Não se apaixone po mim



4. Não se apaixone por mim


De alguma maneira, a professora Guinevere conseguira o que propusera a Draco. Ele recebera um bilhete de Dumbledore pela manhã, informando-lhe que, em virtude de seu oferecimento para o importante projeto do grupo de teatro, poderia passar as festas em sua casa, se assim desejasse (nem mesmo um troll retardado teria recusado), e também que teria reduzida sua carga de trabalho voluntário durante o período de ensaios - o que incluía também as detenções com a professora Sprout, em caso de necessidade.

Ele estava radiante. Uma peça idiota, e conseguira a primeira folga desde que podia se lembrar. Com sorte, poderia sair algum dia para andar pelo gramado, antes que esquecesse como era. O bilhete lhe fora entregue pela professora D'Yarma e, segundo lhe pareceu, ela não parecia extremamente satisfeita por tê-lo no papel principal. Agia mais como se ele fosse a melhor sobra dentre as opções que tinha - aparentemente, os cartazes e convites sutis e pessoais não haviam surtido muito efeito... talvez fosse a carga de estudos. Ou o fato de ser, bem, teatro. Ou os dois. Draco não se importava com a opinião de Guinevere. Nem um pouco.

Quando se reuniu com o grupo, à tarde, leu o texto mecânica e displicentemente, sem a menor intenção de tocar nele de novo assim que saísse dali. Era uma peça babaca, sobre um trouxa (Aram, interpretado por ele mesmo, coisa que tentava sempre apagar da mente) que vivia infeliz e amargurado mas que não sabia disso, pois mandara congelar seu coração e se esquecera. Em uma noite qualquer, ele se encontrara com Liara, um anjo acidentado que estava caído na rua, e desse encontro estranho acabava que Aram passava a crer em magia, em mudanças, e reencontrava seu coração, abrindo-o para o mundo. Ele se lembrava, então, de que era na realidade um bruxo, apenas se esquecera disso, e as revelações o tornavam uma pessoa melhor e mais feliz. Liara era uma aparição, uma ninfa. Era o espírito do vento, porque podia ser branda como uma brisa e provocar convulsões como um furacão. Além do quê, viam-se seus efeitos, mas não necessariamente como ela agia. Era quase uma metáfora.

Malfoy achava o texto completamente estúpido e clichê, ainda que basicamente tudo fosse clichê na época do Natal. Tudo bem, algumas situações eram interessantes, especialmente envolvendo os secundários, mas a idéia geral era bastante batida, a seu ver. Haviam acabado de ler pela primeira vez, em grupo, para debaterem.

- Sabe, eu não acho que a mensagem precise ser inovadora sempre - disse a ele Luna Lovegood, como se pudesse ler seus pensamentos secretos e mudos. - porque tem coisas que simplesmente... precisam ser ditas, e não há outro modo. Além do quê, o modo de se dizer é muito mais interessante que a mensagem em si.

- Ah. Claro. - disse Malfoy, sem pensar muito no que ouvira. Estar ali era bem melhor do que percorrendo Hogwarts a mando de Filch, mas nem por isso ele desejava que acabasse menos depressa.

A professora estava falando sobre os papéis, após a primeira leitura. Neville seria o vagabundo mudo ("não poderia haver um melhor", pensou Malfoy), Roger, o grifinório, faria o ferreiro, Uma garota da Corvinal que Draco não sabia ao certo se chamava Scila ou Tiara faria uma curandeira... ele era Aram, mas já sabia. E Liara seria interpretada por Luna Lovegood, claro, completara a professora.

O mesmo sobrenome... Malfoy achou meio estranho. "Hah, vai ver por isso a maluquinha pegou o papel do anjo. Só pode ser". Mas não gastou tempo demais pensando nisso. Aliás, não gastou tempo algum pensando nisso.

Comparecia aos ensaios, mas era bastante óbvio que não se esforçava. Não sabia grande parte das falas, improvisava coisas que mudavam completamente o sentido original e, quando se lembrava, as pronunciava de modo quase robótico. A professora estava tão insatisfeita com ele como estava feliz com o progresso dos outros. Como não precisava falar nada, Neville foi uma grata surpresa em expressão corporal, e o restante da turma se empenhava bastante em atuar o melhor possível, ainda que ninguém estivesse melhor que Luna. Bastaram duas reuniões para que ela soubesse todas as falas, não somente as suas mas as de todo mundo do elenco, e as desempenhasse bastante bem. Talvez não tivesse feito outra coisa durante a noite.

