Passeio



A chuva lá fora tinha cessado um pouco, mas uma friagem violenta passou pelo castelo, onde um frio de bater os dentes atrapalhou um pouco a animação dos estudantes pro passeio de Hogsmeade.


Acordei estranhamente nervosa: talvez seja pelo fato de eu estar saindo com um garoto de Hogwarts. Mas o Potter era uma exceção. Era só um garoto qualquer.


Quando acordei o dormitório estava ocupado apenas por Maria e Alice. Elas já estavam se vestindo para sair.


- Bom dia. – falei pra elas, bocejando.


- Ótimo dia, você não acha? – perguntou Maria, com um sorriso malicioso, vestindo uma blusa.


- Não sei do que você está falando. – respondi sonolenta.


- Sabe sim. – ela riu, agora vestindo uma blusa de mangas compridas.


- Hoje vai ser um péssimo dia. – comentei.


- Por quê? – perguntou Alice, interessada.


- Lílian vai à Hogsmeade acompanhada de Tiago Potter. – respondeu Maria, rindo, antes que eu abrisse a boca.


Alice olhou para mim boquiaberta.


- Então ele finalmente conseguiu! – exclamou Alice.


- Na verdade foi a Lílian que o convidou. – disse Maria, divertindo-se, vestindo uma cacharrel.


- Sério? – perguntou Alice, mais espantada do que nunca.


- Eu... – comecei a dizer.


- É. – me interrompeu Maria colocando uma blusa de lã.


- Ora, isso é ótimo! – disse Alice. – Vocês formam um lindo casal!


- Espera aí! – falei pondo-me de pé. – Eu não vou sair sério com ele! Só somos... amigos.


Elas riram ainda mais. Bufei alto.


- Vamos fingir que acreditamos, não é Alice? – falou Maria, colocando por fim um casaco. Fiquei imaginando como ela conseguiria se mexer com tantas blusas.


Um pouco mais tarde, eu, Maria e Alice descemos para a sala comunal. Alice se despediu de nós e foi se juntar ao seu namorado, Franco Longbottom.


- Lílian, tenho que me encontrar com Robert agora. – percebi que ela não estava tão entusiasmada. – A gente se vê e... boa sorte.


Ela piscou pra mim e saiu pelo buraco do retrato.


Potter não estava em nenhum lugar da sala, que já ia se esvaziando a medida que as pessoas saiam para se dirigir à estradinha de terra.


Por fim, só sobraram alguns alunos do primeiro e segundo ano, que ainda não tinham permissão para ir à Hogsmeade.


Eu não estava acreditando que eu ia ficar plantada ali, esperando por Potter. Nenhum dos seus amigos tinham aparecido, e comecei a me perguntar onde estariam.


Finalmente, depois de uns quinze minutos aos quais fiquei jogada em uma poltrona esperando, Potter surgiu pelo buraco do retrato.


- Oi Lílian. – ele disse sorrindo.


- É Evans. – falei, impaciente. – Onde é que você estava?


- Na ala hospitalar. – ele falou e eu arregalei os olhos. Ele se apressou a dizer. – Tá tudo bem, Rabicho começou a vomitar. Acho que ele comeu demais ontem no jantar.


- Ele está bem?


- Está. – respondeu. – Aluado vai ficar com ele. Ele nem estava pensando em ir a Hogsmeade hoje.


- Uma coisa que você devia fazer. Seguir o exemplo do seu amigo.


- Mas se eu ficasse lá com ele, não poderia sair com você. – ele disse e deu um sorrisinho. - Acho que você também não gostaria de ficar aqui me esperando.


- É, é. - eu disse, suspirando. – Vamos logo então.


O caminho até o saguão de entrada foi silencioso, porque eu fiz questão de caminhar mais depressa que ele. Só depois que estávamos indo em direção a estradinha e passar pela lista de Filch ele voltou a falar.


- Está frio, não é? – perguntou ele, procurando um assunto.


- É. – respondi rabugenta. Estava realmente frio. O vento balançava meus cabelos e fazia com que apertássemos os olhos contra a friagem.


Potter parou de andar para me encarar.


- Olha, se for pra continuar o passeio assim, nem precisa ir, ok? – ele falou irritado. – Não dá pra conversar com alguém que te faz companhia contra sua vontade! Sem falar que você só quis sair comigo porque você ficou com remorso!


Ele esperou que eu respondesse, mas não tive o que falar.


Estava ficando realmente ruim ficar ali parada, um olhando para o outro, com o vento soprando forte.


Ele realmente tinha razão. Portanto tentei manter a calma.


- Ah, tudo bem. – eu disse suspirando. – É que é difícil conversar com alguém que a gente sempre odiou.


- É, eu sei. – ele falou. – Mas se eu mudei, está na sua hora de mudar também, não acha?


- É. – eu disse, agora batendo um pouco os dentes. Tentei manter minha voz educada. – Me desculpe.


Sua expressão se acalmou e ele sorriu.


- Eu te desculpo, Evans.


- Tá, mas agora vamos logo. – eu disse. – Estamos congelando aqui.


