Visita ao orfanato



DEPOIS DAQUELE DIA, a vida de Tom se tornou a mais divertida possível. Ninguém mais se atrevia a chegar perto dele. Não que ele se importasse: pelo contrário, gostava. Dênis e Amada, particularmente, estacavam no ar cada vez que Riddle se aproximava e abriam a boca com os olhos em órbita quando ele sorria. Desde que havia ganho seus objetos, agora guardados no armário, Tom não os usava. Considerava aquele estranho objeto redondo com barbante, aquele dedal e a gaita seus bens mais preciosos, pois os conseguira a partir de algo que ele não sabia que fazia parte desse mundo em que estava. Havia algo mais, alguma coisa escondida. Um enigma, o qual deveria decifrar sozinho. Apenas não sabia o que era. Sabendo que deveria fazer algo além, decidiu sair atrás daquilo que não fazia ideia. Saía do orfanato e andava. Andava e andava, todo dia, sozinho, até tarde da noite. Conhecia a cidade inteira, poderia fazer o mapa dela. Andando pela caçada da Rua Vauxhall, resolveu entrar numa lojinha.


Havia muitos papeis, livros, cadernos, lápis e canetas. Com o pouco dinheiro que tinha, após convencer uma das madres, resolveu comprar um livro. Achou legal se escrevesse tudo o que fizera nos últimos anos. Mandou encaderná-lo e gravar seu nome: T. S. Riddle. O homem que o vendeu, cujo nome era Gorgo, disse que Tom podia escrever qualquer coisa nele. Isso era óbvio, pensou Riddle. Mais idiota ainda foi quando o homem disse que só funcionaria se comprasse uma caneta junto, que retardado. Comprou aquele pequeno diário (foi o nome que o vendedor falou que era) e saiu para a noite. Parou num beco quando viu um gato olhando atentamente para um pássaro. Pensou. Por que não? Não havia ninguém dos lados. Olhando fixamente para o pássaro, o fez voar até as garras do gato, que o espremeu dentro da boca. O sangue espirrava no chão imundo da rua, mas Riddle apenas olhou o já depenado pássaro perder uma das asas. Aquilo o divertia. Mais divertido foi fazer o gato sair disparado em direção a rua, onde foi atropelado por um carro. Voltou cerca das 23h e um dos caras que ficavam na entrada do orfanato, chamado de “guarda”, o advertiu:


– Tom, minha nossa. Olha que horas são! – disse ele, olhando para o pulso, até esquecer que não tinha um relógio. – Pensei que todos já estivessem para dentro. Você vai ver só, Tom, a Sra. Cole vai ficar danada.


Ele nem ligou. Esperou o guarda abrir o portão e entrou. Na mesma hora, veio a Sra. Cole com seus conhecidos berros, fazendo os que estavam acordados se levantarem a olharam a algazarra.


– Tom, por onde é que você esteve? – veio exasperada a Sra. Cole, vindo de dedo para cima do garoto, – Achei que tinha te proibido de sair por aí! A rua é muito perigosa, e se você ...?


Ela vacilou ao demorado olhar que Riddle fulminou em seus olhos. Era realmente intimidador e gritar com ele agora não era um bom momento. E ela entendeu isso muito bem.


– Sra. Cole – começou ele, sem querer nada de conversas – estou muito cansado. Vou me deitar.


– Ahhh, bem, é – gaguejou ela ante ao olhar do menino. Obviamente, ele não queria ser incomodado. – certo, pode ir.


Tom subiu até seu quarto Viu várias crianças baterem a porta assustadas quando ele passou pelo corredor. Aquilo ele adorava. Gostava de ser a pessoa cujo todos tinham medo, respeitavam. Soube que Amada chorava todo dia querendo o dedal de sua mãe de volta. Mas Riddle nunca devolveria, sabia que aquilo nunca mais voltaria à real dona. Até aquela noite...


Sonhou algo muito esquisito. Se via conversando com uma cobra de barbas! Que coisa mais estranha.


