IV – Aquilo Que (Não) Se Deve



IV – Aquilo Que (Não) Se Deve Contar


 


Lumus. A varinha iluminou o caminho. Ao caminhar, Alvo ouvia as folhas ressequidas se desintegrarem em contato com as solas dos sapatos, a falta de vida ele via através dos olhos, curiosos e azulados, olhos de um garoto obstinado à aventura.


O ar era denso. Sufocante. Tão angustiante quanto à penumbra que não deveria existir, pois o sol ainda reluzia a alguns metros do soturno bosque, os raios que eram impedidos de penetrar por entre copas.


Alvo mal distinguia onde começa ou terminava o lugar, a vastidão imaginária dava um aspecto mais de uma longa floresta a um bosque diminuto. Sua visão, prejudicada pelo breu, turvava-se cada vez que avançava por entre o aglomerado de galhos desnudos. Cortou-se ao passar por eles, tropeçou, cambaleou para o lado, e, então viu quem tanto procurava.


Acace! Alvo sorria-lhe como duendes o faz ao encontrar o pote d’ouro. Era mesmo Acace! Ah, quantas vezes não ouvira seu nome sair por entre lábios de Kendra. Quantas outras vezes não vira menininhos brincando de ser D’gris, com gravetos em punhos, fazendo as vezes de varinhas ainda não-compradas.


Vibrava imensamente por saber ser legítima a existência do outro. Acace... O Senhor das Cores à minha frente?! Cândida é a face, perverso, o olhar. Nem branco nem negro. Cinza. Apenas era o tom de cor que ele próprio pintou.


Encapuzado, taciturno, Acace fitava o estranho que ousava adentrar sua fortaleza escondida. Sua escuridão absoluta.


- Acace – Alvo se precipitou ao encontro do bruxo, Ah, tudo foi tão rápido...


O clarão verde e um outro em vermelho-ouro se chocando.


Fawkes aparecera do nada para salvar o garoto Dumbledore novamente da morte, a ave foi escudo de um golpe mortal, pelo menos, o inimigo se afastou diante da majestade mítica, e, depois a própria ave fez-se em chamas.


- FAWKES? – desesperou-se o garoto, que desmaiou enquanto as cinzas do animal se encontravam com o solo infértil.


 


 


 


Clio, irritada, gesticulou para que Alvo parasse de lamentar. Andava de canto a outro no quarto em que Alvo costumava ficar quando ia ao Olimpo. Os encontros eram freqüentes, mas este teria outro tom: o de reprimenda.


 


- O que tens na cabeça? Pensas que isto é um jogo. Achas que és invencível?  TOLO, TOLO! – setenciou Clio, por instante, deteve-se e recuperou a calma habitual. – assim não durarás sequer um segundo, Apolo não é Acace e tu não és Fawkes, não renascerás... não renascerás, entendeste?


Alvo assentiu cabisbaixo. Chorava como um pequenino o faz quando os pais o repreendem por ter quebrado algo mui raro. De alguma forma Alvo perguntava-se se a fé depositada nele se abalara, se a esperança dada a ele desaparecera, e, se seria capaz de enfrentar, como igual, o todo poderoso Apolo. Por culpa dele, somente dele, Fawkes, Fawkes...


- Estás me ouvindo, Alvo? – o jovem enxugou as lágrimas no punho do casaco e voltou-se para musa.


- Desculpe...eu...


- O que está feito está feito.


- Muito mal feito, por sinal. – lamentou o garoto. – Por céus... Fawkes!


- Ele ficará bem.


- Bem? Como?


- Esqueceste de que Fawkes é uma fênix? Sim, Alvo. Fawkes é imortalidade.


Como não pensou nisso antes?  Era raro ver essas aves na comunidade bruxa, mas já ouvira tais rumores, também havia lido livros relatando os poderes mágicos da ave, e isso, os livros, era o que não faltava à biblioteca de Hogwarts. Como pode ter esquecido? Como? Sentia-se um burro, um parvo, um ignorante (e veja bem, que Alvo sempre julgou-se deveras inteligente), era bem verdade que havia posto os estudos de lado nos últimos tempos, a amizade com Gerardo contribuiu para seu afastamento para com seus deveres e obrigações.


- Como esqueci...?


- O óbvio escapa-nos como o vento. – sorriu Clio finalmente.


- Cadê Fawkes? – perguntou um Alvo afoito, porém feliz.


- Recuperando-se. Logo estará entre nós.


- Por que Acace tentou...


- Te atacar? Oras, como não perder a fé nas pessoas se até os deuses enganam? Se uma divindade ludibria, pisa, esmaga, o que fará um humano comum? O coração de Acace está cheio de rancor, ódio... amargura, mas talvez haja um jeito, um jeito chegar até o seu eu bom.


