Abra os olhos



                                                                               Capitulo Onze: Abra seus olhos*


                                                     “Abri os olhos, não consigo mais fechar. Assisto em silencio, ate o que eu não quero enxergar.”


 




 Lilian que estava sentada na areia da praia, levantou-se num pulo quando viu Thiago caminhando de volta a floresta.


— Aonde você vai? – Ela indagou desesperada.


— Não posso deixar o Sirius sozinho lá. - Thiago disse com a voz tremula e Lilian sentiu o medo na voz do maroto.


— Mas pode ser perigoso! – disse ela desesperadamente preocupada.


— Eu não me importo. É meu amigo que esta lá.


Thiago olhou Lilian nos olhos, sabia que a garota estava segura agora, e naquele momento, nada era mais importante que a vida do seu melhor amigo.


Lílian sentiu uma mistura de orgulho e medo, medo de algo acontecer a Thiago, mas deixou que ele seguisse, sabia que se fossem suas amigas ela faria o mesmo.


Lilian viu Thiago se perder no meio das arvores e passou a caminhar febrilmente, de um lado pro outro, próxima as copas das arvores.


O dia agora já estava claro, ela suspeitava que já passasse das oito da manhã, como àquelas horas de terror puderam durar tanto sem ela nem ter noção disso?


 


Sirius não tinha tempo de garantir que Thiago e as meninas estivessem realmente indo para a direção certa, precisava mais que tudo encontrar Lia antes que algo de ruim acontecesse a loira.


Era completamente estranho a maneira como, em tão pouco tempo, eles tinham se tornado tão próximos e ao mesmo tempo como se essa proximidade não existisse. Era certamente uma sensação de união, sem eles terem nada de definitivamente sério, mas era algo que ele gostaria de entender melhor do que entendia, mesmo tendo profundo medo de tal compreensão.


Sirius corria entre a mata a procura de Lia. Seria muito mais fácil encontrá-la se pudesse chamar ou gritar seu nome, mas não o podia.


 Então, sem que Sirius esperasse, algo se mexeu entre a mata . Sirius parou.


Seu coração batia descompassado no peito. Sua visão e audição pareciam mais aguçadas que o normal, provavelmente a adrenalina tivesse atiçado seus instintos, e com isso, ele se abaixou, se agachando e pegando um enorme pedaço de galho caído ao chão. O galho era pesado e segurando-o com força, Sirius ficou em alerta, pronto para atacar o primeiro estranho que lhe aparecesse.


Tentando esconder-se atrás de uma pequena moita, Sirius ouviu som de passos triturando as folhas secas espalhadas pelo chão da floresta, sentindo o coração batendo descompassado no peito, as mãos fechadas em torno do tronco do galho, os olhos e os ouvidos atentos a qualquer mínimo movimento ou barulho, ele esperava.


Quando Sirius viu a silhueta escura a sua frente ele levantou-se com agilidade, erguendo o galho no alto e abaixando-o em seguida, com toda força que conseguira sobre a forma escura.


Um uivo de dor foi abafado quando a forma escura caiu no chão da floresta. Sirius porem não teve tempo para ver quem era a pessoa por trás do capuz, caída ao chão, pois mais passos sobre as folhas secas foi ouvido, e Sirius virou-se rapidamente pra se ver, de repente, cercado não por um, mas por varias sombras escuras.


Pessoas encapuzadas o cercavam. Sirius sentiu-se estranhamente preso em uma cilada.


 


 Thiago não fazia a menor idéia de como ia encontrar Sirius em meio aquele matagal que mais lhe parecia um labirinto, mas sabia que precisava, até seu ultimo suspiro, encontrar seu amigo de qualquer jeito.


Era na verdade, até estranho pensar em Sirius como um amigo, quando na verdade, ele era praticamente um irmão. O irmão que Thiago jamais tivera, o irmão que implicava com ele, zuava com ele por tudo e qualquer coisa, que estava ao seu lado quando precisava e também quando não precisava, que o apoiava, mesmo sem dizer isso. Thiago sabia que podia contar com Sirius, pra qualquer coisa, em qualquer momento. E naquele momento, Sirius precisava dele e ele estaria lá, custasse o que for a Thiago, ele estaria lá.


Diferentemente do que Thiago imaginava, encontrar Sirius na verdade não foi tão difícil, quando Thiago ouviu um urro ou um grito, ele não conseguiu saber direito, ele correu, o máximo que pôde, em direção de onde viera o som.


E quando chegou, o que viu, fez tudo dentro de si congelar de medo. Um medo que jamais sentiu na vida.


 


  Sirius, estático, contemplou as formas escurecidas pelas sombras das arvores e dos capuz e sorriu sem graça.


Ele poderia, sem sombra de duvidas, bancar o herói e partir pra cima dos caras, mas, pensando bem, Sirius não era tão louco assim.


Rindo mentalmente, ele se virou, se preparando pra correr o mais rápido que conseguia, mas ao virar-se, ele se deparou com um homem enorme, em pé a sua frente.


O cara que Sirius derrubara com o galho de arvore, se encontrava em pé a sua frente e assim tão de perto, pensou Sirius, ele parecia quase uma replica de Hagrid.


Sirius engoliu em seco e virou-se novamente encarando o que lhe parecia uns seis caras encapuzados a sua frente. Definitivamente, ele estava encurralado e bem encrencado.


Eu to fudido.


Sirius ergueu o galho de arvore e partiu pra cima dos caras, era muito mais fácil talvez, atacar seis do seu tamanho, do que um gigante, muito maior e provavelmente, muito mais forte que ele.


 


Sirius sentiu o impacto do galho bater com força em um dos caras e já virou pra atacar o outro, não conseguia pensar, a única coisa que conseguia era, sem saber como, se desviar dos caras que partiam pra cima dele, os acertando com o galho com toda a força que tinha, quando ele se desviou o quarto homem que partiu pra cima dele, uma dor lascinante penetrou-lhe as costas e em seguida as pernas, fazendo Sirius cair de joelhos no chão, deixando o galho da arvore cair sobre as folhas secas, seus olhos lacrimejaram de dor e sua visão escureceu, sendo levemente iluminada por vários pontos brilhantes.


Sirius levou uma das mãos a costas e a outra a cabeça, sentindo-se completamente zonzo, mas antes que pudesse se recompor, ele sentiu uma nova onda de dor invadir-lhe o corpo, fazendo-o tombar pra frente, o rosto batendo contra o chão de terra, pedras, folhas, colaram contra seu rosto, seus lábios, tudo ficava levemente lúgubre e doloroso, cada vez mais doloroso.


