Nasce o herdeiro



 QUASE 950 ANOS DEPOIS, num pequeno povoado em Little Hangleton, em uma grande casa senhorial, ouvem-se vozes. Elas diziam:


– Meu filho, por onde você esteve? Por que esteve com a filha daquele vagabundo? – dizia a mãe, preocupadíssima de ver o estado do filho, tão empoeirado e sujo como lareira sem uso há décadas. – As pessoas disseram que você ficou com ela, durante um ano, meu filho. Por quê?


– Desculpe, mãe. Mas, finalmente, consegui me livrar dela, daquela horrenda. Mãe, ela me enganou, mãe – respondia o rapaz, alto e bonitão.


– Meu filho – exclamou o pai possesso, andando para lá e para cá, fazendo o soalho ranger –, como ela te enganou, meu filho? Eu te criei, não foi? – perguntava o homem, desesperado com a situação. – Como pôde ser enganado por ela?


– Desculpe, pai – respondeu o filho, nervoso e tremendo com a ira do pai. – Mas ela mentiu, disse que estava grávida de mim – o rapaz estava incontrolável, parecia que não fazia ideia do que acontecera nos últimos meses em que sumiu.


– Tudo bem, Tom, tudo bem – disse a mãe, acariciando o rosto do rapaz. – Mas, meu Deus, achamos que ficaríamos sem você para comemorarmos o ano novo. Já é quase Natal! Achamos que ficaríamos sem você para comemorar.


– Filho, onde ela está? – perguntou o pai, acalmando-se. – Mandarei prendê-la – disse, furioso.


-Não sei pai – disse o filho inocentemente –, quando escapei de suas garras, ela nem tentou vir atrás de mim.


– Margareth! – gritou a mãe. – Prepare uma boa comida, banho e cama para o meu filho. E chame Robert e Franco, o filho dele – berrava –, a grama já está quase invadindo a nossa casa.


– Sim, madame – respondeu a empregada – Farei isso agora mesmo – disse ela, saindo correndo da enorme mansão.


– Tudo bem, filho. Você está em casa, agora – o pai envolveu o filho pelos ombros e o ajudou a subir as escadas.


E os três subiram para os patamares mais altos da grande casa senhorial.



            Não muito longe dali, uma mulher totalmente desgrenhada, de nome Mérope Gaunt, suja, magra e fraca, com os cabelos em pó, andava rapidamente com um grande avolumado no ventre. Ela sumiu por dentre de umas árvores, as quais se percebiam uma casa entalhada entre os ramos. A mulher abriu a porta, onde havia um esqueleto de cobra, e contemplou o que antes era sua casa. Reviveu alguns breves momentos.


            Lembrou-se que foi ali, há pouco mais de um ano, em que espiava um rapaz bonitão e moreno, andando a cavalo tarde da noite, já era madrugada, e imaginando a vida com ele. Lembra de ver seu irmão, tão desgrenhado quanto ela, azarar seu amor, deixando seu rosto cheio de feridas. Foi logo no amanhecer do mesmo dia (7 de setembro) que o homem do Ministério, Sr. Ogden, apareceu, trazendo consigo uma intimação para seu irmão, Morfino, justamente por ter atacado o homem por quem se apaixonara dizendo que dali a uma semana deveria comparecer a uma audiência. Viu de relance seu pai, Servolo, xingando e mostrando o anel da família Peverell na sua cara. Mas o pior foi quando seu irmão a delatou para seu pai, dizendo que pegou justamente o trouxa por quem ela gostava. O pai tentou enforcá-la, mas o homem desconhecido do Ministério a salvou. Pouco depois, o homem voltou com mais gente e prendeu seu pai e irmão, que tinham atacado-o. O pai recebeu seis meses de prisão e o irmão três anos.


            Agora, ela era livre. Livre para ter uma vida, livre para amar. Resolveu, após muito procurar, preparar uma poção a qual ele se apaixonaria por ela e juntos viveriam felizes. Lembra-se de como fosse ontem, pela primeira vez na vida, arrumada, sentada no velho tronco da nogueira caída, esperando ele passar a cavalo. Ela o aguardava com uma taça de vinho na mão. Ele chegou, junto trouxe a sede por andar no sol escaldante, que trouxe uma poderosa obsessão pela mulher. Fugiram para longe, casaram na virada do ano (1925 para 1926), e ela engravidou cerca de 4 meses após esse tão feliz dia. Infelizmente, resolveu parar de dar a poção, esperando que o amor já fosse mútuo, esperando que o fato de um filho não romperia a ligação que eles tiveram. Como havia se enganado...


– O quê? O que é isso? – exclamou o homem, após o efeito da Amortentia, a poção do amor que Mérope preparava toda manhã, ter passado há poucos minutos.