- Ele se redimir? Ele me atacou!


- Tu não farias o mesmo?


Alvo abriu a boca, mas desistiu. Será que faria diferente e não atacaria a quem nunca tivesse visto à sua frente, como Acace fizera com ele? Talvez... talvez.


- E mais uma coisa – falou Clio – não é porque te disse como chegar até Acace que tu podes fazê-lo, não ainda. É preciso prepará-lo me refiro-me a Acace, e alguém aparecendo de repente por lá pode por tudo a perder.


- Ficar de braços cruzados e enfrentar Apolo é a melhor alternativa, que temos? Céus! Estamos feitos, eu um mortal contra Apolo, hum, luta perdida, oh, sim, perderei e feio.


- Com esta mente, sim, é por este motivo que a tua hora de enfrentá-lo não chegou. – falou firmemente.


 


- E quando chegará?


A pergunta ficou suspensa no ar, e Alvo só saberia a resposta quando estivesse diante de Apolo. Clio é bem misteriosa quando quer, e esta foi uma dessas vezes, que quis sê-lo. Acredita que ela saiu sem responder ao garoto curioso? Oh, sim. Nada respondeu! Restou ao jovem, perambular pelo Helicon fitando as nuvens a encobrir o céu, assim como, suas próprias dúvidas faziam com seu cérebro juvenil, muito imaturo para o combate.


- Olá, garoto Alvo – cumprimentou-o aquele de dentes amarelos, aquele velho, que caminhava em companhia do cachimbo inseparável, se lembra?


- Olá- respondeu sem entusiasmo.


- Hoje o tempo está bom! - suspirou. – vejo que está pensativo hoje...


- É meio impossível não estar andando por aqui, não acha?


- Certamente, meu jovem, certamente. E em que, se permite perguntar, está pensando?


- Naquele dia você falou... – hesitou o garoto.


- O que quer saber?


- Você o conheceu? – havia excitação na voz do garoto. O velho compreendeu que Alvo se referia a Acace. Antes de responder a pergunta o velho tragou vagarosamente o fumo, que em pouco tempo convertia-se em anéis e espirais, como de costume.


-  Conversamos muito, contei a Acace todas as boas histórias deste mundo.


- É isso o que você faz, conta histórias?


- Quando querem ouvir, sim. É pecado ocultá-las.


- Até a de Acace, digo, até a história dele você conta?


- Ora, mas é claro!


- E Clio o que diz?


- Clio sabe que é necessário contar.


- Por quê?


- Bem, todos tem com que se preocupar quando chega aqui, não?


- Seu juramento? – entusiasmou-se Alvo. O velho sorriu, e isso foi o suficiente para a confirmação da pergunta.


- E o seu qual foi, jovem Alvo?


- Não posso dizer...


- Mesmo? – o velho parou de soltar seus anéis de fumaça por momento, ficou parado, pensativo, olhando Alvo de cabo a rabo. – E por quê?


Alvo não respondeu, mas não foi preciso, pois  o velho era muito sábio, deu um tapinha nas costas do garoto e ficaram no jardim do Monte Helicon a contar e ouvir belas histórias.


O sol já havia se posto quando Alvo retornou para seu quarto, para sua surpresa, encontrou Clio sentada na beirada da cama.


- Estou indo – falou a musa.


- Indo? Para onde? – afligiu-se o garoto, pois parecia, que Clio estava lhe dizendo “adeus”.


- Para casa.


- E aqui, é o quê?- tentou argumentar.


- Minha outra casa, Alvo – falou, já impaciente.


 -E quando volta? Preciso de você, digo, preciso saber coisas e...


- Já sabes de tudo.


- Como pode me abandonar?


- Não estou.


- Não é o que parece - reclamou. – você diz que não chegou a hora, mas não diz quando será.


- Será da próxima vez que nos vermos, ouviste? Não há motivo para temer ou se precipitar, tudo ocorrerá bem, acredita.


Alvo então deu os ombros, afinal o que poderia fazer?


- Acho que não me contará quando nos veremos novamente, não é?


Clio sorriu. Alvo já a conhecia muito bem.


Clio partiu logo pela manhã, ficou combinado de que Alvo ficaria na Grécia até que Fawkes atingisse a idade adulta, pois se algo acontecesse no caminho, a ave poderia salvar o garoto e, até mesmo, a si própria.