Começamos a caminhar pela estrada. Meus pés começaram a afundar pela lama, sujando minhas botas.


- Pode deixar, eu dou um jeito. – disse ele sacando a varinha. Por um momento pensei que ele ia me azarar, mas ele apenas murmurou um feitiço para meus pés e depois para o deles. – Assim não vamos ficar enpapados de lama.


O feitiço foi realmente útil. Por mais que eu afundasse os pés, as botas continuavam limpas.


- Obrigada. – falei, recomeçando a andar. – Não lembro de o Flitwick ter passado esse feitiço.


- Eu li certa vez na biblioteca.


- Você? Na biblioteca? – perguntei pasma.


- Eu não sou tão ignorante assim, Evans. – ele disse, revirando os olhos. – Também gosto de aprender.


- Então, me deixa adivinhar. – falei, colocando a mão no queixo teatralmente. – Você estava procurando novas azarações e achou esse feitiço por acaso?


- Na verdade, nunca cheguei a procurar azarações na biblioteca. Eu usava sempre as mesmas. – ele disse, refletindo. – Por isso eu sei alguns desses feitiços, e outros meu pai me ensina.


Eu não respondi. O vento rangia em meus ouvidos.


- Como são seus pais? – perguntei depois de um tempo.


- São bruxos incríveis. – ele respondeu, com um toque de orgulho na voz. – É bom ser filho deles.


Pelo menos ele tinha algum sentimento, pensei.


- E seus pais? – ele perguntou.


- São trouxas incríveis. – eu disse, com humor.


Ele riu.


- É, devem ser. – ele comentou.


Tínhamos chegado à vila. Estava apinhada de estudantes e outros bruxos encapuzados.


- Aonde quer ir? – perguntou Potter.


- Que tal no Três Vassouras? – falei, apontando para o pub aparentemente lotado. – Uma cerveja amanteigada cairia bem agora.


Realmente estava cheio quando entramos, a maioria alunos de Hogwarts. Potter foi ágil e logo achou uma mesa para nós onde um casal estava acabando de sair. Eu me sentei, enquanto Potter buscava as bebidas.


Vi Maria do outro lado, sentada com Kingston. Ela parecia desconfortável, mas então me viu, e acenou pra mim com um sorriso.


Potter estava de volta, segurando as cervejas.


- Aqui está. – ele disse, passando uma garrafa pra mim.


- Já pagou? – perguntei, tirando a rolha. – Pode deixar que a minha eu pago...


- Não precisa. – ele disse, tomando um gole. – Os homens pagam.


Revirei os olhos e bebi um pouco também. Rapidamente me senti aquecida.


Por incrível que pareça o passeio não foi tão desagradável quanto eu pensava. Conversar com ele era até divertido (ok, eu não acredito que pensei isso).


Potter me levou a Zonko's, a loja de logros e brincadeiras, e na Dedosdemel. Enchemos os bolsos de balas e doces e voltamos para a rua fria e ventosa de Hogsmeade.


- Vem comigo. – ele disse.


Subimos a rua movimentada em direção à uma das ultimas lojas do vilarejo. Só depois de um tempo que percebi que ele me levava até a Casa dos Gritos.


- Eu não vou entrar lá. – falei. Na verdade eu não estava com medo. Mesmo porque eu não acreditava nas lendas da casa e mesmo se fosse reais eu não hesitaria em entrar. Mas entrar junto com Potter não era uma boa ideia.


- Não precisa entrar. – ele disse sorrindo e eu suspirei aliviada.


Ele se se encostou à cerca de madeira que rondava a casa, e eu o imitei.


- Você acredita nas histórias que contam sobre ela? – ele perguntou, ainda sorrindo.


- Não. – falei, pegando uma caixa de feijõezinhos de todos os sabores que eu havia comprado. – Você acredita?


- Sim.


Ergui as sobrancelhas.


- Acredita? – perguntei incrédula.


- Acredito. – ele olhava pra mim com um sorriso torto. – Ainda mais, porque eu sei de quem vem a gritaria.


- Ah, é? – eu disse com sarcasmo. – E quem é?


- Ninguém menos que o Aluado. – ele respondeu.


- Como assim? – perguntei intrigada.


- A Casa dos Gritos é a entrada para uma passagem secreta que leva à Hogwarts. É o lugar que Aluado fica nas noites de lua cheia.


Eu não havia percebido que havia parado com a mão do ar, levando um feijão à boca, enquanto ouvia a história.


- É por isso que construíram o Salgueiro Lutador no nosso primeiro ano. – continuou ele.


Eu não sabia o que responder. Potter ria, divertindo-se.


- V-você já entrou a-aí? – perguntei gaguejando.


- É claro. – ele disse. – Eu, Rabicho e Almofadinhas fazemos companhia pra ele toda vez.


- Vocês o quê?


- Fazemos companhia pra ele.


- Mas como? Lobisomens ficam descontrolados quando se transformam!


- Mas nós também nos transformamos.


- Quê? – eu disse, acreditando cada vez menos na história.


- Eu, Almofadinhas e Rabicho somos animagos.


Desta vez eu comecei a rir.