– É uma varinha, meu amor – dizia a moça, já em meados de dezembro.


– Como assim, varinha? – perguntou ele, pensandoem feitiçaria. Masaquilo não existia... – E por que estou aqui com você? – Tom Riddle estava apavorado consigo mesmo.


– Eu sou uma bruxa. Veja – ela apontou a varinha para uma xícara de café do outro lado da mesa em que estavam sentados, conversando. A xícara na mesma hora veio voando para sua mão.


– Você... você é...?


– Sim – sorriu ela, feliz que seu marido tivesse compreendido tão rapidamente. Achou que ele não aceitaria –, agora beba. Não se preocupe, não tem nada nela. Sei que me ama, não preciso mais disso...


– Não tem nada aonde? Na xícara? – o homem tremia enquanto falava. Seus olhos estavam enormes.


– Isso. Sei que, após tanto tempo, você não precise mais disso para me amar. Afinal – ela levantou-se desajeitada da cadeira –, esse filho é seu – ela apontou para o ventre, já grande.


– M-meu? Mas, mas... eu não me lembro de nada. Onde estamos? O que é isso? – berrou o homem, levantando-se apavorado ao ver a aliança em seu quarto dedo da mão esquerda.


– É a nossa aliança. Você não lembra? Ah, foi tão belo – suspirava ela. – Você disse “Aceito” logo que deu meia-noite.


– Casamos? – indagou ele rapidamente. Ele imaginava o que tinha acontecido com seus pais em sua ausência. Ele não lembrava de mais nada. – Eu e você?


– Sim – respondeu, alegre. – E temos logo de ir para algum lugar mais perto da cidade, logo seu filho nascerá.


– Não... NÃO É MEU, NÃO! – berrou ele. – EU NÃO SEI O QUE ESTIVE FAZENDO AQUI, LONGE DE CASA, COM VOCÊ. NÃO QUERO MAIS SABER DISSO! – e ele saiu correndo porta afora.


            Ele fugiu, não quis mais saber dela nem do filho e tampouco que era uma bruxa. Deixou-a sozinho, sem dinheiro, com uma criança para nascer talvez em poucos dias. Mas agora a realidade dela tomou conta. Ouviu no povoado de Little Hangleton que seu pai havia voltado seis meses depois de ter fugido, mas que havia morrido duas semanas depois. Ela foi até o quintal cercado de árvores e o encontrou. O túmulo, apesar de estar há pouco tempo, já estava gasto. Parece que as pessoas que o enterraram não quiseram saber de um célebre funeral. Chorou ao ver o nome escrito:


 


Servolo Gaunt


 


E embaixo:


 


Nascido a 11/06/1862, Falecido a 15/06/1926.


 


Ela tirou do bolso uma varinha velha e enlameada, feita de cidra e unicórnio, deu uma última olhada no túmulo e girou em seu próprio eixo.


            Estava numa rua ladeada de trouxas, mas ela enxergou o que estava escrito no bar ao lado: Caldeirão Furado. Entrou. Ela passou pelo aposento cheio, chegou a uma porta do fundo, onde só havia tijolos, bateu com a varinha em certos pontos e a parede desapareceu, revelando uma estrada penhorada de pessoa como ela, um pouco mais limpas, mas como ela. Andou um pouco e chegou a uma estreita viela, a qual se lia: Travessa do Tranco. Entrou. Os caminhos eram apertados e nos corredores era encontrado todo tipo de gente: falavam sozinhas, tinham xícaras de chá com sangue dentro, colecionavam dedos. Finalmente, chegou ao seu destino: Borgin & Burkes. A sineta tocou quando entrou e um homem, cuja cabeleira deixava impossível ver seus olhos, se aproximou. Pensou em tirá-la dali. Poderia ser uma mendiga qualquer, pedindo ajuda de todos os meios. Mas, como viu seu estado de gravidez, resolveu atendê-la.
– Pois não... ahhh, senhora – disse o homem chamado Carátaco Burke, com um lenço sujo da mão imaginando se deveria entregá-lo a moça suja, mas resolveu que não. Ela iria sujá-lo ainda mais.


– Sim, eu, eu – começou ela, mas estava com medo de falar o que precisava, mas não havia outro jeito –, preciso de ouro – Mérope tinha a voz fraca e deixava baixa a cabeça, não o olhava nos olhos.


– Bem, madame... não, ehh, posso dar dinheiro assim... – disse ele, imaginando que a mulher era uma mendiga frustrada a procura de ouro. – Você, bem, tem algo que possa valer algum ouro? – perguntou, tentando parecer displicente e dando de vez o pequeno lenço.