  


Thiago não soube de onde tirou força ou coragem, mas sentiu seus pés saírem correndo antes que seu cérebro pudesse processar a ordem corretamente.


Ele saiu correndo entre as folhas, galhos, troncos e tudo que via pela frente, pulando tudo com tanta destreza que surpreendia até a si mesmo, se realmente tivesse tempo para observar tal coisa. Mas a única coisa que realmente importava pra ele, era salvar seu amigo, seu irmão.


Thiago pegou a primeira coisa que viu pelo caminho e só percebeu o que era quando tacou com violência em direção ao cara que derrubava Sirius, fazendo-o cair ao chão.


O enorme pedaço de arvore bateu na cabeça do homem, desequilibrando-o e fazendo-o tombar pra trás, caindo em seguida na terra umedecida da floresta.


Thiago não se importou nenhum pouco quando percebeu que tal ato, despertara para si a atenção dos demais, arrancando com ferocidade um galho da arvore que apareceu em seu caminho, Thiago seguiu apressadamente em direção aos homens.


  


Sirius sentiu mais dores invadiu-lhe o corpo, uma pontada extremamente forte de dor penetrou-lhe o abdômen e ele sentiu seu corpo rolar na terra levemente úmida, um grito gutural de dor saia de sua boca, sem Sirius ter conscientemente noção disso, tudo que ele conseguia pensar era nos pontinhos brilhantes a sua frente, agora misturados aos contornos das arvores, agora muito mais altas do que jamais estiveram, entre as sombras das frondosas e enormes árvores lá em cima, ele podia ver um pequeno pedaço do céu azulado, desejava naquele momento, mais que tudo, estar lá em cima, no topo daquelas arvores, vendo aquele azul do céu misturando-se ao maravilhoso azul do mar, podia até sentir o vento contra seu rosto, o gosto da brisa salgada do mar, tudo parecia misturado a dor, a tontura, aos enormes pontinhos brilhantes que se tornavam cada vez mais intensos.


 


 Thiago correu em direção aos encapuzados erguendo o galho no alto e abaixando-o com violência contra o primeiro que apareceu na sua frente.


Talvez fosse o fato de Sirius estar caído no chão, juntando a imagem de Lilian toda encolhida amedrontada, que o fizera sentir-se tão  enraivecido, tudo que ele desejava era fazer aqueles caras pagarem por mexer com as pessoas que Thiago mais amava no mundo.


Quando Thiago virou-se pronto para atacar quem mais estivesse a frente, ele viu que os caras haviam se dispersado, e vários corriam, floresta a dentro, deixando-o completamente ofegante ainda segurando o  galho na mão.


 


Quando Lilian começou a se sentir angustiantemente preocupada, ela viu surgir em meio às copas das arvores dois garotos, um praticamente carregado pelo outro.


Lilian correu até eles ajudando-os. Thiago segurava Sirius tentando ajudá-lo a caminhar até a praia. Lilian olhou Thiago firmemente nos olhos, ele estava um pouco ferido, porem ela nada disse, apenas passou um braço de Sirius por cima de seu ombro, enquanto Thiago passava o outro braço do amigo em volta do seu pescoço e juntos eles carregaram um Sirius muito ferido para o barco de Hagrid que rapidamente viera ajudá-los.


                                                                                             ***


 O caminho de lancha da pequena praia situada as costas da montanha da enseada até a praia que dava pra casa de praia de Thiago foi rápida e silenciosa, ninguém disse absolutamente nada, apesar do ar preocupado de Hagrid, ele nada disse até chegarem a casa.


Hagrid sem o menor esforço carregou Sirius para dentro da casa o levando até o quarto, onde todos os marotos acompanharam preocupadíssimos.


― Se eu soubesse que isso aconteceria... Ah não teria deixado vocês lá.


― Ta tudo bem Hagrid! – Disse Thiago, erguendo a mão tentando dar um tapinha no ombro dele e indo se encostar a janela do quarto assim que Hagrid colocou Sirius na cama.


Hagrid saiu decidido do quarto voltando poucos minutos depois com uma imensa bandeja onde nela havia varias canecas com algo fumegante dentro, ele levou a bandeja ate os marotos e as meninas.


Patsy sentada no pequeno sofá do quarto ao lado de Remo tomou um gole da caneca fumegante para constatar que era um delicioso chocolate quente. Remo ao seu lado, com um dos braços em volta do ombro da garota, segurava a caneca nas mãos incapaz de conseguir engolir um gole sequer, ele não parecia ser o único, Thiago também segurou a caneca nas mãos sem tomar nenhum gole, observando o tempo todo Sirius deitado na cama, aparentemente inconsciente.


— O que vocês estavam fazendo no meio daquela floresta? Não sabem que é perigoso?


Ninguém respondeu, pareciam apavorados. Estavam totalmente sem palavras.


Lílian que andava de um lado para o outro tentando controlar os nervos olhou de repente assustada, vendo Lia, que até então estava encostada a porta do quarto com o rosto pálido, caminhar em direção a cama onde Sirius estava.


Lia sentou-se na beira da cama preocupada, era impossível não sentir nada ao vê-lo daquele jeito, afinal ele estava daquele jeito por causa deles, tudo para ajudá-los, e ela nunca imaginou que ele fosse capaz de tal ato.


A situação de Sirius não parecia muito boa, havia vários cortes e arranhões por todo o corpo, seu rosto estava sujo de terra e sangue, que sangrava levemente pelo rosto apesar das tentativas inexperientes de Hagrid de tentar fazer-lhe um curativo rápido.


Lia passou a mão pelo rosto dele suavemente, afastando um pouco os cabelos que caiam por sobre o lindo rosto do garoto, agora coberto de sangue misturado com terra. Sirius abriu os olhos lentamente encarando Lia e os dois permaneceram se olhando por minutos que pareceram intermináveis.


Lia acariciava o rosto de Sirius inconscientemente, naquele momento parecia que algo brotava dentro de si, um carinho inexplicável, um sentimento jamais sentido e ela mal conseguia compreender aquilo, apenas sabia que queria estar ali ao lado dele e não sair tão logo.


Sirius gemeu de dor baixinho, fazendo Lia acordar de seu transe, levando a mão à testa do maroto, percebeu que ele ardia em febre, não poderia esperar por mais tempo, ele precisava urgente de cuidados especiais.


— Hagrid, temos que levá-lo a um hospital, ele esta queimando em febre. – Lia disse muitíssimo preocupada.


Thiago aproximou-se rapidamente, sua preocupação com Sirius era visível.


― Que? – disse Hagrid levemente abatido. – Ah, sim, sim... Já está vindo. Já está vindo. Não se preocupem.


