Glastonbury e Bonnie Tyler



Assim como no auge da primeira guerra bruxa, a sala da Mui Antiga e Nobre casa dos Black possuía a decoração clássica. Poltronas acolchoadas, tapetes escuros, papéis de parede, grandes vitrais. Tudo que era sinal de elegância e pompa hoje não passava de decadência. Mesmo que Hermione se preocupasse em organizar as coisas por lá de vez em quando, a casa já havia tomado os moldes de uma república. Não que ela nem Harry fossem desorganizados a pontos de deixar que caixas de pizza vazias e cinzeiros cheios tomassem conta da sala, mas a ‘alta rotatividade’ do lar deles encorajava esse tipo de coisa.


Todos os sábados, antes que Molly entrasse, todos os objetos suspeitos eram devidamente retirados de vista evitando que a senhora Weasley encontrasse as evidências dos ‘crimes’ ali praticados.  Certa vez foi um Bong. O objeto havia sido esquecido na mesa de centro, e quando Molly chegou para a tradicional visita de sábado, Gina apenas arregalou os olhos em sinal para que Harry retirasse o Bong dali. Tarde demais, mas para alívio geral a senhora Weasley não parecia reconhecer a finalidade do artefato, chegando até a confundi-lo com uma lamparina trouxa.


Sobre o sofá agora com marcas de queimadura de cigarros, Stern estava deitada fumando e assistindo a série “Friends”. Televisão era uma novidade pra ela. A garota nunca havia entrado em contato com nenhuma tecnologia trouxa até pouco depois de ser mandada para Hogwarts. Em pouco tempo havia tomado gosto pelos seriados e fazia questão de ir à casa de Harry e Hermione para assisti-los. Ela tinha intimidade suficiente com os dois para entrar e jogar-se sobre uma das poltronas ligando a TV, que para os dois residentes pareceu ser essencial, afinal Harry e Hermione haviam sido criados como trouxas até os onze anos.


“Já vai começar The Big Bang Theory, e nada da Mione!!!”- Ela relinchou assim que Harry passou pelo sofá vindo da cozinha.


“Vocês não iam sair só às 23h?”-Harry perguntou, fazendo sinal para que Pee ergue-se a cabeça e ele pudesse sentar.


“Algo me diz que vamos ter que ir um pouco mais cedo...”-Stern respondeu repousando a cabeça sobre o colo de Harry, que comia uma enorme fatia de bolo coberto por doce de leite. – “Pedi um favor ao Dumbledore hoje e ele me disse que se fosse o caso eu e a Mione iríamos a Glastonbury mais cedo. ”


“Pediu, foi?”- Hermione fechava a porta silenciosamente atrás de si, entrando em casa e ouvindo o rastro de conversa entre os dois amigos na sala. Não gostando nada do tom da garota, Stern pulou do colo de Harry, ficando em pé e virando-se para a amiga.


“Hmm. É...” – Pee parecia confusa. Não tinha muita idéia do que o diretor havia dito a Hermione e mal ela sabia sobre o que poderia também contar ou não a ela. “Mione.. Ai!”


“Maldição, o que vocês duas tem!?”- Harry estava no meio, segurando os tapas que Hermione dava de forma desavisada em Stern. A fúria em seus olhos era visível.


“Vai... Conta pra ele como você arruinou dois anos de preparação pra esse Festival.”- Hermione tentava agarrar o cabelo de Pee por trás do pescoço de Harry. – “Acredita que a senhorita Stern não pode andar em público sem escolta??? Foi pedir que Dumbledore usasse de influência pra dispensar o Auror encarregado de ser babá.”


“Como assim ‘não-pode-andar-em-publico-sozinha’?”- Harry perguntou confuso. Havia certo tempo que ele refletia sobre os mistérios de Stern. Ele próprio já havia questionado alguns colegas sobre a família da jovem dentro do ministério, sem sucesso. Parecia que todos sentiam nó no estômago quando se tocava nesse assunto.


“E ele dispensou?”- Pee pulava pela frente de Harry, ignorando completamente a pergunta do amigo e dirigindo-se a Hermione.