– Sim, tenho um medalhão – disse ela, nervosa, sabendo que aquele seria o único bem que valesse alguma coisa. – Pertenceu a Slytherin – Mérope ia começar a tirar o medalhão em seu pescoço, sem ver o lenço que ele estendia, quando Burke desdenhou rindo e jogou o lenço numa mesa ao lado:


– Ah, mas é claro – ironizou ele, olhando para o teto e para os objetos nas prateleiras. – Como não pensei nessa probabilidade? Se você tiver algum abafador de chá de Merlin, também, me mostre. Eu também o compro – Burke iria falar mais, mas não tinha tempo para esse tipo de ladainha – Olha aqui, não tenho tempo para brincadeiras, saia logo daqui.


– Não, senhor, é verdade, veja – e tirou o medalhão do pescoço e entregou-a as mãos de Burke. – Viu? É a marca dele – disse apontando para um S cravejado de pedras preciosas.


– Ora, bolas, isso não prova nada –  e jogou o medalhão pesado de esmeraldas em suas mãos sujas. – Agora vá embora que tenho mais o que fazer.


– Senhor, preciso de ouro. Teste-o – Mérope começou a sentir contrações na barriga. Já não tinha muito mais tempo.


– Ótimo, verei-o – deu-se por vencido, iria testar o objeto. – E quando nada der certo, suma daqui! – gritou ele, recebendo novamente o medalhão.


Burke foi a uma sala escura no fundo da loja, apontou a varinha para o medalhão e disse:
Specialis Revelio! – nada aconteceu. – Ora, é óbvio que ela deve ter usado um feitiço mais forte. Aparecium! Maldição – exclamou ele, visto que estava sendo enganado por uma bruxa desgrenhada –, e eu aqui perdendo tempo – tentou mais uma dezena de feitiços, e nenhum apontou falsidade no medalhão. Quase não acreditava, mas procurou no livro de bruxos famosos, encontrou o artigo sobre o feitiço revelador de Slytherin e encontrou-o. – Agora, isso vai acabar com ela: OSTENDERE SLYTHERIN! – Desta vez, o medalhão se iluminou com as esmeraldas encravadas na pedra e toda a sala se encheu da luz verde. Burke caiu de costas, tamanha a intensidade da luz, cegando-o temporariamente. Ficou uns 10 minutos de boca aberta e babando, contemplando o verdadeiro e famoso Medalhão de Slytherin, cujas propriedades eram infinitas e que o tornava incalculável.


– Rápido, moço.


Burke ouviu a voz e saiu do transe. Foi cambaleando até a onde Mérope estava.


– Por favor, senhor – disse ela, apertando a barriga com uma mão e com a outra estendida, querendo receber alguns galeões – Dê-me qualquer coisa.


Burke foi até o lugar onde guardava ouro e abriu o cofre. Galeões e mais galeões brilhavam dentro dele.


– Senhor, qualquer coisa. Aquele saquinho ali – apontou para um minúsculo saco, em comparação ao cofre – Quanto tem?


– Dez galeões – disse ele, abobado, segurando o medalhão de Slytherin. – Mas a senhora não vai qu...


– Ótimo, me dá aqui – disse ela, apressada. Não precisaria de muito para o que tinha de fazer – Eu o troco pelo medalhão.


Burke não acreditava no que estava ouvindo e não se mexeu, tampouco entregou o medalhão de volta. Seria a maior pechincha e roubo da história da magia? Ele era conhecido por ser um ladrão, já seu parceiro, que estava no andar de cima, era um envenenador. Será que ficaria mais conhecido ainda? Mérope foi até ele, pegou o saco, bateu em sua mão onde estava seguro o medalhão e disse, baixinha:


– Obrigada.


Ao sair da loja, Mérope lacrou o pequeno saco e colocou seu nome nele. Nisso, ouviu um berro estrondosamente alto:


– BORGIN, VOCÊ NÃO VAI ACREDITAR!


 


Mérope guardou o saco de ouro no casaco e saiu desembalada, até o momento em que uma revoada de pessoas passou por ela, como se fossem ver a maior liquidação do mundo. Ela voltou direto para o Caldeirão Furado.


– Senhor – disse ela, cansada –, quanto custa para eu me hospedar aqui?


– São 17 sicles por noite, senhorita. Ou seja, 1 galeão – disse ele, risonho.


– Certo, ficarei aqui alguns dias. Posso pagar no final da minha estada? – perguntou ela, apreensiva e acreditando que o homem recusaria.


– Mas é claro, senhorita...?


– Sra. Riddle – respondeu ela.


– Certo, certo. Marinho! Leve-a ao quarto – ela olhou para um caderno no balcão – número 10. Está desocupado.