Teve de reconhecer que passou dias mui agradáveis na companhia do gentil velhinho. Alvo, agora, conhecia bastantes histórias que faria Ariana rir-se toda. Porém, não foi apenas por elas ou por Ariana que gozava da companhia do homem. Cada vez mais gostava daquele velhinho de dentes amarelados. Foi uma pena, quando teve de ir para casa, mas a própria ave, já adulta, bicava-o incessantemente, lembrando-o de que as ordens de Clio deveriam ser cumpridas.


 


 


XXX


 


 


O tempo não havia passado para Fawkes, ele continuava a vestir-se de um vermelho-dourado intenso. Alvo, por sua vez, assemelhava-se àquele velhinho que tinha conhecido na Grécia, faltava apenas um cachimbo pendendo no canto de sua boca e aqueles anéis de fumaça para se juntar( aos poucos) às nuvens.


Não havia nuvens, tampouco anéis de fumaça ali. Havia retratos na parede e muitos objetos de prata à mesa do escritório do diretor de Hogwarts. Quem imaginaria que aquele garoto chegaria onde está. Quem imaginaria que ele, um velho sagaz, algum dia fora tão imprudente, e cometera erros. Quem poderia imaginar. Quem? Por sorte aprendeu a lapidar seus erros em sabedoria.


Um Alvo sábio a espera de seu destino, mas antes ainda tinha de guiar Harry em uma missão.


Por isso decidiu ter reuniões com o garoto, mas para qualquer efeito, encontravam-se para que Harry tivesse aulas extras, apenas isso. O teor sobre o verdadeiro motivo dos encontros apenas Dumbledore e o próprio garoto (e aqueles que ele confiava) sabiam.


Deveria orientá-lo quanto à personalidade de Voldemort. Instigá-lo a ter percepções... Se Clio tivesse o ajudado, ele próprio não teria cometido erros tão desastrosos. Arrependia-se de ter deixado se levar pelas doces palavras de Gerardo. E como o velho bardo de amarelados dentes sempre lhe dizia: “Uma história nunca deve ser negada para quem anseia em ouvi-la”.


Desde que Clio havia lhe deixado, a companhia do velho supriu a ausência da musa, estar com ele, de alguma forma, era como estar perto dela. Em pensar que quando partiu da Grécia não o veria novamente. Engano. Felizmente aquele velho conseguiu achá-lo em Hogwarts quando tornou-se professor. E sempre que possível Dumbledore ia até Godric’s Hollow para visitá-lo. Fazia pouco tempo desde a última visita.


- Se Maomé não vai à montanha...


- Dumbledore! Que prazer em vê-lo.


- Digo o mesmo, caro bardo. Obrigado – disse após o velhote pediu


- Mas nem faz tanto tempo assim! Mas da última vez que nos vimos a minha barba era maior que a tua. Por acaso andou tomando tônico para crescimento? – ambos riram gostosamente.


- Confesso que tenho gastado um bocado de tempo cuidando dela – disse alisando a barba grisalha. –, é o que nos resta, não é?  


- Ora, e eu não sei? Pelo menos minhas mãos estão melhores, que pernas e pés – sorriu e bateu com a bengala no chão amadeirado. – O tempo passa, as pessoas passam... mas...


- As histórias não! – completou Dumbledore, sorrindo para o ancião.


- Suponho que é isto que lhe trás aqui, não? Não vejo porque outro motivo o Grande Dumbledore procuraria um simples contador de histórias.


- Oh, por favor, se sou o Grande Dumbledore como diz, você é o Grande Bardo.


- Muito gentil.


- Vim, sobretudo, pela companhia...


- Mas?


- Você não tem jeito mesmo, meu amigo. Na verdade não são suas belíssimas histórias que me trazem aqui desta vez, oh, não, não fique magoado comigo, pois espero ouvir algumas, sim?


- Tudo bem. Então o que lhe trazes ao meu modesto lar?


- Pergunto-me se este meu amigo – Dumbledore passou o braço entorno do pescoço do velho para ajudá-lo a caminhar até sofá, onde se acomodaram logo depois - não sabe onde Clio se encontra?


- Nem sinal, Alvo. Lamento.


Dumbledore soltou uma exclamação de pesar, pois há muito tempo não tinha notícias da musa. Perceber que o bardo nada sabia era, no mínimo, desanimador. Mas o tempo ensinou Alvo a ter paciência, por isso, tratou de apreciar as tais belas histórias que o velho bardo contava aos detalhes. Alvo aprumou-se enquanto a história, inédita, de um conquistador, que guardara seu tesouro mui cobiçado, numa arca selada por milhares de encantamentos, era contada por um bardo um tanto quanto eufórico, um incorrigivelmente apaixonado pelo seu trabalho. Alvo se contagiou... Ouvia com a mesma satisfação que, as outras histórias já conhecidas... Era Acace e sua arte aqui e acolá...