“Ahh... Claro!!! E colocou outra babá, muito mais jeitosa na nossa cola.”- Hermione bufava de raiva vendo a inconsequência de Stern. As duas, praticamente desde que se conheceram, estavam planejando ir a noite inaugural do festival de Glasntobury. Era muita falta de noção de Pee enrolar um plano tão bem bolado.


“Como é?” – Harry e Pee perguntaram quase que em uníssono.


“Não... Sério???” – Pee abria a boca abismada a principio, deixando que um sorriso de pânico tomasse conta da boca aberta em sinal de riso. – “Severinho, TEU CHEFE, vai sondar a gente hoje a noite? Deu pra entender o escândalo.”


“Olha, eu posso ver se me permitem ir com vocês no lugar de Snape...” – Harry considerava vendo que Hermione estava profundamente desgostosa com a situação.


“Não. A Gina não gostaria que você fosse sem ela, e já que a Molly resolveu prender a garota em casa por hoje, você fica.” – Pee sentou-se do lado de Hermione no sofá e tocou a nuca da amiga que mantinha a cabeça segura entre os braços. – “E olha só, Mione... Se a gente embebedar o morcegão, de repente tu até consegue dar uns beijos... ”


Corre. Foi só o que Hermione deixou passar pelos dentes cerrados, antes de jogar-se sobre Stern, que rapidamente aparatou para perto da lareira. Irritada com a possível frustração da saída e com a insinuação sobre Snape, a bruxa tirou os sapatos jogando na amiga que desviava o corpo. Hermione deu meia volta sobre os calcanhares e dirigiu-se para a escada, sem virar a cabeça e falar qualquer coisa para os dois que ficaram na sala.


“Que horas!!!???” – Ela pode ouvir Stern berrar do andar de baixo antes de fechar a porta do quarto.


“DEEEEEEEEEEEEEEEEEEZZZZZZZ, PORRA!!!” – Hermione berrou torcendo todas as pregas da garganta. Uma simples insinuação sobre o desejo dela por Snape era cruel. Cruel demais, pensou. A cada dia mais ela podia pensar que só podia ser indução dos comentários alheios esse suposto ‘desejo-retido’. Era óbvio demais, não era indução, sua cabeça completou. A proximidade com Snape a atrapalhava e a atraía ao mesmo tempo. Ela tinha vontade de ficar cada vez mais perto enquanto estava na presença dele, mas quando longe só podia se sentir incomodada em pensar em revê-lo.


Nas masmorras de Hogwarts, o mestre de poções olhava apreensivo para o relógio. Nove horas e vinte e um minutos, viu logo após sair do banho enrolando a cintura na toalha bege. Snape estava andando por inércia, vivendo sob esse sentimento. Ultimamente, sentia meio que falta de ter algo além de pergaminhos para corrigir para ocupar a cabeça.


 Ainda que sob o corpo molhado e a toalha enrolada, ele olhou-se no espelho contido na parte interior da porta de seu armário. O corpo dava sinais de cansaço.  Não pelas marcas de feitiços que tinha pelos anos como comensal, mas pela expressão e pelo porte, habituais dele. Como mestre de poções ele havia passado tempo demais preso a personalidade entediada e irritadiça. As costas curvadas, os ombros caídos, as bolsas roxas sob os olhos. Aquilo não era sinal de idade, mas podia ser de envelhecimento.  Ele não podia deixar de refletir sobre o que Dumbledore dissera mais cedo enquanto via a triste imagem do que ele havia se transformado.


Não que ele sentisse prazer em ser um homem triste e ser taxado como tal, podia até sentir prazer em acabar com um ou outro sorriso idiota – Sádico, pensou. – mas toda essa aparência havia sido moldada sobre ele e agora não restava mais Severo. Ele refletia se havia mesmo algum sinal que podia dizer quem ele era, se não a mascara que foi se grudando ao rosto nos últimos anos. Como Alvo podia sugerir que ele vivesse? Afinal, o que era a vida? Na juventude, quando ele realmente almejou conseguir ser feliz, tudo havia sido tirado de suas mãos. Ele mal sabia se por um erro diretamente seu, ou se era o tão discutido ‘destino’.


