O Fim



 


            O telefone marrom refletia os reflexos de luz que entravam pela janela aberta. Pela mesa estavam espalhados vários objetos diversos; algumas canetas, formulários, pedaços de papel. Um mapa da cidade com alguns pontos marcados por tachinhas estava colado com fita adesiva na parede ao lado. O retrato de uma mulher e de um homem sorridente estavam sobre a mesa, um pequeno garoto entre eles, não mais que uns quatro anos acenava para o fotógrafo. Mas essa não era a única fotografia naquele ambiente. Outra havia se juntado a ela, muito recentemente. Não em um retrato. Não em uma posição privilegiada. Apenas presa a um maço de documentos com um clipes tosco e enferrujado. Esta revelava uma garota, pele moreno-jambo, cabelos escuros e escorridos. Não devia ter mais de vinte e cinco anos e olhava diretamente para a lente da câmera, dando a impressão para quem estivesse olhando a foto de que estava sendo observado.


            Carl Black havia folheado a ficha de Scarlett várias vezes nas últimas três horas. Se algo pudesse ser dito em favor da polícia de Los Angeles, sem dúvida era a sua rapidez. Em poucas horas, eles haviam rastreado e conseguido praticamente todas as informações sobre aquela garota. Não que elas fossem muitas. Para a surpresa de Carl, aquele de fato era o nome verdadeiro da moça, Scarlett Galahan.  Órfã desde os treze anos, foi encontrada vagando pelas ruas pelo Conselho Tutelar. Aos quinze fugira do abrigo e voltara para a rua. O resto era fácil imaginar. Encontrara Zito por aí, e o homem a fez trabalhar para ela em troca de proteção e comida. Quando se tornou maior de idade, porém, a dívida com Zito já estava alta demais para tentar mudar de vida. Por mais que ela tentasse se livrar, ele sempre arranjava um jeito de trazê-la de volta.


            O policial levantou a mão e a passou pelos olhos. Estava exausto, estressado, destruído. Estava acordado a quase 30 horas. Ficou por alguns momentos lá, sentado de olhos fechados. Segundo a segundo tentando resistir ao cansaço e se impedindo de ceder ao sono. Amélia estava sentada à sua frente, estranhamente quieta. Havia aberto a boca para falar umas três vezes na última meia hora, mas desistira no último momento. Por fim, decidira-se.


            –Vá para casa, Carl! Descanse... você não está mais em condições de continuar!


            Carl respirou fundo e abriu os olhos. Sentiu uma tontura momentânea mas logo sua consciência se estabilizou. Firmou os olhos na mulher a sua frente.


            –Está tudo bem... eu... eu preciso terminar esse assunto.


            –Carl... não há mais... você não entende... – Amélia também respirou fundo – Já está terminado.


            –NÃO! – falou Carl, um pouco alto demais. Depois, arrependido, baixou o tom de voz. – Não... não está terminado... eu preciso saber como... como ele conseguiu...


            Houve outro silêncio tenso entre eles durante alguns minutos. Então Amélia começou a falar naquele tom de voz sensato que usava quando queria mostrar para Black que dois e dois são quatro.


            –Carl... você...você leu o resultado da autópsia que Bruce mandou hoje pela manhã?


            Black fez uma careta de descontentamento ao se lembrar do documento. O primo de Amélia fizera questão de enfatizar como o corte na garganta da moça era reto e perfeito como se tivesse sido feito por um único golpe de destreza incomensurável. Um ninja seria tão perfeito quanto. Carl não pode evitar o desgosto que sentira ao ler aquilo. Bruce agia como se estivesse falando de uma borboleta rara que fora encontrada.


            Amélia entendeu a careta de Carl como uma resposta positiva. Prosseguiu.


            –Bruce disse que foi encontrado no sangue dela várias substâncias anômalas, muitas delas tóxicas.


            –O que... Aonde você está querendo chegar?


            –Bom, é simplesmente inegável que Scarlett usou drogas em algum momento das últimas vinte e quatro horas antes de sua morte. Ela estaria alterada e... fora de si.


            Ele ficou olhando para a parceira durante alguns segundos, por fim compreendeu aonde ela quis chegar.


            –Você está me dizendo que... logo após que eu saí do quarto dela, Scarlett simplesmente... se matou?!