Luna era, Malfoy logo concluiu, completamente biruta. Ia aos ensaios sempre com suas roupas extravagantes e mesmo feias, como um surrado pulôver castanho e saias xadrezes. Eventualmente aparecia com seu chapéu vermelho e roxo ou coisas do tipo, que a deixavam bastante bonita quando só aparecia de saia e blusa meio roída. Estava sempre lendo "O Pasquim" e carregava um livro cujo nome desbotara da capa o tempo todo, para todo lado. Falava de teorias que apenas ela parecia conhecer. E sempre tentava ajudar todo mundo com tudo. Fazia tudo que lhe pediam, e o que não lhe pediam também. Draco tinha a forte impressão que ela doaria um rim a um desconhecido que aparecesse na porta, se ele lhe dissesse que era realmente importante. Ele já a vira ser ofendida por outros alunos enquanto andava pelo corredor sem esboçar a menor reação - ela apenas lhes sorria e seguia em frente... era completamente maluca. Só podia ser.

Entretanto, ele agora estava prestes a pedir ajuda para a maluca.

Tudo por causa daquele tenebroso bilhete que lhe fora entregue algum tempo antes. Aparentemente, a professora Guinevere havia percebido o óbvio e finalmente parar de tentar se iludir a respeito: Draco simplesmente não estava se esforçando o mínimo naquela peça. A professora já lhe dissera o quanto era importante que saísse perfeita e especial, mas aparentemente era bem mais do que ele imaginava... pois ela se dera ao trabalho de conversar com superiores e ele agora recebera a singular mensagem de que, caso não executasse a contento a tarefa para a qual havia se proposto, haveriam tarefas realmente piores lhe esperando quando voltasse das férias (uma vez que este privilégio não podia mais ser revogado). Draco imaginou que aquilo fosse uma ameaça vazia, até ser assombrado por imagens dele mesmo sendo obrigado a limpar banheiros e limpando a sala comunal na companhia de elfos domésticos. Ou ganhar detenções com mais gente que não fosse Sprout e suas plantinhas berrantes. Tudo cortesia de uma magia no pergaminho. Gelou a espinha. Não, meu Deus, a coisa não podia piorar. Não mesmo.

A partir daquele bilhete, Draco passou a se esforçar, passou mesmo, pra valer. O problema era que a peça estava muito, muito perto, e ele não estava dando conta. Mas ele precisava... e a única luz salvadora que lhe ocorreu foi Luna Lovegood. Ela sabia tudo. Ela era boazinha e avoada o bastante para, quem sabe, auxiliar a ele, o impopular do grupo de teatro, fora do horário de ensaios (ele enforcaria algumas horas de sono, de aula ou de deveres; haviam prioridades na vida e mais algumas punições leves não o atingiriam àquela altura). Ele precisava de ajuda. Era humilhante, mas era real. Ele conduzira a situação àquele ponto...

Por isso, depois do ensaio, ele foi falar com Luna. Ela estava terrivelmente animada com a proximidade da peça, e parecia encantada que tudo daria certo. Parecia quase tão obssessiva com o assunto quanto a professora. Aproximou-se delas e ouviu Luna dizer algo sobre "estar treinando toda noite e que lhe mostraria, mas não na frente de todos ainda, porque não havia motivo, eles não haviam acertado sequer todas as falas...", mas não se importou. Tocou-lhe o ombro.

- Lovegood, preciso falar com você.

- Ah, claro Draco. - ela sorria. - pode dizer.

- Eu, bem... - ele esperou Guinevere se afastar. - sabe, estou tendo alguns... alguns problemas com meu texto.

- Sim, eu percebi. Deve ser o nervosismo, sabe, aliado à praga de Mithrandir. Afeta todo mundo que tem cabelos louros, e produz em suas mentes um efeito similar ao de um feitiço de confusão...

- Você também é loira! - não pode se conter Draco, diante daquela afirmação.

- Sim, eu sou. Mas eu tenho uma proteção contra isto - disse ela, retirando um saquinho do bolso. - Um talismã protetor. Posso tentar arrumar um para você, se quiser...

- Não quero. - disse Malfoy - O que eu precisava mesmo, era, sabe... de uma mão para repassar o texto comigo. Eu acho que me desconcentro um pouco sozinho... para não mencionar quando acabo dormindo em cima do script (por culpa dele, que é extremamente maçante). A maior parte das falas de Aram são sozinho ou com Liara e, bem, talvez ter a outra parte respondendo me ajude. Você sabe o texto todo de trás pra frente, afinal.

Luna fitou-o por um instante, como se tentasse compreender o que fora dito. Parecia pensar a respeito, e desviara os olhos para baixo. Draco teve a impressão de ouví-la murmurar "trinta e sete", mas não tinha certeza. Por fim, ela exalou um suspiro, encarou-o e respondeu.

