Capítulo 6



Para os mortos, não há noção de tempo. O que significa que mesmo tendo se passado uns dias na vida real, para alguns deles ainda aconteceria uma cerimônia. Todos os preparativos já haviam sido terminados. Tudo estava magnificamente pronto.
O castelo todo decorado fazia parecer que sempre havia vida naquele local.
Agora as pessoas, cada uma em sua devida casa, terminavam de se preparar.

Observação:
Naquela época não existiam bruxos como os de Hogwarts, apenas os que praticavam feitiçaria – alguns praticavam o lado bom da magia, como Merlin, enquanto outros praticavam a Arte das Trevas, como Morgana.
Conforme o tempo foi passando, foram nascendo crianças que demonstravam, com o passar dos anos, que tinham algo diferente em si, um tipo de magia que não precisavam aprender, pois já sabiam; só precisavam desenvolver. Algumas dessas crianças vinham de casais da nobreza – que mais para frente ficariam conhecidos como puros-sangues; outras eram de nobres que se envolviam, antes, secretamente, com camponeses – e que ficariam conhecidos depois como mestiços - e, ainda haviam umas pouquíssimas, que eram de casais camponeses – que ficariam conhecidos como sangues-sujos.
Então, a época em que se encontram os personagens do texto, não havia ainda os bruxos de nascença, e sim, apenas aqueles que buscavam conhecimento e estudo sobre a magia.