Ele passou a mão pelo abdômen ainda molhado e inspirou fundo encarando os próprios olhos em frente ao espelho. Um sorriso sarcástico dançou por seus lábios enquanto pela primeira vez ele começava a divertir-se pensando na ‘tarefa’ que lhe foi dada para esta noite.  Se elas não fizessem tanta questão de acha-lo apavorante e uma ‘pain in the ass’, ele até poderia desligar-se um pouco da alma de morcego e deixar que as garotas corressem soltas.


Uma idéia um tanto mais ousada passou pela cabeça.  Por uma noite ele podia testar a si próprio          , quem sabe ousar ser mais. Abriu o armário, puxando uma camisa longa preta e um paletó verde musgo de veludo. Com dois toques da varinha a roupa estava bem ajustada a seu corpo, e o paletó, antes julgado como ‘velho’ ou ordinário, talvez até exagerado, apenas lhe caía bem como a um “jovem alternativo”.  Snape ergueu a borda dos lábios enquanto ajeitava a gola da camisa fechada, exceto pelos dois últimos botões.


 Assim que terminou de fechar a calça ‘jeans’ muito pouco usada, ele olhou-se no espelho e inspirou, ajustando a postura da coluna. Definitivamente o porte havia mudado.  Saindo de seu quarto no alto da escada, ele andou até a estante que ficava próxima à escada onde os olhos precisos buscavam alguma coisa em especial.  As mãos agarraram uma caixa preta de madeira tampada, e de dentro ele tirou um frasco. Não era uma poção. 


Snape derramou duas gotas do líquido contido no frasco sobre o pulso, esfregando um pouco na região logo abaixo de seu pomo de adão, e deixou que um cheiro de menta amadeirado subisse pela sala.  Ele limpou a garganta e desceu a escada, andando até a porta. Os passos calmos que assustam calouros de Hogwarts agora subiam das masmorras em direção ao portal principal do castelo.  Assim que deixou o castelo, era possível para qualquer um que o observasse sentir uma ‘malemolência’ no andar do mestre, acompanhada por um brilho de fogo nos olhos.



Hermione terminou vestir-se rapidamente assim que saiu do banho. A porta permanecia trancada desde que havia subido frente a discussão com Stern e ‘apartada’ por Harry. A roupa já estava previamente escolhida há pelo menos uns dois meses, foi comprada especialmente pra isso. Um short preto de cós-alto, uma blusa amarela areia de alças finas e decote caído e a meia-calça preta para cobrir as pernas do frio do inverno inglês.  O tempo estava colaborando aquela noite- Ao menos isso, pensou ela.


A garota calçou a Ankle-boot preta de camurça e soltou os cabelos ondulados sobre os ombros. Hermione singelamente abriu a porta como um cão-arrependido e deslizou o olhar pelo corredor silencioso. Quando voltou o pescoço para a outra escada, lá estava Pee, parada feito uma assombração.


“Quase pensei que seríamos só eu e Snape hoje a noite. Você não ia perder essa, né?” – Maldita serpente, não sabia a hora de parar. Hermione apenas cintilou os olhos e passou por ela na escada fazendo sinal para que descesse.


Quando chegaram no andar de baixo da mansão Black não havia mais sinal de Harry. Ele havia provavelmente havia saído para A’Toca logo após Hermione se trancar no quarto, afinal Gina estava suspeitosamente presa em casa para aquela noite. Eles haviam combinado de ir em conjunto ao festival, embora Harry não fizesse tanta questão como as amigas.


Stern abriu a porta mantendo o corpo de peso para que não fechasse, deixando que Hermione passasse distraída enquanto vestia o trent-coat cinza e guardava a varinha no bolso interno do casaco.


“Dez horas e doze minutos.” – Do outro lado da rua, parado ao lado do poste, Snape estava na penumbra a falar no mais tradicional grave de sua voz genial. – “Senhorita Granger, os botões estão errados.” – Ele completou olhando para o casaco abotoado invertido de Hermione.