20 de agosto chegou. E havia algo diferente naquele dia. Antes de sair para o café da manhã deu uma última, apesar de não saber que seria a última, remexida nos objetos que roubara. Vislumbrou seu brilho por um momento até fechar a caixa onde os guardava, fechar o armário e descer. Carlinhos Stubbs, ao que parecia, já havia comido o suficiente e vinha esbarrando os alunos menores na escada. A três metros, quando o viu, ele congelou. Parece que todas as crianças tinham mais medo ainda de Riddle depois do que acontecera a Amada e Benson, que Riddle sabia que tinham dito que se machucaram no caminho para uma caverna, junto com Tom Riddle. Mas ele gostava mais assim.


– Carlinhos, vamos, saia da frente – Carlinhos engordara nas últimas semanas, apesar de ter ganho umas perebas no rosto. Era uma garota que tentava empurrá-lo, mas não conseguia.


– Eu, eu... – disse, encarando uma pequena formiga se arrastando no chão – preciso ir ao banheiro!


Deu meia volta e saiu correndo. Por dentro, Riddle soltou uma risada de felicidade irreprimível.


Sentou-se, como de costume, o mais longe possível das outras crianças. Após engolir tudo o que vinha flutuando automaticamente a sua frente, sem que os outros percebessem, Tom subiu até seu quarto e segurou o diário que comprara no dia anterior. Olhando pela janela, viu que alguém ganhava destaque na multidão: era um homem de barba e cabelos acaju com um estranho terno de ameixa. Havia algo de estranho nesse homem e até o resto das pessoas ao seu redor, na rua, notava isso. Não dando muita bola, deitou-se na cama e começou a folhear seu novo livro. Achou-o sem graça, levantou-se e foi procurar o estranho na rua novamente, mas este havia desaparecido. Resolveu ficar folheando novamente o diário, como se não tivesse nada de mais útil para fazer. Talvez tinha passado 20 minutos ou 1 hora sentado na cama segurando o diário, mas logo ouviu passos e a voz da Sra. Cole dizendo:


– É aqui.


E logo ela apareceu


– Tom? Tem uma visita para você – e nisso o homem que Riddle tinha visto na calçada se destacou. – Este é o Sr. Dumberton... desculpe – disse a Sra. Cole, corando a abaixando a cabeça –, Dunderbore. Ele veio lhe dizer... bem, vou deixar que ele mesmo diga.


O homem, chamado de Dunderbore, entrou graciosamente pelo quarto. Nisso, a Sra. Cole fechou a porta com rapidez. O homem se adiantou, sorriu e estendeu o braço, abrindo a mão:


– Como vai, Tom? – perguntou. Ele continuava sorrindo para o garoto e parecia que não recolheria o braço.


Riddle avaliou o homem, não sabia se era confiável apertar a mão de um desconhecido, mas resolveu tentar. Cumprimentou-o. O homem, não muito velho com um terno de veludo, puxou a cadeira que Riddle usava para suas lições inúteis e sentou. Ficou frente ao garoto, ainda deitado na cama. Disse:


 – Sou o professor Dumbledore – parecia que a Sra. Cole havia dito seu nome errado. Mulher burra. Mas havia algo estranho nisso. Por que um professor viera lhe falar? Seria mesmo um professor?


 – Professor? – repetiu, desconfiado. Começou a desconfiar daquela estranha visita. Por que ele estava ali falando sobre isso? Era muito estranho. – É como um doutor? Por que está aqui? – disparou o garoto, irritado de achar o que viria a seguir. E não gostava nem um pouco daquele lugar. – Ela trouxe o senhor para me examinar? – nisso, Tom apontou para o lugar onde a velha senhora havia saído.


– Não, não – respondeu Dumbledore sorrindo. Começou a se irritar, então o velho estava achando graça, é? Ele veria a graça.


– Não acredito no senhor. Ela quer que me examine, não é? – falou ele, as palavras iam saindo com mais facilidade e com mais intensidade. – Fale a verdade! – gritou ele com raiva.


Agora, Dumbledore não mais sorria. Vira que o negócio era sério e Tom não estava para brincadeira. A ordem dada já saía normal de sua boca. Seus olhos estavam enormes e o homem parou de sorrir. Riddle perguntou, de novo, um pouco mais alto do que o normal:


– Quem é o senhor?