            –B-bom – Amélia gaguejou – Suicídio seria viável se...


            –Sei! – falou Carl se levantando e começando a caminhar pela sala. O ceticismo da parceira já estava o exasperando. – e a faca com que ela se matou simplesmente ganhou pernas e fugiu?!!


            –Eu... eu sei... – Amélia respondeu – eu só quis dizer que ela podia estar alterada, então...


            –Scarlett era destra! – falou Carl apontando para o relatório em cima da mesa. – o corte foi dado da direita para a esquerda! Ela não conseguiria fazer um corte assim com tamanha perfeição!


            –Carl... me desculpe... eu...


            –Porque ela se mataria? Isso não faz sentido algum! Não sei se você está lembrada, mas ela ficara definitivamente feliz por termos salvado a vida dela!


            –OK! – Amélia também gritou para se fazer ouvida – Eu sei! Eu só estou tentando encontrar uma explicação lógica para tudo isso, ok?!


            –Ah! – Carl soltou uma expressão de sarcasmo. – e a sua lógica é que aquela garota era uma suicida em potencial e que eu estou louco e ensandecido?


            A frieza daquelas palavras se chocou contra Amélia mais forte do que o próprio Carl imaginava. Ela ficou olhando para ele lívida durante alguns segundos.


            –Não... não foi isso que eu... não foi isso que eu quis dizer... Carl....


            Trrriiiimm.


            O telefone na mesa de Carl tocou. Eles continuaram se encarando, alheios ao chamado.


            Trrriiiimm.


            –Me perdoe... – Amélia falou – eu só... não sei o que pensar....


            Trrriiiimm.


            Carl olhava para ela. Não adiantava descontar nela, no fim ambos estavam carregando a mesmo peso de estresse e cansaço.


            –E eu sei? – respondeu, com um sorriso tentando parecer simpático.


            Trrriiiimm.


            Amélia deu um meio sorriso e então olhou para o telefone.


            Trrriiiimm.


            –Não vai atender?


            Os olhos de Carl voltaram-se para o aparelho na sua mesa. Com certeza nada mais poderia ser pior do que já havia acontecido.


            Trrrrii...


            –Alô?!


            Por metade de um segundo uma pedra foi se criando na garganta do policial enquanto ele escutava o silêncio do outro lado da linha. E então...


            –Alô? Carl?


            Uma onda de alívio triturou a pedra de sua garganta. Ele conhecia aquela voz.


            –Mariah? Aconteceu alguma coisa?


            Mariah, a secretária pequena e franzina do Comissário Johnson tinha uma voz afinada e anasalada que poderia ser reconhecida por telefone, gravação ou rádio por qualquer policial da 5ª Delegacia da Polícia de Los Angeles.


            –Bom... – Carl ouviu a voz de Mariah hesitar do outro lado da linha, como se ela estivesse estudando as melhores palavras para dizer – o Comissário Johnsson quer ver você. Você e Amélia, na realidade. Na sala dele. Agora.


            –Algo muito grave? – pensou Carl, rezando para que suas preces não se confirmassem.


            –Bom. Ele não disse, mas... – Mariah hesitou novamente – a cara dele não era nem um pouco feliz.


            “Aai”, nos seus pensamentos Carl gemeu. Mais notícias ruins era demais para que ele pudesse agüentar. Imaginou quando que aquele pesadelo iria acabar.


            –Ok... diga ao Comissário que estamos subindo em...cinco minutos.


            Carl desligou o telefone e voltou a encarar Amélia que olhava para ele com os olhos confusos.


            –Johnson quer falar com a gente – explicou.


            –O comissário? – ela estranhou. – Por quê?


            –Mariah também não sabe, mas tenho a impressão de que não deve ser nada bom.


            Os dois se levantaram se dirigiram a porta da pequena salinha. Já tinham passado por ela quando o telefone voltara a tocar.


            Trrriiiimm.


            Carl se adiantou.


            –Mariah deve ter descoberto algo. Espera um pouco.


            Ele se voltou para a sua mesa.


            Trrriiiimm.


            Pegou o telefone do gancho e o colocou no bocal.


            –Alô?


            –...


            –Alô? Mariah?


            –Sargento...


            Ele paralisou. Era uma voz de mulher. Mas sem dúvida, não era a voz que ele esperava ouvir.