“Esqueci de uma coisa essencial.” – Assustada, Pee voltou correndo sobre a ponta dos saltos para dentro da casa, enquanto Hermione permanecia envergonhada por Snape ter percebido seus ‘botões’.


“Professor...”- Hermione acenou com a cabeça enquanto parava ao lado do mestre de poções esperando que Pee voltasse. Ela sabia muito bem o que a amiga havia esquecido e era tão essencial assim.


“Como se a Senhorita Stern pudesse enganar alguém sobre o conteúdo essencial da maconha que se esqueceu de pegar.” – Snape bradou baixo, mas sua voz de barítono era grave demais para ser despercebida.


Hermione prendeu um riso a garganta. Estava óbvio que Snape conhecia Pee bem o bastante para saber umas poucas coisas sobre ela. Assim que voltou os olhos para o professor, Snape olhava fixamente para a porta do número doze,  esperando que a outra garota saísse logo pela porta. E ela não podia deixar de notar, virou-se para ele guiada pelo cheiro magnífico que seu corpo parecia exalar. Snape estava diferente, muito mais ‘homem’ do que o usual, ela pensou. Também não deixou de fazer a ligação com o filme “Perfume, a história de um assassino”, onde o personagem principal cria uma essência, baseada nas mulheres que matou, capaz de deixar todos da humanidade como seus servos. Quando o pensamento de nerd passou por sua cabeça, automaticamente o corpo deixou de admira-lo. A analogia tinha sido quase que bem feita, pensava sua cabecinha de menina.


 


“Ele acaba morto por sua própria criação, senhorita Granger.” – Embora a voz fosse dele, o modo de falar não ela. Snape soltou o comentário divertindo-se com a situação.


“Professor, eu não...” – Stern havia voltado e Snape mal olhou para ela desde que soltou o comentário maldoso.


“Merlin! Ele deve ter viso muito mais do que isso. Ao menos viu como eu o achei ‘homem’” – Ela manteve o corpo quieto enquantando andavam em silencio ao beco no final da rua para aparatar. – “Cabeça vazia, cabeça vazia. Sorvete de baunilha!” – Hermione tentava inutilmente disfarçar o que passava por sua cabeça. Maldição! Desde quando ele vinha bisbilhotando sua mente?


Subitamente os três desaparataram próximo a uma tenda onde bruxos (indiscutivelmente vestidos em robes purpuras e verdes) trocavam os passes por pulseiras para entrar na área destinada aos shows. Snape pode perceber que havia muita, mas muita, gente na cidade, e isso o deixava desconfortável. Ele pensou por um momento se estava preparado para qualquer imprevisto ou ataque contra eles. “Você não é mais um comensal, seu velho. A guerra acabou!” – Tentava mentalizar internamente.


“Deixe-me tirar uma dúvida...” – De forma mansa ele falou tocando o ombro de Pee, enquanto aguardava na fila atrás das duas garotas. – “Como funciona o dinheiro aqui dentro? Digo... Se precisar comprar alguma coisa, como vou entregar um galeão pra pessoa, Stern?”


“Tá planejando pagar a conta do bar pra gente, Severo? Não que eu me oponha, mas a Hermione não gosta de receber pela companhia prestada.” – Um chute atingiu o joelho de Pee, calando-lhe a boca.


“O senhor pode trocar seus galeões assim que chegarmos ao caixa na nossa vez de pegar as pulseiras. O cambio é até que favorável para a Libra.” – Hermione completou sorrisinho de mansinho enquanto tentava olhar pra ele. Ela não conseguia, os olhos automaticamente desviavam pra gola semi-aberta, ou para as orelhas.. “VAZIA, MENTE VAZIA!”- Ela gritava pra si mesma, sabia que nunca havia sido uma boa oclumente.