– Eu já lhe disse – respondeu o homem, que voltara levemente a sorrir. – Meu nome é Dumbledore, e trabalho em uma escola chamada Hogwarts – ele se mexeu involuntariamente para ouvir passos no corredor, mas logo recomeçou a contar sobre a tal escola. – Vim lhe oferecer uma vaga em minha escola, sua nova escola, se quiser ir – Aquilo era demais para ele ouvir mais mentiras: pulou da cama e se afastou de Dumbledore, furioso.


– O senhor não me engana! – vociferou o garoto, recuando, mas, na verdade, querendo atacá-lo, estraçalhá-lo. – O hospício, é de lá que o senhor é, não é? “Professor”, claro, pois eu não vou, entende? – aquilo estava o irritando cada vez mais, o que era um perigo. – Aquela gata velha é que deveria estar no hospício – disse ele, se referindo à Sra. Cole. – Nunca fiz nada a Amadinha nem ao Dênis Bishop, e o senhor pode perguntar, eles dirão ao senhor! – E coitados dos dois se contassem o que mais havia acontecido na caverna. Por enquanto, parecia que a Sra. Cole havia acreditado que só foram explorar o local.


– Eu não sou do hospício – replicou Dumbledore, pacientemente. Falava devagar como se Riddle fosse retardado para entender. – Sou professor e, se você sentar e se acalmar, posso lhe falar sobre Hogwarts. É claro que se você preferir não ir, ninguém irá forçá-lo...


– Gostaria de ver alguém tentar – desdenhou. E, como se esperasse ver o homem avançar para ele, o que ele gostaria muito que ocorresse, ficou encarando-o, com os olhos fixos.


– Hogwarts – ele continuou resistindo, como se não tivesse ouvido as últimas palavras do garoto nem tivesse ficado intimidado. Pelo contrário, estava alteando a voz e suas palavras saiam cada vez mais firmes. – é uma escola para pessoas com talentos especiais...


– Eu não sou louco! – gritou Tom. Ele sabia o que o homem queria dizer: aberração. E se dissesse, o problema seria dele ao perceber que estaria no chão, gritando de dor, assim como na caverna.


– Sei que não é – concordou Dumbledore calmamente. Estava pronto para falar o mais importante agora. – Hogwarts não é uma escola para loucos – disse ele. – É uma escola de magia.


Agora é que o que mais esperava aconteceu. Ao som da última palavra, Riddle parecia flutuar no ar, pensando em mil possibilidades. Olhou mais fixamente para Dumbledore, esperando pegá-lo desprevenido caso fosse invenção. E o garoto não gostaria nada se fosse um trote.


– Magia? – repetiu calmamente num sussurro, seu coração acelerando cada vez com rapidez, mas ao mesmo tempo receoso.


– Exato – e parecia que o homem ganhara a atenção de Tom. Resolveu instigá-lo a contar um pouco mais:


– É... é magia, o que eu sei fazer? – indagou o garoto, imaginando tudo o que já fizera naquele lugar infeliz.


– Que é que você sabe fazer? – perguntou o homem, parecendo levemente curioso em descobrir.


– Muita coisa – disse, num sussurro. Um rubor de excitação subiu do seu pescoço para as faces encovadas. Parecia febril. Ficou repassando as diversas coisas que havia feito no orfanato. – Sei fazer as coisas se mexerem sem tocar nelas. Sei fazer os bichos me obedecerem sem treinamento. Sei fazer coisas ruins acontecerem a quem me aborrece. Sei fazer as pessoas sentirem dor, se quiser – E se lembrou de Amada e Dênis, sua maior diversão até então. Percebeu que suas pernas tremiam. Ele se adiantou cambaleando e tornou a se sentar na cama, olhando para as mãos, a cabeça baixa como se rezasse. Ele sempre soube disso:


– Eu sabia que era diferente – murmurou para os seus dedos trêmulos. Parecia uma pessoa cuja pressão havia caído e desesperadamente passava mal. Mas “mal” não era como ele estava se sentindo neste exato momento. Muito pelo contrário, ele estava bem. – Sabia que era especial. Sempre soube que havia alguma coisa – E finalmente descobriu o que era.


