Maldita Branca-de-Neve

Maldita Branca-de-Neve



Mais uma tarde chuvosa em Londres, Giulia se encontrava sozinha na casa de tijolos vermelhos localizada em um dos melhores pontos da cidade: South Kensington. Poucos passos à distanciavam do Hyde Park, mas dali pra frente os únicos passos que seriam ouvidos na casa são os seus. A garota limpava as lágrimas que teimosamente escorriam de seus olhos castanhos enquanto colocava álbuns de família em caixas no sótão.


Fotos da primeira vez que visitara Londres com os pais,  tinha exatos oito anos de idade, ficara apaixonada pelos ônibus de dois andares, pela roda gigante com vista para a torre do relógio.


-       Mãe, um dia, quando eu crescer ainda vou estudar nesse país. Eu venho morar aqui e você e papai vem junto.


-       E você vai estudar o quê? – perguntava seu pai interessado


-       Paleontologia! – era a palavra mais divertida que ela conhecia – Vou estudar os dinossauros, vou descobrir muitos e muitos ossos de dinossauro no mundo!


-       Paleontologia...Tudo bem então..Mas saiba que você ainda tem muito tempo pra decidir se é isso mesmo que você vai seguir.


A carreira de paleontóloga não foi pra frente, ao invés disso estaria entrando no próximo mês de setembro na London School of Economics (LSE) com uma bolsa integral, pelo menos com isso não teria que se preocupar agora. Tinha altas pretensões para sua carreira, se tornaria uma brilhante economista escreveria uma tese com conclusões espetaculares que solucionariam parte dos problemas dos países do terceiro mundo. Sorriu pra si mesma e pensou naquilo que sua mãe lhe repetiu muitas vezes...


-       Giu, minha filha, você tem que se preocupar com você também, não pode passar a vida inteira tentando cuidar dos outros.


Sua mãe se preocupava, pois via nela o mesmo brilho no olhar quando se tratava de ajudar os outros, sabia que possuía a mesma vontade que seu pai, de ajudar àqueles menos afortunados. Isso não me fazia sorrir, desde a comemoração de seu aniversário, duas semanas atrás, ela já não exibia seu sorriso branco e contagiante.


Era verão na Europa, comemorava meu aniversário somente com meus pais em um piquenique no Hyde Park não tão perto do lago, onde pessoas se abarrotavam para conseguir uma sensação de maior frescor. Eu ria daquilo, morei 17 anos e 11 meses no Rio de Janeiro, a cidade maravilhosa que no verão o calor atingia 40ºC, ficar sentada na sombra sob um sol de “apenas” 32 graus era simples. Faziam duas semanas que morávamos em Londres, o apartamento já estava todo organizado e tudo desempacotado, mas quis comemorar minha data ao ar livre já que não agüentava mais olhar para as caixas vazias nos corredores, hoje me arrependo desta decisão. Foi no meu aniversário que meus pais foram assassinados, e por muito pouco, não morri também.


Não sei, e nunca saberei quem foram os culpados. A causa certamente era o trabalho dos meus pais, foi por isso que “fugimos” para Londres, para recomeçar através do programa de proteção à testemunha, largamos família, amigos, amores... 
Ninguém poderia saber onde estávamos. Como mencionei, meu pai tinha sede de ajudar as pessoas, e isso muitas vezes pode ser um processo complicado, pois há a necessidade de enfrentar os que tem poder. Meu pai descobrira um grande esquema de corrupção em uma das maiores empresas do meu país, tudo por que auxiliava na defesa de um ex-empregado que sofria abuso de seus chefes. Foi encontrando documentos que denunciavam as fraudes, os métodos de atuação, até parar diante de um papel que continha uma listagem de nomes, alguns deles já riscados haviam aparecido no jornal nos últimos meses, a chamada da matéria era sempre a mesma: morte causada por envenenamento; mais um corpo encontrado com o mesmo veneno das últimas 3 ocorridas no mês de abril. Meus pais foram mais uma das manchetes de jornal.


- Malditas maçãs, maldita madrasta da Branca-de-Neve! – gritei sozinha chutando uma caixa no sótão.  Diversas coisas caíram espalhadas pelo chão, brincos, anéis, colares todos conhecidos, todos de minha mãe.


Me apoiei na caixa onde estavam alguns de meus livros não ligados à faculdade, não havia espaço no meu quarto para guardá-los então tinham ficado pra trás. Esbocei um sorriso ao ver 7 livros, passara minha infância e adolescência lendo e relendo os livros. Agora me sentia como a personagem principal: órfã, com os país assassinados por um estranho, com a tentativa de me matar na forma de uma maçã não comida. Peguei o terceiro livro, sentei no sótão e comecei a reler, relembrar como eram bons os dias na minha casa, com meus pais, meus amigos... Percebi que guardava cada lembrança não só deles, e que ainda recordava cada palavra do livro, naquele momento desejei mais que tudo ter uma penseira, para esvaziar meus pensamentos.


Sentei no chão para ficar mais confortável e senti algo duro sob minha coxa. Um pingente estranho, engoli em seco, não me lembrava de tê-lo visto com minha mãe – eu sabia que conhecia todas as jóias e bijouterias dela, estavam listadas no testamento - , mas ainda assim... conhecia aquele formato peculiar de ampulheta em algum lugar. Olhei para o livro em minha mão e percebi que era dali que reconhecia aquelas correntes finas, o vira-tempo de Hermione.


Fiquei confusa, meus pais nunca foram no parque do Mundo Mágico de Harry Potter nos Estados Unidos, sequer liam Harry Potter... Sabiam que eu era apaixonada pelos livros então nunca me esconderiam se tivessem comprado algo relacionado. Procurei a página em que Harry observa Hermione retirar o objeto das vestes, ao abrir a página havia um bilhete:


“Sabia que um dia abriria este livro novamente, pois sempre o faz quando está nervosa ou preocupada. Te amamos muito nossa Giu. Se encontrar um objeto similar ao descrito neste trecho, já não estaremos mais com você, nem teremos como te explicar. Vivemos não só a nossa vida com esta Giulia, você existe no universo de seus livros, e nós ainda existiremos lá quando nos formos daqui. Sete voltas devem bastar para que você regresse aos 11 anos, estes não se passarão no Rio de Janeiro, mas na Londres trouxa. A magia corre no seu sangue pela parte de seu pai, nos conhecemos no seu mundo de fantasia com corujas, vassouras voadoras e quadribol. Criamos uma vida paralela ao mundo da magia, à frente do nosso tempo em 7 anos, para termos a possibilidade de te criar caso Você-sabe-quem volte a se reerguer, mas a vida sem magia é tão dura quanto, e infelizmente te deixamos. Se desejar nos encontrar no mundo onde a feitiçaria é real, dê sete voltas no vira-tempo, você voltará com o corpo de 11 anos, e com uma única memória: a história lida nos livros de Harry Potter, nossos eus no mundo da magia não saberão disso, mas vimos a importância de te deixar com este conhecimento no mundo mágico. Somente você poderá escolher o seu destino, te amaremos sempre, seus pais.”


Li o bilhete aproximadamente 20 vezes, nada ali fazia sentido. Se criaram num mundo paralelo ao da magia? Eram clones de seres do mundo mágico? Poderia realmente encontrar seus pais e viver no mundo de Harry Potter já conhecendo todos os perigos e lutando para salvar o mundo.


A ampulheta parecia uma bomba em suas mãos. Girar, ou não girar: eis a questão.


 

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