Eles pegaram as pulseiras, e as meninas deixaram os casacos na chapelaria na frente do campo, onde bem próximo estavam as barracas de bruxos e trouxas que vinham de diversas partes da Europa para o festival. Passando pela pequena rua montada com diversos bares, onde um homem negro tocava sax cercado por um grupo, Stern resolveu parar pra encher a caneca. Fazia parte do ‘kit’ que haviam ganhado uma caneca metalizada e uma tira para prende-la ao corpo. “Muito prático”, pensou Snape ao ver que também havia ganhado uma quando retirou sua pulseira na barraca da entrada.


Entrando em uma choperia rústica, Stern correu ao balcão retirando os canhotos de dentro da bolsa que levava consigo e dando na mão da senhora que enchia sua caneca. Hermione resolveu atravessar a rua e pegar o que era chamado de ‘cupback’, uma mistura de Run e outra porção de líquidos, muito popular. Enquanto as garotas eram ‘abastecidas’ Snape ficou de esguelha, parado no meio da rua. Lembrou-se do que havia sugerido a si próprio mais cedo enquanto se vestia, e resolveu que mesmo acompanhando as senhoritas – riu da expressão- não lhe faria mal beber junto com elas.


Hermione agradecia ao simpático* moreno que preparava seu ‘cupback’ quando virou-se para tomar o primeiro gole da mistura da caneca geladinha, parado a suas costas estava ele.


“Ah, não faça isso de novo. ” – Ela assustou-se com a presença de Snape parado tão próximo.


“Duas doses de Whisky. Pouco gelo, por favor.” – Ignorando o comentário da moça, Snape apenas estendeu a caneca desprendendo-a da tira envolta do corpo para o rapaz no bar. Não pode  deixar de notar que o barman torcia a cara ao ver que Hermione provavelmente estava acompanhada dele. – “O que foi, senhorita Granger? Nunca me viu antes?”


“Não bebendo whisky em um festival de rock.” – Afiada, ela havia voltado. E dessa vez não podia ser efeito do álcool, não havia bebido em dias anteriores, e mal dava tempo do run fazer efeito, pensou.


Snape passou os olhos brilhando sobre todo o rosto dela. Ele devia atentar que fazer companhia a Granger, e conviver com ela em seu laboratório poderiam provocar ‘algum-tipo-de-reação-nele’. Logicamente ele não contava com a reação que essa convivência provocou nele quando entrou no banho, mais cedo...


Ele torceu meia dúzia de palavras e respostas dentro de si, forçando-se  para não ousar demais. Assim que terminou de refletir, Snape pode ver que Hermione ainda estava parada ao seu lado, mas dessa vez o sorriso sádico pertencia a ela. Ele mal pode entender a cara da garota, e lançou um olhar desentendido para ela, enquanto virava para a porta tendo seu ‘cupback’ em mãos.


“Achei que tinham sumido.” – Stern lançou um comentário maldoso assim que viu o mestre de poções e a amiga atravessarem a rua juntos, vindo em sua direção. Snape mantinha a expressão inerte e Hermione vinha debochada do lado do professor. – “Pelo visto o sumiço foi satisfatório pra Mione.” – Pee ergueu uma sobrancelhadesta vez voltando-se para Snape – “E aí, Sev, foi bom pra você também???”


“Cala a boca, Stern.” – Snape, sujo. Ele era diferente quando estava com Pee por perto. Hermione não deixava de cogitar que tipo de intimidade havia por ali, que fazia sumir o sarcasmo negro do morcegão dando espaço pra brincadeiras semi-infantis de Stern.


“No palco de Rock, Spinnirette vai abrir pro Garbage, quero pegar um lugar descente no gramado.” – Hermione tomou a frente dos outros dois, angustiada com aquele tipo de relacionamento que havia entre Stern e Snape.


Pouco incomodados eles andaram uma boa distância, indo até o mais próximo que podiam do palco sem que Snape se sentisse “apertado” em meio a multidão. O professor havia advertido as duas severamente que não iria ficar onde o ‘povão se juntava’. Enquanto as garotas aproveitavam agitadas o show de abertura, Snape permeceu em pé, bebericando o Whisky de sua caneca. Uma hora depois, próximo da meia noite, o tédio e a impaciência já tomavam conta da babá de plantão e enquanto as duas fumavam logo a sua frente ele foi ficando angustiado com o fim das doses de Whisky.