– Bem, você estava certo – disse Dumbledore, que já não sorria, mas observava Riddle com atenção. Queria logo falar para que viera e disse muito claramente. – Você é um bruxo.


Tom ergueu a cabeça e tirou os braços do colo. Seu rosto se transfigurou: havia nele uma felicidade irreprimível, mas por alguma razão isso não o tornava mais bonito. Pelo contrário, suas feições finas pareciam mais brutas, sua expressão quase demoníaca. Parecia que, quanto mais feliz, mais feio ficava. Era estranho, pois era bonito de natureza. Mas havia algo mais a descobrir: como aquilo era possível? Como o velho sabia?


-O senhor também é bruxo? – esperava receber um não. Afinal, aquilo era um dom que só Riddle poderia possuir.


– Sou – mas aquilo era impossível. Como é que um velho qualquer de roupas estranhas seria?


– Prove – replicou Riddle quase que imediatamente, no mesmo tom de comando que usara quando dissera “fale a verdade”.


Dumbledore ergueu as sobrancelhas e avaliou o que para ele não era uma ordem, mas um pedido carinhoso.


– Se, como imagino, você estiver aceitando a vaga em Hogwarts... – começou ele, encarando o menino.


– Claro que estou! – respondeu ele instantaneamente. Como se o garoto fosse recusar tal oferta!


– Então, vai se dirigir a mim chamando-me de “professor” ou de “senhor” – não era uma ameaça, mas um forte pedido.


As feições de Riddle endureceram por um instante fugaz antes que ele respondesse. Será que valia a pena obedecer ao velho homem só para vê-lo fazer o que Tom também sabia fazia? Valia sim à pena. E muito, pensou. Perguntou, em um tom irreconhecivelmente educado:


– Desculpe, senhor – começou ele, mas soava tão estranho que o menino repetiu. –Eu quis dizer: por favor, professor, pode me mostrar...? – por pouco não altera sua voz para o normal.


Dumbledore tirou um pedaço de graveto do terno e apontou para seu guarda-roupa. Com uma leve sacudida, do nada, o guarda-roupa pegou fogo. Riddle pulou de sua cama. Começar a urrar e dizer coisas que o homem chamado Dumbledore parecia se fingir de surdo. Seus troféus estavam agora em chamas, talvez jáem fuligens. Aquilotinha sido a gota d´ água. Iria experimentar o que Amada e Dênis haviam experimentado na caverna. Mas quando começou a caminhar na sua direção, o guarda-roupa parou de queimar e as chamas desapareceram. Mais estranho ainda foi que o móvel estava inteiro, sem pedaços escuros indicando por onde o fogo passara. Então, olhou para o homem e para o graveto na mão. Apontou, quase tocando, no pedaço de madeira e numa expressão de olhar inteiramente cobiçosa, quase invejosa, louco para obter, então perguntou:


– Onde posso arranjar uma dessas?


– Tudo a seu tempo – respondeu Dumbledore solenemente. – Acho que tem alguma coisa querendo sair do seu guarda-roupa.


Agora, ouvia-se um estranho barulho dentro do guarda-roupa. Parecia metal batendo em metal.


– Abra a porta – ordenou Dumbledore. Riddle não gostou nem um pouco que o mandassem fazer coisas, mas hesitou, atravessou o quarto e escancarou a porta do armário. Na prateleira mais alta, acima de um trilho com umas poucas roupas, a caixa onde Riddle tinha seus mais valiosos pertences pulava.


– Tire-a daí – disse Dumbledore. O velho com certeza devia saber o que Riddle havia feito.


Riddle apanhou a caixa trepidante. Pareceu nervoso, mas não relutava em não obedecer ao que quer que viesse a seguir.


– Tem alguma coisa nessa caixa que você não deveria ter? – perguntou Dumbledore com calma.


Agora Riddle notou, quando Dumbledore virou a cabeça para a janela, que seu nariz era torto. Quando voltou a olhá-lo, Riddle lançou um olhar demorado, penetrante e astuto, avaliando se e o que responderia.


– Suponho que sim, senhor – disse finalmente com uma voz inexpressiva e arrastada, uma voz de tédio perante tal pergunta, como se não se importasse com o que teria de fazer a seguir. O que quer que fosse. Afinal, o que valia aquelas coisas perto do que havia descoberto?


