King's Cross - Hogwarts



Londres, 02 de setembro de 1971
    Sirius olhava para o lado entediado. Era um garoto de onze anos, grande para sua idade e com mãos e pés grandes e brutos. Tinha uma consistência física forte, ombros largos e pernas compridas e um cabelo negro espesso a cair desordenado pelo rosto numa franja mal aparada. Seu rosto tinha uma perene expressão de desdém e ele usava uma camiseta e uma jaqueta preta, com calças jeans e tênis, e andava procurando ser o mais displicente o possível, ao lado de um rapaz alto e bonito, de cabelos longos e olhos azuis, de seus 18 anos que aparentemente tentava dar conselhos ao menino sem sucesso:
-    Escute... cuidado com o Filch, viu? Ele parece bobo, mas de bobo não tem nada – Sirius olhava para o alto, procurando ignorar os conselhos do irmão – Sirius, você está me ouvindo?
-    Estou, Caius... eu já sei, você já disse isso. – Sirius olhou para os lados procurando ver se distinguia algum conhecido entre os filhos de bruxos que iam chegando à estação, repentinamente, seu rosto se iluminou e ele acenou para um outro menino, que se aproximava dele rindo.
-    Oi, Sirius! Você também vai pra Hogwarts?
-    Fazer o quê? – Sirius fez um gesto de desdém – depois de ter um pai e um irmão primeiros alunos – disse olhando para Caius, que o contemplava com uma desaprovação indulgente – Caius, esse é o Thiago, ele estudou comigo antes de eu ser expulso daquela escola em onde mesmo, eu já estive em tantas... lembra?
Caius sorriu para o outro garoto, que ajeitava os óculos sobre o nariz toda hora, era pouco mais baixo que Sirius e bem magro, com um cabelo muito desalinhado e revolto, que fazia o de Sirius parecer até bem penteado, porem usava uma roupa impecável, e estava com os pais, um casal distinto de bruxos, que cumprimentou Caius Black polidamente, antes de falar qualquer coisa para o filho. Eles estavam a alguns metros da barreira que conduzia à plataforma 9 ½ . Um grupo de meninas de seus 16 anos passou dando risotinhas marotas na direção de Caius antes de sumir na barreira. Sirius pensava entediado que seria melhor passar logo, e olhando a mãe de Thiago ajeitando carinhosamente o casaco do filho, e se chateou porque seus pais afinal nem haviam se preocupado em trazê-lo para a estação. Ainda chateado, uma coisa chamou sua atenção brevemente.
Uma menina ia entrando completamente sozinha pela estação. Ele reconheceu na hora só podia estar indo para Hogwarts e para primeiro ano, porque era baixa demais para ter mais de onze anos. Ela usava uma saia xadrez e um suéter azul marinho, com meias três quartos e um par de sapatos tipo boneca caprichosamente polido e empurrava um carrinho com um malão e uma pequena valise com o olhar duro,  passando por ele e os outros direta e resoluta com os olhos apertados na direção da barreira,  os longos cabelos pretos divididos em duas tranças que caíam até a cintura. Tinha  um estranho sinal bem no meio da testa. Sirius a achou engraçada, com a cara séria e compenetrada, e não podia imaginar que na verdade a menina estava pensando nos próprios sapatos.
“Será que eu aprendo um feitiço para que meus pés parem de crescer? – pensava a menina – eu não posso perder este par de sapatos... eles tem que durar até o fim do ano letivo, meus pais não conseguiriam me dar outro.” – Um senhor idoso a observava da entrada da estação,  um policial aposentado, trouxa, mas que sabia do mundo dos bruxos porque tinha uma irmã bruxa e um grande amigo que também era um bruxo. O velho senhor não entrou na estação com a menina porque sabia que de ali em diante ela teria que se virar sozinha no mundo da magia, um mundo ao qual ela pertencia sem saber nem conhecer, uma vez que nascera filha de pais aparentemente trouxas (mas ele sabia que a mãe dela na verdade tinha algo de bruxa), perto do porto de Sussex. O velho deu as costas à estação sorrindo ao ver a menina sumir na barreira. Soube naquele momento que Sheeba caminhava para encontrar seu lugar no mundo.