            –Sargento... sou eu! Scarlett!


            –...Scarlett?


            –Por favor!!! Me ajude!!! Me tire daqui... Aaaaaaaaaaaaaaaahhhhhh....


            O grito dela foi arrepiante, como alguém que estivesse sendo torturada. Carl ficou completamente desorientada.           


            –O quê? Mas como... Scarlett??? Onde você está???


            –... ah... ah.. eu não sei – a garota arfava soluçante. Era óbvio que estava chorando. – é tudo tão escuro!!! Ahhh... ele está aqui!!! Ele está aqui!!! Aaaaaaaahhhh!!!!


            –Quem esta aí?! Zito?!


            –Ele... ele – a voz da garota estava cada vez mais fraquinha, como se ela estivesse perdendo a consciência – ele não vai me deixar em paz... nunca mais... – o som de choro podia ser ouvido do outro lado da linha por alguns segundos até que...


            –Tuu... Tuu...Tuu..


            Carl deixou cair o telefone. O suor frio brilhando em sua testa.


 


 


***


 


            O comissário Johnsson era um homem sisudo, sério e competente. Era conhecido justamente por jamais brincar em serviço. Seus mais de quarenta anos na área policial haviam sido suficientes para que ele tomasse consciência de que aquilo não era brincadeira, havia muitas coisas em jogo, as vezes até mesmo vidas.


            Sua sala ficava no segundo andar da Delegacia de Polícia. Era uma sala bem iluminada por uma grandiosa janela de vidro duplo. Havia um gigantesco arquivo encostado a uma parede e uma lustrosa mesa de mogno muito bem organizada no centro. Atrás da mesa, pregado na parede, muito acima do mural onde eram fixados os criminosos mais procurados da cidade, estava uma velha cruz de madeira que, dizia o Comissário, estava na sua família a mais de sete gerações.


            Quando Carl e Amélia entraram, o Comissário estava atrás de sua mesa lendo com desânimo um memorando. Amélia observou seu rosto cansado por trás dos óculos de lentes grandes e grossas. O comissário tinha os cabelos muito brancos, como se ele estivesse eternamente coberto de neve. Ele ergueu os olhos quando os dois entraram e indicou as cadeiras à sua frente.


            –Black, Warrington... Sentem-se...


            Os dois se sentaram, Amélia olhava para ele ansiosa. Carl parecia estar muito longe daqui.


            –Imagino que vocês dois saibam por que estão aqui?


            –É sobre o caso da prostituta? – perguntou Amélia


            –Exato – falou o Comissário – Não é algo muito agradável, mas... o Tribunal Superior acabou de mandar uma notificação sobre o caso.


            –Notificação? Qual notificação? – pergunto Amélia novamente. Carl parecia completamente absorto. O Comissário voltou-se para ele.


            –Black! – Carl ergueu os olhos lentamente – Eu vou... Eu vou ter que suspender você de suas funções... temporariamente!


            Levou alguns segundos para a informação viajar até o sistema nervoso de Carl.


            –O... o que?


            O Comissário suspirou e olhou para ele tristemente.


            –Olhe, você precisa entender que confiamos em você... e que tudo que pudermos fazer para resolvermos o seu caso será feito...


            –Como assim... Resolver o meu caso?


            Johnsson olhou para ele admirado.


            –Você realmente não faz idéia do que estou falando?


            Carl se sentiu mais perdido ainda. Estava cada vez mais confuso, ficou olhando para o homem a sua frente, o queixo levemente pendido. Sentia-se extremamente tolo. Queria poder dizer algo, mas a sua cabeça estava tão cansada com os acontecimentos do último dia que ele mal conseguia raciocinar direito.


            O Comissário mexeu em alguns papéis na sua mesa. E lançou um deles para Carl. Era um texto escrito com uma foto anexa a frente. Era uma senhora de idade que para ele era vagamente familiar.


            –Esta é Perlla Gonzalez Thomas, 78 anos, mexicana. Provavelmente veio ilegalmente para cá, mas ganhou o greencard por ter se casado com um americano, Bill Thomas. O marido morreu já faz alguns anos... vítima de um acidente de carro. Desde então ela continuou seguindo com o negócio que eles tinham... uma velha pensão na rua Charlie Sheen. Ela era a senhoria da garota, Scarlett. E ela informou no depoimento dela que o Sargento Carl Black fora a última pessoa a ser vista entrando e saindo do quarto antes do corpo da garota ter sido encontrado morto.


