Feliz dia dos problemas!



Capítulo 2 – Feliz dia dos problemas!


 


         A mulher de cabelos flamejantes chorava, as mãos no rosto, tentando, em vão, tampar suas lágrimas.


- Calma, querida, calma – tentanva, inutilmente, o home de cabelos arrepiados, tranquilizar a mulher.


- M-mas – soluçava a ruiva – Foi hoje... – mais soluços – foi nessa data que ele foi levado... Foi mais tarde...


         E chorou mais, enquanto o homem continuava a consolá-la.


         Harry sentou-se, de repente, na cama. E, com isso, pois as mãos nas costas, ainda estavam doloridas de cinco dias atrás, quando Logan chutara.


         Olhando num calendário que tinha pendurado na parede, Harry viu que era Dia das Bruxas.


         O garoto bufou, como se fosse um dia para ficar animado. Viu que vários de seus companheiros de seu dormitório já itnham levantado, provavelmente, comentando felizes sobre o dia.


         Todo ano Morgana deixava as crianças irem pedir doces nas casas da vizinhança. E Harry sempre ia, obrigado por Jheiny, é claro, mas sempre se divertia com os dois gêmeos no final.


         Entretanto, não se sentia disposto esse ano, afinal, sem os gêmeos ali, iria com quem? Sozinho, como um idiota?


         Suspirou. No dia que seus amigos foram adotados, cinco dias atrás, eles não tinham se despedido de Harry. E isso plantava uma semente de dúvida em sua cabeça, afinal, se eles eram amigos de verdade, porque não foram pelo menos dizer “tchau!”?


         Talvez não tivessem achado Harry, encolhido a um canto, machucado. Jannet – uma moça nova que tinha entrado há poucas semanas no orfanato – o tinha achado no final da tarde, e tinha pergutado se estava bem.


         Harry forçara um sorriso e dissera: “Sim”, como se sempre estivesse feliz com a vida. Pura mentira.


         Colocou uma roupa qualquer, desanimado, sua rotina, é claro. Só que mais ainda.


         Nas escadas, trombou sem querer com alguém, e viu que era Robert Simon, um garoto de treze anos, que parecia indiferente a todos.


- Olha por onde anda, monstro – chiou o garoto, e continuou andando.


         Harry sentiu sua cabeça ferver em raiva e ouviu um grito atrás dele. O garoto, Robert, tinha os cabelos castanhos pegando fogo!


- Ah, me desculpe! – pedia, desesperadamente Harry, sabia que era sua culpa, culpa de sua esquisitice – Deixe-me ajudá-lo.


         Mas o garoto só se afastava, berrando:


- Fique longe de mim, seu anormal! – e saiu correndo pelos corredores, gritando por ajuda, loucamente.


         Pela direção, parecia estar indo para o escritório de Emmeline, a supervisora do dormitório dos meninos mais velhos.


         Harry suspirou, de novo, chateado. Ele queria descobrir como essas coisas aconteciam! E justo com ele...


         Tomou café ao lado de Morgana, conversando com ela, dizendo que estava tudo bem, que se divertia, que iria sim pedir doces na rua, com os amigos...


         Morgana não deixava-se enganar pelas palavras do garotinho, e gostaria de ir com ele, mas teria de cuidar dos menores, que insistiam em querer ir pedir doces também. Uma lágrima escorreu de seu rosto, enquanto via Harry sair para o quintal.


         O quintal era, certamente, o lugar mais indicado para a pessoa sentar e pensar. Caminhando em direção ao velho carvalho, que tinha uma balanço pendurado a galho grosso, sentou-se, pensativo.


         O que aqueles sonhos queriam dizer? Parecia ter uma mensagem, mas... Qual? O que tinha ali?, era para ser óbvio?


         Harry coçou a cabeça, completamente confuso. Sempre se sentia assim quando ia analisar sua vida.


         Sempre que ficava sentado no sofá ou onde fosse, forçando sua memória, por horas a fio, lembrava-se de muita luz verde e uma queimação imensa na testa, e isso o levava a passar a mão por sua cicatriz de raio.


         Como tinha conseguido ela? O que era aquela luz verde? O que era tudo?


         Não se mexeu quando viu Thalita e Melanie, duas menininhas de quatro anos, correndo pelo quintal, com bonequinhas de trapos nas mãos.


         Não se mexeu quando viu Spencer Mortis, um garoto ranzinza de quinze anos, ir ao quintal pegar uma raquete de tênis esquecida ali, um pouco mais tarde.


         Não se mexia, enquanto via as pessoas entrarem e saírem do quintal, pegando coisas, brincando, conversando. E as crianças pareciam “retribuir”.