– Abra-a.


Riddle tirou a tampa e virou o conteúdo em cima da cama, sem olhar. Caíram dela o objeto que roubara de Erico Whalley, o dedal de Amada Benson e a gaita de Dênis Bishop.


– Você os devolverá aos donos com suas desculpas – disse Dumbledore calmamente, tornando a guardar o graveto no paletó. Riddle viu de relance o graveto branco. – Saberei se fez isso – E ainda alertou:


– Em Hogwarts, não toleramos roubos.


Como é que ele saberia se tinha devolvido os pertences? Ficaria a espreita ou voltaria para perguntar a Sra. Cole?


Tom não havia ficado envergonhado. Pelo contrário, sentia orgulho. Com um olhar frio e avaliador, disse com uma voz monótona:


– Sim, senhor.


– Em Hogwarts – continuou Dumbledore, pronto a falar muita coisa – ensinamos não apenas a usar a magia, mas a controlá-la. Você tem usado os seus poderes, decerto sem saber, de um modo que não é ensinado nem tolerado em nossa escola. Você não é o primeiro nem será o último a deixar que a sua magia fuja ao seu controle. Mas é preciso que saiba que Hogwarts pode expulsar alunos e o Ministério da Magia, porque existe um Ministério, castiga os que desrespeitam as leis, ainda mais severamente. Todos os novos bruxos têm de aceitar que, ao entrar em nosso mundo, se submetem às nossas leis.


– Sim, senhor – repetiu o garoto. Finalmente, sabia do que Dumbledore estava falando. E não era mentira. Pegou os objetos e guardou-os na caixa, por fim disse, como se culpasse Dumbledore:


– Não tenho dinheiro.


– Isto é facilmente remediável – disse Dumbledore, tirando uma bolsa de couro do bolso. – Há um fundo em Hogwarts para os que precisam de ajuda para comprar livros e vestes. Você talvez tenha de comprar alguns livros de feitiços e outras coisas de segunda mão, mas...


– Onde se compram livros de feitiços? – interrompeu-o Riddle, que tinha apanhado a pesada bolsa de dinheiro sem agradecer. O que era normal, nunca havia dito obrigado nem por favor. Agora examinava uma maciça moeda dourada. Como era estranha, apesar de bonita.


– No Beco Diagonal – respondeu Dumbledore, começando a tirar uma folha do bolso interno do paletó. – Trouxe a sua lista de livros e materiais escolares. Posso ajudá-lo a encontrar tudo...


– O senhor vai me acompanhar? – perguntou Riddle erguendo a cabeça esperando a resposta e sem receber o papel que Dumbledore estendia.


– Certamente, se você... – começou Dumbledore, estendendo o papel para o garoto pegar.


– Não preciso do senhor – retrucou Riddle, tentando não parecer mal educado, mas aceitando o papel. – Estou acostumado a fazer tudo sozinho. Ando por toda a Londres desacompanhado. Como se chega a esse Beco Diagonal... senhor? – acrescentou ele, ao surpreender o olhar de Dumbledore. Desdobrou o papel neste momento e leu de relance: Livro Padrão de Feitiços, 1º série, caldeirão de estanho, chapéu de bruxo e algo sobre corujas e sapos. Até havia um pequeno mapa explicando como ir a um bar chamado Caldeirão Furado. Vendo que Riddle observava o mapa com atenção e cautela, Dumbledore continuou:


– Você o verá – disse, apontando para onde o garoto lia – embora à sua volta os trouxas, as pessoas que não são bruxas, não o vejam. Pergunte por Tom, o dono do bar, é fácil lembrar, porque tem o mesmo nome que você...


Riddle fez um movimento de irritação, como se tentasse espantar uma mosca insistente. Seu nome era ainda mais comum para alguém tão especial em relação aos agora chamados de trouxas.


– Você não gosta do nome “Tom”? – questionou Dumbledore, franzindo as sobrancelhas e encarando-o atentamente.