Eles se entreolharam no exato momento em que a campainha tocou e Hagrid saiu em direção ao andar inferior, voltando logo em seguida com uma senhora toda de branco.


Ninguém perguntou nada quando a mulher se encaminhou até o outro lado da cama, indo verificar como Sirius estava e depois de ver o estado de Sirius, pareceu ficar levemente preocupada.


― Vou precisar que vocês esperem lá fora.


Todos se entreolharam de repente. Lia olhou pra Thiago antes de olhar pra mulher sentada a beira da cama, que já ia abrindo uma pequena maleta.


― Eu não vou sair do lado dele.


Lia ouviu passos pesados antes de sentir uma mão grande e forte no seu ombro.


― Ta tudo bem, Lia. A Sra. Pomfrey é medica, ela sabe o que esta fazendo não é.


Lia e Thiago temiam que algo acontecesse a Sirius, por isso foi com grande dificuldade que Sra. Pomfrey e Hagrid conseguiu tira-los do quarto.


            Ninguém sabia o que acontecia lá dentro, uma vez que não podiam permanecer lá. Nervosos eles seguiram direto a sala de estar, onde todos se deixaram afundar no sofá, lívidos de preocupação.


            Lia sentou para em seguida se levantar e seguir direto para seu dormitório sem dizer uma única palavra, Lílian percebera a preocupação da amiga, porem também nada disse, aquele não era o momento propicio para isso, Patsy disse que precisava de um banho quente e saiu em direção ao quarto, seguida de Remo que disse que ia tentar descansar um pouco.


Thiago deixou-se afundar no enorme sofá perto da lareira, enquanto Lílian sentava-se ao seu lado com as mãos postas sobre o colo, visivelmente assustada e preocupada.


            Thiago percebeu que os olhos de Lílian se ergueram para se fixarem nele e por longos segundos Thiago também ficou a fitá-la.


— Eu sei o que esta pensando, Evans. E se quiser me culpar eu vou entender... – ele finalmente disse sério.


— Te culpar? – Ela perguntou levemente sem entender. – Acha mesmo que eu vou te culpar, Thiago?


— Você tem esse direito, Evans. Vocês quase se feriram por nossa causa.


— Não! Se não fossem vocês, nós... Eu... – Ela parou, nem conseguia pensar no que poderia ter acontecido.


— Evans, você não entende a gravidade da situação!


— Por favor, Thiago, pare de me chamar de Evans! – Lílian disse nervosa. – Eu não vou culpar ninguém. Vocês salvaram nossa vida, e você acha mesmo que existe alguém culpado nessa historia?


— Mas Lílian nós também somos culpados... Você não entende?


Lílian encarou Thiago por instantes, não entendera o que Thiago estava dizendo, mas ao encarar aqueles olhos, de repente tudo ficou claro para ela.


— Deus... Eu não acredito que você esta se culpando porque teve a idéia de acamparmos na praia.


— Se eu não tivesse tido aquela idéia idiota, estúpida, o Sirius não estaria... Ele não teria... Droga! – Thiago parecia conter as lagrimas, mas sem sucesso.


Lagrimas escorreram de seus lindos olhos castanho-esverdeados, escorrendo por sua pele branca, Lílian sentiu como se uma faca penetrasse em seu coração.


No mesmo instante, Lílian levou a mão ao rosto de Thiago secando as lágrimas num gesto delicado, Thiago encarou Lílian por segundos, já não conseguia pensar direito em mais nada, tudo aquilo ainda fervilhava em sua mente, e aquele gesto de Lílian, era apenas mais uma coisa para deixá-lo ainda mais confuso.


Thiago segurou a mão de Lílian e beijou-a carinhosamente, a mão de Lílian estava gelada e ela tremia levemente.


— Esta com frio? Esta tremendo! – Ele disse carinhosamente, Lílian apenas sorriu. Thiago aproximou-se dela, abraçando-a com carinho. Já não entendia o que estava fazendo, aquele cheiro maravilhoso dela parecia penetrar-lhe todos os sentidos, não conseguia mais agir com seu cérebro, ele agia pelo coração, mesmo sem entender o que aquilo queria dizer.


— Thiago, obrigada e... Sinto muito pelo Sirius... – Lílian disse num sussurro, Thiago afagou os cabelos da ruiva trazendo-a mais para perto de si.


— Esta tudo bem. Tivemos sorte que nada aconteceu a vocês, e espero que o Sirius... Ele vai ficar bem! – Thiago disse tentando convencer mais a si mesmo do que Lílian.


Ela sentiu o quanto Thiago se importava com os amigos, e isso a deixou completamente feliz.


Próximos, abraçados, sentindo o calor emanando um do outro, sentindo o cheiro um do outro, eles permaneciam ligados por uma força invisível, por um desejo inexplicável, por um amor que ambos não podiam entender, mas apenas sentir.


Lílian encarou Thiago, como ele era perfeito, ela pensou enquanto o admirava. Agora sabia por que se sentia daquele jeito por ele, porque no fundo ela sabia que ele era muito mais do que aparentava, nele existia bondade, amizade, coragem, coisas que em outros tempos ela jamais pensara existir nele.


— Obrigada, Thiago, você me salvou mais uma vez – Ela riu fracamente.


— E quantas vezes for preciso. – Ele respondeu sorrindo sinceramente.


Eles pareciam agora mais próximos que antes, o rosto de Thiago estava muito próximo de Lílian, e ele quase podia ouvir-lhe as batidas do coração, como ela quase podia sentir sua respiração.


Thiago se aproximou mais de Lílian e ela fechou os olhos, sentindo o calor dos lábios de Thiago sobre os seus, seu coração acelerou-se e encheu-se de uma alegria indescritível e impossível de ser explicada.


Thiago acariciou os cabelos de Lílian com gestos carinhosos enquanto ela o abraçava, suas mãos deslizaram pelas costas do maroto, indo até a nuca e depois para os cabelos macios dele. Não existia desejo, não existia paixão, apenas um sentimento que ambos não conseguiam entender, e que naquele momento, não era preciso.


 


                                                                                               ***


  Lia tomou um banho exageradamente longo, a sensação de vazio, de aperto que ela sentia dentro dela não a deixava pensar em nada, não a deixava em paz. Desejava que aquelas águas quentes tivessem levado com ela toda aquela sensação de medo que se apossara dela, mas ela sabia que isso, por mais estranho que fosse, não passaria até ter certeza que Sirius estivesse totalmente bem.


Ela se arrumou e decidiu ir ver se já poderia ver o garoto, queria ter seu coração em sossego novamente.