         Deixavam-no em paz, fosse por nojo ou medo. Na verdade, parecia que ele nem existia. Se não olhasse para seus pés, enquanto balançava fraquinho, pensaria que estava invisível.


         Suspirou, e reparou como vinha fazendo muito isso.


Doce solidão, pensou com amargura.


         Harry não se levantou para almoçar, a fome que sentia era tanto quanto a felicidade, miníma e praticamente inexistente.


         Afinal, quantos anos alguém teria de ficar num orfanato para ser adotado? Quantos anos uma pessoa tem que ter para ter uma família? Tinha que ser maior de idade, ou tinha que ter uma idade específica?


         Mais tarde, quando o sol já começava a se por e ele já conseguia ouvir as crianças falando sobre doces, Morgana apareceu no quintal.


- Imaginei que estaria aqui, Harry – comentou, sorrindo e parecendo aliviada – Não vem conosco? Pedir doces? – acrescentou, ao o rosto de dúvida do moreno.


         O rosto de Harry torceu-se numa careta.


- Não sei, Morg. Não acho uma boa ideia, sempre acontece algo – era verdade.


         Alguma coisa estranha sempre acontecia quando saíam. Da última vez, nesse ano mesmo, quando tinham ido a praia, Harry tinha feito as cadeiras de praia e os guardas-sol flutuarem a sua volta, como um furacão nervoso. Tudo porque um garotinho, Malcolm, o xingara de anormal e falara que tinha nojo dele.


         Tudo por causa disso. Por causa de nada.


- Ah, não deixe de ser feliz, Harry. Aposto que hoje você vai fazer muitos amiguinhos – comentou, tentando animá-lo.


         Ele lançou um sorriso a Morgana, quase irônico.


         Ele fazer amigos? Não combinava, essa frase quase parecia assassinar o inglês. Como se ele, o anormal Harry Sem-Nome, pudesse fazer amigos, pessoas normais... E que sabiam quem eram.


         Mas Harry assentiu: iria pedir doces. Iria se esforçar para não ser estranho.


         Morgana sorriu, dizendo para ele se aprontar. Harry correu para dentro do orfanato, vendo as crianças passarem com fantasias improvisadas, ele riu baixinho ao ver a criança mais nova atualmente, Daffiny, passar com várias fitas rosas, choramingando sobre querer ser uma princesa bonita.


         Chegando ao seu dormitório – que era para garotos de sete a dez anos – viu que vários meninos ainda se arrumavam. Uns cortavam lençóis velhos, falando que iriam ser o fantasma da meia-noite. Outros tinham um olhar travesso, e seguravam vários rolos de papel higiênico na mão, fazendo sons que deviam ser de múmia (mas mais pareciam ratos sendo esmagados).


         Harry sentou-se em sua cama, a mais afastada de todos. De que poderia ir? Fantasma e múmia com certeza não!


         Chegou a conclusão que realmente não importava, quem iria olhar para ele mesmo? Nem pintado de dourado, com ouro derretido como tinta, iriam olhá-lo – nem os mais gananciosos.


         Então, só podia ser tolice de criança querer achar uma fantasia que fosse a melhor de todas.


         Logo decidiu que iria com uma calça jeans preta e uma blusa preta, além de um tênis também preto. Pegou tudo isso no armário que possuía para ele, com todas as roupas doadas, e em seguida saiu do dormitório, descendo apressadamente as escadas – por sorte, não esbarrou em ninguém dessa vez.


         Muitas crianças já tinham cestinhas ou aqueles potinhos em forma de abóbora de plástico em suas mãos, e já saíam pela porta da frente, conforme Morgana e as outras moças deixavam.


- Morg? – chamou Harry, distraindo a atenção de Morgana, que olhava para duas crianças saindo, saltitantes e felizes.


- Ah, Harry – falou ela animada, mas o moreno pode perceber que ela ficara decepcionada por ele não usar uma fantasia.


         Isso queimou por dentro – ele tinha decepcionado sua única amiga. Mas, deixaria quieto, não iria colocar uma fantasia improvisada, não mesmo.


- Bom, você pode ir, querido – disse docemente Morgana – Já são cinco horas, volte antes das oito, certo?


- Certo – disse, esforçando-se para manter um tom de voz contente e excitado.


         Morgana pareceu acreditar, pois sorriu verdadeiramente, e afastou-se, a fim de ver as últimas crianças que saíam.


         Harry saiu noite a fora, e estava bem abafado, ele desejou ter colocado bermudas e não calças. As casas todas estavam enfeitadas com abóboras iluminadas ou aranhas penduradas por fiozinhos finos.