- Claro, Draco, eu o ajudarei, já que você parece realmente empenhado. O sucesso dessa peça... ele é muito importante para mim também. Mas você terá que me fazer uma promessa, para que eu aceite.

O garoto não gostou muito de ouvir isso, mas o que poderia fazer?

- Você tem que me prometer que não vai se apaixonar por mim. - completou Luna.

Draco encarou-a por um momento. Ela não podia estar falando sério, podia? Mas Luna Lovegood estava séria. "Meu Deus, ela realmente acreditou no que disse", pensou Draco.

- Vou tentar conter meus impulsos - disse ele, com um risinho de escárnio, enquanto olhava para ela.

Luna arremedou um sorriso.

- Muito bem, então! E, além disso... bem, você vai ter que falar com meu pai.

A reação de Draco ao ouvir isso foi quase a mesma que teve junto ao pedido anterior. O que raios a Di-Lua estava pensando? Mas ele não tinha escolha.

- Claro, adoraria falar com ele. Se tivesse como...

- Ah, tem uma lareira ligada direto em casa no lugar aonde dorme a tia Nev. Ela lhe emprestará para falar com ele, aposto. Vamos, vamos - disse Luna, já puxando Draco pela camisa em direção à sala.

Guinevere olhara para Draco de um jeito estranho quando ele entrara na sala, mas por fim acabara ativando a lareira e, agora, ele estava diante de uma cabeça sem corpo daquilo que, precisava crer, era o pai de Luna. Ele tinha uma feição muito, muito séria. Draco não sabia como conversar aquela bizarra conversa. "Tinha que ser a cabeça da Di-Lua para pensar nisso...", pensava ele.

- Ahn... boa tarde. Noite. Senhor. Eu sou Malfoy. Draco Malfoy e...

- Eu sei quem você é. Não o conheço, mas já ouvi muito sobre você. Muito mais do que queria. Não quero saber mais nada.

Luna interveio.

- Papai, ele quer ajuda com o texto... ele me pediu para ajudá-lo...

- ELE ESTÁ NA PEÇA?

- Estou - respondeu Malfoy, com um tom de voz que indicava claramente que estava arrependido disso, mas a cabeça ignorou-o.

- Luna, ele mandou um garoto de onze anos para o hospital...

- Por acidente. - disse a menina, com um ar sonhador. - e você sabe que acidentes acontecem nas melhores famílias, isto é...

- Luna, Luna - disse a cabeça, sacudindo-se para os lados, pesarosa. - você realmente acha que é hora para fazer novos amigos? Esse tipo de amigos?

- Eu deveria então ficar sempre sozinha? - murmurou ela. Parecia quase chorar.

O pai de Luna pareceu desconcertado.

- Bem, não mas... talvez pensar em como... ora, está bem - acabou dizendo ele, e virou-se para Malfoy- pode ensaiar textos com Luna, eu permito. - a cabeça virou-se para a filha. - Mas eu não quero, realmente não quero, que você se encontre com Malfoy fora dessas atividades escolares.

- Tudo bem - disse Luna, sorrindo como sempre.

"Como se eu pretendesse encontrar esta doida fora dessa peça cretina!", pensou Draco, sem coragem de verbalizar.

Era isso. Ia ensaiar o texto com Luna Lovegood. Draco virou-se para sair, quando Luna o chamou.

- Ué, você não vai dizer mais nada?

O menino praticamente grunhiu um "obrigado" forçado, disse a Luna que marcariam as coisas melhores e saiu da sala. Teria que valer a pena, ah se teria. Aturar a maluca da Luna... ele só esperava ser convincente o bastante na apresentação para se livrar de mais tarefas na escola.

Na sala de Guinevere, a cabeça suspirava para Luna.

- Ah, filha, eu lamento tanto... que sua mãe... que ela não esteja aqui, ela... ela poderia tê-la ajudado a se tornar uma mulher...

- Eu me tornei uma mulher, papai - respondeu Luna, sorrindo - me tornei mesmo sem ela. É só que, talvez... não tenha me tornado uma muito bonita. - completou.

Despediu-se de uma distraída Guinevere, mandou um beijinho para a cabeça do pai, fez um aceninho e saiu para o dormitório da Corvinal, completamente etérea. Ela era bem assim. Pouco depois, a lareira voltara a ter somente um fogo crepitante.

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Nota da autora:quase dividi este capítulo em dois, como fiz com o 2 e 3... acabei achando melhor deixar como está, para não quebrar o ritmo, mas espero mesmo que não tenha ficado muito longo...

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