Lia bateu à porta, mas ninguém respondeu, então ela entrou silenciosamente. Lentamente ela se aproximou da cama de Sirius, percebendo que o quarto estava vazio.


Sirius dormia tranqüilamente, havia agora vários curativos na testa dele, e no rosto, mas ele continuava lindo como sempre. Lia aproximou-se, ficando ao lado da cama, e acariciou seu rosto levemente. Sentia o coração apertar-se dentro do peito, e uma angustia tomar conta de si. E se algo de pior acontecesse a ele? Será que ela conseguiria viver carregando essa culpa?


Lia tirou a mão do rosto de Sirius e afundou o próprio rosto nas mãos, deixando o medo, pela primeira vez, tomar conta de todo seu corpo.


— Não precisa ficar desesperada, eu vou sobreviver. – Aquela voz soou nos ouvidos de Lia como os fogos no dia de ano novo.


Tentando se conter, ela tirou a mão do rosto e viu que Sirius a olhava carinhosamente, ainda deitado na cama.


Ele remexeu-se inquieto, tentando sentar-se, porem Lia colocou a mão no peito do garoto, fazendo-o permanecer deitado, enquanto se sentava na beirada da mesma.


— Nem pense nisso, você ainda não está recuperado.


Sirius fez uma leve careta, mas apenas ajeitou-se na cama, encarando Lia agora com curiosidade.


— Não sabia que você se importava tanto comigo. - Ele olhou-a nos olhos, mas ela desviou o olhar.


— Na verdade eu não me importo.  – Ela fez uma cara de quem não ligava a mínima e Sirius riu.


― É que... Se eu não tivesse me perdido, você não teria voltado pra me procurar...


Ela prendeu o choro na garganta, Sirius a olhou sentindo o quanto vê-la daquele jeito o machucava.


— Não. Você não tem culpa, esta tudo bem, eu só tive que dar um jeito naqueles caras. – ele riu levemente. - Eu vou sobreviver!


Lia riu baixinho, até nesses momentos ele fazia piada.


 Sirius ajeitou-se, encostando-se na cabeceira da cama.


— Desculpe, a culpa é minha que você... – Lia baixou a cabeça deixando as lagrimas correram fartas pelo seu rosto, nem gostava de pensar se algo de mais grave tivesse acontecido, mas isso parecia impossível.


Sirius segurou o queixo de Lia num gesto delicado levantando-o para ela o encarar. Lia sentiu o coração bater mais forte no peito, e um calafrio percorrer seu corpo ao simples toque de Sirius.


Tentando não demonstrar suas reações, ela ergueu os olhos para o maroto.


— Não existem culpados. – Ele disse calmamente. – Fomos inocentes da infeliz coincidência.


Lia olhou fundo nos olhos de Sirius, sentindo seu coração acelerar cada vez mais, não sabia por que se sentia daquele jeito. Por que aquela vontade imensa de abraçá-lo?  De ter certeza que ele estava bem, que nada tinha acontecido a ele?


Ela levantou-se se afastando da cama um pouco assustada com seus próprios sentimentos.


— Fico feliz que já esteja bem. – Ela disse rapidamente e virou-se para sair.


Não podia mais continuar ali nem mais um instante. Não sabia o que estava acontecendo, porque estava sentindo aquilo por ele?


                                                                                                ***


  Finalmente o dia de irem embora chegara, já faziam vinte e quatro horas desde que haviam voltado da praia da qual ficaram acampados, e Sirius já estava bem, apesar dos ainda ferimentos no rosto, mas fora isso, ele estava bem, tão bem que todos se surpreenderam quando ele chegou cheio de piadinhas para o café da manha.


Eles ainda não sabiam o que tinha acontecido ao certo, e depois do café, eles seguiram para sala enquanto esperavam Hagrid verificar se o carro estava em condições de viagem.


Remo puxou a cadeira da varanda e sentou-se nela com Patsy ao seu lado, de modo que podiam ver os amigos dentro da sala.


Lilian sentou-se no sofá, ao lado de Thiago que estava com os pés sobre a mesinha de centro, e observou Lia que se sentara no piano e tocava uma musica bem calma e baixa enquanto Sirius foi ate o outro sofá pequeno deixando-se cair largado nele.


Eles permaneceram em silencio por segundos, ate Patsy falar quase roucamente.


-- Afinal de contas, o que eram aquelas coisas?


― Ah andam falando deles por aqui, mas eu não achei que tivesse tão assim, não é.


― E o que andam falando deles, Hagrid? – Hagrid tinha acabado de adentrar a sala.


― Bom, dizem que eles andam fazendo muitas coisas, coisas ruins sabe.


Lia parou de tocar pra olhar pra Hagrid levemente assustada e depois pra Sirius.


Sirius estava com o olhar perdido no teto, pensando.


-- O que eu não consigo entender disso tudo, é porque eles estavam lá e por que nos atacaram?


Todos olharam pra Thiago pensando na pergunta.


― Ah eles estão atacando todo mundo não é, agora o que estavam fazendo lá, ninguém sabe.


-- Ah eu espero que eu não fique de castigo depois dessa. Minha mãe é capaz de me matar.


Surpresos com o pronunciamento de Lilian todos olharam pra ruiva, que avermelhou-se levemente, fazendo Thiago que notara o fato, reprimir um sorriso.


-- Ah um castigo não seria nada perto da aventura que vivemos hoje.


Sirius jogou a cabeça pra trás fechando os olhos, os pensamentos a mil.


Lilian encostou a cabeça no ombro de Thiago, pelo acontecido ninguém reparara o quanto Lilian e Thiago estavam perto um do outro, mais do que isso, o moreno de cabelos mais despenteados do que nunca, acariciou os cabelos da ruiva num gesto carinhoso.


― Bom, acho bom irmos andando se quisermos chegar em São Paulo hoje, não é..


Elem se levantaram indo arrumar as malas no carro e voltaram a São Paulo, afinal de contas, o fim de semana já tinha sido muito mais agitado do que poderiam imaginar.


 


                                                                                             ***


  A semana, que começou praticamente na quarta feira por causa do feriado, começou lenta e calma, e apesar de já ter começado no meio da semana, todo mundo queria que acabasse logo, os marotos mais que todos, pois o final do campeonato de futebol estava se aproximando e com isso as tensões e pressões.


A manhã de aulas passaram normais, e os meninos correram para o refeitório assim que o sinal tocou.


― To morto de fome.


As meninas se sentaram no sofá no final do refeitório, cujo já estava bem cheio há àquela hora, enquanto Sirius, sentando no braço do sofá, já dava uma mordida em sua pizza enrolada vendo Remo se aproximando dos amigos.


