfume dela. E ela ainda me elogiou! – Shieru respondeu sem graça.


O quê?! – pensei estupefata. Não dava pra acreditar! Será que Shieru era tão inocente e incapaz de ver que Nana queria provocá-la?


-- Por isso não retrucou as provocações dela?! Achei que você tinha ficado com medo e não admirada! - respondi com certa indignação.


-- Sim, ela me assusta, mas ao mesmo tempo, me fascina. Os olhos lilases dela... não consigo me mover quando ela olha diretamente pra mim. - disse Shieru ficando ainda mais vermelha.


Não adiantava! Não entendia! Não entendia mesmo! Como era possível sentir admiração por alguém como Nana? Ela, ela era malvada e estranha! Eu estava ficando confusa.


-- Escuta, já que estamos nesse assunto eu quero saber, o que ela cochichou para você no trem? - lembrei de perguntar. Shieru ficou roxa de tão vermelha. E disse:


-- Ela falou “você me diverte”.


-- E porque você fica vermelha só de lembrar disso? - perguntei ainda mais indignada.


--É porque ela chegou tão perto de mim!


-- Ai, Shi. Não entendo você! Não entendo mesmo. - respondi exasperada


-- Sabe, Sarah, acho que sentimentos são incompreensíveis mesmo. Melhor que entendê-los, é aceitá-los. – Shieru disse quase solenemente.


Não entendi o que ela quis dizer com aquilo, estava confusa demais para pensar em tal assunto e queria me concentrar na lição; mal sabia que acabaria compreendendo mais tarde. Mas eu era honesta o bastante para notar que o humor de Shieru tinha melhorado depois daquilo. Ela não estava mais pensando na mãe ou no ocultismo. Para algo de bom a presença de Nana serviu...


***


Finalmente aquela semana estava chegando ao fim! A primeira partida de Quadribol seria naquele dia e todos os alunos falavam dos testes para os próximos jogadores. Olívio Bloom, capitão do time da Grifinória estava fazendo testes para os próximos anos. Ele era metódico e obcecado por quadribol.


O mau humor de Mary Alice iria embora logo após a partida, e, com a animação do jogo, esperava eu esquecer o que aconteceu na biblioteca e me sentir bem mais disposta. Shieru parecia mais animada e resolvemos apostar para ver quem iria ganhar, Grifinória ou Corvinal. Eu queria muito que Grifinória ganhasse pois isso garantiria o bom humor de Mary Alice para a próxima semana, mas se isso não acontecesse, pelo menos os treinos seriam mais amenos até a próxima partida. E Mary Alice era bem mais interessante de bom humor!


--Sarah, você conhece algum aluno da Corvinal? - perguntou Shieru.


-- Humm... defina conhecer! – eu respondi evasiva


-- Bem, quero dizer se é amiga de alguém de lá – Shieru ficou confusa


-- Não! Amiga não! Porquê? – respondi desconfiada.


-- Ah, curiosidade. Seria legal conhecer alguém de cada casa, não é? - disse Shieru me olhando inquisitória.


-- Sabe que eu não cheguei a pensar nisso? – respondi sem olhar diretamente para ela, mas tinha certeza que ela não estava muito satisfeita com minha resposta.


Quando os times entraram em campo a torcida gritou com emoção. Shieru e eu pulamos de alegria! Pulamos com tanto entusiasmo que Shieru perdeu o equilíbrio e caiu em cima de um garoto magricelo.


--Uii! - gritou Shieru


--Você está bem? - perguntou o garoto ajudando-a a se erguer.


-- Estou sim, ai. Desculpa! Caí em cima de você, né? Espero não ter te machucado. - disse Shieru com aquele sorriso contagiante.


-- E-estou bem... - gaguejou o garoto encabulado. Ele olhava Shieru com extrema admiração. Suas mãos agarravam a câmera fotográfica do seu pescoço com força, como se a máquina fosse a única coisa que o mantivesse firme, mas Shieru nem percebeu.


Que graça, pensei. Acho que foi amor a primeira vista! Pobre garoto, teria dificuldade para chamar a atenção de Shieru. Nesse instante, a arquibancada pulou gritando:


--Golllll!!