Sheeba fechou os olhos um segundo antes de atravessar a barreira e pela segunda vez na vida vez, ela deu de cara com o mundo mágico (a primeira, não menos surpreendente fora no beco diagonal). A plataforma fervilhava de estudantes e pais de alunos, a maioria visivelmente bruxos. Ela lembrou-se do dia que fôra ao beco diagonal com seu tutor, Mr Allen, o policial amigo de Alvo Dumbledore. Quase inconscientemente olhou na direção da sua pequena valise onde estavam o par de vestes de estudante e a varinha mágica, de 27 cm, feita de bétula com corda de coração de dragão,  lembrando das faíscas azuis arroxeadas que a varinha emitiu quando ela agitou-a no ar na loja do Sr Olivaras. Ela ouviu algumas pessoas falando atrás dela, ainda maravilhada diante do expresso de Hogwarts:
-    Escute, Sirius: procure se comportar... papai ficou muito chateado com a última que você aprontou, por favor, tente ser menos monstruoso e mais civilizado... agora você não tem mais a mamãe por perto... se pelo menos eu ainda tivesse mais um ano em Hogwarts.
-    Ah, Caius, não enche.
Sheeba se virou e viu um rapaz tentando conversar com um garoto que calculou  ser do primeiro ano também. O rapaz era muito jovem, devia ser irmão mais velho do menino, usava uma capa preta e uma veste azul marinha muito elegante. Ela olhou para o outro lado e empurrou o carrinho na direção do condutor, não esperando ajuda para carregar o pesado malão. Entrou na fila. Na sua frente, havia um outro menino, de cabelos curtos e negros um pouco ensebados, que se virou com um ar de profundo desagrado quando a viu atrás de si, os olhos contemplando com um certo desprezo  a marca na testa da garota.
-    Você então é a tal que vê o futuro. Eu imaginava que você tivesse uma cara mais inteligente.
-    Está falando comigo?
-    Tem mais alguém com uma marca idiota na testa? – sem avisar, Sheeba pegou a mão do garoto com força, queria só assustá-lo, mas um choque percorreu seu corpo. Ela o olhou, vendo o pavor crescente em seu rosto.
-    Como é seu nome? – ela disse, subitamente séria
-    Se-severo... Severo Snape
-    Você vai ter muito do que se arrepender na vida– disse ela, largando a mão do garoto, que virou-se procurando evitar-lhe o olhar.
-    Trouxa. Você nunca fará magias decentes.
-    Vamos ver...
Em pouco tempo, ela estava lutando para carregar o malão para dentro do vagão, quando um velho alto, acompanhado de um menino de rosto moreno que a olhava com curiosidade apareceram bem atrás dela. O Velho sorriu e ajudou a menina, levando seu malão  até uma cabine do vagão do primeiro ano. Já havia lá dentro uma menina de cabelos castanho avermelhados, se despedindo da família e um menino pálido e magro, adormecido profundamente num canto. O velho perguntou à menina se havia lugar para mais gente e ela assentiu com a cabeça. Ele empurrou o malão de Sheeba para dentro e o guardou, a menina segurava a valise apertada entre os dedos. O velho sorriu para ela dizendo:
-    Pronto. Seus pais não vieram te trazer?
-    Não... eles não puderam vir de Sussex – ela falou de forma quase inaudível e o velho riu, virando-se para o menino alto que o acompanhava:
-    Este é meu afilhado, Atlantis. Ele também está no primeiro ano – o menino sorriu sem jeito – acho que vou ter que achar outra cabine para ele. Boa Sorte, menina. Qual o seu nome?
-    Sheeba. Sheeba Amapoulos – o Velho então reparou a marca na testa dela e um lampejo passou brevemente pelo seu rosto, ele saiu da cabine levando o afilhado e Sheeba virou-se para sentar.
A menina que estava na cabine chorava enquanto seus pais saíam pelo corredor com outra menina, essa já uma mocinha e com um ar de profundo desagrado. Sem dizer nada, Sheeba sentou-se na beiradinha do banco ocupado pelo garoto adormecido olhando para a outra menina,  que tinha lágrimas nos grandes olhos verdes e rosto colado no vidro da janela. Sheeba começou a brincar com um, guizo que sua mãe pendurara numa pulseira que ela usava, podia ver que em casa sua mãe estava pensando nela... sorriu brevemente. Em pouco tempo, o trem ganhou movimento e ela pensou em ir para a janela, mas respeitando as lágrimas da menina, deixou-se ficar por uns instantes onde estava, olhando o garoto adormecido.
Normalmente, Sheeba evitava tocar nas pessoas. Ela tinha um dom, que achava horrível, de saber, ao tocar subitamente algo ou alguém, coisas sobre o passado o presente e o futuro. Isso era insuportável às vezes, e em pouco tempo, as pessoas sabiam disso e a evitavam. Fôra o Sr Allen que começara a esclarecer a ela que na verdade ela era uma bruxa... isso acontecera quando ela tinha oito anos. Ele trouxera à sua casa um velhinho esquisito, de barbas brancas e cabelos longos e muito grisalhos. Seu nome era Alvo Dumbledore.
