Uma vida no orfanato



Capítulo 1 – Uma vida no Orfanato


- Harry! – ouvia alguém lhe chamando – Harry, acorde!


         O garoto abriu os olhos. Seu rosto estava amassado contra o travesseiro. Esfregou os olhos e, quando finalmente conseguiu abrí-los por completo sem sentir sono, viu que seu dormitório estava vazio.


         Ele olhou para a porta, e viu Morgana ali. Morgana era a dona do orfanato e a pessoa mais doce que ele já conhecera, só o rosto dela já lhe mostrava isso.


         Os cabelos eram cor de mel, o rosto em forma de coração, os olhos eram de um azul clarinho e que chamavam a atenção imediatamente.


         Ela era como uma mãe para ele, mas, não era de verdade. Não se ele vivia no orfanato – à espera de uma família.


- Desça, o café já está sendo posto, só falta você – falou, sorrindo gentil.


         Harry assentiu, logo iria descer.


         Ele levantou-se, se espreguiçou, e olhou-se no espelho. Seus cabelos negros estavam revoltos, mas ele sabia que não era porque acabara de acordar. Os olhos eram verdes esmeraldas, e estavam despertos, mas ainda mostrando que tinha acabado de levantar-se. Ele era baixinho para sua idade – nove anos. Passoum delicadamente, o dedo pela estranha cicatriz fina em forma de raio que tinha na testa.


         Lavou o rosto, e colocou uma calça jeans e uma camiseta qualquer, além de um tênis. Desceu as escadas do orfanato não muito animado, e sentou-se na sua habitual mesa do refeitório, ao lado de Morgana.


         Eram muitas crianças do Orfanato de Los Angeles e a maioria tinha entre sete e treze anos. Mas tinham uns poucos com quinze ou dezesseis, ainda cinco ou seis.


         Harry tinha chegado no orfanato ainda pequeno, não tinha mais do que um ano e poucos meses. Morgana e Letícia – outra pessoa que ajudava – não sabiam quem tinha trazido ele, pois fora simplesmente achado na porta, com um bilhete: “Fique com ele”.


         Já estava a oito anos aqui, e nada de descobrir se sua verdadeira família estava viva ou morta, ou de ter sido adotado. Mas, tudo bem, ele dizia a si mesmo, serei um dia.


         Ele não se sentia muito contente hoje, mas nunca se sentia feliz nenhum dos dias.


- Sem fome, querido? – perguntou Morgana, olhando para o garoto a seu lado.


- Não muita, Morg – falou ele, entediado, mexendo o garfo no ovo mexido, para lá e para cá.


         Harry sentava-se ao lado de Morgana, não porque gostava mais dela – apesar de adorá-la e ela ser uma excelente pessoa – mas porque não tinha amigos.


         Quando era menor, com três ou quatro, tinha, muitos e muitos. Jogavam bola, corriam pelo quintal e se divertiam no parquinho. Mas, aos cinco tudo pareceu ficar mais estranho.


         Uma vez, sem querer, ele tinha feito uma vidraça quebrar, só porque estava decepcionado. Outra ainda botara fogo numa parte da grama, perto de um garoto que tinha zombado dele.


         As estranhices eram coisas assim, e ele não entendia porque aconteciam, só aconteciam desde pequeno e desde então, era “o anormal”.


         Passou os olhos pelo refeitório e viu Logan Weber mostrando-lhe o dedo do meio e seus lábios formando a palavra “panaca”. Tanto quanto Harry era pequeno demais para sua idade, Logan era grande demais para a sua.


         Os cabelos eram meio raspados e tinham um tom loiro, parecendo-o deixar careca. Os olhos eram quase negros e um tanto desafiadores. Ele tinha onze, mas era enorme e meio gordo, dando-lhe uma aparência de porco.


         Harry desviou os olhos rapidamente, não queria se meter em encrencas, não hoje. Seus olhos recaíram em dois de seus únicos amigos  e amigas no orfanato, Jheiny e Paul McMillan.


         Eram dois gêmeos de também nove anos e os únicos, tirando os adultos, que não julgavam Harry pelo que ele fazia. Eram, até, um pouco parecidos.


         Ambos tinham cabelos castanhos escuros e cacheados como ovelhas felpudas. O de Paul certamente parecia uma ovelha, e o de Jheiny eram tão de pé, que todo dia ela prendia num rabo de cavalo com gel, para não ficar parecendo que saiu de um hospício. Os olhos de Paul eram castanhos escuros, enquanto os de Jheiny eram castanhos claros. E isso era engraçado.


         Ele acenou, desanimadamente, mas Paul e Jheiny sorriram, tentando animar o amigo – sabiam que ele gostava de ficar sozinho nas refeições, como se fosse um ritual de meditação.


         E era quase isso. Ele meditava como sobre tudo isso era estranho, como sua vida era estranha. Principalmente, seus sonhos.


         Isso mesmo, seus sonhos.


         Desde que ele era pequeno e se lembre, Harry tinha sonhos de coisas que ele nunca vira. Era uma família, depois de analisar ele tinha chegado a essa conclusão.


         Tinha um homem, que se parecia muito com ele, na verdade, e uma ruiva, que tinha os olhos da cor do dele – e isso o levava a imaginar se ele não queria saber, desesperadamente, como eram os pais de verdade.