― Ond’c tava Aluado?


― Sirius, você não precisa mostrar seus instintos caninos logo de manha


As meninas riram e Sirius lançou um olhar irritado a Thiago que sentou-se em cima do sofá pegando a Coca-Cola de Sirius e tomando um gole.


― E que curiosidade é essa, Almofadinhas, parece até que é minha mulher.


Todo mundo riu e Sirius engolindo um grande pedaço da pizza, fez uma cara feia pra Remo.


-- Sai fora, Aluado. Eu não sou chegado em peludo, não. Eu gosto é de mulher.


― Falando em peludo... – Mas Sirius interrompeu Thiago.


― Começou.


As meninas riram e Thiago revirou os olhos.


― Eu ia contar aquele sonho que você teve.


Thiago gargalhou e Sirius riu se empolgando.


─ Ah é, o sonho horrível que eu tive a noite passada. – disse Sirius aparentemente assustado, Lilian o olhou preocupada.


─ Sonhou o que Sirius?


─ Sonhei que eu era um cachorro. – disse Sirius inocentemente, coçando atrás da orelha de um jeito muito engraçado.


─ Que engraçado, eu pensei que você fosse um.


Todos riram e Sirius fez uma cara de quem não achava graça pra Lia, que riu.


O sinal tocou indicando que o horário do intervalo acabava e Sirius fez uma careta.


― Mas quer porra... Nem terminei minha pizza ainda.


― É por causa dos testes que começam semana que vem, estão diminuindo o intervalo essa semana pra estudarmos mais.


― Ah caralho, mas eu já estudo cinco horas por dias, eles ainda querem mais?


― Você não estuda cinco horas né Sirius, você enrola cinco horas.


― Ah, mas é que eu já sou inteligente!


Sirius passou a mão pelos cabelos e todo mundo.


― É melhor irmos andando, eu quero dar uma olhada na matéria da McGonnagall antes da aula dela.


Remo e Patsy se levantaram e seguiram em direção a saída do refeitório, onde saia no corredor que levava as salas de aulas ou aos outros andares da escola.


Lia permaneceu sentada no sofá por instantes tomando o restante da coca cola de Sirius, enfim levantou-se, Lilian estava em pé perto do sofá olhando pra Thiago que a puxou novamente, percebendo o clima, Lia puxou Sirius, sentado no braço do sofá, pela orelha fazendo o maroto se levantar, eles caminharam em direção ao corredor, Sirius deu uma olhada pra trás e então se aproximou de Lia pra cochichar.


-- O que esta acontecendo entre aqueles dois?


Lia deu de ombros, sorrindo.


-- Ainda não sei, mas logo vou descobrir. – Ela piscou pro maroto que deu uma risadinha.


Lia virou-se pra seguir pelo corredor que dava pra sala de aula, mas Sirius puxou-a delicadamente pelo braço, fazendo-a ficar de frente e muito perto do maroto.


Ele foi em direção aos lábios dela, mas desviou-os até o ouvido da garota, fazendo ela se arrepiar inteira, antes de sussurrar.


-- Não se esqueça de me contar.


Então Sirius risonho soltou-a e Lia que fez uma careta pra ele antes de seguir caminhando pelo corredor, vendo que a Bella passava por ela e Sirius lançando um olhar assassino aos dois, que Lia fingiu nem notar, abraçando Sirius propositalmente antes de seguir com ele pelo corredor em direção a sala de aula.


 


Patsy saiu caminhando com Remo em direção ao corredor que os levaria as salas de aula, ela estava se sentindo muito feliz, apesar dos últimos acontecimentos do fim de semana. Claro que, as últimas horas na praia foram horas assustadoras, e ela ainda não esquecera, queria poder entender o que aqueles homens encapuzados ganhavam amedrontando as pessoas, mas felizmente aquilo já havia passado e Sirius e todos seus amigos estavam bem.


E no final de tudo, o fim de semana tinha tido algumas coisas boas, como aquele beijo. Ah aquele beijo, Patsy jamais iria esquecer aquele beijo, do doce sabor dos lábios de Remo nos seus, ela definitivamente tinha provado do paraíso e tinha certeza de que lá era perfeito.


Ela suspirou feliz olhando pro maroto ao seu lado pelo canto dos olhos, quando percebeu que ele parou. Patsy parou ao seu lado, sentindo alguma coisa muito estranha revirando dentro do seu estomago.


Respira Patsy, respira. Ela pensou rapidamente, vendo uma garota parada a frente deles.


― Oi Remo!


A garota disse toda feliz, sorrindo daquele jeito que mostravam todos os dentes da boca, será que a intenção dela era mostrar a Remo que ela tinha dentes e não era banguela?


― Ah, oi Dorcas. – Remo sorriu sem jeito.


― Eu vim dar os parabéns pela peça!


Patsy reparou que ela colocou a mão no braço de Remo e quase pulava de excitação. Será que tinha formigas nas calças dela? Se controla Pat, se controla.


― Ah, mas você que estava na peça, né, eu só adaptei o roteiro.


Remo sorriu sem jeito, sentindo o rosto queimando, tinha certeza que estava ficando com o rosto vermelho naquele momento.


― É! É disso que eu quis dizer. Você foi espetacular, o teatro ficou maravilhoso, eu adorei muito e eu queria muito que você me deixasse te ajudar nas adaptações da próxima peça...


― Ah Dorcas, eu agradeço, mas já tem alguém que me...


― Eu sei muita coisa que poderia ajudar, Remo...


― A Pat vai me ajudar. – Remo disse sentindo o rosto queimando mais ainda.


― E eu adoraria poder... – Continuou a menina como se Remo nada tivesse dito.


― HEY!


A menina se calou e olhou de repente pra Patsy, como se pela primeira vez ela tivesse notado a menina ao lado de Remo.


― Ele já disse que eu vou ajudá-lo, então não adianta insistir.


Patsy sorriu ironicamente e Remo, mais vermelho que um pimentão, acenou com a cabeça concordando com o que Patsy dizia, enquanto ela segurava com jeitinho no braço de Remo, puxando ele pra continuar caminhando, mas não antes de completar.


― E não precisa se preocupar, ele não vai precisar de mais auxiliares, eu dou conta.


Piscando ironicamente pra garota, Patsy seguiu puxando Remo com ela, que estava quase roxo de tão vermelho.


― Caramba, Pat, eu... – Começou Remo desajeitadamente.