Grifinória acabara de marcar um ponto! E corvinal já preparava seu próximo ataque! Os irmãos Weasley cercaram o atacante da Corvinal, mas esqueceram do outro. Com um truque todos acharam que a bola estava com o atacante errado. O que salvou a Grifinória foi Mary Alice, que interceptou a bola quase no último momento e evitou o gol. Ela rebateu a bola para George Weasley.


--Shi! Lembra da Estrela? A menina que eu te apresentei em um dos almoços? Veja ela lá em cima, ela é a apanhadora do nosso time! - comentei.


-- Aquela ali? Estou vendo! Ela é tão alta como você! E muito bonita!- respondeu Shieru. - E quem é aquele ali? Ele é bonito! – ela perguntou logo em seguida desviando o olho para baixo.


-- Quem? Ah. Já sei, você se refere ao goleiro da Corvinal, né? Ele se chama Leon Kang. - Respondi sem demonstrar muito interesse. Leon estava entre os 10 primeiros garotos mais cobiçados de Hogwarts, na verdade encabeçava a lista dos mais bonitos. E tenho certeza de que as garotas da corvinal tinham o maior orgulho disso. Elas não estavam erradas. Qualquer um notava Leon, os longos cabelos negros e lisos, ele era alto e com corpo atlético além de ser um dos alunos mais inteligentes da escola. Seu rosto era perfeito, com feições bem definidas, tudo nele clamava “bom partido”. Mas eu não pensava exatamente assim...


--O que foi, Sarah? - perguntou Shieru estranhando minha expressão de nojo.


-- Não o suporto! Leon não é só auto confiante, ele tem um ego gigantesco! Toda a beleza que o rosto dele possui é perdida na consciência que ele tem dessa beleza. Odeio homens metidos assim! - respondi desdenhosa.


--Puxa, é mesmo? Que pena, ele é muito bonito. - disse Shieru com leve desânimo.


--Ah, Shi. Admirá-lo de longe não é problema, né? Ele não deixa de ser bonito só porque EU o acho intragável. - disse tentando animá-la.


-- Sim! É sempre bom ter uma paixonite de vez em quando né? - respondeu Shi sorrindo. Eu não gostei daquele sorriso, mas não disse mais nada.


No final, para minha felicidade e de um quarto de Hogwarts, Grifinória ganhou! Estrela Riverdale conseguiu pegar o pomo de ouro após 45 minutos de jogo. O jogo foi emocionante! Se não fosse pelo pomo, teria dado empate! Corvinal tinha excelentes atacantes! Mary Alice estava eufórica e dei graças a Deus, pois provavelmente ela ficaria de bom humor o resto da semana. Estava na hora do almoço e resolvemos ir para o refeitório comemorar com o time todo.


Sentamos ao lado de Estrela e Mary Alice. Shieru estava muito contente e sentindo-se importante sentando-se junto com o time de quadribol:


-- Ai Sarah! Nunca pensei que sentaria com o time!


-- Aposto como os alunos do seu ano estão arrependidos de não serem seus amigos agora, né? - falei com alegria.


Eu estava errada. Nesse momento: Ploft! um pedaço de papel acertou Shieru.


-- Ai! O que é isso? - disse Shieru enquanto pegava o papel amassado. Antes que eu pudesse impedi-la ela desdobrou o papel e viu que era um berrador


Tá se achando né? Filha de traidor! Devia ter ido para a Sonserina, junto com seus colegas!


Shieru ficou vermelha, mas dessa vez de raiva. Percebi que estava a ponto de chorar de ódio e coloquei minha mão sobre seu ombro. O berrador mal havia terminado de berrar quando foi transformado em purpurina. Mary Alice e Estrela haviam feito o feitiço ao mesmo tempo e ele se intensificou caindo em chuva sobre nós.


Shieru e eu olhamos para as duas e elas sorriram complacentes para nós. Senti orgulho delas. Sempre dispostas a resolver uma crise! Resolviam o problema sem delongas. Sorri e voltei minha atenção para Shieru.