            Levou alguns segundos para Carl perceber aonde eles haviam chegado.


            –O que? Eles acham que fui eu que... matei a garota?


            –Por enquanto... você é o único suspeito...


            –Eu não matei ninguém! – exaltou-se Carl. O Comissário ergueu a voz.


            –Eu sei, Carl, eu sei! Eu lhe conheço muito bem... e conheci seu pai muito bem... Sei que você jamais seria capaz de uma atrocidade destas... Mas eles não lhe conhecem... e uma ordem superiora... é uma ordem. Eu vou... afasta-lo do caso e dispensa-lo de suas funções.


            Carl e Amélia olhavam para o Comissário... os dois embasbacados sem saber o que dizer.


            –Não se preocupe com o seu emprego, nós vamos garanti-lo. Vamos lhe dar um atestado de licença para saúde psicológica para poder ficar de fora por alguns dias sem ser descontado do salário. Ninguém que tenha visto-o ultimamente vai negar que está precisando. A morte daquele criminoso e agora a dessa garota... obviamente deixaram seus nervos em frangalhos.


            Carl continuavam sem saber o que falar. Amélia tomou a palavra.


            –Comissário... o senhor acha que podem incriminar Carl?


            O Comissário Johnsson suspirou.


            –Não há provas definitivas contra ele, apenas o fato de que ele foi visto entrando e saindo... em compensação, ele não tem nenhum álibi. De qualquer forma, recomendo a você arranjar um ótimo advogado, Carl. Quanto a você Warrington... desempenhará suas funções com Foster. Apenas enquanto Black estiver de... licença.


            As palavras do Comissário iam ficando cada vez mais fracas enquanto a mente de Black mergulhava numa prisão apenas dela.


            Era um pesadelo... só podia ser!


           


***


 


            A garrafa já quase vazia pendia no chão do lado do sofá. Ela havia caído ali logo após Carl pegar no sono. Dormira ali mesmo no sofá, o álcool no sangue impedira-o de ir até o próprio quarto. Havia chegado em casa à algumas horas, mal tinha chegado em casa procurara algo em seu refrigerador que pudesse afogar o seu próprio desespero. Em poucos dias Carl perdera muito mais do que ganhara. Havia perdido a confiança de sua parceira, o seu emprego, e, talvez até mesmo, a sua sanidade.


            Já não sabia mais se aqueles telefonemas existiram mesmo ou foram frutos da sua imaginação. Já não fazia diferença. A vida de Carl sem dúvida havia se virado contra ele e ele não consiguia confiar nem mesmo em seus próprios pensamentos.


            O relógio na mesinha ao lado do sofá mostrava 23:51. Ele ressonava no próprio sofá. Usava ainda a farda amarrotada, que não tivera sequer coragem de tirar quando chegara em casa.


            Trriiiimm


            O telefone. Carl abriu levemente os olhos.


            Trriiiimm


            Ele tonteou alguns momentos, ainda sob o efeito da bebida. Começava a olhar em volta, perguntando-se onde estava.


            Trriiiimm


            Ao terceiro toque ele percebeu o que havia acordado-o. O telefone. Sempre o maldito telefone.


            Trriiiimm


            Com um movimento rápido, Carl se virara para pegar o telefone. Puxando-o com força quase arrancando o fio e gritou no bocal.


            –OLHE AQUI SEU FILHO DE UMA VAC...


            –Alô?....


            Carl parou por um momento. Não era a voz que esperava que fosse.


            –Ahn... alô... Carl? É você?


            Ele fechou os olhos, e tentou organizar os pensamentos. Conhecia aquela voz, mas algo na sua mente tentava impedi-lo de lembrar.


            –Ahh.. Quem está falando?


            –Carl... Sou eu! Gabriel... do Setor de Inteligência... ahn.. aconteceu alguma coisa?


            Aos poucos o policial foi se lembrando. Gabriel, claro... havia falado com ele ainda ontem.


            –Ah... Desculpe-me Gabriel.. eu.. não, não aconteceu nada. Estava dormindo, apenas isso.