Mas, quando as histórias cessaram, Alvo se viu a pensar no real motivo de estar ali. “Clio, Clio, Clio, por onde andas?”


- Posso ir até a Grécia para ter notícias se quiser, meu amigo. - falou o bardo adivinhando os pensamentos do outro.


- Ah!, seria ótimo! - sorriu, grato. - Mas como fará para...


- Chave de portal.


Alvo sentiu um pouquinho de inveja, queria poder ir até a Grécia quando bem quisesse, mas, sabe-se lá por qual motivo, apenas o velho bardo tinha esse poder.


XXX


 


Lá estava o quadro que a tanto guardara a pedido da musa. Perguntava-se se teria sido Acace a pintá-lo, mesmo. Provavelmente sim, pois só se fosse dele, o quadro, explicava o porquê de Clio lhe ter confiado O Bosque Cinzento.


Agora, mais do nunca, um quadro especial. Não só um quadro...


Depois de ter tido com o bardo, Alvo tivera a ideia de proteger o Bosque, no qual Acace estava preso. Milhares de encantamentos foram lançados por ele, ocultando o lugar para que nenhum outro Alvo ou Gerardo o encontrasse. Ou desafiasse Acace.


Nunca duvidou se teria sido uma boa ideia se basear na historia do Conquistador que o bardo lhe contara n’outro dia, apenas deixou-se levar. Entretanto, fez uma chave de portal caso precisasse retornar... O quadro. Pendurou-o na parede.


Às dez horas da noite, a porta de seu escritório se abriu. Era Harry.


- Sente-se - Dumbledore indicou a cadeira frente a sua. Logo, o diretor percebeu que o que chamava a atenção do garoto não era os objetos de prata sobre a mesa, ou então os vários quadros à parede, como de costume, mas os olhos do garoto se detiveram a um estático, que não se mexia. Sem vida, por demais cinza.


- Cinzento demais, não acha? 


- É como se... – hesitou por um momento – dementadores estivessem lá.


- Acace D'gris! ─ exclamou o diretor, orgulhoso.
- Como, senhor? 


- "O Bosque Cinzento"... – apontou para o quadro atrás de si . - recebeu esse nome devido à lenda de Acace D’gris. 


- Lenda? 


Engraçado como enxergou-se como Harry, e agora, Alvo parecia aquele bardo, seu amigo, que nunca negava uma história, sorriu para Harry, e lhe disse:


- Interessado em ouvi-la, Harry? - O garoto afirmou. - Sendo assim...


Alvo Dumbledore levantou-se e começou a contar a lenda, que sabia ser real. 


“Não se sabe o tempo, tampouco o espaço, se Acace D’gris era gaulês ou francês. Só o que se conhecia era seu talento como pintor e o seu extremo interesse em misturar cores para que novas surgissem. Ele era esforçado e ousado, independente e original. Tinha preferência em usar cores vivas que revelassem sentimentos felizes. E ganhou fama por isso; contudo, seu prestígio foi caindo com o tempo, e dívidas foram se acumulando.”        


“Ele já tinha retratado tudo e já havia criado e usado todas as cores. Decidido a se renovar, partiu... Levou somente sua esperança e ousadia além de seu material de pintura. Foi em busca da paisagem perfeita e a encontrou. Por lá, ficou anos a fio. Não se sabe precisar quanto tempo se passara até ele conseguir um quadro original, mas conseguiu.” 


“Voltou para sua casa, mas era tarde. Só havia cinzas. Sua casa fora queimada com a esposa e o filho dentro. Enlouquecido e perdido em desespero, Acace caçou todos a quem devia dinheiro e levou-os ao bosque onde ele havia pintado seu último quadro. Aquele bosque que o tinha inspirado tornou-se palco de uma grande tragédia. D’gris, enfurecido, ateou fogo naqueles homens. Matou-os , mas o fogo também condenou aquele bosque. Todas as criaturas que não conseguiram fugir, foram mortas e, seus corpos reduzidos a cinzas pintaram aquele bosque. Tingindo-o de todos os tons de cinza”


Só depois de ter contadoa lenda, Alvo percebeu que não deveria... Harry esperto. Encheu-o de perguntas, e quanto mais perguntava, aproxima-se da verdade, maldita hora que pendurara o quadro na parede. Raios! Cometera mais um erro.


Dumbledore expulsou Harry, energicamente.  Faltou pouco, muito pouco para o garoto tocasse o quadro. Que desastre seria...


Lembrou-se das palavras do querido bardo: “uma história nunca deve ser negada para quem anseia em ouvi-la”, porém aquilo revelou-se um mau conselho, pelo menos para Alvo Dumbledore.


 


 


 


Fim do Caítulo IV 

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