O encontro de Sheeba com o velho bruxo mudaria sua vida para sempre. Ele olhou para a marca na testa dela com espanto e satisfação e disse:
-    Há mais de cem anos não nasce uma como você. Você tem o toque de Prometeu, Sheeba. Me dê sua mão.
Seja lá o que fosse o tal toque, quando pegou na mão do velho bruxo ela se espantou... ele tinha mais passado que qualquer pessoa que ela conhecera, e isso apareceu a ela na forma de imagens rápidas... que foram substituídas por uma imagem forte e presente: a silhueta de um homem assustador, de voz gelada e intenções terríveis.
-    Ele... ele quer matar o senhor! – Sheeba disse a Dumbledore, que sorriu dizendo:
-    Eu sei disso, Sheeba. Mas você daqui há quase três anos vai aprender a nos dizer o que não sabemos... eu vou conseguir uma bolsa de estudos pra você na melhor escola de magia do mundo... eu sei que é a melhor, e não é porque eu dou aula lá... enquanto isso não acontece, você gosta de sorvetes de limão?

E ali estava ela agora, olhando para a menina ruiva, vestida de verde, que sentara-se novamente, e parecia querer puxar conversa.
-    Você é de família bruxa ou trouxa? – perguntou a garota
-    O que exatamente é uma família trouxa?
-    É uma família que não tem bruxos.
-    É – Sheeba disse resignada – eu sou de uma família assim. E você?
-    Também... minha irmã podia ter sido bruxa, mas não quis...qual seu nome?
-    Sheeba e o seu?
-    Lilian. Você acreditou quando recebeu a carta?
-    Eu já sabia que ia receber... é uma história longa, depois te conto... quem será esse garoto dorminhoco que está aqui? Será que ele também é do primeiro ano? – Sheeba olhou para o menino, que tinha um cabelo castanho claro muito liso, e vestia uma blusa xadrez e uma calça comprida preta.
-    Mexe nele, quem sabe ele não acorda?
-    Eu não – Sheeba evitava sistematicamente tocar em quem não conhecia, só o fazia quando provocada, assim mesmo, às vezes se arrependia. – Você é de onde?
-    Chelsea, e você?
-    Sussex.  – Sheeba se aproximou da janela e olhou para fora, Lilian a seguiu, tinham saído de Londres e havia campos e pastos na paisagem. Ficaram um tempo em silêncio, quando um estrondo as espantou. Três meninos entraram correndo espantados na cabine. Sheeba reconheceu o garoto que recebia conselhos em King’s Cross.
-    Sirius, você é doido – disse o menor dos três, um menino meio gordo de nariz comprido – a gente vai ser expulso antes de chegar a Hogwarts – o outro garoto ria. O menino que estivera dormindo abriu os olhos e piscou algumas vezes olhando em volta:
-    Já saímos da estação?
-    Já saímos de Londres! – Disse o menino grande – onde você estava, no mundo da lua?
-    Dormindo – disse o garoto, que parecia que ia dormir de novo
-    Ei – Sirius o sacudiu – Você vai dormir a viagem toda?
-    Eu não estou muito bem hoje – disse o garoto, mas já parecendo mais animado – O que vocês fizeram?
-    Esse maluco soltou uma bomba de bosta no corredor – riu um menino de óculos que até então estivera calado.
-    Ei, ei – Sheeba os interrompeu – a reunião de vocês está muito divertida, mas vocês estão na nossa cabine.
-    Mostre o certificado de propriedade, o trem todo pertence à escola... se nos virem no corredor estamos perdidos. E quem e você, garota?
-    Meu nome é Sheeba e essa – Sheeba tocou o ombro de Lilian e teve um ótimo pressentimento – é minha amiga Lilian. E não queremos levar a culpa por bombas que vocês joguem.
-    “Não queremos levar a culpa por bombas que vocês joguem” – Sirius imitou a menina de forma irritantemente parecida e os três garotos riram com vontade. Sheeba ficou vermelha – Não tem nada mais inteligente para dizer, chatinha? Quer saber? Esta cabine é um bocado chata... duas certinhas e um cara adoentado. Vamos nos esconder em outra.
-    Posso ir com vocês? – o garoto adoentado parecia decididamente melhor
-    Depende – disse o de óculos – você tem algo contra correr pelos corredores e soltar bombas de bosta? Se tiver não ande com Sirius.
-    Não, não tenho nada contra – sorriu o garoto.
-    Ótimo. Qual seu nome ?
-    Remo. Remo Lupin.
-    Junte-se aos bons – Disse Sirius arrogantemente, arrastando os outros para fora da cabine. Sheeba olhou Lilian e as duas sacudiram a cabeça em desaprovação.
-    Garotos – disse Lilian – Como são bobos.

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