Duas horas depois, o sino principal da igreja do local tocou seis vezes, para anunciar que já eram seis horas da noite.
Com os toques do sino, todos seguiram para a igreja.
Lá aconteceria a primeira parte da cerimônia; o bispo abençoaria a coroa que seria passada e faria as preces para quem a usaria.
Em menos de meia hora, toda a igreja já estava lotada. As pessoas cochichavam, especulavam - cada uma dando sua opinião sobre como seria aquela cerimônia.
- Meu caro senhor, creio eu que o bispo falará lindas e sábias palavras de benção, que servirão, também, como conselhos. – dizia uma senhora bem vestida, provavelmente da corte, ao seu marido.
- A coroa foi lustrada mais de cem vezes... – dizia um empregado camponês, do outro lado da igreja.
- Será que neste ano, na provável última cerimônia da corte, haverá um vexame como foi na coroação de Guilhermus VIII? – cochichava uma senhora da corte com sua colega ao lado.
Todos, todos mesmo, sem exceção de ninguém, conversavam. Estavam ansiosos, afinal não era todo dia que acontecia um evento tão importante quanto uma coroação.
De repente, uma música bem leve se iniciou; era cantada por um belo coro e apesar de ser apenas uma melodia cantada (não tinha letra), transmitia uma bela mensagem de leveza, de glória, de poder.
Terminada a música, o bispo local pediu que todos se levantassem e fez uma prece. Pediu para o local ser abençoado e para que todos ali pudessem, também, serem abençoados.
Após a prece, falou algumas palavras.
- É deveras importante que todos os senhores presentes verifiquem com emoção a importância de tal cerimônia. Cerimônia a qual é realizada de tempos em tempos, para renovar a glória e a grandeza deste local e de seus moradores: servos fiéis e dedicados à coroa; nobres de importância relevante e, clérigos locais – sempre dispostos a servir às almas em busca de sua salvação.
Terminadas suas palavras, todos os moradores locais aplaudiram. Em seguida uma nova música foi entoada e, após a música, o bispo tornou a falar, porém, desta vez, contou brevemente a história local.
- Há muitos anos, quando nossos queridos antepassados resolveram deixar de ser nômades e enfim formar um povo, com direito de serem chamados de população, o líder Humberto Gaspar foi eleito o rei da comunidade, isso depois de vários feitos importantíssimos por todos. Depois dele se seguiram outros importantes reis e até hoje esta magnífica tradição é mantida. Nosso rei hoje, instituído na família real pela vontade clara de Deus – pois era o irmão mais novo, porém após um ataque fulminante de epilepsia, deu lugar a seu irmão no trono – é nosso ilustre rei Guilhermus VIII, que neste importante e ilustríssimo dia, dará lugar no trono, pela primeira vez na história, a uma mulher: sua filha, a duquesa de Lefroze, Katelyn Glorvius de Lefroze. – e, terminando as palavras, a grã-duquesa de Lefroze entrou pelo saguão da igreja e enfim chegou ao salão principal, onde todos já a esperavam de pé.
A grã-duquesa usava um belo vestido de mangas longas provido de uma longa cauda, toda decorada com pequenos brilhantes; um vestido feito especialmente para a ocasião, pela estilista real, Fereze Matazzo.
Ela entrou imponente no salão principal da igreja, de braços dados ao pai Guilhermus VIII e ambos seguiram até a frente do bispo.
Ao chegarem lá, o pai falou umas poucas palavras ao ouvido da filha, de 17 anos e em seguida seguiu para seu lugar nos bancos da igreja. A menina olhava diretamente nos olhos do bispo, que fez uma oração de benção a menina.
Depois ele convidou toda a igreja a se ajoelhar para nova oração, seguida de uma música, feita especialmente para honrar a grã-duquesa e futura rainha da Inglaterra. Depois, foi trazido ao salão, um belíssimo trono, todo esculpido em ouro e decorado com variados tipos de brilhantes, estofado com um fino veludo vermelho e dourado.
A grã-duquesa foi convidada se sentar no trono, enquanto servos do palácio lhe levavam a coroa – toda dourada, também decorada com brilhantes, porém brilhantes vermelhos, mais precisamente, rubis. Em seguida a coroa foi entregue ao pai de Katelyn, que a convidou a se ajoelhar para receber a coroa. Assim ela o fez e em seguida ficou de pé e hasteou o pequeno cedro que lhe havia sido entregue, fazendo com que todos que estavam no salão se ajoelhassem para prestar as honras à nova rainha da Inglaterra; a grã-duquesa de Lefroze.
Em seguida ela se sentou e nova música foi entoada. Depois todos seguiram para o palácio real, onde haveria uma enorme festa nos salões reais ingleses.
Todos dançaram por algumas horas até que foi anunciada a hora do jantar e do brinde.
O rei Guilhermus VIII falou as palavras de honra à filha.
- Durante anos tive o lisonjeado prazer de governar a nossa querida e adorada Inglaterra e de uns tempos para cá, passei a me preocupar com quem me sucederia no trono. Por falta de filhos homens, não que eu reclame, quase tive de ceder a coroa a um parente distante escocês, mas meus nobres amigos do governo real me auxiliaram na busca de leis antigas que permitissem transformar antigas leis em novas, na falta do necessário para a mesma ser cumprida. Sendo assim, depois de anos de busca, há dois anos criamos uma nova lei que permitia que a coroa fosse dada a uma mulher em caso de esta não ter irmãos, nem mais velhos, nem mais novos. Assim começaram os preparativos para a coroação de minha filha mais velha de cinco lindas filhas, Katelyn Glorvius de Lefroze. Hoje minha amada – disse ele agora olhando nos olhos da filha mais velha – já maior de idade, lhe foi concedido o direito e dever e honra de governar a nossa Inglaterra. Que a benção de Deus esteja contigo e que Ele te capacite para guiar nosso povo. À rainha da Inglaterra! – falou ele levantando sua taça e sendo seguido por todos os presentes.
Após o jantar todos voltaram a dançar, menos a nova rainha da Inglaterra. Ela seguiu até as masmorras do palácio, onde morava a feiticeira, antes feiticeira real, mas banida a viver nas masmorras até a eternidade, com sua alma sendo condenada como perdida, após conversão do rei e de sua família.
- Olá bela rainha. – falou a velha, que se escondia debaixo de um longo capuz que impedia qualquer um de ver sua face.
- Quem é você? – perguntou a menina à velha.
- Esperava que Vossa Alteza soubesse. – respondeu retoricamente a velha.
- Eu imagino, mas nada afirmo a mim mesma até que eu tenha provas de minhas hipóteses sejam reais. – falou a menina com uma resposta imediata.
- Inteligente, corajosa, leal... Vejo em Vossa Alteza qualidades reais que jamais alguém da sua família pensou em ter algum dia. – disse a velha sem alterar seu tom de voz, porém fazendo perceber sua indignação através dela – Jamais imaginaria que alguém como você pudesse nascer numa família como a sua.
- Você é triste. – afirmou a menina.
- Os mortos não admitem que estejam mortos; são incapazes de serem felizes mesmo quando pensam que o são. – filosofou a velha.
- O que você quer dizer com isso? – perguntou a menina assustada.
- Quero dizer que existe morte neste local, mas ela mesma é incapaz de enxergar isso.
- Ainda não consegui entender a senhora, mas imagino que queria passar uma mensagem que eu desconheço.
- Minha querida Alteza, pense comigo: se a senhorita estivesse morta, não se lembraria até mesmo do dia em que nasceu, porém se fosse permitido viver apesar de estar morta, você o faria e, ainda assim não se lembraria de nada, nem mesmo do dia de ontem, pois os mortos não têm consciência de tempo, ou seja, vivem cada dia de um vivo, como se fosse único. Os mortos vivem o mesmo dia todos os dias. – falou a velha.
- A senhora está querendo dizer então que estamos todos mortos?
- Pior minha criança, pior. Estou dizendo que somos todos mortos; vivendo todos os dias o mesmo dia e a pior parte disso tudo é que todos os dias sofremos os mesmos sofrimentos, mas no dia seguinte somos incapazes de lembrar que sofremos e com isso, sofremos tudo novamente. Não somos nem capazes de nos permitir criar uma barreira contra a dor, pois já morremos. E o que os mortos fazem? Nada minha querida. Os mortos estão mortos, os mortos são mortos e não há nada que mude isso. – falou a velha se atirando numa cadeira, aos prantos.
- Quer dizer que isto que estamos vivendo aqui, já vivemos outras tantas vezes e vamos continuar vivendo? Tudo isso acontece todos os dias e acontecerá sempre? – falou a menina chorando – Mas espere – falou ela se recompondo – como você tem consciência disso?
- Minha querida, não era a toa que eu era a feiticeira deste lugar. Mas sim, tudo isso já aconteceu e continuará acontecendo. Todo o dia acontece a sua coroação; todo dia você descobre que eu sou uma feiticeira; todo dia você descobre que está morta.
- Mas isso é impossível. Você está me dizendo que os mortos não têm consciência, mas você sabe de tudo, você... Você... agora entendo. Você não está morta. – afirmou a menina.
- Errado e certo. Estou morta, mas condenada a uma imortalidade. Por isso eu sei de tudo isso, mas vivo em tempo constante presa à realidade de vocês, ou seja, estou morta, mas condenada a viver para sempre assim – isso me faz saber das coisas, então vivo como alguém vive, mas estou morta e vivo assim nos dias eternos de vocês.
- Você sabe como eu morri?
- Sei. E sei também como seria sua vida.
- Como?

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.