         Viu muitas crianças, além das do orfanato. Todas saltitavam, conversavam, iam em grupos pedir “doces ou travessuras”. Por um momento, sentiu-se medíocre perto de todos.


         Todas as crianças tinham grupos, ou simplesmente um amigo do lado. Tinham suas “abóboraszinhas” cheias de doces. Tinham sorrisos reais nos rostinhos alegres.


         Tinham uma vida.


         Harry pensou em como estava ficando dramático, mas tudo isso parecia ser meio depressivo na sua “história”. Então, talvez, não houvesse problema que tivesse um pouco de drama ou coisas trágicas – mais do que já tinha, pelo menos.


         Ele meteu as mãos nos bolsos e decidiu que não iria pedir doces, somente caminhar, dar voltas pelo bairro, pensar, como sempre fazia.


         Já devia estar na Rua St. Marcus quando finalmente se deu conta de onde estava. Não tinham muitas crianças na St. Marcus. Tudo parecia meio abandonado, as casas não pareciam mais tao bonitas quanto na rua que morava, Ocklhome.


         Quando virou-se, para voltar para o orfanato, quase esbarrou-se em uma pessoa. Erguendo os verdes olhos da calçada, encarou a pessoa. Não era conhecida.


         Tinha cabelos castanhos-mel, mas que um dia provavelmente fora castanhos-escuros, pois o cabelos branco que deixava um aspecto mais claro. Os olhos eram azuis-cinzentos e pareciam nebulosos, como se tentasse ver algo que, simplesmente, não estava ali.


         Era uma velhinha.


         Ela sorriu, bondosa para Harry.


- Bom dia, meu querido – quando ela falou querido, ele lembrou-se de Morg, a única que o chamava de “querido” – e a única que se dirigia a ele.


         A velhinha sorriu. Abriu a grande bolsa que trazia ao ombro e tirou uma balinha de caramelo de dentro.


- Não é muita coisa, mas imagino que queira um doce – falou ela, ainda bondosa e em voz baixa, como se tivesse dificuldade em falar com a voz que possuía.


         Harry aceitou, só para não ser mal-educado. Queria recusar, não aceitaria presentes de estranhos.


         Se bem que... Bom, era Halloween e ganhar um doce nessa data não seria “ganhar de algum estranho”.


         O moreno abriu a bala e começou a mastigar. Tinha um gosto bom. Um líquido, provavelmetne licor, escorreu dentro da boca de Harry. Era bom. Nunca tinha comido um doce tão bom.


- Feliz Dia das Bruxas, Harry – falou a velhinha de cabelos castanhos clarinhos.


         Antes que pudesse perguntar como ela sabia seu nome, tudo começou a girar. Ele sentiu um imenso puxão no umbigo, como se tivesse colocado um gancho ali. Os pés não tocavam mais o chão e tudo a sua volta girava, dando uma certa ânsia.


         Engoliu a bala rapidamente, quando pensou que ia engasgar com ela.


         Seus pés tocaram o chão rapidamente e ele se viu atrás de uma árvore grande e grossa.


         Por um instante, pensou que tinha sonhado, lembrando-se de que tinha tirado um pequeno cochilo encostado a uma árvore no dia que Jheiny e Paul foram embora.


         Mas a árvore não era como muitas outras do parquinho. Ele encontrava-se em um parque. Algumas luzes acesas, iluminando um pouco.


         A rua estava silenciosa, o que ele estranhou, pois a pouco muitas crianças estavam pedindo doces.


         Quando um relógio badalou alto, ele instintivamente ergueu a cabeça. Seus olhos pousaram em uma enorme torre do relógio – uma torre que certamente não existia nos Estados Unidos.


         O relógio marcava que era uma e meia da madrugada.


         Ele começou a correr, tinha de achar uma placa, alguma coisa que dissesse, que mostrasse, que ele estava imaginando coisas.


         Correu, tentando achar uma placa que houvesse o nome do lugar onde estava. Já estava ofegante, quando achou uma placa que lia-se: Feira Anual de Carros – 19, 20 e 21 de Setembro, Londres.


         A placa já era velha e um pouco riscada, mas o único nome que atraiu os olhares de Harry foi o nome da cidade: Londres.


         Mas... Como? De repente de Los Angeles, EUA, para Londres, Inglaterra? Era impossível! Um oceano inteiro separava os dois países, continentes separados!


         Mas, ele estava ali. Era impossível negar.


         Não sabia como, mas estava perdido em Londres. Não conhecia ninguém, não tinha dinheiro, nem para quem ligar pedindo ajuda.


         Sabia que devia ter ficado no orfanato hoje!, pensou, com amargura.

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