            –Uhm.. sei... – falou Gabriel hesitante. Ele não estava de todo confiante que o amigo e colega estava sendo sincero, aquela tarde circulara um memorando afirmando que Black havia pedido licença pois ficara bastante abalado com alguns acontecimentos de serviço – Bom... eu to ligando porque, ontem você me pediu para rastrear um número que estava bloqueado.


            Carl Black abriu os olhos e se sentou reto no sofá. Por incrível que pareça, de repente, se sentira completamente sóbrio.


            –Você conseguiu?


            –Bom... consegui... embora, não possa ignorar... tem várias coisas estranhas...


            “Com certeza, tem” pensara Carl, mas não falara nada. Apenas ouvira com atenção cada palavra de Gabriel.


            –O número que ligou para você, vem de um telefone público... uma cabine. Bom, aí comecei a estranhar porque não tem como um civil bloquear a identificação de um telefone público... aí resolvi investigar... e bom, ficou cada vez mais confuso...


            –Continue – falou Black.


            –O telefone público em questão foi destruído por vândalos e está fora de operação a no mínimo oito meses.


            –Onde é essa cabine? Que rua?


            Houve um silêncio na linha. Carl percebera que o amigo hesitava.


            –Essa cabine telefônica... ela fica na Rua North Spring. Na frente do beco onde você matou aquele homem, dois dias atrás.


            Carl parou. A compreensão tomando conta dele ao mesmo tempo que as lembranças preenchiam a sua visão.


            A visão de um corpo ensangüentado, e uma cabine telefônica apedrejada do outro lado da rua.


 


***


 


            A rua North Spring estava vazia quando Carl avistou ao longe a cabine telefônica parcialmente destruída e a entrada para o Beco onde, dias antes, a vida de Zito fora arrancada. Ele avançava diretamente para o telefone, embora evitasse olhar para o beco às escuras. Estava decidido em terminar aquilo naquela noite.


            Antes de entrar, Carl analisou a cabine telefônica, os vidros de todos os lados estavam trincados e quebrados. Em um deles havia vários riscos que convergiam de um ponto em comum que lembravam vivamente a marca de um tiro. O telefone dentro da cabine estava torto e o bocal pendia a centímetros do chão. Alguns fios do aparelho eram visíveis por trás do telefone.


            Carl olhou para os lados. A rua estava completamente vazia, assim como o beco ao seu lado. Não havia viva alma por ali. Pelo menos, não viva.


            Ele entrou na cabine e se dirigiu ao telefone. Pegou o bocal e encostou no rosto. Escutou.


            Silêncio.


            Mas Carl sabia o que fazer, ele não sabia como sabia. Mas sabia.


            Seu coração ribombava fluindo sangue para cada centímetro de seu corpo. Ele se sentia mais acordado do que nunca mesmo sendo quase uma da manhã e de ter bebido tanto.


            Segurando com firmeza o telefone quebrado junto ao rosto, ele sussurrou para o bocal.


            –Eu estou aqui!


            Silêncio.


            E então...


            Houve um som. Baixo, mas era inconfundível.


            Um som de risadas.


            –Muito bem, Anjo da Guarda! Eu sabia que você viria!


            Carl Black sentiu o frio na espinha percorrer seu corpo e arrepiar a sua nuca. Ele teve a inconfundível sensação de que estava sendo observado. Ele olhou para o lado. Para o beco escuro e vazio. Mas ele não estava mais vazio.


            O policial pode vê-los. Através do vidro trincado, do outro lado da rua, Carl viu Zito e Scarlett, Eles estavam na mesma posição em que Carl os vira noites anteriores. Zito segurava Scarlett de costas com a faca apontando para a sua garganta.


            O ódio dominou cada pedacinho de Carl. Ele não falou mais nada. Apenas colocou o telefone no lugar. Saiu da cabine e se encaminhou lentamente para eles.


            Quando estava a cinco passos de distância pode enxergar algo que o fez parar. Boa parte da lateral da cabeça de Zito estava terrivelmente deformada como se tivesse sido triturado por alguma maquina. Apesar disso, ele sorria e segurava a garota com força para que ela não pudesse escapar. Scarlett olhava para ele com olhos suplicantes, uma cicatriz vermelha e chamativa contornava o seu pescoço.