“Conseguem se virar por aqui enquanto eu volto buscar alguma coisa pra beber?” – Não era o mesmo tom de pavor usual do ‘morcego das masmorras’, mas havia certo grau de tédio em sua voz.


“’Alguma coisa pra beber’, sei.” – Stern imitou a voz de Snape e caiu no riso com meia dúzia de sussurros ininteligíveis. – “Vaaai. E se não quiser voltar, fica lá pelo bar. A Hermione falou que o morenão tava de olho em você mesmo!” – As duas gargalhavam, enquanto Snape apenas virou-se, dando as costas para as duas chapadas.


“Pera, pera!!!”- Hermione ergueu-se do gramado e segurou o riso. – “Pode encher o meu também??? Poooooor favor.” – Aquele olhar meio Stitch, meio Gato-de-botas. O que ela estava pensando?” Essa porcaria de baseado que fumaram deve ter tirado metade do pouco senso que ela já tem.” – Snape olhava fixamente para ela, enquanto tirava a mão da garota de cima de seu ombro.


“Passe a caneca e os galeões ou fichas pra cá, Granger.”- Ele bradou fingindo estar sem paciência. No fundo achava muita graça dela fazer um gesto tão açucarado com ele.


“Errr...” – Ela virou os bolsou procurando por alguma ficha não achando nenhuma, restava apenas um saco com alguns galeões encolhidos em seu bolso.- “Façamos assim: Você vai, pega pra mim e depois eu te dou, fechado?”


“Eu não pretendia andar até o caixa trocar seu dinheiro, senhorita Granger. Dê-me logo essa caneca.”- Snape arrancou a caneca da cintura de Hermione, mas antes que pudesse sair, sentiu algo mais cutucar suas costas. Stern havia ‘gentilmente’ jogado sua caneca com a varinha pedindo por mais.


“Depois você ‘ o que, Mione?”- Pee não perdia a malícia jamais. Mal Snape havia virado as costas para as duas, a garota sussurrou perto do ombro da amiga.


“Dou qualquer coisa que possa pagar o débito por uma bebida.” – Não sabendo se era o cigarro que havia fumado, os ‘cupbacks feitos de rum, ou uma súbita vontade de jogar-se dali, Hermione finalmente atacava em resposta às provocações que alguém fazia sobre o professor de poções. – “O professor pode cobrar depois.” – O sarcasmo disfarçado, uma meia idéia que assuntava a cabeça dela.


Com um rosto coberto por satisfação e poucas balançadas positivas de cabeça, Pee voltou a sentar-se na grama para ouvir a música, enquanto Hermione acompanhava com os olhos Snape andar pela multidão.


Passada a euforia interna de Hermione pela inesperada ousadia que seu corpo teimou em aprontar espontaneamente, ela sentou-se ao lado de Stern. Com a boca seca, ela agora se concentrava na música, deixando que a mente voasse para longe do morcegão vestido com veludo verde. Enquanto a garota olhava distraída para o baixista no palco, Snape chegava silenciosamente por suas costas. Hermione, que havia levantado do chão para poder enxergar melhor,  quase tombou para trás quando sentiu a presença do que seria o mestre de poções parado em silencio atrás dela.


“Senhorita Granger.” – Mantendo a voz controlada, Snape ergueu a mão que segurava uma caneca para Hermione que pegou quase que imediatamente. Mantendo o outro braço seguramente parado ao lado do corpo, ele não sabia o que suas mãos podiam querer fazer por vontade própria.


Hermione foi se desconectando do corpo cada vez mais com o passar dos shows. Por volta das duas da manhã ela podia jurar que viu Stern passar discretamente um cigarro para Snape sendo que os dois estavam às costas da garota. Mais um tempo passado, ouvindo risos, ela resolveu juntar-se aos dois, novamente incomodada com a proximidade entre Pee e o professor.