- Vocês? Animagos? – enfim comi o feijãozinho que eu segurava. - Conta outra.


- É sério.


- Vocês só têm 17 anos.


- E?


- Não conseguem fazer isso.


- Bom, nós conseguimos. – disse ele. – Desde nosso quinto ano. Fazemos isso pra não deixar Aluado sozinho.


- Mas isso é ilegal! – exclamei, derrubando porções de feijões no chão. – Com certeza vocês não têm a licença!


- Não, não temos. Mas também não temos coragem de deixar nosso amigo sofrer desse jeito.


Agora eu me lembrava: no quinto ano, Sev quase foi atacado pelo Salgueiro Lutador. Ele foi querer saber o que havia lá dentro, quando Potter o salvou. Agora fazia sentido, apesar de ser uma completa doideira.


E também, por outro lado, era um ato bonito de Potter e os outros; ajudar um amigo assim não é qualquer um que faça.


- Isso é uma loucura. – falei comendo outro feijãozinho. – Mas é legal também.


- É. – ele concordou.


Ficamos um tempo sem falar, Potter ainda olhando para a casa, pensando. Enfim perguntei:


- Em o que você se transforma?


- Em um cervo. – ele respondeu, sorrindo.


- E os outros?


- Almofadinhas em um cachorro e o Rabicho em um rato.


Eu passei a tarde inteira ouvindo as histórias de Potter e seus amigos. Ele contava tudo o que eles faziam uma vez por mês, tanto fora, quanto dentro do castelo. No começo achei que ele queria se amostrar, mas pelo seu jeito de contar parecia que essa não era sua intenção. Eu também achava aquelas histórias uma mais doida que a outra, mas por fim foi ficando interessantes e por vezes divertidas. Então cheguei a conclusão que isso não é tão ruim, sendo que é por uma boa causa.a


Entendi também o porquê do desapontamento de Black quando ele notara que a Lua Cheia estava longe. Afinal, eles se divertiam com aquilo talvez, exceto Aluado.


- Já está tarde. – Potter comentou, quando terminou uma de suas histórias. Ele tinha razão: o céu estava mais escuro que o normal, por causa da quantidade de nuvens. Parecia que ia chover novamente.


- É. – concordei. – É melhor voltarmos.


Fizemos o caminho de volta, agora com menos alunos do que antes. Potter me ensinou a usar o feitiço para impermeabilizar as botas, pois o que ele tinha lançado já tinha saído.


- Black também ficou com o Aluado? – perguntei, enquanto caminhávamos pela estradinha.


- Não, ele veio também. Devia estar por lá. – ele disse e então sorriu pra mim. – Vai me chamar de Potter ainda?


Eu ri.


- Acho que sim.


- Por quê? – ele perguntou, indignado.


- Acho que está muito cedo para apelidos. – eu falei. Seu rosto se iluminou, com certeza porque eu disse – e não devia ter dito - que "está muito cedo". Eu não sabia se ia voltar a sair com ele, apesar de não ter sido uma perda de tempo total.


- Mas Tiago não é apelido. – ele falou. – É meu nome.


- Pra mim, você ainda é Potter.


Ele bufou.


Quando chegamos a porta do Salão Principal, Potter virou-se pra mim.


- Eu vou à ala hospitalar ver se Rabicho melhorou. – ele disse.


- Ah, eu iria, mas tenho que adiantar o dever de Transfiguração.


- Tudo bem. – ele disse e então sorriu. – Até mais.


- Até. - cumprimentei.


Ele deu meia volta, enquanto eu ia em direção ao retrato da Mulher Gorda.


A sala comunal estava lotada de gente aproveitando as chamas da lareira e se divertindo com o que tinha comprado.


Maria estava sentada a um canto, fazendo seu dever de Feitiços.


- Oi! – cumprimentou ela quanto me viu. Estava feliz demais em comparação à hoje em Hogsmeade.


- Oi. – cumprimentei sentando na poltrona ao seu lado.


- Me conta como foi! – falou ela sem rodeios, jogando seu trabalho pro lado.


- Foi... legal.


- Ah, corta essa! – exclamou ela. – Ele te beijou?


- Claro que não! – falei, corando. – Ele que tentasse!


- Então como foi?


Tive que contar detalhadamente todo o encontro, excluindo a história da Casa dos Gritos, é claro. Ela soltava exclamações enquanto eu falava.


- Que lindo! – ela falou radiante, quando eu terminei.


- Só foi um passeio, como eu falei. – eu disse.


- Sei. – ela disse, puxando para si seu dever incompleto de Feitiços.


- E porque você tava daquele jeito no Três Vassouras?


- Ah, é. – ela disse, sem olhar pra mim. – Bem, eu e o Robert andamos brigando muito, então a gente terminou.


Entendi porque ela estava tão feliz. Dougie ficaria com tanto ânimo quanto ela.


- Você não está triste. – isso não era uma pergunta.


- Acho que não. – ela disse e deu de ombros.


O mais frustrante daquela noite não foi contar a Maria como fora meu passeio junto com Potter, e sim confessar a mim mesma que quando dormi acabei sonhando com ele.

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