― Ah não precisa agradecer, Remo, eu percebi que você estava tentando dispensar a menina, então pensei em... Quer dizer, espero que você não tenha se importado, quer dizer, eu me meti tentando te ajudar, mas não tive a intenção de...


Ela se calou de repente.


Remo pensou que talvez estivesse dominado por alguma doença, algum ser de outro mundo, ou qualquer coisa desse tipo, pois jamais se imaginou fazendo isso, mas a visão de Patsy ali parada a sua frente, corada, desajeitada com as palavras, foi realmente a coisa mais linda que ele já vira, ele não conseguiu pensar em nada, aliás, ele não pensou, a única coisa que ele foi capaz de fazer foi selar seus lábios aos dela, beijando-a intensamente.


 


 Lilian olhou pra Thiago após ter percebido que o refeitório já estava quase vazio. A ruiva levantou-se e puxou Thiago que fingia dormir, pelas mãos.


-- Anda logo Thiago, depois do fim de semana é melhor não deixar ninguém sozinho por ai.


Thiago ainda de olhos fechados riu diante das palavras da ruiva.


-- Você quis dizer “melhor não deixar eu sozinho”?


A ruiva arqueou as sobrancelhas diante do convencimento do maroto que passava a mão pelos cabelos rindo. Lilian revirou os olhos, virando o corpo pra sair do refeitório, porém Thiago a puxou pela mão fazendo-a cair sobre ele no sofá.


-- POTTER!!  - Ela disse assustada e Thiago riu mais ainda, virando a ruiva no sofá e ficando por cima dela.


-- Que saudade de ouvir você gritar “Potter”.


Lilian revirou os olhos reprimindo uma careta.


-- Se quer que eu volte a implicar com você é só falar, eu farei com grande “sacrifício” – ela disse num tom falso, e Thiago riu novamente com a ruiva, que ria junto. Então sem Lilian esperar Thiago a beijou.


Lilian abraçou o maroto, não sabia o que estava acontecendo com ela, não era porque os dois não estavam mais brigando toda vez que chegavam perto que eles tinham que ficar como dois namorados, coisa que nem de longe eles eram.


Então um pensamento passou pela cabeça de Lilian, e se Thiago estava fazendo aquilo só pros amigos verem que ele conseguira dobrar a ruiva?


Thiago terminou o beijo e Lilian refletindo em seus pensamentos, afastou Thiago levantando-se.


-- É melhor irmos pra aula, Potter. – ela disse estranhamente e Thiago percebeu isso, segurando na mão da ruiva, beijando-a delicadamente.


-- O que foi, Lilly?


-- Não quero perder a aula, Potter. – Ela disse antes de soltar a mão dele e seguir em direção a saída do refeitório. Thiago deu um pulo do sofá correndo ate ela e segurando-a pelo braço. Lilian se virou.


Thiago segurou nos braços de Lilian e foi caminhando pra frente fazendo a ruiva ficar encurralada na parede atrás de si, que dava inicio ao corredor.


A ruiva ergueu a sobrancelha olhando séria pro maroto.


-- O que você pensa que esta fazendo Potter?


-- Isso. – disse Thiago, antes de beijar Lilian intensamente.


  


                                                                                        ***


― Fala Digão!


Diggle veio correndo se juntar aos marotos enquanto eles entravam na sala de aula e iam direto pras carteiras ao fundo.


― E ae como foi o feriadão? Pegou muito?


O garoto baixinho riu da pergunta de Sirius e balançou a cabeça, indignado.


― Que nada cara, tive que ir naquela porra da Praça Ramos ajudar a véia.


― Foi fazer o que na Praça Ramos?


― A mãe dele é jornalista, esqueceu? – Remo retirava da mochila o livro, enquanto Patsy se sentava ao seu lado, observando cautelosamente a conversa dos meninos, ela não parecia ser a única, Lilian que agora se sentava com Thiago, próximos de Sirius e Lia, parou com as mãos no zíper da mochila observando a conversa.


― Sua mãe é jornalista? Que legal!


As meninas concordaram com Lilian acenando a cabeça, enquanto o garoto continuava.


― É, ela tirou o fim de semana pra terminar uma matéria sobre os moradores de rua.


― Sério?! – As três garotas exclamaram juntas.


― E tem moradores de rua na Praça Ramos?


― Ta brincando, o centro de São Paulo é o ninho da miséria, nunca foram lá não? – indagou o garoto ao ver a cara de espanto das meninas.


― Qual é, em que mundo vocês vivem? Isso aqui é São Paulo, não se pode esperar um paraíso em todo lugar né.


― Infelizmente, pelo menos uma vez na vida, o Almofadinhas disse uma coisa que preste.


Eles riram e Sirius tacou a borracha em cima de Thiago que desviou fazendo a borracha acertar um colega de classe atrás dele.


― Ô foi mal. – Sirius deu um sorrisinho amarelo.


― É, acho que poucos lugares em São Paulo não tem isso não é, gente na rua, mendigando e tudo mais.


― Eu já vi, claro, quem em são Paulo nunca viu, mas não achei que fosse tão... Quer dizer, achei que era só nos lugares onde eu vi.


― Que isso Lilly, tem em todo lugar, só não tem aqui onde a gente mora e olhe lá, se você olhar bem, na paulista tem de montão.


― É, e ali na consolação também, acho aquela avenida muito ridícula cara, mais pichada que as carteiras onde o Almofadinhas senta.


Mais uma vez uma onda de risos se fez presente quando mais uma vez Sirius tacou a borracha na direção de Thiago e acertou mais uma vez o colega atrás que soltou um chiado bravo.


― Agora foi culpa desse viadinho, ó. – Sirius se apressou apontando pra Thiago que riu debochadamente de Sirius.


― Sr. Potter e Black. – A voz alta da professora ecoou pela sala e os meninos fingiram estar comportados, causando risos abafados. – Será que vou ter que separar os senhores?


― Que isso, Profª McGonnagall, estamos discutindo sua matéria aqui, não é Pontas.


― É Profª, estou ensinando pro Almofadinhas o que só ele tapado não entende o que a Senhora explica tão perfeitamente bem.


Os alunos à volta riram e Sirius fez menção de pegar a borracha mais uma vez pra tacar em Thiago, mas se contentou em fuzilar o amigo com os olhos, enquanto a professora balançava a cabeça, tentando não demonstrar o riso em seus lábios.


― Sem enrolação vocês dois heim.


Sirius e Thiago voltaram pros livros abertos em cima da mesa e fingiram estar estudando, enquanto as meninas voltavam a atenção pro caderno.


― Se quiserem a gente leva vocês lá.


As meninas viraram o rosto pra ver um Sirius inclinado sobre a carteira.