         Era muito estranho, ele era estranho. Não tinha nome, não tinha história, ninguém sabia como ele fora parar ali, nem que coisas estranhas eram aquelas que ele fazia.


         Por sorte, ninguém sabia de seus sonhos, somente Morgana, ele se sentia bem desabafando com ela. Jheiny e Paul também sabiam, um pouco, sobre isso.


- Quem precisa de diário quando se tem a gente? – brincava Paul, falando numa voz falsamente feminina.


         Harry ria, mas ainda se preocupava.


         O moreno tinha sonhos com esse homem de cabelos pretos arrepiados e essa ruiva desde que se lembrava. Às vezes, aparecia um homem de cabelos pretos e olhos azuis e uma mulher de cabelos pretos como a noite, já tinha até visto uma garotinha, que devia ter a idade dele, mas não mais que isso.


         Às vezes, pegava essas pessoas num momento feliz, ele via que conforme ia ficando mais velho, elas pareciam mais felizes, mas ainda, a ruiva, principalmente, ficavam tristes as vezes. Como se recuperassem-se de uma grande dor.


         E isso era estranho, como tudo mais, completava, quando ficava meditando sobre tudo isso.


- Acabou de comer, querido? – perguntou Morgana, ao seu lado.


         Colocando um falso sorriso no rosto, assentiu – tudo para deixar a pessoa que ele amava como uma mãe, feliz.


         Morgana olhou tristemente para o garoto. Sabia que ele se sentia mal, ela compreendia bem. Também se sentia decepcionada vendo que em nada poderia ajudar, mas tentava vê-lo feliz, vê-lo com um sorriso sincero.


         Harry despediu-se de Morgana e Letícia – que também era super gente boa e divertida – e falou que iria ficar com seus amigos. Seus únicos amigos, insistia em completar toda vez.


- Vamos no parquinho? – perguntou, animando-se, para Paul e Jheiny.


         O Orfanato de Los Angeles era enorme, dado que era da prefeitura e o único da cidade, tinha de ser. Tinha uma parquinho, um refeitório, vários dormitórios, vários banheiros, tinha um quintal, pequeno, onde quem quisesse poderia relaxar.


         Jheiny prontamente concordou, em sua habitual animação, batendo palminhas. Paul revirou os olhos para a irmã, mas concordou rapidamente.


         Brincaram, jogaram bola. O parque ia enchendo conforme as crianças iam terminando de comer e iam achar alguma coisa para fazer. Harry via as moças que trabalhavam no orfanato – ele conhecia todas, dado que estava lá desde... Bom, desde sempre – passarem para lá e para cá, ajudando com crianças que choravam ou ajudando elas a se divertirem.


         Em determinado momento da manhã, Harry viu, enquanto arremessava a bola de basquete na mão de Jheiny, um casal na porta que dava para o parque.


         Era sempre assim. Muitas vezes apareciam casais procurando uma criança para adotar, sempre olhavam quando as crianças brincando, escolhendo as que pareciam mais simpáticas. Morgana sempre sorria, elogiando a criança que o casal parecia querer.


         Hoje não parecia diferente. As crianças continuavam brincando normalmente, algumas nem tinham visto o casal.


         O homem era loiro, alto e de aparência rígida. A mulher, com o braço enganchado ao do marido, era também bem alta, tinha os cabelos castanhos clarinhos e aparência dócil.


         Em certo momento, ele viu o casal encarando o lugar que ele e seus dois amigos estavam. E Harry sentiu-se insignificante perto dos amigos.


         Não era tão alto quanto Paul, nem tão bonito quanto Jheiny – ou tão animado...


         Era baixinho para a idade, os cabelos eram um ninho de rato, os olhos, por mais que tivessem uma linda cor, transmitiam sua confusão – a confusão que era sua vida. E ele nunca conseguia ser adotado, os casais pareciam perceber que ele era estranho.


         Quando viu o homem loiro falando com Morgana, sentiu-se estranho. Estranhamente vazio. E logo descobriu o porquê.


         Morgana aproximou-se, e chamou os gêmeos McMillan. Harry ficou sozinho no pátio, enquanto via seus únicos amigos se afastarem, já sabendo o que esperava.


         Praticamente todas as vezes que os adultos chamavam uma criança para conversar com o casal que estava visitando, a criança em questão era adotada – e Harry não via motivo para que seus doces amigos também não fossem.


         Estava-se perguntando se seus amigos iriam despedir-se dele antes de ir embora, quando ouvia uma voz zombeteira falar:


- Olhem, se não é a “Mostruosidade do Sem-Nome” – zombou Logan, sorrindo arrogante.


         Os gorilas, na opinião do moreno, riram, atrás de Logan. O loiro flexionou os músculos e estalou os dedos, numa expressão maldosa, antes de socar a barriga de Harry e quando este foi para o chão, chutou três vezes suas costelas.


         Rindo com seus amigos, Logan foi para o outro lado do parquinho.


         Ninguém pareceu dar atenção para o moreno caído. Ele já estava afastado das pessoas enquanto jogava bola com os dois amigos, caído, nem repararam no pequeno garoto. Nem as moças do orfanato conseguiram ver o pequeno Harry.


         Com dor nas costas, se arrastou para a sombra de uma árvore ali perto, onde permaneceu o resto do dia.


         Não viu mais Jheiny e Paul.

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