            Havia algo mais ali. O tom de suas cores destoava do escuro a sua volta. Era como se não fizessem parte do cenário. E, mesmo a alguma distancia, Carl pode sentir o frio que emanava deles.


            –Largue-a... – falou Carl, simplesmente.


            –Larga-la? – Zito gargalhou – Não! Ela é minha agora! Como eu disse que seria!


            –Deixe ela descansar em paz, seu desgraçado.


            –Descansar em paz?! Ela me mandou pra cá! Pode ter certeza absoluta... de que não vou deixa-la descansar!!! – O homem riu mais uma vez, contorcendo horrivelmente aquele rosto mutilado. – e não há absolutamente NADA que você possa fazer dessa vez, Anjo da Guarda!


            –Você está certo disso? – perguntou Carl, ao mesmo tempo que puxava a sua pistola calibre 380 e apontava para Zito.


            Zito olhou para a arma nas mãos do policial e riu mais ainda.


            –O que você pensa que vai fazer? Vai me MATAR?


            Carl olhou para ele, calmo e frio.


            –Não... eu vou fazer o que fui treinado para fazer.


            Ele ergueu a arma, e atirou.


 


***


 


As viaturas policiais enchiam a Rua North Spring, os dois carros da perícia haviam estacionado atrás da viatura de Foster e Warrington. Os policiais iam e vinha pelo beco que agora estava bem iluminado pelas luzes das sirenes e dos fotógrafos da perícia que usavam flashes estonteantes. O corpo caído no chão era fotografado e analisado enquanto os policiais tentavam não pisar no sangue rubro-tinto que escorria pelo chão.


Amélia Warrington estava encostada na sua viatura, olhando para o chão. Um pouco afastado de onde os outros homens faziam os procedimentos de praxe. Ela chorava profusamente, tão mergulhada em sua própria angústia que nem percebera quando o Comissário Johnsson chegou ao seu lado na viatura.


–Amélia... eu realmente sinto muito... eu sei que ele sempre foi um valoroso amigo


–Ele era muito mais que um amigo! – falou Amélia, seu pranto atrapalhando a formação das palavras. Mas elas não precisavam ser ditas, o Comissário entendera tudo.


–A notícia de hoje a tarde deve ter o desorientado. Eu nunca que imaginei que...


–Ele já andava confuso a alguns dias... mas nunca pensei que... que chegasse ao ponto de...


O Comissário abraçou a sua policial e deu-lhe alguns tapinhas nas costas. Enfim, falou:


–Você precisa sair daqui, aqui não é um lugar para você.


Amélia tentou falar, mas já não conseguia mais pronunciar as palavras. O Comissário entendeu como um sim.


–Certo, eu vou pedir para Foster levar você de volta a delegacia. De lá, poderá ir pra casa se quiser... está dispensada pelo resto do turno...


O Comissário esperou ainda, mas ela não falou mais nada. Então, se retirou devagarinho. Amélia ficou sozinha, perdida em suas lagrimas, até que algo lentamente foi trazendo-a de volta.


Trriiiimm.


...


Trriiiimm.


...


Trriiiimm.


Ela não havia percebido que era o seu celular que tocava até a terceira chamada. Pegando o seu celular de dentro do bolso e tentando controlar sua garganta, atendeu quase automaticamente.


            –A-alô?


            –Amélia?


            Ela parou. Estava preparada para tudo, menos para aquilo.


            –Amélia, você está me ouvindo?


            –C-como...?


            –Escute... Está tudo bem agora! Eu salvei a Scarlett. Eu estou aqui agora. Ele não vai mais incomodá-la!


            –Eu... eu não entendo...


            –Eu também não – ele falou, mas dessa vez sua voz estava calma e tranqüila, e emanava paz – Tem muitas coisas que eu não entendo. Mas você precisa saber que agora eu estou bem. Eu vou ter que desligar. Adeus Amélia, você sempre foi e será muito importante pra mim.


            Tuu... Tuu... Tuu


            Amélia estava paralisada, ouvia o som da ligação que fora cortada mas seu cérebro não o registrava. Lentamente, ela se virou para o beco e olhou para o corpo do policial caído no chão.


            Carl Black havia feito um juramento. Um juramento de Servir e Proteger. E ele iria honrar este juramento eternamente. Na vida... ou na morte!


 


 


 


FIM


 


           

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