“... e sexualmente falando ela até que era boa, mas aquela voz era o fim! Do tipo que a boca merece ser continuamente ocupada...” – O que diabos era aquela conversa? Snape continuava a falar do assunto ‘interessantíssimo’ com a aveludada voz e a pronuncia rápida das palavras, traços característicos de sua personalidade.


“Mas e aí, ocupou a boca de vez?”- Pee divertia-se em ver Snape um tanto que aéreo, falando de um assunto certamente particular. - “Sev, pense bem... Tem quem goste. Mione, por exemplo...”


“Mione o que?” – Irritada por dentro, a garota deixou de ser plateia para o diálogo entre os dois, percebendo que talvez Stern tinha algum plano ‘maquiavélico’ a ser botado em ação.


“Ora, Granger, acordou? Sente-se pra cá.” – Aquilo não era normal. Não mesmo. Snape deu a mão para Hermione, puxando-a para que ela se sentasse ao lado de Pee. – “A senhorita Stern e eu estávamos apenas contando um par de bobagens um para o outro. Acredito que boa parte dessas coisas assustariam a moral anglicana que a senhorita herdou de seus pais.” – Ele seguramente fazia-se de estúpido, mas segurando o que parecia um riso. – “Me parece que Pee estava justamente começando a referir-se a você...”


“Eu mal ia contar poucas coisas sobre ‘boca ocupada’...” – Pee abraçou Hermione, deitando a cabeça em seu colo.


“Minha boca? Não me lembro de tê-la mantido ‘ocupada’ recentemente... E não acho que seria um assunto de divertimento para o professor Snape.” – Hermione divertiu-se com a situação. Snape estava deitado de lado na grama, com uma das pernas dobradas, e a cabeça apoiada pelo braço esquerdo.  


“Aaaaa seria, senhorita.” – Snape riu-se deixando Hermione corada. – “Stern sabe de meia dúzia de coisas da minha vida privada que fariam Rita Skeeter vender a alma para o capeta pra descobrir. Ela sabe que eu não sou assexuado ou homossexual, como as péssimas línguas espalham por Londres.”


Péssimas ‘línguas? ’ Provou algumas delas, Severo?” – Stern gargalhou deitando a cabeça sobre as pernas de Hermione e jogando as suas pernas sobre a lateral da barriga de Snape que ainda permanecia deitado sobre a grama.


“Algumas delas até provei, mas deve saber que isso não é pré-requisito...” – Snape estava claramente ‘diferente’.  Se Hermione não soubesse quem ele era, poderia dizer que o professor estava chapado.- “Sugiro que mudemos o tópico, Stern. Hermione parece estar profundamente incomodada com a notícia de que eu tenho um pênis.” – Por um momento a garota deixou o queixo cair pela menção sobre o ‘pênis de Snape’, voltando os olhos para qualquer coisa longe dali.


“Até sei que tem um pênis, só não imaginava que usasse ele.” – Ditas as palavras quase que secamente no mais perfeito sotaque britânico, Hermione bateu na mão de Stern que havia gentilmente erguido um ‘high five para ela.


“Ótimo, Granger. Vou me lembrar disso amanhã à uma hora da tarde, quando você aparecer no laboratório. ”- Ele respondeu enquanto torcia os lábios e repousava a cabeça sobre a grama.


Naquele momento, dentro da cabeça de Snape ecoava a letra da música que estava sendo tocada no palco principal. “Faz todo o sentido.”- Ele pensou enquanto fechava os olhos e cruzava os braços sob a nuca. -“Ou nenhum”.


“It's a heartache
Nothing but a heartache
Hits you when it's too late
Hits you when you're down


It's a fool's game
Nothing but a fool's game
Standing in the cold rain
Feeling like a clown”

Compartilhe!

anúncio

Comentários (2)

  • Diênifer Santos Granger

    Lass me persegue meeeeesmo! kkkkk Concordo de novo com ela! ;)

    2013-12-14
  • Violettaa

    Fantástico... Nunca tinha pensado o snape como um homem... Amei o capitulo... Curtindo muito a fic.... Ansiosa pelo próximo cap  Beijinho >_<    

    2012-07-18
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.