-- Não ligue, devem estar morrendo de inveja porque você está sentada aqui conosco. Diriam qualquer coisa para te irritar... – disse fazendo carinho no ombro dela. A verdade era que eu fiquei curiosa sobre a parte da “traição” na carta, mas alí não era momento de perguntar isso!


-- Tem razão. Isso não é motivo para chorar. Obrigada Sarah. Você é a melhor amiga que tive! - sorriu Shieru. E acrescentou - Não gosto de pessoas que acham que todos da Sonserina são malvados. Isso é rotular. Injusto, né Sarah?


-- É....- Eu paralisei! No fundo, eu discordava um pouco dela.


De repente ouvimos uma comoção. Um dos garotos do terceiro ano gritava apavorado:


-- Socorro! Tem uma cobra na minha cabeça! Socorro!! Me ajudem!


Vi os alunos da Sonserina gargalhando do pavor do garoto. Aposto como foram eles que puseram a cobra lá! Já ia falar pra Shieru que o povo da Sonserina não prestava quando ela disse:


-- Foi ele, Sarah. Ele que jogou o bilhete em mim - Disse Shi.


-- Como você sabe? - perguntei


-- É ele que sempre me provoca e os outros acabam acompanhando. - disse Shieru. - Quem será que lançou o feitiço?


-- Não sei, mas pelo jeito alguém da Sonserina está do seu lado... - disse brincando.


O drama não durou muito. Professor Flitwick interrompeu o feitiço e tirou cinco pontos da casa Sonserina. Estávamos indo para os quartos quando vi Leon Kang se aproximando:


--Sarah! Estava me assistindo no jogo, não é? Eu percebi que você olhou para mim! Gostou de como eu defendi os gols da Grifinória?


Não tive tempo de fugir e então respirei fundo e respondi o mais ríspida que fui capaz:


-- Vocês perderam, Kang!


-- Ah, mas só porque o pomo foi capturado. Se dependesse de mim ficaríamos horas jogando só para permitir que você me admirasse por mais tempo...


-- Aham, nos seus sonhos Kang. – retruquei impaciente.


-- Ah... Sarah.. De fato eu sonho com você... Sonho com o dia em que deixará de ser tão fria comigo. Não percebe que eventualmente você vai sucumbir ao meu charme? Todas o fazem - disse Leon manhoso, insinuando seu compor pra mim.


Leon tinha um modo interessante de se impor. Ele era mais alto e mais forte. Projetava seus ombros largos sobre mim e usava isso para parecer galanteador. Seria engraçado se não me enojasse tanto!


-- Escuta Kang, EU não sou como as ovelhinhas que vivem te pageando. – respondi já cansada. – Já tivemos essa conversa... Por quê insiste em perder seu tempo comigo? Tenho mais o que fazer, sabia?


Comecei a andar dando a conversa por encerrada. Mas Leon não desistia. Não importasse o que eu fizesse. Simplesmente era incapaz de ouvir um NÃO. Não entendia o que ele ganhava tentando me conquistar, mas eu estava decidida a não fazer parte do rebanho dele!


-- Você ainda vai se entregar ao me charme, Sarah. Sou bonito demais pra você resistir! - Leon ainda gritou ao longe. Andei mais depressa, queria me afastar o mais rápido possível dele, com a vã esperança que ele parasse de fazer cena. Porque ele insistia em me provocar? Como ele poderia acha que eu cairia nessa conversa fiada?


--Sarah! Ande mais devagar! Tenho pernas curtas! - disse Shieru ofegante ao meu encalço.


-- Ah... Desculpa Shi. Queria me afastar do Kang logo, odeio ser feita de besta.


-- Eu ia gostar se ele ficasse no meu pé! - Disse Shieru com uma risadinha.


Parei para pensar, então! Será que a solução seria outra. Se de repente eu me jogasse nos braços dele ele perderia o interesse e me ignoraria junto com as demais? Eu só precisaria aguentar um pouco e fingir estar interessada nas besteiras que ele falava... Não! Seria um sacrifício intolerável! Afastei a idéia da mente rapidamente e corri para a aula.



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