– Tem muita gente com esse nome – murmurou, imaginando quantos desconhecidos tivesses seu nome sendo comuns. Então, como se não conseguisse se conter, como se a pergunta escapasse de sua boca involuntariamente. – Meu pai era bruxo? Ele também se chamava Tom Riddle, me disseram – aquela foi a única vez em que Tom perguntara de seus pais à Sra. Cole, ao ver um casal levando uma criança. Não que ele queria pais, não gostava dos mimos que faziam, mas agora era importante saber. Com certeza herdara isso de alguém.


– Receio não saber dizer – respondeu Dumbledore em tom gentil e parecendo um pouco preocupado.


– Minha mãe não deve ter sido bruxa ou não teria morrido – disse o garoto mais para si mesmo do que para Dumbledore, raciocinado mil possibilidades sobre o pai. Afinal, com certeza os bruxos não morriam, enganavam a morte magicamente. Os bruxos são superiores. – Deve ter sido ele. Muito bem, depois de comprar o que preciso, quando vou para essa tal Hogwarts?


– Todos os detalhes estão na segunda folha de pergaminho no seu envelope – informou Dumbledore. Então o nome daquele papel era pergaminho? – Você embarcará na estação de King's Cross no primeiro dia de setembro. Há também um bilhete de trem aí dentro.


Riddle assentiu. Dumbledore se levantou e estendeu mais uma vez a mão. Segurando-a, Riddle disse, afinal aquilo era o que mais gostava em si:


– Posso falar com as cobras. Descobri isso quando fui ao campo, nos passeios, elas me acham, sussurram para mim – informou, lembrando do último passeio. – Isto é normal nos bruxos?


– Não é normal – respondeu Dumbledore, após breve hesitação. – mas há ocorrências. Seu tom era estranho, como se não gostasse do que tinha ouvido, mas os olhos estudaram curiosos o rosto de Riddle. Se encararam por um momento, então, o aperto de mão se desfez. Dumbledore estava à porta.


– Até mais, Tom. Verei você em Hogwarts – e saiu pelo corredor.


Riddle não conseguia se conter. Não sabia se pulava na cama até se exaustar ou se corria pelo orfanato inteiro, mas, antes, resolveu fazer o que Dumbledore pedira. E se não o aceitasse se não fizesse o que fora mandado? Abrindo novamente a caixinha, pegou os objetos e saiu do quarto. Desceu e foi procurar Erico, que repentinamente sarara da catapora e estava deitado no seu quarto, se recuperando. Entrou no quarto e o garoto se encolheu debaixo das cobertas – Erico, toma – disse, empurrando o objeto redondo em suas mãos, puxando o cobertor – Não quero mais, me diverti bastante. Peço desculpas – e sem olhar para ele, saiu caminhando rapidamente para fora do quarto, estourando de alegria. A maioria das crianças estava no pátio. Logo encontrou quem esperava achar: Amada e Dênis. Ao ver que Tom as observava, abaixaram a cabeça e começaram a andar apressados. Riddle as seguiu, mas foi tamanho o desespero que Riddle as seguia que Amada e Dênis começaram a correr, até Riddle gritar, no meio do pátio:


– PAREM!


Todos olharam para ele. Amada e Dênis pararam e estavam paralisados, talvez congelados.


– Vamos até ali – disse Riddle. Nisso, obedecendo prontamente, os dois foram até um canto e Riddle foi atrás. Amada olhava para os pés como se estivesse vendo uma cobra picá-la no pé e ele não pudesse fazer nada. Já Dênis era mais engraçado: seus cabelos, agora crescidos, tampavam o rosto negro que parecia tremer.  Talvez devesse esperar um pouco mais para ver se algum dos dois chegava a se mijar, mas resolveu acabar logo com aquilo – Tomem, não quero mais. É inútil para mim agora – empurrou o dedal nas mãos de Amada e a gaita nas de Dênis. Os garotos continuavam tremendo, achando que Riddle faria algo a mais com eles ou que tivesse feito algo com seus pertences. – Me desculpem por tudo aquilo – e saiu, voltando ao seu quarto.


 


            É claro que, para Tom Riddle, aquelas palavras saíram de boca para fora, nunca quis mesmo dizer aquilo sinceramente. Mas era importante para entrar numa escola de magia. Escola a que conheceria em pouco mais de 10 dias.

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