― Levar a gente aonde? – indagou Lia sem entender.


― Na Praça Ramos.


― É. Pra vocês verem de verdade a miséria.


― Ah qual é, se vocês vão levar elas na Praça Ramos pra ver miséria, então leva na favela também, lá é pior.


― Mas na favela eles têm casa, Diggle. Na Praça Ramos não.


― Na favela só tem esgoto, pra elas verem esgoto eu levo elas na Marginal.


Eles riram de Sirius, tentando abafar o riso.


― Vamos mostrar pra vocês como São Paulo realmente é.


― E ai, topam?


As meninas se entreolharam, pensando.


― Tudo bem.


Lilian concordou enquanto Thiago passava a mão pelos cabelos.


― Vamos levar as dondoquinhas pra andar de busão em Sampa.


E as meninas riram.


                                                                                              ***


  Não era muito longe o bairro Jardins da Praça Ramos, por isso eles caminharam ate a Paulista, onde pegaram um ônibus.


As meninas, que sentaram ao fundo do ônibus com os meninos, não sabiam se riam ou se tentavam fingir que não os conheciam, pois em cada lombada que o ônibus passava, eles pulavam nos bancos gritando e agindo que nem loucos.


Em pouco mais de dez minutos eles chegaram ao ponto em frente a estação Ahangabau.


Eles desceram do ônibus e seguiram a rua até virar a esquina.


A impressão que Lilian teve era que metade da população de São Paulo se concentrava ali. Varias pessoas iam e vinham apressadas, o lugar era bem amplo, a calçada na verdade quase parecia uma praça por seu tamanho bem espaçoso. Na esquina havia o que pareceu um shopping que por fora tinha a aparência de um prédio muito antigo, logo a frente uma banca de jornal onde dava inicio a parte superior do viaduto Chá, uma espécie de ponte acima do viaduto, a qual não tinha a mesma aparência conservada e limpa como as ruas que eles estavam acostumados.


Eles continuaram caminhando, adentrando pela imensa calçada que lhes dava a impressão de ser uma rua de pedra, Lilian parou, sendo acompanhada de perto pelos amigos.


A beira da ponte eles podiam ver a paisagem lá em baixo, a entrada e saída do viaduto do qual eles se encontravam acima, vários carros em alta velocidade passavam indo e vindo e o movimento da cidade as fascinavam, era como se pela primeira vez eles estivessem parando para observar o mundo em movimento.


Na calçada, a beira da ponte, havia varias pessoas de aparência pobre e mal cuidada,  alguns vendendo objetos, ou doces, alguns pareciam ser cartomantes e entre eles, um senhorzinho com um violino nas mãos, tocando uma melodia suave e triste.


As meninas continuaram caminhando lentamente pela calçada, mais a frente havia um homem deitado, coberto por uma coberta suja e rasgada em vários pontos, passando a mão pelos ombros de Lilian, Thiago a viu abraçar os próprios braços, percebendo que o tempo em São Paulo estava frio demais para aquela pessoa estar dormindo ali, daquele jeito. Será que a noite em São Paulo era fria e perigosa demais para ele só conseguir do dormir de dia, mesmo com todo aquele barulho e pessoas a volta?


Ainda caminhando pela calçada, eles viram uma mulher com um bebezinho no colo, sentada a um canto, um homem ia e vinha ate ela, lhe falando baixo e voltava ao meio da calçada, com uma caixinha de chocolate nas mãos, a qual ele tentava vender, apenas uma família, mais uma entre tantas em São Paulo, tentando sobreviver, porque viver era muito, era uma coisa que eles não faziam talvez há muito tempo.


Lilian viu Patsy segurar firme no braço de Remo e pedir baixinho para voltarem, ela estava vendo um senhor sentado em uma cadeira segurando o que lhe parecia uma placa grande que indicava que alguma pessoa comprava e vendia alguma coisa que elas não prestaram atenção.


A visão do velho senhor chamava mais a atenção delas que qualquer outra coisa naquela imunda calçada, ele era muito de idade, sua pele muito enrugada e os ossos dos braços que seguravam a placa era quase visível devido a sua magreza profunda, mesmo de longe Thiago pôde ouvir os soluços de Patsy e Lia que estavam paradas mais a frente.


Nada naquele lugar pareciam reais ou belas, as paredes das grandes lojas eram pichadas, as ruas eram imundas e as pessoas iam e vinham, em saltos e ternos, sem prestar a menor atenção a sua volta, com seus fones ou celulares nos ouvidos não ouviam nada, com seus óculos escuros eles não viam nada, com seus sapatos lustrados eles não sabiam nem onde pisavam, não prestavam atenção em absolutamente nada a não ser em si próprios, era como se tudo aquilo fosse tão normal ou tão sem importância, que não era absolutamente nada. Pessoas passando fome, pessoas lutando para sobreviver, passando frio, sem ter onde dormir, sem ter o que comer, lutando ate suas ultimas forças para sobreviver no meio daquele caos e ninguém mais parecia se importar com aquilo.


Lilian levou as mãos ao rosto e saiu caminhando, quase correndo, até o fim da calçada, pra longe de tudo aquilo. Thiago que sentira suas mãos escorregarem pelos ombros de Lilian antes dela sair apressada, teve que apressar os passos para alcançá-la. Ele viu Lilian parar, ainda com as mãos no rosto, e sentar-se na beirada da calçada, enquanto as pessoas iam e vinham sem sequer notá-la tampouco.


Thiago agachou-se a frente de Lilian, as mãos no rosto ocultava-lhe o nariz e a boca, mas ele podia ver-lhe os olhos verdes, agora levemente avermelhados e cheios de lagrimas, sentindo-se profundamente sensibilizado por vê-la daquele jeito, Thiago levou uma das mãos aos cabelos da ruiva acariciando-os levemente, enquanto Sirius, Lia, Remo e Patsy se aproximavam. Ele viu que Remo abraçava uma Patsy também soluçante e Lia se agachou-se próxima a ele, também com os olhos vermelhos e lagrimas escorrendo por seu rosto. Ela levou a mão ate uma das mãos de Lilian que tampava o rosto e segurou-a levemente, sem dizer uma palavra.


Então Lilian afrouxou as mãos e abraçou Lia num átimo de desespero, começando a chorar compulsivamente, Thiago sentiu os próprios olhos se encherem de lagrimas, era como se elas tivessem recebido uma noticia horrível de alguma morte, mas não, aquele desespero, aquelas lagrimas, como Thiago jamais vira na vida, era por causa de tudo que ninguém mais via, apenas eles.