– Sim, senhor. Tem algo que posso levar para a senhora, Sra. Riddle?


– Não, obrigada – respondeu ela ao carregador.


Mérope ficou exatos 9 dias no bar-hospedaria antes de começar a sentir fortes contrações no ventre. Havia chegado a hora. Pagou ao dono do bar, chamado Tom – ela sorriu ao ouvir o nome –, 9 galeões. Fora do prédio, procurou desesperadamente onde haveria um hospital ou maternidade para bruxos, mas somente o St. Mungus havia ali e estava muito longe. Ela resolveu, então, ir a qualquer lugar onde pudesse ter o bebê com segurança, nem que tivesse ir a algum lugar trouxa.


Ao se isolar do número de pessoas que se empurravam no Beco Diagonal, girou nos calcanhares e foi parar num beco escuro. Sabia que eram trouxas andando ao longe. As pessoas usavam roupas estranhas e andavam em coisas, denominadas de carros. Mas isso não importava, pois outra contração a atingiu com força e ela cambaleou. Viu um prédio ao longe, com os dizeres: Orfanato Wool. Não sabia o que aquilo significava, mas resolveu ir para lá. Chegando aos portões, uma mulher com um estranho toucado branco e preto na cabeça estava no portão, olhando preocupada para os lados da rua e consultando algo no pulso, um relógio. Ao ver Mérope, falou:


– Sim, senhora. O que deseja? – perguntou, gentilmente, sem reparar nas roupas de Mérope.
– Estou... – tentou ela –, estou... – Mérope começou a ficar sem ar, tamanha a pressão em seu ventre.


– Sim, pode falar, minha querid ... MEU DEUS DO CÉU – ela agora vira a barriga de Mérope, quase estourando. – Você está grávida, minha querida? – era uma pergunta um tanto besta. – Juarez, Plácido, ajudem-me aqui. Tragam a cadeira de rodas!


Os homens vieram e colocaram Mérope numa cadeira que tinha rodas. Sabe-se lá o que isso queria dizer, mas estava realmente passando mal agora. A mulher que a atendeu passou gritando a plenos pulmões:


– GRÁVIDA, SAIAM DA FRENTE, GRÁVIDA... Essa gente não sai da frente, só porque é véspera de ano novo... SAIAM DA FRENTE!


Demoraram cerca de 20 minutos até passar por um monte de gente, incluindo várias crianças de pijamas estranhos. Parecia que seguravam pequenos tubos de plástico com um cheiro estranho e apontavam, felizmente, para o céu, fazendo um estardalhaço sem igual.


– RÁPIDO, CADÊ A CAMA, RÁÁÁÁÁPIDO!


A mulher parecia mais desesperada que Mérope.


– Sra. Cole, venha aqui, parto urgente.


– Minha nossa, minha querida, tudo bem, vamos colocá-la aqui – disse ela, abrindo um quarto de um vasto corredor mal iluminado – Não, aí não. Aqui – e apontou para a cama vazia.


Mérope ficou deitada, a dor aumentava cada vez mais e a mulher que a atendeu e a Sra. Cole diziam:


– Vamos lá, minha querida, você consegue, assim mesmo – então uma outra mulher perguntou:


 – Onde a encontrou, Madre Josefina?


– No portão, não sei como ela conseguiu andar com essa barriga – respondeu ela, num tom que parecia um limiar entre o desespero e a calma. – De onde você veio, minha querida?


Mérope nem respondeu. Deu um grito de lascar os tímpanos e depois se acalmou, parecia exausta.


– NASCEU – gritou a Sra. Cole, como quem gritava: Feliz ano novo! – NASCEU, mas é um menino, vejam só, que lindo – exclamava ela, como se fosse mais difícil nascer meninos do que meninas. – E vejam, ele nem está chorando!


– Dê a ela, Sra. Cole – disse Madre Josefina, agora a beira de lágrimas e enxugando o rosto.


A bruxa estendeu os braços e acolheu o bebê, que nem chorava, apenas permanecia quieto.


– Como será o nome dele, minha querida? – perguntou a Sra. Cole, bondosamente olhando o bebê.


– Será, será... – Mérope nem sequer conseguia mexer a cabeça, sua voz estava fraca – Tom Riddle, homenagem ao pai dele... E, e... Servolo, como nome do meio, para designar o avô dele, o meu pai... Espero que seja parecido com o pai dele, o meu marido...


– Que amor – disse uma mulher que ajudou no parto e se aproximando. – Olá, bebezinho.


– Que lindo nome, diferente – disse a Sra. Cole, olhando para as ajudantes. – É de algum circo, minha querida...?



Mérope, no entanto, só sobreviveu para dar um nome a seu filho: Tom Servolo Riddle.

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