Sirius sentou-se na calçada ao lado de Lilian, observando as duas amigas abraçadas, soluçantes, ele sabia que Sirius se sentia como ele, impotente, incapaz de dizer ou fazer qualquer coisa para acalmá-las, porque não havia absolutamente nada que pudessem fazer, nada poderia justificar tudo aquilo a não ser a indiferença e egoísmo da sociedade que fizera tudo aquilo acontecer, e não havia palavras para ele explicar, justificar ou apaziguar uma dor como aquela, a dor da indignação.


― Por que...?


Ele ouviu Lilian balbuciar, as palavras abafadas nos ombros e cabelos loiros de Lia.


― Porque existe tudo isso?


Thiago levou a mão aos cabelos de Lilian acariciando-os, desejava profundamente poder fazer algo para aquelas lágrimas cessarem e aquela dor, que ele sentia em sua própria pele, emanando de Lilian como uma luz intensa e repleta de indignação, de revolta.


Lilian desfez o abraço de Lia e se afastou ,dessa vez seu rosto estava banhado em lagrimas, vermelho como seus olhos que ainda estavam cheios de lagrimas. Ela levou a mão ao rosto enxugando as lagrimas que insistiam em cair-lhe dos olhos pelo rosto.


― Como? Como eles não vêem? Deus, me diz como eles podem passar por tudo isso e não ver?


― Eles vêem Lilly. – Lia disse com a voz embargada em lagrimas e Lilian ergueu os olhos pra amiga indignada, como se não entendesse o que ela estava dizendo.


― Eles vêem, só não enxergam.


― Eles só enxergam o que interessa, só seus próprios mundinhos egoístas e medíocres.


Thiago não precisou erguer os olhos para saber que Patsy, logo atrás deles, estava também com o rosto repleto de lagrimas e os olhos vermelhos. Ele queria dizer algo, mas não conseguia.


Sirius levou a mão ao rosto de Lia, secando-lhe as lagrimas e ela sorriu tristemente pra ele, que se levantou e estendeu a mão pra Lia segurar e se levantar, sendo abraçada pelo maroto em seguida.


Thiago acariciou o rosto úmido de Lilian, falando baixo pra ela.


― Vem Lilly, vamos pra outro lugar.


Ele passou a outra mão em volta dos ombros dela ajudando-a a se levantar, e a abraçando de lado ele passou a caminhar com a ruiva, atravessando a rua e saindo em uma enorme praça, a muito conhecida Praça Ramos.


Sirius sugeriu que fossem ate um Mc’Donnalds próximo dali e eles seguiram pra lá, era um bom lugar para conversarem e as meninas se acalmarem.


A praça era repleta de pequenas ruazinhas onde apenas pessoas caminhavam agitadas e apressadas, havia vários vendedores ambulantes e panfleteiros que tentavam chamar a atenção das pessoas. Eles passaram pela praça entrando em uma das ruazinhas e caminhando poucos minutos ate chegarem ao Mc’Donnalds.


Thiago sugeriu que as meninas esperassem no andar de cima, guardando lugar para eles, enquanto eles pegavam os lanches lá em baixo.


As meninas subiram e depois de limparem o rosto e darem uma ajeitada na aparência no banheiro das meninas no andar superior, elas sentaram a um canto, guardando os lugares dos meninos que logo voltaram trazendo seis lanches, batatas fritas e refrigerantes.


Os bancos eram almofadados e colados a parede, parecendo um enorme sofá em volto pelas mesas, uma das mesas, a do canto era arredondada, onde Sirius já sentou-se rapidamente, puxando Lia pra sentar-se com ele na mesma.


Thiago sentou-se ao lado de Lilian e Remo ao lado de Patsy, enquanto eles pegavam cada um seus lanches.


As meninas riram quando Thiago deu um tapa na mão de Sirius que fingia ir pegar o lanche dele.


― Tira a pata, Sirius.


― É igual ao meu, ô bobão.


Sirius riu pegando uma batata frita e enfiando na boca.


― E ai, vamos repetir nosso passeio pela adorável Praça Ramos?


As meninas lançaram um olhar irritado a Sirius que gargalhou roucamente.


― Estava brincando, pow.


― Não pretendo voltar aqui nunca mais.


― Lilly... – começou Thiago segurando a mão da ruiva carinhosamente. – Infelizmente isso existe em todo lugar por aqui.


― E o que fazemos? Ficamos sentados assistindo isso como se nada tivesse acontecendo? Agindo como aquelas pessoas, que são cegas e não enxergam nada?


Eles sabiam o que Lilian queria dizer, e sabiam que ela tinha razão, absolutamente razão em tudo que ela estava dizendo.


― A Pat tem razão, eles só enxergam o mundinho deles, a vidinha deles. Não se preocupam com o que acontece com as pessoas desde que não interfira na vida deles, não é?


― É Lia, infelizmente, como você disse: Eles vêem, mas não enxergam. E essa é a realidade.


― E a gente vai fazer o que? – Continuou Sirius ao que Remo dizia. – Parece que ninguém mais se importa, nem se a gente sair falando por ai, eles não querem ouvir, esta bom pra eles, afinal não são eles na rua mesmo.


― Gente isso é um absurdo. Eu não consigo acreditar nisso.


― É Lilly, um absurdo sem tamanho.


Thiago tomou um gole da sua coca, enquanto eles permaneciam em silencio comendo seus lanches, pensativos.


Se pudesse mudariam o mundo, Thiago sabia disso, se pudessem fariam qualquer coisa, revolucionariam o mundo, transformariam a vida daquelas pessoas. Mas o que seis jovens poderiam fazer contra toda aquela injustiça social? Contra toda aquela pobreza, miséria que habitava em baixo do nariz daquelas pessoas que não conseguiam ver, nem enxergar, nem enxergar nada além dos próprios umbigos?


 




 *N/A:


Desculpemmmmm a demora
nunca demorei tanto pra postar um cap, mas é que a vida anda super corrida
mas eu prometo nao demorar muito mais
alguns caps seguintes ja estao prontos, entao vou continuar escrevendo pra nao demorar muito pra postar pra vcs
prometo (yn)
Espero que tenham gostado do cap, que alias esta um pouquinho grande neh hihi
E comentemmmmm
digam o que acharam, é MUITO, extremamente animador quando vejo os comentariozinhos lindos *-*

Ps. Postando esse cap dia 18/11, ou seja, É AMANHAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA
estou taooooo ansiosa *---------*
E comentem aqui tambem sobre o que acharam da primeira parte de HP 7
*---*

Então é isso, ate o proximo cap
Beijoooo
Lanah Black

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Comentários (1)

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